BOLETIM DO CEIB Belo Horizonte, Volume 18, Número 58, Julho/2014

EDITORIAL EM TORNO DO NASCIMENTO DE ANTÔNIO FRANCISCO Em 18 de novembro deste ano estaremos celebrando os 200 anos da LISBOA, O ALEIJADINHO morte de Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido como Aleijadinho, Célio Macedo Alves* maior escultor do período colonial de Foto: Beatriz Coelho Minas e do Brasil. Ele é o autor de obras de extraordinária importância, como as cenas da Paixão de Cristo, em madeira policromada, e os profetas em pedra sabão de ; os riscos das Igrejas de São Francisco de Assis em e de São Francisco e Nossa Senhora do Carmo em São João del-Rei. Muitas atividades culturais estão sendo a ele dedicadas, como exposições, palestras e publicações sobre sua vida e sua obra. Dois livros foram lançados recentemente: O Aleijadinho revelado: Estudos históricos sobre Antônio Francisco Lisboa, de autoria do promotor e pesquisador, Marcos Paulo de Souza Miranda, e Antônio Francisco Lisboa do professor emérito da Escola de Arquitetura da UFMG e pesquisador bastante Figura 1 - Basílica do Bom de Matosinhos. Profetas: Antônio Francisco Lisboa, conhecido, Ivo Porto de Menezes. 1799/1801. Congonhas, . O Centro de Estudos da Imaginária Brasileira, (Ceib), tem a satisfação de Resumo: o objetivo deste artigo é incertezas. Sendo assim, muitas são as participar dessas celebrações, com a apresentar e analisar algumas provas dúvidas quanto ao seu nascimento, à sua publicação, neste número do Boletim documentais que possam refutar a data de filiação paternal e maternal, ao seu do Ceib, do artigo Em torno do nascimento de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, em 29 de agosto de 1730, como nascimento de Antônio Francisco aprendizado, à sua doença e mesmo à sua admite Rodrigo Ferreira Bretas em artigo produção artística, cujo estabelecimento Lisboa, o Aleijadinho, de autoria de biográfico sobre o artista publicado no ano Célio Macedo Alves, pesquisador e de 1858. de uma cronologia plausível ainda é uma professor da Universidade Federal de tarefa bastante espinhosa para os Palavras-chave: Ouro Preto. Essas publicações se Aleijadinho, biografia, arte colonial, pesquisadores e historiadores da arte. completam, trazendo importantes provas documentais, data de nascimento. indagaçoes e respostas sobre vida e A intenção desse texto não é procurar obra do Mestre Aleijadinho. desatar todos os nós que envolvem essa O ano de 2014 é muito significativo espetacular história, mas tão somente para a história da arte colonial mineira, INFORMAÇAÕ IMPORTANTE lançar luz sobre qual seria a provável data já que nele se comemora os duzentos de nascimento do artista. Afinal de contas, O mandato da atual diretoria do anos da morte de Antônio Francisco Aleijadinho nasceu em 1730 ou em 1738? Centro de Estudos da Imaginária Lisboa, um dos maiores escultores da Apesar de haver hoje um consenso nesse Brasileira termina no dia 29 de história da arte mundial. Neste último marco, alguns estudiosos e mesmo outubro deste ano de 2014. aspecto, aliás, Aleijadinho pode ser Os sócios interessados em fazer alguns compêndios de história da arte parte da nova diretoria, igualado aos grandes mestres da brasileira ainda se mantêm fiel à primeira especialmente os que residem em escultura de todos os tempos, como data. Belo Horizonte ou na região Donatello, Benenuto Cellini, Giovanni metropolitana, deverão inscrever-se de Bologna, Bernini, Miguel Ângelo, O primeiro esboço de uma biografia do através do correio eletrônico até o dia 29 de setembro, apresentando Rodin, entre tantos outros mestres. No famoso artista mulato mineiro, veio à tona curriculum vitae resumido. entanto, apesar de bastante estudado no século XIX, quando fatos de sua vida Os cargos sâo: presidente e vice- na historiografia da arte, facetas de sua ainda se encontravam frescos na memória a a presidente;1 e 2 secretária(o); vida social e artística encontram-se dos moradores de Ouro Preto, onde 1a e 2a tesoureira(o). ainda envoltas por densas nuvens de nasceu e faleceu Aleijadinho. Trata-se do 2 Belo Horizonte, Volume 18, Número 588, Julho/2014 BOLETIM DO CEIB

Foto: Beatriz Coelho batismo consta o seguinte: “Aos vinte e nove dias do mês de Agosto de mil setecentos e trinta nesta Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição com licença minha Baptizou o reverendo Padre João de Brito a Antônio, filho de Izabel Escrava de Manoel Francisco da Costa do Bom Sucesso, e lhe pôs os sanctos óleos, e deu o dito seo Senhor por forro; foi padrinho Antônio dos Reys, de que fiz este assento dia e data supra, o Vigário Simão Félix Simão de Paiva.” (MARTINS, 1974, vol. 1, p. 385 – destaque nosso)

Observa-se então que Bretas, em sua biografia, acrescenta deliberadamente ao nome Manoel Francisco da Costa, que consta do assento, o cognome Lisboa, por entender se tratar da mesma pessoa. Assinala-se aqui que “Lisboa”, em verdade, não é um nome de família, mas, como era de costume à época, apenas um indicativo do local de origem do indivíduo.

Ainda sobre esse assunto, deve-se assinalar que a referência ao nome de Manuel Francisco, no batismo da criança Antônio, cuja mãe se chama Isabel, sua escrava, não significa, de maneira alguma, que este seja o pai, ainda que das entrelinhas se possa inferir essa suposição. A legislação eclesiástica determinava que os senhores deveriam levar ao batismo, as crianças escravas de sua prole, antes dos sete anos, mesmo que os pais não consentissem. É de crer, então, que Manuel Francisco estivesse Figura 2 - Capela da Ordem Terceira de São Francisco de Assis. Antônio Francisco apenas cumprindo a lei religiosa, agindo Lisboa, O Aleijadinho. Ouro Preto, Minhas Gerais. assim como um bom e correto católico.

Traços Biographicos relativos ao por ocasião de fazel-o baptizar. Outro aspecto a ser destacado no finado Antônio Francisco Lisboa, (destaque nosso)” assento de batismo, é que nele fica publicado pela primeira vez no Correio declarado que o senhor, no caso o Oficial de Minas, edições de nos 169 e Na mesma biografia, porém na parte Manuel Francisco da Costa, concede o 170, no ano de 1858, e escrito por Rodrigo publicada na edição de nº 170, Bretas, em status de forro ao menino. Na verdade, Ferreira Bretas (que não assina o artigo), nota, acrescenta que “Embora a diferença isso é um ato de reconhecimento que se inicia com a afirmação de que de agnome há fundamento para dizer-se expresso do senhor, dono da mãe da “Antônio Francisco Lisboa nasceo a 29 que o nome Manoel Francisco Lisboa e o criança. Mas podia ser também uma de agosto de 1730 no arrabalde desta de Manoel Francisco da Costa que se vontade do padrinho ou da madrinha. Isto cidade que se denomina – o Bom acha no assento de Baptismo relativo ao porque, até a promulgação da Lei do Sucesso, pertencente à freguesia de Aleijadinho pertencem ao mesmo Ventre Livre, pela princesa Isabel, em Nossa Senhora da Conceição de indivíduo. No dito assento suprimiu-se 1871, o filho nascido do fruto de um Antônio Dias, filho natural de Manuel o cognome Lisboa, e no trecho que se relacionamento entre uma escrava e seu Francisco da Costa Lisboa, distinto transcreve acima o agnome Costa. O dono adquiria o mesmo status da mãe, ou architecto portuguez, teve por mãi uma nome do pai do Aleijadinho era Manoel seja, de viver na escravidão. Por fim, africana, ou crioula, de nome Izabel, e Francisco da Costa Lisboa. Localizado outra dúvida gerada pelo assento diz escrava do mesmo Lisboa que o libertou tempos depois, o referido assento de respeito à data do documento, 29 de BOLETIM DO CEIB Belo Horizonte, Volume 18, Número 58, Julho/2014 3

Foto: Beatriz Coelho ponto de contradição. E, neste caso, categoricamente o ano de 1730 como o parece que o assento falou mais alto. do seu nascimento (VASCONCELOS, 1979, p. 10 e 1983, p. 57). Apesar de muitos autores contestarem o fato de Rodrigo Bretas querer afirmar Pareceu-me muito importante averiguar que a criança ali batizada seja o qual seria então a verdadeira data de Antônio Francisco Lisboa, princi- nascimento de Antônio Francisco Lisboa. palmente porque nele se menciona o Afinal de contas, uma diferença de oito nome de um Manuel Francisco, ainda anos – 1730 para 1738 – é relativamente que da Costa, agnome este nunca determinante para se averiguar o mencionado em qualquer outro desenvolvimento artístico de um artista. documento conhecido referente ao No caso de Aleijadinho, se nasceu antes, mestre Manuel Francisco Lisboa, o sua primeira obra documentada, de 1761, certo é que a informação devida ao seria executada aos 31 anos de idade; se Bretas tem sido utilizada frequen- depois, ele teria 23 anos ao executá-la, o temente pela historiografia da arte que denuncia certa precocidade no colonial mineira. Isso de maneira campo das artes por parte de nosso integral ou em parte, ou seja, ora se artista. mantendo ipsis litteris a data estabelecida por Bretas, inclusive Desvendando o mistério. Um dado que filiando Aleijadinho à mãe Isabel, ora chama a atenção no assento de Batismo tomando o assento de batismo por que se valeu Bretas para indicar o verídico, mas emendando a data de provável nascimento de Aleijadinho em Figura 3 - São João da Cruz. Escultura 1738, para coincidir com a idade 1730, é a passagem na qual se diz: em mdadeira policromada !62cm. informada no assento de óbito; outros “Manoel Francisco da Costa do Bom Aleijadinho, 1798/99. Capela da ordem ainda, para preservar o assento de Sucesso.” O próprio Bretas, no início de Terceira de Nossa Senhora do Carmo. batismo, buscam alegar que a idade Sabará, MG. seu Traços Biográphicos já informa que mencionada no óbito pode ter sido Aleijadinho nasceu no arrabalde de Ouro lançada erroneamente ou trata-se de agosto de 1730, que não combina com a Preto, no lugar denominado Bom um erro do copista; mesmo porque, em idade do Aleijadinho assinalada em seu Sucesso. Descrição que se alinha a uma época em que não havia registro de óbito, no respectivo livro documentos da época que situam o Bom documentos de identidade, as pessoas pertencente à Matriz de Nossa Senhora de Sucesso no “arrabalde” da antiga Vila tendiam a equivocarem-se quanto à sua Antônio Dias, cujo teor é o seguinte: “Aos Rica. O nome do lugar vem de um ribeirão idade exata, deixando dúvidas dezoito de novembro de mil setecentos e descoberto pelo bandeirante Bento geralmente indicadas em documentos quatorze, falleceo Antônio Francisco Fernandes Furtado, por volta de 1701, Lisboa, pardo, solteiro, de setenta e seis com a expressão: “fulano de tal, de que lhe deu o nome de Nossa Senhora anos, com todos os Sacramentos tantos anos, para mais ou para menos.” do Bom Sucesso, em homenagem à ecommendado e sepultado em cova da Boa Enfim, apesar das variações, o padroeira de sua cidade de origem, Morte e para clareza fiz passar este assento importante foi querer se preservar este Pindamonhangaba, em . e que assigno, o coadjutor José Comº de registro de batismo, pois afinal de Curioso, neste caso, é que o primitivo Moraes.” (MARTINS, 1974, vol. 1, p. 366- contas era o único que se conhecia de orago dedicado a Nossa Senhora do Bom 367) . um tão renomado artista que viveu em Minas Gerais na época colonial, criador Sucesso nessa cidade paulista foi Por aí se verifica que Aleijadinho morreu de um fantástico mundo de pedra e erguido, em fins do século XVII, pelo em 1814, com 76 anos, que vem deslocar a madeira sem igual no Continente padre João de Faria Fialho, que veio a ser data de seu nascimento para o ano de 1738. Americano. o descobridor de ouro no córrego e localidade que perpetuaria o seu nome, o O próprio Bretas, aliás, parece ter tido O próprio Germain Bazin, autor de uma Padre Faria, em Ouro Preto, nos albores conhecimento desse assento de óbito, pois das mais substanciais obras sobre o do século XVIII. no original manuscrito de seu Traços artista mineiro, ao discorrer sobre a Biográficos, indica como data de questão de seu nascimento, não Através desses documentos, fica-se nascimento de Aleijadinho o ano de 1738, desautoriza nem uma nem a outra data sabendo ainda que tal ribeirão situa-se justificada por uma nota de rodapé na qual (BAZIN, 1971, p.85-88). Já Sylvio de “onde embocam todos os córregos de admite que “Esta é uma opinião fundada Vasconcelos, autor de outra obra Ouro Preto, Antônio Dias e Padre Faria.” no Assento de seu óbito.” Estranhamente, atilada sobre Aleijadinho, não chega a (MATOSO, 1999, vol. 1, p. 179). no entanto, no texto publicado, a nota foi um consenso sobre qual seria a data suprimida, sendo mantida a data correta de seu nascimento e, Bom Sucesso era um lugar que ficava, por correspondente ao assento de batismo. Na curiosamente, em outro texto de sua essas informações, lá no fundo do Padre verdade, era necessário manter a coerência lavra de pouco tempo depois, referente Faria ou lá pelas bandas da capela de Bom de sua biografia, eliminando qualquer a uma publicação comemorativa, admite Jesus das Flores da Taquaral, no 4 Belo Horizonte, Volume 18, Número 58, Julho/2014 BOLETIM DO CEIB

Foto: Lucienne de Almeida Elias para a parte sul” e sendo devedor de ½ oitava de ouro por duas braças de terra” (APM/CMOP, Cx. 11, Doc. 27).

O inventário dos bens que ficaram, de Manuel Francisco Lisboa, de 1768 – o mestre morreu em 07 de junho de 1767 –, traz a informação que ele residia na Barra de Antônio Dias, o que condiz com a informação contida na lista dos devedores acima mencionada (ANUÁRIO, 1954, p.123).

Por esses documentos citados, verifica-se que Manuel Francisco Lisboa sempre residiu, desde a década de 1730, quando seu nome começa a figurar com maior frequência nos documentos, no lado de Antônio Dias, mais exatamente na sua Barra. E não consta em nenhum documento Figura 4 - Última Ceia. (Det.). Esculturas em madeira policromada. Tamanho daquela época que tenha morado nos natural. Primeira capela. Basílica do Bom Jesus de Matosinhos. arrabaldes de Vila Rica, como o Bom Congonhas, Minas Gerais Sucesso. caminho de saída para a antiga Vila do apontado no assento de batismo de Carmo, atual Mariana. Por volta de 1730, “Antônio”, e morador no Bom Sucesso Por fim, outro códice referente a uma época a que se refere o assento de (APM/CMOP, Cx. 02, Doc. 55).” “Lista dos contribuintes para o Real batismo, o local deveria ficar isolado da Donativo”, vem colocar um ponto final área mais urbana da vila, acessível Reforça essa constatação a presença, na nessa questão, em favor da através de caminhos ainda precários. É mesma lista, do nome de Antônio dos Reis duplicidade dos Manueis, visto que de se duvidar que o mestre Manuel – o padrinho da criança no assento de os dois nomes constam em uma mesma Francisco Lisboa, sendo o mesmo Batismo – , inscrito uma linha acima do lista, do ano de 1729: Manuel Manuel Francisco da Costa, residisse em nome de Manoel Francisco da Costa, Francisco Lisboa, possuidor de 15 um local tão afastado, ainda mais, indicando com isso que eram praticamente escravos, listado no distrito de tratando-se de um oficial muito vizinhos lá no Bom Sucesso. Antônio Dias, e Manuel Francisco da requisitado naqueles tempos. Costa, com 3 escravos, listado lá no O nome de Manoel Francisco da Costa é Bom Sucesso (APM/CMOP, Cód. 24, No entanto, a história começou a se citado ainda nas listas de “Pessoas que fl. 72 e 75 v). Destas informações desvendar a partir de informações hão de pagar os donativos reais em Padre infere-se cabalmente, portanto, que levantadas em documentos (códices e Faria, Tacoaral e Bom Sucesso”, nos anos Manuel Francisco Lisboa não é a avulsos) referentes à Câmara Municipal seguintes de 1731 e 1733, sem declarar a mesma pessoa por nome Manuel de Ouro Preto (CMOP) e Casa dos Contos sua ocupação, mas indicando ser Francisco da Costa, morador do Bom (CC), pertencentes ao Arquivo Público possuidor de 5 e 4 escravos, res- Sucesso, que em 29 de agosto de 1730 Mineiro (APM). pectivamente (APM/CC, Cx. 121, planilha conduz à pia batismal da Matriz de 20863 e Cx. 142, planilha 21281). Antônio Dias a criança por nome A primeira informação refere-se a uma lista Antônio, filho de uma escrava sua de pessoas “que hão de pagar donativo Pela mesma época, 1730, existe outra lista chamada Isabel. De onde se deduz, a sua magestade no presente ano de 1730, idêntica para os moradores da freguesia então, que Antônio Francisco Lisboa no distrito de Padre Faria, Tacoaral e Bom de Nossa Senhora de Antônio Dias, na não nasceu em 1730 e nem teve por Sucesso”, na qual se menciona o nome qual consta o nome de Manuel Francisco mãe uma escrava chamada Isabel. Tais do morador, a sua atividade (se um oficial Lisboa, exercendo a sua atividade de informações, ao que tudo indica, mecânico ou um dono de loja) e o número carapina, e declarando ser possuidor de resolve a questão da data de de escravos. Ao final dessa lista, já se 15 escravos (APM/CMOP, Cx. 02, Doc. 34). nascimento do Aleijadinho. Mas e referindo ao Bom Sucesso, encontra-se o quanto à questão de sua paternidade? nome de Manuel Francisco da Costa, para Em outra lista, “Das pessoas que o qual não se menciona nenhum oficio, deveriam pagar foro a Câmara de Vila Bretas foi, sem dúvida, o primeiro a provavelmente se tratasse apenas de um Rica”, do ano de 1739, aparece novamente afirmar que Antônio Francisco Lisboa minerador. E este Manuel Francisco da o nome de Manuel Francisco Lisboa, era filho do mestre português Manuel Costa é certamente o mesmo indivíduo como morador na “rua da Cadeia Velha Francisco Lisboa. Para chegar a essa 5 Belo Horizonte, Volume 18, Número 58, julho/2014 BOLETIM DO CEIB

constatação, ele deixou-se guiar pelas Fonte: internet: msn.lilianpacce.com.br 1738, como se deduz a partir de sua idade informações contidas em um trecho de constante no assento de óbito, em cujo um documento hoje perdido – e ano se deu o casamento de Manuel reproduzido em sua biografia do artista – Francisco, teria sido ele gerado antes do , o Registro dos factos notáveis da casamento ou em meio deste? Trata-se Capitânia, escrito por ordem da rainha de uma questão de difícil solução, mas D. Maria I, por volta de 1790, pelo um dado é certo: Manuel Francisco, como segundo vereador da Câmara de Mariana, bom português que era, casado ou não, o capitão Joaquim José da Silva. teve um achego com uma negra escrava, de seu plantel ou do de outro senhor, ou No referido trecho aparecem duas mesmo uma negra forra, e desse passagens nas quais o autor filia relacionamento carnal nasceu o nosso Aleijadinho a Manuel Francisco Lisboa: Antônio Francisco Lisboa. Nesse “(...) a matriz de Caeté, feita por Antônio aspecto, aliás, o próprio Bretas afirma em Gonçalves Barcarena, debaixo do risco, uma nota da sua Biografia, edição de nº do sobredito Lisboa, cede nas 170, que “Manuel Francisco Lisboa tinha decorações e medidas à matriz de Morro da mãi do Aleijadinho mais dois filhos”, Grande, delineada por seu filho Antônio porém não indicando quem eram e nem Francisco Lisboa”, e “(...) os grandes de onde colheu essa informação. estudos e modelo de escultura feitos pelo filho e discípulo do antigo Manuel O certo é que, perpetuado na História como o verdadeiro pai de Aleijadinho, Francisco Lisboa (...)”. Bretas, certa- Figura 5 - Profeta (det.). Pedra sabão. mente, embasado por essas passagens Aleijadinho. (1799-1801) Tamanho natural. Manuel Francisco irá participar tenha se empenhando em ver naquele Basílica do Bom Jesus de Matosinhos, ativamente da carreira do filho, como Congonhas, Minas Gerais. assento, em função do nome quase emenda o próprio Rodrigues Bretas no semelhante de Manuel Francisco ali início de sua narrativa biográfica: “(...) que oficialmente nunca se encontrou depois de muitos anos de trabalho, tanto contido, o verdadeiro registro de batismo nenhum documento atestando tal do famoso escultor. nesta cidade, como fora dela, sob as paternidade. O que existe, a exceção dessa vistas e risco de seu pai, que então era noticia, são meras suposições em função Pelo fato do Livro da Câmara, destinado tido na província como primeiro arquiteto, da coincidência do sobrenome “Francisco ao “Registro dos factos notáveis”, nunca encetou Antônio Francisco a sua carreira Lisboa” e do fato dos dois terem seus ter sido mais encontrado, muito se de mestre de arquitetura e escultura”. nomes relacionados a obras comuns em duvidou dos dados apontados por Bretas (Destaque nosso). vários locais, principalmente em Vila Rica. em sua biografia do Aleijadinho. No E de crer que Aleijadinho, para estreitar entanto, à luz de novas pesquisas e É sabido que Manuel Francisco Lisboa, esse contato com mestre Manuel, viesse descoberta de documentos inéditos, como ocorreu com muitos outros homens a manter uma residência fixa, apesar do sabe-se que realmente existiu uma Ordem brancos daquela época, costumava-se caráter itinerante de sua atividade, no Régia, datada do ano de 1782, envolver em relações, tidas por ilícitas, mesmo bairro do pai, Antônio Dias, em determinando se fizesse as memórias dos com mulheres negras, forras ou escravas, uma casa situada na “Rua Detrás de fatos notáveis e que várias câmaras uma das quais poderia ter resultado no Antônio Dias”, contígua à igreja Matriz, cumpriram essa ordem, efetuando estas próprio nascimento de Antônio Francisco. que costumava frequentar, levado às crônicas desde 1785 até o século XIX. Em 1734, por exemplo, Manuel foi costas por seu escravo Januário, como Igualmente corrobora a existência do pronunciado juntamente com outro nos informa o próprio Bretas. Livro, o fato de que muitas informações carpinteiro de nome Teodósio Francisco Constatação esta em concordância com sobre obras e artistas reveladas no trecho por terem tratado ilicitamente com a forra um documento da época, referente a uma transcrito na Biografia de Bretas poderem Francisca Alves da Costa. (MARTINS, relação de cobrança de foros em Vila Rica, ser comprovadas por outros tipos de 1974, vol. 1, p. 381). do qual consta o nome de Antônio fontes documentais, o que pode reforçar Francisco Lisboa, indicado como pardo, a possibilidade de ser Aleijadinho Curioso é que Manuel Francisco veio a mas sem fazer referência à sua ocupação, realmente filho de Manuel Francisco contrair matrimônio em 1738 com Antônia que pagou 154 réis de foro, e residindo Lisboa, já que por volta de 1790, quando Maria de São Pedro, de cuja relação no trecho que ia da “Praça até a ponte de foi elaborado o relato da Câmara, essa nasceram os seguintes filhos: Maria da Antônio Dias”. O documento perdeu a notícia devia ser pública e notória entre Conceição Lisboa (nascida por volta de primeira folha, dificultando precisar a sua os moradores de Vila Rica, mesmo depois 1743), Joaquina Francisca Lisboa (± data, porém deve ser anterior a 1789, pois de decorrido 23 anos da morte do mestre 1750), Madalena Tereza de Jesus (± 1754) nele consta também o nome do poeta e português. O autor do relato estaria e Félix Antônio Lisboa (± 1757). Portanto, inconfidente Cláudio Manoel da Costa, apenas repassando essa informação, já se Antônio Francisco veio ao mundo em morador no mesmo trecho, que morreu na 6 Belo Horizonte, Volume 18, Número 58, Julho/2014 BOLETIM DO CEIB

Fonte: Internet: www.abril.com.br - Carol do Valle/Quatro Rodas

DOAÇÕES

O Ceib agradece ao Diretor do Departamento de Bens Móveis e Integrados do Inepac, Rafael Azevedo Fontenelle Gomes, a doação dos seguintes livros para nossa Biblioteca Helena David: Memória da arte franciscana na cidade do Rio de Janeiro: Convento e igreja de Santo Antônio, Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência. Anna Maria Fausto Monteiro de Carvalho, Rosa Maria Costa Ribeiro e Cesar Augusto Tovar Silva. A igreja de Santo Inácio: Cem anos de história. Cesar Augusto Tovar Silva. Nossos agradecimentos também a Dra. Maria Regina Emery Quites, vice- presidente do Ceib, que doou o livro:

Os Terceiros e os seus SANTOS DE VESTIR: Os últimos guardiões do patrimônio franciscano na cidade da Ribeira Grande, São Miguel, Açores. Autor: Duarte Nuno Chaves. Figura 6 - Profeta Isaias (Det.). Pedra sabão. Aleijadinho. (1799-1801) Tamanho natural. Basílica do Bom Jesus de Matosinhos.Congonhas, Minas Gerais.

prisão em 1789. Nessa relação aparecem Códice Costa Matoso. Belo Horizonte: ainda lançados os nomes do mestre Fundação João Pinheiro/Centro de CEIB carpinteiro Manoel Francisco de Araújo Estudos Históricos e Culturais, 1999, 2 e dos pintores João de Carvalhais volumes. Presidente de Honra: Myriam A. Ribeiro de (pintura da Matriz do Pilar) e João Batista Oliveira; Presidente: Beatriz Coelho; Vice- MARTINS, Judith. Dicionário de Presidente: Maria Regina Emery Quites; de Figueiredo (pintura das igrejas Matriz Artistas e Artífices dos séculos XVIII e 1a Secretária: Carolina Maria Proença Nardi; a o e do Rosário em Santa Rita Durão), como XIX em Minas Gerais. Rio de Janeiro: 2 Secretária: Lucienne de Almeida Elias; 1 morador “da ponte de Antônio Dias até o Tesoureira: Daniela Cristina Ayala; Departamento de Assuntos Culturais/ 2aTesoureira: Grasiela Noslasco Fereira. Alto da Cruz” (APM/CMOP, Cx. 86, Doc. Ministério da Educação e Cultura, 1974 ENDEREÇO 43). (Publicações do IPHAN, nº 27, vol. 1). Avenida Antônio Carlos, 6627. 31.270-010, Belo Horizonte, MG, Referências bibliográficas VASCONCELOS, Sylvio de. Vida e Obra Tel: (55) 31 3409-5290 de Antônio Francisco Lisboa, o [email protected]; Site: www.ceib.org.br face Book: ceib Anuário do Museu da Inconfidência. Aleijadinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979 (Coleção Ouro Preto: Ministério da Educação e BOLETIM Brasiliana, vol. 369). Saúde/Diretoria do Patrimônio Histórico ISSN: 1806-2237; e Artístico Nacional, Ano III, 1954. _____Vida e Arte do Aleijadinho. Projeto gráfico, arte e editoração: Helena In: Aleijadinho. Belo Horizonte: David (In memoriam), Beatriz Coelho; BAZIN, Germain. O Aleijadinho. Rio de Tiragem 500 exemplares; Conselho Estadual de Cultura de Periodicidade: quadrimestral Janeiro: Editora Record, 1971. Minas Gerais, 1983. BRETAS, Rodrigo José Ferreira. Traços Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não Biographicos relativos ao finado * Célio Macedo Alves é Doutor em refletem necessariamente a opinião Antônio Francisco Lisboa. In: Correio História pela Universidade de São Paulo. do BOLETIM DO CEIB. Oficial de Minas. Ouro Preto: Tipographia Pesquisador da arte colonial mineira e os professor adjunto da Universidade É permitida a reprodução de fotos ou Provincial, Ano II, n 169 e 170, 19-23/ artigos desde que citada a fonte. agosto, 1858. Federal de Ouro Preto.