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A complexa paisagem da região vitícola de Lisboa

TEXTO MANUEL MADEIRA E VIRGÍLIO LOUREIRO

O potencial de uma região vitícola só pode ser devidamente explorado quando os seus produtores têm orgulho na identidade e originalidade dos vinhos que produzem. E isso só é possível quando tiram partido da paisagem em todas as suas vertentes. Essa tarefa está por fazer ou é incipiente na maioria das regiões vitícolas portuguesas, incluindo a de Lisboa. Se a essas limitações acrescentarmos as ameaças e desafios com que se confronta a viticultura do século XXI, nomeadamente as alterações climáticas, a necessidade de uma atividade sustentável e o respeito pelo ambiente e biodiversidade, percebe-se a importância de individualizar os principais tipos de paisagem da região de Lisboa, de forma a permitir selecionar racionalmente as castas e técnicas vitícolas para cada um deles.

4 | EPICUR ESPECIAL LISBOA: DE A ALCOBAÇA Tiragem: 8000 Pág: 5

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Paisagem representativa da DOP Torres5 Vedras Tiragem: 8000 Pág: 6

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Paisagem representativa da DOP Óbidos

região onde são produzidos os terraços, arenitos, leitos de calhaus Lisboa e diferentes chaminés e aparelhos vinhos com indicação geográfica rolados e calcários margosos e gresosos e vulcânicos exumados. Por fim, ainda que A“Lisboa” é generalizadamente calcários rijos), Oligocénico, Eocénico e pontualmente, ocorrem formações aberta à influência do oceano, muito Paleocénico (argilas, margas, conglome- magmáticas mais antigas associadas à extensa, multifacetada quanto à rados e arenitos), ao Cretácico e Jurássi- “província magmática do Atlântico geologia, morfologia do terreno, co, que são as de maior representativida- Central” - transição do período Triássico microclimatologia e solos, conferindo- de e mais antigas (arenitos, para o Jurássico – e representadas por -lhe uma diferenciação e beleza conglomerados e calhaus rolados, filões e rede de aparelhos vulcânicos. deslumbrantes, mas também uma genericamente associados a solos de complexidade ecológica que desafia a textura grosseira a média e de reação Relevo muito contrastante capacidade técnica e criativa de ácida, arenitos calcários, argilas, margas, Quem percorre a região poderá não se vitivinicultores e decisores. Não margas salíferas, margas gipsíferas, aperceber da complexidade geológica, surpreende, por isso, que haja tantos calcários margosos a calcários duros, mas não deve ficar indiferente aos estilos de vinho, que percorrem toda a calcários dolomíticos, frequentemente contrastes e variações orográficas, escala da qualidade. associados a solos com reação alcalina e reconhecendo a proeminência de com carbonato de cálcio). Além dessas maciços montanhosos calcários ou Geologia muito complexa formações, têm também expressão as eruptivos – principal traço de originali- A geologia da paisagem da Região de formações eruptivas, em que avultam, dade –, o contraste entre cabeços e vales, Lisboa, como sucede na vizinha por um lado, as do Maciço Eruptivo da as colinas e os vales de grande extensão, Bairrada, caracteriza-se pela presença Serra de Sintra, que emergiu durante o como o Vale Tifónico das Caldas da generalizada de formações sedimentares, Cretácico Superior (75-80 milhões de Rainha, que se estende da Nazaré a desde o Holocénico (areias, areias de anos) e abarca granitos, sienitos e Óbidos. A diversidade e as abruptas dunas, aluviões, depósitos de vertente e dioritos/gabro e, por outro, o Complexo variações das formações geológicas que formações detríticas de “terra rossa”), Vulcânico de Lisboa-Mafra, datado desde afloram na região decorrem dos Plio-Plistocénico, Pliocénico e Miocénico o Cretácico Superior ao Eocénico, que movimentos tectónicos (incluindo a (areias eólicas, depósitos de praias e inclui as formações basálticas da área de tectónica salífera) durante os vários Tiragem: 8000 Pág: 7

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Paisagem representativa da DOP Alenquer

períodos geológicos, evidenciados por vales tifónicos, merecendo destaque, das Canárias”. Essa influência traduz-se inúmeras falhas e fraturas, abatimentos, pela sua extensão, o que se desenvolve na amenidade do clima, com invernos levantamentos, deformações, dobramen- desde a Nazaré até Óbidos. Para a suaves e verões não muito quentes, em tos e basculamentos. A esses movimen- diferenciação orográfica da região, fracas amplitudes térmicas e elevada tos associaram-se a incisão e a erosão também importa, por um lado, conside- humidade relativa durante todo o ano, a diferencial das diferentes formações rar a contribuição da Serra de Sintra e, que se associam os frequentes nevoeiros geológicas pela rede de drenagem dos por outro, os inúmeros cabeços matinais e orvalhadas no período pequenos cursos de água, pondo a associados ao Complexo Vulcânico de vegetativo. Ainda assim, a ocorrência de descoberto os diferentes substratos Lisboa-Mafra, numa área de forte 2 a 3 meses secos no Estio dá ao clima o geológicos mais antigos. A evolução do representatividade das altitudes entre caráter mediterrâneo. A abertura ao relevo da região resultou, assim, de um 200 e 400 m, que constituíram o oceano expõe a região à característica complexo processo controlado pelo suporte natural para a implantação do berlengada, que sopra regularmente no clima, tectónica e oscilações do nível do engenhoso sistema de defesa militar das verão e conduz ar húmido para o mar, originando áreas baixas e planas Linhas de Torres. A poderosa ação dos interior da região, conferindo-lhe a ou mesmo depressionárias e mal movimentos tectónicos, a emergência característica nebulosa. Tais condições drenadas e fortes diferenças no declive das formações eruptivas, as formas determinam, em grande parte da região, dos terrenos, definindo condições cársicas (algares, depressões e vales uma insolação anual reduzida – cerca de hidrogeológicas e de drenagem muito secos) e o desenvolvimento da rede 2400-2600 horas – semelhante à das diferenciadas. Está aí a origem dos hidrográfica originaram, portanto, o regiões da Bairrada e Entre-Douro e maciços montanhosos calcários que forte contraste do relevo no presente. Minho. Estas circunstâncias retardam a emergem na região, como a Serra de maturação das uvas, mas favorecem a Montejunto, que constitui o miradouro Clima bastante homogéneo sua componente aromática e ácida, de natural mais alto da região, a Serra de A região está aberta em toda a extensão grande importância para a elegância Candeeiros e a Serra de Aire, ambas à influência do oceano, numa latitude dos vinhos. Todavia, a humidade englobadas no Maciço Calcário Estreme- em que se verifica o afloramento do elevada e o orvalho facilitam a prolifera- nho, bem como o relevo associado a denominado “Sistema Norte da Corrente ção dos fungos, obrigando a constantes Tiragem: 8000 Pág: 8

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Paisagem de vinhas antigas de Alcobaça (DOP Encostas de Aire)

e onerosos tratamentos das vinhas. do Tejo, diferenciam-se fortemente das fortemente condicionam a diferenciação Não obstante a subordinação da Região restantes pela maior radiação e das características dos solos, é também à predominante influência oceânica, a temperatura. Ainda, as serras de expectável uma extrema variabilidade aludida diversidade orográfica (altitude Candeeiros e de Aire constituem uma de tipos de solos e da expressão das e orientação), a direção das linhas de barreira à expansão da influência suas funcionalidades. Será esta uma das água e rios e a distância à linha de costa oceânica para o interior do País, criando razões por que, ao contrário da modelam a expressão dos elementos grandes contrastes entre, por exemplo, a Bairrada, em que a natureza do solo é climáticos desde a escala regional à sub-região de Alcobaça, localizada a constantemente invocada, na Região de local. A exemplo de outras regiões Oeste, e a sub-região de Ourém, Lisboa a norma é a exaltação de locais e confrontantes ao oceano, ocorrem localizada a Leste. Importa salientar, DOP´s. Segundo a Base de Referência gradientes dos elementos climáticos do pois, que as vinhas nas diferentes áreas Mundial de Solos e tendo em conta a litoral para o interior tais como a da região também estão sujeitas a informação cartográfica disponível temperatura e amplitudes térmicas, acentuadas variações microclimáticas, (mas insuficiente), ocorrem Fluviosso- insolação, precipitação, humidade obrigando a uma escolha criteriosa das los, nas áreas aluviais e de terraços relativa do ar, direção e velocidade do castas e do cultivo e condução da vinha. baixos, associados a elevada produtivi- vento e geadas tardias. Por exemplo, à dade, dada a sua grande espessura e escala da região, a Serra de Sintra, Solos muito distintos favoráveis condições de humidade, mas devido à sua orientação E-W, atua como Em contraste com a relativa homogenei- impróprios para a viticultura; Arenosso- barreira aos ventos predominantes de dade e amenidade climáticas, a los e Podzóis desenvolvidos sobre N-NW carregados de humidade, paisagem da região mostra uma enorme formações arenosas (nomeadamente as determinando microclimas contrastan- variedade de rochas e de relevo, dunares); Regossolos, Regossolos tes a Norte e a Sul. Também as áreas de condicionando a natureza do coberto calcáricos, Cambissolos e Cambissolos Alenquer e de Arruda dos Vinhos, vegetal e o uso do solo. Como a natureza Calcáricos, com características físicas e protegidas da influência oceânica pela das rochas e o relevo são, no ambiente químicas muito dependentes da serra de Montejunto e abertas ao Vale mediterrâneo, as variáveis que mais natureza dos materiais geológicos sobre Tiragem: 8000 Pág: 9

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Vinha de chão-de-areia, DOP Colares

os quais se desenvolvem; Leptossolos, drenagem e arejamento, disponibilidade complexos, seja à escala da região seja à os ditos solos delgados e impróprios de nutrientes, facilidade de execução das diferentes DOP´s. À luz da atual para cultivo e frequentemente associa- das práticas de cultivo (são frequentes diferenciação das DOP´s, reconhece-se a dos a cobertura florestal; e, eventual- os solos difíceis de trabalhar e que homogeneidade de algumas delas, como mente, Calcissolos, Vertissolos e “atascam”), riscos de erosão e desliza- Colares, Carcavelos e, em certa medida Luvissolos. Estas designações taxonó- mento de terras e cuidados inerentes à Bucelas e Arruda dos Vinhos. Porém, as micas, no entanto, terão pouca utilidade conservação do solo e da água, consen- DOP´s de Alenquer, Lourinhã, Óbidos e se não houver a necessária informação tâneos com uma gestão sustentável de são demasiado extensas e das propriedades do solo, indispensá- ecossistemas. heterogéneas para suportarem estilos de veis para fundamentar as opções de Em conclusão, é muito desejável que a vinhos identitários. Finalmente, a DOP cultivo e condução da vinha. Assim, ao tutela desenvolva um sistema de “Encostas de Aire”, abarcando as complexo mosaico de solos da região zonagem fundamentado da região e sub-regiões de Alcobaça e Ourém, é um corresponde uma ampla variabilidade respcetivas Denominações de Origem paradigma da diversidade. Neste caso, quanto à profundidade e pedregosidade, Protegida (DOP´s), estimulando a uma demarcação com base na tradição textura (arenosa a argilosa), composição adequada escolha de castas e de práticas histórica seria mais fácil de aceitar e mineral da fração argila, grau de de gestão da vinha de acordo com as fundamentar. fendilhamento e compacidade, teor de múltiplas condições ecológicas locais, matéria orgânica, reação (ácida a com vista à definição da identidade e alcalina) e teores de calcário e calcário originalidade dos vinhos. ativo, condicionantes da disponibilidade Nota: Os autores agradecem aos colegas de nutrientes. Deste modo, aos diferen- As especificidades das Denomina- José António Gomes Pereira e João tes tipos de solos da região estão ções de Origem Protegidas Melícias e ao Senhor Carlos João Pereira associados padrões muito variáveis Os elementos do ambiente físico da Fonseca terem servido de guias e quanto às condições de enraizamento capazes de diferenciar potenciais facultado prestimosas informações das videiras, disponibilidade hídrica, zonagens vitícolas são muito variados e durante as visitas à região.