PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PUC - SP

Nádia Christina Braglia

Paulicéia de ontem: as revistas ilustradas e o viver urbano nas primeiras décadas do século XX

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

SÃO PAULO 2011 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

Nádia Christina Braglia

Paulicéia de ontem: as revistas ilustradas e o viver urbano nas primeiras décadas do século XX

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência para obtenção do título de Mestre em História Social, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Heloisa de Faria Cruz.

SÃO PAULO 2011

Banca Examinadora

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Dedico este trabalho à memória de meus pais Rolando e Neusa Braglia... AGRADECIMENTOS

Ao Senhor em primeiro lugar, pois com Ele ao nosso lado tudo é possível. Não é fácil desenvolver um trabalho destes. Requer muita coragem, paciência e tempo, é claro. Nestes dois anos e meio de desenvolvimento desta pesquisa tive momentos de ansiedade, desespero e vontade de sair correndo. Faltei aos encontros de nossa pequena família, nos almoços de domingo na casa do Tio Pasqual e da Tia Marisa com meus primos Junior, Simone e Rick e nos finais de semana na casa da minha querida irmã Nara e meu cunhado Renato, em Campos do Jordão... Desculpem-me se falhei em alguns momentos com vocês. Mas saiu, e aqui está ela. Muitos são os agradecimentos. Àqueles que estiveram ao meu lado acreditando que o que eu fazia era muito importante. Deixo aqui meu mais sincero agradecimento. Ao mestre que marcou minha trajetória, descobertas e inquietações: Vinícius Dreger. À professora Lilia Guzzo pelo incentivo e auxílio na elaboração do projeto. À minha orientadora professora Heloisa de Faria Cruz pela ajuda e dedicação. Aos professores do Programa, em especial à professora Estefânia Knotz e às professoras Olga Brites e Maria do Rosário da Cunha Peixoto pelas considerações na minha banca de qualificação e à secretária Betinha. À CAPES pelo auxílio financeiro. Às minhas queridas irmãs Nara e Narilene e ao Sérgio pelo apoio e paciência, principalmente da “mana” Narilene, a Bel. À minha querida Vó Zulmira, que me levava passear na “Cidade” quando eu era criança na década de 70. Nossos passeios semanais, quando flanávamos pela Rua Direita e depois, ao cair da tarde, lanchávamos no Mappin, na Praça Ramos. Eu adorava ficar admirando aqueles edifícios antigos, aliás, gosto até hoje. Obrigada por me apresentar o “Centro”, pelo qual me apaixonei desde a infância. E por fim, mas não por isso menos importantes, aos meus queridos e amados pais Rolando e Neusa, pelo amor, carinho e dedicação e pela formação cultural e moral com a qual me presentearam. A vocês, minha eterna gratidão.

BRAGLIA, Nádia Christina. Paulicéia de ontem: as revistas ilustradas e o viver urbano nas primeiras décadas do século XX

RESUMO

Este estudo reflete sobre as novas formas de sociabilidades, hábitos e gostos surgidos na Cidade de São Paulo entre o início do século XX e a década de 1920. A partir da análise dos anúncios e das notas sociais veiculadas nas revistas ilustradas, Vida paulista, A lua, Vida Moderna e A Cigarra que circularam na Cidade nas décadas iniciais do século XX, o estudo traça a geografia dos novos espaços localizados no Triângulo e em seu entorno, bem como, para além da região central e, de que forma esses novos espaços de lazer e sociabilidades foram divulgados e inseridos principalmente no cotidiano das elites paulistanas e, de que maneira construíram um imaginário sobre a Cidade que se desejava “moderna e civilizada” nos moldes europeus.

Palavras-chave: Revistas ilustradas, elite paulistana, publicidade, vida urbana.

ABSTRACT

This study reflects about new forms of sociabilities, habits and tastes appeared in the of São Paulo between beginning of twenty century and the 1920 decade. Analysis advertisements and personal announcements that acted as transmitter in newspapers and periodicals such as: Vida paulista, A lua, Vida Moderna e A Cigarra, that circulated in the city in beginning of decade of twenty century. The study deliniates the geography of new spaces localized in the “Triangle” and its around, such like and to beyond the central region, and what forms these new spaces of leisure and sociabilities were divulged and inserted mainly in the daily life of cream of Paulistan’s society and what ways they built an imaginary idea about the city that they wished to become modern and civilized such as the European standard.

Key-words: illustrated magazines, “elite paulistana”, publicity, urban life.

SUMÁRIO

Introdução...... 9

Capítulo I – Paulicéia de ontem A vida urbana – as revistas e os anúncios...... 21

Capítulo II – No Triângulo Espaços e imagens do comércio e da vida social...... 41

Capítulo III – O lazer e o esporte para além do centro Sociabilidades e gostos...... 99

Considerações finais...... 125

Referências bibliográficas

Fontes...... 128

Bibliografia...... 130

INTRODUÇÃO

Na Cidade de São Paulo, no começo do século XX, a ampla remodelação do espaço urbano, as interferências urbanísticas, a ordenação e o embelezamento do espaço físico, constituíram o cenário de uma importante mutação nos modos de sociabilidade, inspirados principalmente pelas referências do mundo europeu, bem como a divulgação de novas regras do modo correto de viver.

Tomando como fonte documental a imprensa de variedades, como uma forma de comunicação das cidades modernas, este estudo tem como objetivo central refletir sobre as novas formas de sociabilidade e novos hábitos que surgiam na cidade entre o início do século XX e a década de 1920, ou seja, de que maneira a imprensa ilustrada e a publicidade construíram um imaginário sobre a Cidade, buscando difundir esses novos espaços, hábitos e sociabilidades na Paulicéia1 que se desejava “moderna e civilizada” aos moldes europeus, procurando identificá-la principalmente com a vida parisiense.

O interesse pelo estudo da Cidade de São Paulo surgiu durante o curso de graduação ao se refletir sobre as transformações urbanísticas que ocorreram na capital federal e em outras capitais, em fins do século XIX e início do século XX e, aprofundou-se no curso de Pós-Graduação em História, Sociedade e Cultura realizado na PUC/SP, quando houve um incentivo dos professores para se estudar, dentro das disciplinas, os temas de interesse de cada aluno.

A partir desse ponto, comecei a busca por referências bibliográficas sobre o período. Assim, tomei contato com o inventário São Paulo em revista: catálogo de publicações da Imprensa Cultural e de variedade paulistana 1870-1930, organizado pela Prof.ª Dr.ª Heloisa de Faria Cruz, que reúne uma gama variada de coleções de publicações da imprensa periódica, o que despertou meu interesse para o estudo da Cidade através dos periódicos, levando-me a outra obra da autora de fundamental importância para refletir sobre a imprensa e a cidade – São Paulo em papel e tinta:

1 “As primeiras menções encontradas referindo-se à cidade de São Paulo como Paulicéia aparecem no final dos anos 80 do século XIX, numa folha intitulada A Paulicéia (1888) (...)”. CRUZ, Heloisa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana – 1890-1915. São Paulo: Educ., 2000, p.62. 9

Periodismo e vida urbana – 1890-1915, levando-me a pensar a Cidade de São Paulo no início do século XX por meio da imprensa do período. Segundo Cruz, “(...) o período compreendido entre o final do século XIX e as décadas inicias deste século emerge como um dos momentos estratégicos para a pesquisa sobre a construção da identidade cultural da Paulicéia Moderna” e, ainda “(...) o viver urbano na cidade de São Paulo neste período apresenta-se como um campo privilegiado para reflexão sobre a História Social” 2.

Percebe-se, assim, que a autora ao trabalhar com a imprensa periódica aponta como campo de pesquisa uma reflexão sobre o período em relação ao viver urbano e a construção da identidade cultural da cidade, diante dos novos espaços urbanos que se abriam na São Paulo do começo do século XX, uma vez que analisa as relações entre cultura e cidade através da imprensa periódica e afirma que esta “(...) mostrava-se como faceta cultural mais importante do processo de formação/transformação da vida urbana”3. Desta forma, estudar a imprensa significa investigar a Cidade de São Paulo e os modos de viver, pois o crescimento e circulação dos periódicos acompanhavam o desenvolvimento da cidade.

Nesse sentido, elegemos para nosso estudo os periódicos: Vida Paulista, Vida Moderna e A Cigarra, que circularam no período4 e se encontram no Arquivo do Estado de São Paulo (AESP) digitalizadas. Além da pesquisa no Arquivo, outras publicações da Vida Moderna foram encontradas na Escola de Comunicações e Artes (ECA) /USP, onde pudemos manusear a revista, visando lidar com periódicos também da primeira década do século XX. Outra publicação que também consultamos nos arquivos do AESP foi o periódico A Lua.

2 CRUZ, Heloisa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana – 1890-1915. São Paulo: EDUC, 2000 p.62. 3Idem. 4 Dentre outras revistas ilustradas bem sucedidas que circularam e alcançaram grande tiragem no período na cidade de São Paulo podemos citar: Revista Feminina (1914-1936), editada por Virginia de Souza Salles e de propriedade da Empresa Feminina Brasileira. Sobre essa revista ver LIMA, Sandra L. Lopes. Espelho da Mulher: Revista Feminina (1916-1925). São Paulo, Tese de Doutorado em História Social, FFLCH/USP, 1991; e GELLACIC, Gisele B.. Bonecas da Moda: um estudo do corpo através da moda e da beleza – Revista Feminina (1915-1936). São Paulo, Dissertação de Mestrado em História Social, PUC/SP, 2008.

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A análise das revistas ilustradas de variedades se mostra um suporte documental de grande relevância para refletir sobre o viver urbano nas décadas iniciais do século XX, haja vista, que na Cidade que se formava no início do século XX, a imprensa de variedades ocupava um espaço fundamental na vida urbana como veículo de informação, circulando no espaço público do lazer, da educação, do trabalho e do consumo, nos cafés, nos teatros, nos bailes e nas ruas, desempenhando um “papel importante na consolidação do status e de valores de referências ao divulgar e consolidar comportamentos e certa dominação de gostos e costumes”. Como alerta-nos Padilha, essa imprensa só desempenhou esse papel, pois respondia “às necessidades de legitimação do projeto civilizador das elites paulistanas e às necessidades de referenciais da população” 5.

A imprensa periódica na qual estavam inseridas a Vida paulista, Vida moderna, A Lua e A Cigarra teve um papel importante ao divulgar os novos comportamentos e hábitos, ao anunciar produtos, ao relatar os acontecimentos sociais e a vida noticiosa, pois se relacionava com a vida cotidiana, dialogando com seu público de forma leve e agradável, informando sobre o que acontecia na Cidade.

Ao analisarmos a bibliografia sobre a imprensa pudemos perceber que vários autores, que serão citados abaixo, apontam o início do século XX, como um período de grandes transformações na imprensa.

Voltando a análise do surgimento desta imprensa no final do século XIX e início do século XX, Janovitch indica que com o surgimento da nova imprensa aparecem na Cidade de São Paulo os primeiros periódicos, cuja temática era o viver urbano, por meio de diversas linguagens, como a crônica, o reclame, a caricatura, herdeiros dos „apimentados‟ jornais de conteúdo bastante crítico de meados do século XIX, como o Diabo Coxo (1864) e o Polichinello (1876) 6.

Destaca-se assim, a imprensa de narrativa irreverente que se caracterizava por traços fortes de crítica social, aliados a inovações na linguagem e nas ilustrações caricaturais, destoando, como já exposto, das revistas ilustradas de variedades e entretenimento como Vida paulista (1903), Vida moderna (1907), A Lua (1910) e A

5PADILHA, Márcia. A cidade como espetáculo: publicidade e vida urbana na São Paulo dos anos 20. São Paulo: Annablume, 2001, p.26. 6 JANOVITCH, Paula Ester. Preso por trocadilho: a imprensa de narrativa irreverente paulistana 1900- 1911. São Paulo: Alameda, 2006, p. 18. 11

Cigarra (1914), que em geral tratavam da face mais „civilizada‟ da Cidade, onde suas páginas espelhavam a autoimagem que as elites e as classes médias em formação faziam do progresso através das notas sociais, instantâneos fotográficos, seções de esportes, anúncios de produtos importados e viagens à Europa.

A pequena imprensa de narrativa irreverente localizada, em sua maioria, no antigo Triângulo7, na área central de São Paulo, ao lado das grandes confeitarias, das pensões alegres, da vida mundana, registra e constrói outra via de acesso à Cidade e passa a dialogar de forma bem-humorada com o cotidiano e, com a representação que o dia- a-dia adquire a partir da própria mudança do foco narrativo do jornalismo do início do século XX, haja vista, que vinha se alterando desde o final do século XIX, com o crescimento das cidades.

A narrativa irreverente da pequena imprensa da belle époque estava vinculada à vida urbana e ao mundo do entretenimento, representada pela linguagem humorística em forma de piadas, pequenos textos, charges dos costumes e ilustrações fotográficas. Essa linguagem leve, porém, não se distanciava da vida noticiosa por tratar apenas do mundanismo e do entretenimento, ao contrário, os semanários construíam sobre os acontecimentos uma nova abordagem que conjugava a diversão, a leveza e o bom humor como forma de contraponto à vida noticiosa, os costumes e ilustrações fotográficas8.

Percebe-se assim, que a imprensa de narrativa irreverente e noticiosa do 1900, ao se vincular à vida cultural da cidade, expressa sua proximidade com as revistas no século XX. Entre a diversidade dos semanários, jornais e revistas presentes na belle époque, o mais importante foi o surgimento de uma nova linguagem: leve, crítica e irreverente9.

Essa nova linguagem, esse “sorriso leve”, segundo Saliba, se apresentava nas revistas em forma de pequenos textos, comentários rápidos e desenhos caricaturais, destacando que, no início da República com um maior desenvolvimento da imprensa ocorre uma proliferação das revistas ilustradas, bem como, do reclame publicitário. Em São Paulo concentrou-se a maior produção periodística do país. Estima-se que em 1912,

7Área formada pelas Ruas XV de novembro, Direita e São Bento. 8JANOVITCH, Paula Ester. Preso por trocadilho: a imprensa de narrativa irreverente paulistana 1900- 1911. São Paulo: Alameda, 2006, p. 98. 9Idem, p. 101.

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São Paulo possuía 341 periódicos, seguido pelo com 124 e pelo com 11810.

Assim, enquanto a imprensa de narrativa irreverente através dos jornais tratava a vida urbana da Cidade de forma crítica com uma linguagem humorística, nas revistas ilustradas como a Vida paulista, Vida moderna, A Lua e A Cigarra, podemos observar a nova linguagem a qual o autor se refere, pois em suas páginas encontramos uma linguagem leve, cativante e agradável, o que proporcionava uma leitura amena de entretenimento procurando atrair e conquistar o leitor.

É nesse periodismo que circulava na Cidade de São Paulo, “nas bem estruturadas revistas de variedades da segunda década do século XX que a linguagem publicitária encontraria seu espaço mais sistemático de afirmação” 11.

No interior dos periódicos, em especial os ilustrados, a atividade publicitária encontrou terreno fértil para se desenvolver e divulgar novas formas de expressão do viver urbano, construindo uma imagem que se desejava da Cidade, uma vez que a cidade vislumbrada no mundo dos anúncios geralmente é perfeita, a família é feliz, as crianças são alegres, os homens são viris, as mulheres são belas, a vida é bela e a morte não existe. As pessoas vivem com conforto e são alegres e felizes, como nos aponta o estudo de Santos sobre a publicidade na cidade de Belém entre 1870 e 1912 12.

Essa visão da Cidade refletida por meio dos anúncios vai de encontro ao desejo das camadas abastadas de reconstruir a Paulicéia inferiorizando, silenciando e excluindo aqueles que estivessem fora dos padrões socialmente desejados ou fossem vinculados a aspectos de um passado que se desejava apagar, enfim, marginalizar, excluir e até mesmo afastar da Paulicéia que buscava se europeizar13.

Assim, a linguagem publicitária passa a construir outra realidade, uma realidade imaginável e desejável como um espelho mágico onde se refletisse só as coisas boas do mundo.

10SALIBA, Elias T.. Raízes do Riso: A representação humorística na história brasileira – da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 39. 11 CRUZ, Heloisa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana – 1890-1915. São Paulo: EDUC, 2000, p.157. 12 SANTOS, Luiz Cesar Silva dos. PubliCIDADE belle époque: a mídia impressa nos periódicos da cidade de Belém entre 1870-1912. Tese de doutorado em História Social, PUC/SP, 2010, p.17. 13 SANTOS, Carlos José F. dos. Nem tudo era italiano. São Paulo: Annablume,1998, p. 42. 13

Com uma linguagem muito própria o anúncio incorporava-se à leitura das revistas ilustradas além de se transformar “numa das formas centrais de financiamento das publicações e característica importante de um periódico de sucesso” 14.

A linguagem publicitária utilizando-se de charges, desenhos, slogans, ilustrações, pequenos textos, entre outros, procurava criar “desejos” e “necessidades” num público que começava a se deixar seduzir pelo consumo das novidades, principalmente trazidas pelos vapores vindos da Europa. A lista parece infindável e envolve uma gama variada de produtos: “Novos temperos, bebidas e outras iguarias importadas (...). Camisas portuguesas e francesas, chapéus ingleses, sedas, porcelanas, cristais e bibelots europeus e artigos ingleses para futebol” 15 (...), são exemplos de alguns artigos que compunham um painel dos indicadores de consumo das elites.

Ao lado do sistema de venda por assinaturas, os reclames foram de fundamental importância para a sobrevivência dos jornais e periódicos, combinado à sua função explícita de aumentar a venda de produtos com a de fonte de financiamento das publicações16. Na metrópole em formação, fabricantes, comerciantes, profissionais liberais, encontraram nos reclames o espaço de visibilidade para seus produtos e serviços e as publicações uma importante fonte para sua manutenção17.

Nesse sentido, a partir da análise de duas revistas do período A Cigarra e Ariel18, Padilha aponta para a importância dos anúncios como ferramenta de comunicação com o público, sinalizando para os reclames de todos os tipos de produtos, desde os mais sofisticados até os mais acessíveis, como: carros, casas comerciais, loteria, remédios, roupas, alimentos, produtos de beleza, filmes, casas e terrenos.

14 CRUZ, Heloisa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana – 1890-1915. São Paulo: EDUC, 2000, p.156-157. 15 Idem, p.159. 16PADILHA, Márcia. A cidade como espetáculo: publicidade e vida urbana na São Paulo dos anos 20. São Paulo: Annablume, 2001, p.22. 17 CRUZ, Heloisa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana – 1890-1915. São Paulo: EDUC, 2000, p.153. 18 “Revista ilustrada e de variedades publicada entre 1923 e 1929 em São Paulo. A revista tinha como público alvo setores mais abastados da elite, seus artigos falavam da constituição da cidade enquanto metrópole, mencionando indústria, comércio, reforma urbana, comportamento e vida social. A revista era fartamente ilustrada com fotografias, charges, desenhos e reproduções de pinturas à óleo , além de muitas páginas destinadas aos anúncios públicos”. CRUZ, Heloisa F.. São Paulo em revista: catálogo de publicações da Imprensa Cultural e de variedade paulistana 1870-1930. São Paulo: Arquivo do Estado, 1997, p.54-55. 14

Embora ambas fossem de grande circulação no período ao lado de revistas como Vida moderna e O Pirralho19, a autora aponta para a diferenciação do público com o qual as revistas se identificavam.

A cigarra abarcava as camadas médias e até endinheiradas como as presentes na seção “Colaboração das leitoras”, que ocupava grande espaço na revista, onde eram frequentes os relatos de eventos sociais da Cidade de São Paulo e das cidades do interior, declarações de amor e comentários sobre o comportamento das pessoas nos bailes, nas ruas, no cinema e no teatro.

A revista Ariel por sua vez, delimitava seu público buscando atingir as camadas mais endinheiradas e sofisticadas da elite paulistana, exaltando padrões urbanos muito elitizados de comportamento, voltando-se para um grupo bem específico, nas palavras da autora:

“Ariel voltava-se para a educação do comportamento social da mais fina flor da sociedade (...). A revista investia nessa camada da população, que dispunha de recursos materiais para construir em São Paulo uma vida luxuosa e sofisticada (...). As reportagens sobre moda, decoração e arte não tinham outro objetivo senão o de fornecer repertório para essa nova elite paulistana. (...) A revista oferecia verdadeira lição de elegância, lapidando todos os detalhes e aspectos da vida da gente chique (...) e criava, para uma elite reduzida, a sua cidade ideal (...), ou seja, a cidade tão almejada pela „boa sociedade‟ paulistana”20.

No entanto, se possuíam diferenças, possuíam também semelhanças, pois cada uma a seu modo fornecia representações da Cidade e criava referências de comportamentos e identidades para os diferentes grupos que se formavam conforme os

19“Com um tom humorístico, irreverente e ‘moderno’, O Pirralho, revista ilustrada publicada entre 1911 e 1918 trazia seções sobre a vida política, social, cultural, artística e esportiva da cidade de São Paulo. Além das seções e de um grande número de crônicas, O Pirralho tinha como marca um grande número de charges e ilustrações e, de 15% a 20% do espaço reservado para a publicidade, localizada principalmente nas páginas inicias e finais. CRUZ, Heloisa F.. São Paulo em revista: catálogo de publicações da Imprensa Cultural e de variedade paulistana 1870-1930. São Paulo: Arquivo do Estado, 1997, p.205-206. 20 PADILHA, Márcia. A cidade como espetáculo: publicidade e vida urbana na São Paulo dos anos 20. São Paulo: Annablume, 2001, p. 62-63. 15 padrões e estilos de vida que adotavam no contexto de reurbanização da Cidade.21 Os anúncios comerciais presentes em ambas, além de funcionarem como captação de capitais, compunham um conjunto de representações que circulavam no espaço urbano; espaço esse remodelado pelas transformações pelas quais a Cidade passava, os projetos de urbanização e embelezamento.

Nesse sentido, ao pensarmos nossa pesquisa tomamos a análise que a autora faz dos anúncios, pois permitem observar as estreitas relações entre publicidade, vida cotidiana e urbanização da Cidade.

Analisando os reclames, observamos a variedade de produtos oferecidos, como, produtos de beleza, alimentos de procedência francesa, inglesa, alemã e americana, bebidas finas, vinhos, licores e conhaques, roupas, calçados e chapéus de origem francesa e inglesa, instrumentos musicais, artigos dentários, e os serviços de profissionais liberais, como médicos, advogados, dentistas, alfaiates e costureiras. Na leitura dos anúncios, pudemos perceber que a maioria dos estabelecimentos que anunciavam na revista, localizava-se no centro da cidade, na área movimentada do Triângulo, ao lado de cafés, restaurantes e grandes estabelecimentos comerciais com seus pedaços de parede envidraçados formando vitrines para expor as mercadorias de forma convidativa aos clientes, e é essa vitrine que é anunciada nas revistas. Passar por ali era entrar em contato com as últimas novidades que surgiam na cidade, tanto em termos da paisagem urbana, como em termos de consumo22.

Percebe-se assim, que os reclames veiculados nas revistas procuravam atrair um público ávido por novidades, haja vista a quantidade de anúncios de produtos importados finos e requintados e, esse grupo procurava manter-se em sintonia com o processo de urbanização da Cidade, que divulgava novos hábitos e novas formas de sociabilidade, aliados ao desejo de ser “moderno”, “civilizado”. Ou seja, ser civilizado era ter civilité, ou boas maneiras, saber e praticar a etiqueta, conter as emoções e ser polido, falar corretamente e vestir-se conforme a moda. Era ser bem educado e levar a

21 PADILHA, Márcia. A cidade como espetáculo: publicidade e vida urbana na São Paulo dos anos 20. São Paulo: Annablume, 2001, p.66. 22 Idem, 2001, p.21.

16 vida conforme as metrópoles européias, principalmente a haussmaniana23. Numa só palavra, era ser elegante.

Diferentemente do período da Independência, em que as elites procuravam uma identificação com os grupos nativos – principalmente índios e mamelucos –, manifestando “um desejo de ser brasileiro”, com o advento da República podemos dizer que manifestavam o “desejo de ser estrangeiro” 24, daí a busca por modelos de cidades européias.

Conforme indica Rago, os padrões considerados civilizados de comportamento e convívio social foram progressivamente instituídos como práticas e procedimentos pelas elites dominantes, que procuraram impor o seu novo modo de vida, percebido como moderno, já exposto anteriormente, tentando erradicar hábitos populares vistos como atrasados ou perigosos, seja expulsando os “indesejáveis”, ou ainda protegendo seus bairros com muralhas invisíveis25.

Na belle époque paulistana, as elites paulistanas e as camadas médias em formação buscavam novas formas de convívio e lazer. A vida social fechada nas fazendas e restrita às missas era substituída pela busca mais constante das praças e ruas que se constituíam referenciadas, principalmente pelos padrões do mundo europeu.

Estes setores, ao que tudo indica procuravam construir uma nova identidade ao ocupar e disseminar esses novos espaços que espelhavam o requinte da sociabilidade européia, como teatros, cinemas, restaurantes e cafés, participando de saraus literários,

23 Em Paris, entre 1853 e 1870, as grandes reformas urbanas foram apoiadas pelo imperador Luis Napoleão e empreendidas pelo prefeito barão Georges Eugène Haussmann. Essas reformas parisienses procuravam alcançar dois objetivos básicos: o embelezamento e a funcionalidade da cidade. Para se pôr em prática esse programas foram estabelecidas três metas: a abertura de ruas espaçosas e largas e de grandes avenidas arborizadas (bulevares), seguidas de praças: a destruição e o desmembramento de muitos bairros populares e saneamento de outros e, finalmente a construção de grandes edifícios, pontes, monumentos culturais, a reforma de prédios antigos e a adaptação do modelo de parques londrinos a Paris. MARINS, Paulo Cesar G.. Habitação e vizinhança: limites da privacidade no surgimento das metrópoles brasileiras. In: Nicolau Sevcenko (org.). História da vida privada no Brasil – República: da belle époque à era do radio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998 p. 134-135. 24 SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p.51. 25RAGO, Margareth. “A invenção do cotidiano na metrópole: sociabilidade e lazer em São Paulo, 1900- 1950”, in: Paula Porto (org.). História da cidade de São Paulo: a cidade na primeira metade do século XX (1890-1954). São Paulo: Paz e Terra, 2004, p. 389. 17 audições musicais e de competições esportivas de natação, remo e ciclismo promovidas pelos clubes recreativos privados26.

Os cafés, teatros, confeitarias vinham se juntar aos estabelecimentos do Triângulo e suas imediações, como outros espaços de sociabilidade, das camadas abastadas da Paulicéia, porém não deixavam de atrair pessoas de diferentes meios e grupos sociais. Conforme nos aponta Padilha, criava-se um uso multifacetado da Cidade, divergente daquele ostentado nos anúncios das revistas. “O centro era ponto de encontro de intelectuais, espaço de passeio das camadas médias e baixas, lugar de compras e convívio social das moças de boa família, centro cultural e financeiro, lugar de trabalho para os empregados do comércio” 27.

Embora a Cidade possuísse um uso multifacetado, a “sociedade do café”, conforme nos indica Rago, até os anos 20, investiu na redefinição do espaço público, onde imperasse a respeitabilidade burguesa e em que os padrões de sociabilidade e comportamento considerados “civilizados”, progressivamente adotados no universo da elite cafeeira e das camadas médias emergentes, fossem exportados para toda a Cidade28.

Nesse sentido, a representação da cidade cunhada nas revistas através da linguagem publicitária e das notas sociais nos possibilitou um contato com esses novos espaços de lazer e sociabilidade que surgiam na Cidade de São Paulo no começo do século XX.

A publicidade surgia como um conjunto de imagens a serem consumidos e transformados pelo público consumidor, ocupando um espaço fundamental na vida urbana, bem como se apresentando como uma forma de comunicação rápida e de conteúdos diversificados das cidades modernas.

Ao situarmos a publicidade na esfera das representações ela passa a ser vista não só do ponto de vista mercadológico, mas há de se considerar também sua

26 CARONE, Edgar. A República Velha I: instituições e classes sociais (1889-1930). Rio de Janeiro: DIFEL, 4ª edição, 1978, p. 392. 27 PADILHA, Márcia. A cidade como espetáculo: publicidade e vida urbana na São Paulo dos anos 20. São Paulo: ANNABLUME, 2001, p.104. 28 RAGO, Margareth. “A invenção do cotidiano na metrópole: sociabilidade e lazer em São Paulo, 1900- 1950”, in: Paula Porto (org.). História da cidade de São Paulo: a cidade na primeira metade do século XX (1890-1954). São Paulo: Paz e Terra, 2004, p. 434. 18 importância social, cultural e simbólica, uma vez que, a publicidade vende ideologia, estereótipos e preconceitos29.

Se, por um lado a publicidade ajuda a construir certas identidades, do ponto de vista mercadológico importa considerar que com a intenção de vender produtos e serviços, o anúncio necessita estabelecer uma comunicação eficaz com o público, fornecendo imagens com as quais ele possa se identificar. Assim, a publicidade representa a sociedade em que está inserida, através de suas representações simbólicas30, ou seja, os anúncios.

Nesse caminho, buscaremos analisar os anúncios/reclames que as publicações apresentavam, que como já citado anteriormente se comunicavam com os leitores, procurando desvendar o que eles nos contam nas entrelinhas para que possamos refletir sobre as transformações dos espaços e práticas do lazer e do entretenimento com as quais se viam as voltas as camadas abastadas naquele período.

Os cronistas e memoralistas como, Ernani Silva Bruno, Antonio Egydio Martins, Afonso Schmidt, Jorge Americano e Zélia Gattai constituem uma ampliação da nossa fonte documental, pois abordam os espaços de sociabilidade e lazer da Cidade e seus usos, o que nos permite desenvolver o diálogo com outras fontes problematizando as representações sobre vários aspectos da vida urbana propostas pelos anúncios e as notas sociais das revistas.

A presente dissertação se divide em três capítulos:

No primeiro capítulo, “Paulicéia de ontem: a vida urbana, as revistas e os anúncios” nos interessa refletir sobre o desenvolvimento das transformações urbanas ocorridas na Cidade de São Paulo nas décadas iniciais do século XX, trazendo uma análise das revistas ilustradas e da importância da atividade publicitária na construção dessa Cidade que se pretendia difundir, como “moderna e civilizada”. Buscaremos refletir sobre os reclames veiculados nas revistas, a maneira como se apresentavam e procuravam cativar os leitores, com produtos diversos, promoções, brindes e sua relação com a vida urbana na Cidade.

29 RIBEIRO, Raquel D. e BARICHELLO, Eugenia M. da Rocha. O sistema simbólico da publicidade sob a perspectiva dos estudos culturais. Artigo apresentado no VIII Congresso Latino-Americano de Pesquisadores da Comunicação, julho de 2006. 30 Idem. 19

No segundo capítulo, “No Triângulo: espaços e imagens do comércio e da vida social” nosso interesse é pensar a geografia do comércio e da cidade, os espaços de sociabilidade e lazer da Cidade de São Paulo construída nas representações dos anúncios e das notas sociais presentes nos periódicos. Interessa-nos especialmente explorar as mensagens publicitárias e as crônicas sociais sobre os novos lugares da sociabilidade moderna do centro como os hotéis, confeitarias, cafés, teatros, restaurantes, assim como a rede comercial que alimenta e propõe novos hábitos e novas formas de consumo.

No terceiro e último capítulo, intitulado “O lazer e o esporte para além do centro: sociabilidades e gostos” discutiremos questões ligadas aos lugares e gostos a partir das atividades de lazer relacionadas à vida esportiva, analisando os anúncios e as notas sociais das revistas refletiremos sobre novas modalidades esportivas surgidas na cidade praticadas pela “boa sociedade” paulistana.

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CAPÍTULO I

Paulicéia de ontem: A vida urbana – as revistas e os anúncios

“Quem não faz reclame deve ser comparado aos escriptores dos tempos antigos que se serviam das pennas de galinha para escrever. Hoje o engenho humano inventou a machina de escrever e a caneta- tinteiro” 31.

A Paulicéia Moderna que surgia no começo do século XX, através das intervenções urbanísticas de embelezamento por parte dos governantes trazia também mudanças no cotidiano de seus habitantes; processo que ganha visibilidade na imprensa. Desde as últimas décadas do século XIX, a Paulicéia passava por grandes transformações em seu espaço urbano, com as reformas e construções de praças, avenidas, jardins e obras públicas suntuosas. Mais precisamente a partir da década de 1870, São Paulo torna-se palco para transformações socioeconômicas, urbanísticas físicas e demográficas, haja vista que as mais importantes realizações urbanísticas do final do século foram a abertura da Avenida Paulista (1891), que fazia concorrência com os bairros chiques dos Campos Elíseos e Higienópolis e a construção do Viaduto do Chá (1892), que promoveu a ligação do "centro histórico" com a "cidade nova", formada pela Rua Barão de e adjacências.

As primeiras grandes transformações urbanas da cidade começaram no governo de João Teodoro Xavier, presidente da Província de São Paulo entre 21 de dezembro de 1872 e 29 de maio de 187532. Durante sua gestão, foram realizadas várias obras de melhoramentos como: substituição dos terrenos paludosos e miasmáticos, em frente ao antigo Mercado da Rua Vinte e Cinco de março; embelezamento e segurança do Morro do Carmo, medonho outrora por suas altas e ruinosas muralhas de pedra; construção da Rua Conde d‟Eu, hoje General Glicério com 982 metros de extensão e 13 de largura e os melhoramentos das ruas do Pari e do Gasômetro33. Ainda na sua

31 A cigarra, edição nº 4 (06/05/1914). 32 MARTINS, Antonio Egydio. São Paulo Antigo: 1554-1910. São Paulo; Paz e Terra, 2003, p.338 33 Idem, p.96-97. 21 administração, João Teodoro instalou lampiões a gás e, em março de 1873 deram início as obras da Estrada de Ferro São Paulo e Rio de Janeiro, a futura Central do Brasil.

Em fins do século XIX, os paulistanos assistiram como citado anteriormente à abertura da Avenida Paulista, que seria por muitos anos motivo de orgulho da cidade34, a inauguração do Viaduto do Chá e a construção do conjunto de edifícios no Largo do Palácio para abrigar as secretarias de Estado (1891-1896), da Escola Normal na Praça da República, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (1894), do Museu Paulista (1895) e finalmente do Instituto Butantã e da Escola Livre de Farmácia em 189935.

São Paulo não parava de crescer. Em 1899 a cidade, até então administrada por intendentes, tem seu primeiro prefeito: Antonio da Silva Prado. Este, formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, ex-conselheiro do império, fazendeiro, industrial e influente paulista que permaneceu no cargo até 1911. Durante sua administração as intervenções urbanas realizadas no centro da cidade tinham como meta o embelezamento e o saneamento. Na virada do século a cidade parecia um canteiro de obras. Em 1900, com cerca de 240 mil habitantes, a capital tinha 21 mil prédios; em 1910, cerca de 380 mil habitantes e 32 mil edifícios36.

Ao longo da administração de Antonio Prado, ruas, praças e becos foram remodelados ou desapareceram, em nome da “civilização”. A Avenida Angélica foi aberta; ruas e avenidas arborizadas à maneira inglesa; o Jardim da Luz e a Praça da República remodelados e o centro da cidade – o Triângulo ganhava ares europeus. Vários logradouros públicos foram melhorados e ajardinados, como as praças João Mendes e São Paulo e os largos do Arouche, General Osório, Guaianases, Sete de Setembro, Concórdia, do Carmo; e foi implantado o jardim do Museu do Ipiranga, bem como a demolição da Igreja do Rosário dos Homens Pretos, que foi transferida para o Largo do Paissandu, para a remodelação da praça que hoje leva seu nome37.

34 MARTINS, Antonio Egydio. São Paulo Antigo: 1554-1910. São Paulo; Paz e Terra, 2003,p.411. 35 SCHWARCZ, Lilia M., COSTA, Ângela Marques da. 1890-1914: no tempo das certezas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 32. 36 Idem, p. 34. 37 SEGAWA, Hugo. São Paulo, veios e fluxos: 1872-1954 in: Paula Porta (org.). História da cidade de São Paulo: a cidade na primeira metade do século XX (1890-1954. São Paulo: Paz e Terra, 2004, p. 372. 22

Fechando o século XIX, o prefeito assinou contrato com a empresa canadense Light and Power – e a luz e os bondes elétricos acenaram para o novo milênio e, em 1901 a cidade ganhou a Estação da Luz, imponente, com seu luxuoso restaurante, e construído com material importado da Inglaterra, réplica da Estação de Sidney, na Austrália38.

Abrindo aqui espaço para o Theatro Municipal inaugurado em 11 de setembro de 1911, Antonio Prado seu idealizador sofreu críticas por levar adiante uma obra considerada não prioritária para a cidade. Para tanto, justificava sua construção, afirmando que São Paulo não possuía vida social39, daí sua pretensão em erguer um teatro suntuoso como o Ópera de Paris, haja vista que o projeto elaborado pelo arquiteto italiano Domizziano Rossi do escritório de Ramos de Azevedo, apresentava os três volumes básicos que compunham a edificação francesa: a parte frontal, a cúpula e a assistência, bem como, a utilização de grande quantidade de material variado e custoso, a fim de ostentar o luxo arquitetônico. Como descreveu o cronista João do Rio em visita a São Paulo:

“O povo paulista inaugura amanhã o seu grande teatro. (...) São Paulo é orgulhoso. São Paulo é bem o Civilizador. (...) Há oito dias só ouço falar no municipal, nos gastos que o Municipal motiva, no que será a noite de amanhã, enquanto o povo, aquele que certamente não comparecerá senão da rua, pára e admira o belo monumento. Com certa facilidade é possível imaginar-se o que será a noite de gala, a maravilha dos vestuários, o ambiente de beleza e de luxo, entre tecidos caros e jóias finas, entre lhamas de ouro e colos cujo encanto se aviva nos tríplices fios de pérolas vivas em chamas de diamantes e esmeraldas. Estaremos num dos belos teatros do mundo, um dos primeiros (...).40

O Theatro Municipal serviu à elite paulistana, que no dia da inauguração vestiu suas roupas de gala, ostentou suas jóias e foi de automóvel ou carro puxado por cavalos, o que acarretou um grande congestionamento. Segundo Americano, que também esteve

38 SCHWARCZ, Lilia M., COSTA, Ângela Marques da. 1890-1914: no tempo das certezas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 35. 39SEGAWA, Hugo. São Paulo, veios e fluxos: 1872-1954 in: Paula Porta (org.). História da cidade de São Paulo: a cidade na primeira metade do século XX (1890-1954. São Paulo: Paz e Terra, 2004, p. 372. 40 SCHAPOCHNIK, Nelson. João do Rio: um dândi na cafelândia. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004, p. 37-39. 23 presente à inauguração “foi o primeiro problema de trânsito que São Paulo teve” 41, enquanto o povo, como mencionou João do Rio admirou a inauguração do Municipal na rua, o que nos permite considerar que o Theatro Municipal além de simbolizar o ideal de “modernidade” e “civilidade” desejado pelas elites, tornava-se um espaço de lazer excludente, onde a camada menos favorecida da população admirava o belo monumento da rua e a exibição da própria elite.

Embora a construção do Theatro tenha sido iniciada na gestão de Antonio Prado, sua inauguração ocorreu na administração de seu sucessor Raimundo Duprat. A figura do prefeito Antonio da Silva Prado (1840-1920) tornou-se pragmática como administrador que transformou a cidade e, é lembrado como responsável pela modernização do transporte urbano com a introdução dos bondes elétricos42.

No período de Raimundo Duprat que ocupou a prefeitura entre 1911 e 1914, as intervenções baseadas no plano de remodelação de Bouvard43 objetivaram descongestionar o centro da Cidade dando prioridade à área do vale do Anhangabaú e imediações. Dando continuidade aos projetos de Antonio Prado, pretendia-se modernizar a cidade e isso significava embelezar com a construção de novos edifícios, jardins e praças elegantes e mais avenidas alargadas.

Perseguir o moderno generalizou-se como uma aspiração presente na Cidade, nos seus gestores e na burguesia paulistana. Os velhos casarões de taipa foram demolidos, construía-se uma Cidade em colinas arejadas e iluminadas. A elite foi ocupando bairros com infra-estrutura como Campos Elíseos e Higienópolis, atingindo os altos da Avenida Paulista, erguendo palacetes aos moldes europeus, surgindo novas maneiras de morar e viver que incorporaram mudanças de hábito associadas às noções de civilização, luxo e elegância.

41 AMERICANO, Jorge. São Paulo naquele tempo: 1895-1915. São Paulo: Carrenho Editorial / Narrativa Um / Carbono 14, 2004, p.284. 42 SEGAWA, Hugo. São Paulo, veios e fluxos: 1872-1954, in: Paula Porta (org.). História da cidade de São Paulo: a cidade na primeira metade do século XX (1890-1954. São Paulo: Paz e Terra, 2004, p. 371. 43 “Joseph Antonie Bouvard (1840-1920), arquiteto e engenheiro francês, diretor dos Serviços de Arquitetura, Passeios, Viação e Plano de Paris, trabalhou para a municipalidade em Buenos Aires em 1907, num projeto de “melhoramentos na cidade”. Esteve em São Paulo em 1911, onde foi recebido como uma grande personalidade pelos seus colegas. Afinal, além de seu trabalho na capital , ostentava uma folha de serviços públicos com 47 anos de atividade.” SEGAWA, Hugo. Prelúdio da Metrópole: Arquitetura e urbanismo em São Paulo na passagem do século XIX ao XX. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004, p. 65-68. 24

Todas essas alterações levaram a mudanças aceleradas nos comportamentos da população local, que passa a transitar pelas ruas da cidade, “(...) a „boa sociedade‟ descobre os hábitos sociais, os bailes, o turfe e as noitadas no teatro” 44.

Nesse projeto de modernidade implantado pelos gestores e admirado pela elite paulistana, as ruas e avenidas permitiam aos transeuntes ver e ser visto, sendo utilizadas como passarelas de exibição, possibilitando desfilar elegância e “bom gosto”, valorizando regras dos comportamentos e do “bem viver” na Cidade.

Nesse sentido, as revistas acompanhando o cotidiano alimentavam o imaginário da Paulicéia ressaltando as transformações ocorridas na Cidade. Notas como a abaixo reproduzida, publicada em A Cigarra em 1914, intitulada: “Aspectos da Rua”, correntes nestas publicações, propõem ao seu público leitor uma forma de interpretação dessas mudanças, nas quais o antigo é desqualificado como primitivo, e o novo, que nasce sob o signo do progresso e da picareta civilizadora, traduz-se no elogio ao moderno:

“S. Paulo modernisa-se, vai deixando aos poucos a carcassa da cidade colonial de . Pode mesmo dizer-se que da antiga terra de Tibiriça só possue, quase no mesmo estado primitivo, a várzea do Carmo, que o ilustre prefeito pretende embellezar. A picareta civilisadora tenciona rasgar-lhe novas avenidas e o progresso já substituiu em toda parte os pesados casarões antigos por prédios elegantes. Faz-se preciso agora civilisar tambem o povo, educal-o de accôrdo com o meio, erguendo-o á altura dessa adeantamento. É necessário habitual-o, em primeiro logar, a calçar-se e a vestir-se, para que não haja o flagrante contraste entre os elegantes que fazem o corso de Hygienopolis e flanam das 3 ás 5 na rua Quinze, com os pés rapados que a cada passo se encontram nos pontos de maior transito. (...) Não se trata, evidentemente, de obrigar o pobre usar um borzeguins de Clark ou botinas Walk over, nem envergar casacas talhadas no Raunier ou na Ville de Paris. O que se quer é que se calce e se vista da forma que puder, afim de não se apresentar em publico de

44 SCHWARCZ, Lilia M., COSTA, Ângela Marques da. 1890-1914: no tempo das certezas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 38 25

pés nus ou em manga de camisa, o que não se compadece com a nossa civilização”45.

O texto acima reforça a ideia de modernidade com a demolição dos velhos casarões e a construção de novos prédios e avenidas, e a preocupação com o embelezamento. Ressaltava a Cidade “desejável”, ou seja, onde todos, principalmente as camadas menos favorecidas, deveriam se portar de acordo com a nova Cidade que surgia, com civilidade e educação, especialmente ao circular pelo centro para não contrastar com as pessoas elegantes que por ali flanavam, destacando o tom preconceituoso da nota em relação aos modos de vida e hábitos dos grupos populares ao sugerir que “o pobre se calce e se vista da forma que puder afim de não se apresentar em publico de pés nus ou em mangas de camisa”. Assim, os menos favorecidos, de acordo com a visão civilizadora do cronista deveriam se apresentar, ainda que de maneira mais simples, calçados e com camisa de mangas compridas.

A referida nota trazia também a preocupação do prefeito Washington Luis (15/01/1914 – 15/08/1919) com o embelezamento da Várzea do Carmo, considerada uma área “„feia, suja e perigosa‟ com uma „chaga mal cicatrizada‟ que deveria ser extirpada”. A cidade não era composta apenas por um centro comercial e financeiro, bairros nobres e operários, como se tornou costumeiro descrevê-la no período. Existiam outras áreas. Regiões como a Várzea do Carmo juntamente com o Largo Nossa Senhora do Rosário e a região conhecida como Sul da Sé eram consideradas insalubres e perigosas. Esses lugares e a população que neles convivia cotidianamente vivenciaram a tentativa de sua reconstrução, por partes dos poderes públicos municipais.46 Áreas como essas fugiam do modelo urbanístico pretendido, daí a preocupação dos gestores em reurbanizar e até mesmo “civilizar” o povo como mencionado na nota.

Vale considerar que nessas áreas afastadas do Triângulo a realidade era outra. Com exceção dos bairros nobres e espaços de sociabilidades e lazer dedicados às elites, a Cidade possuía ruas sem calçamento, quarteirões irregulares nascidos ao capricho da geografia, vielas escuras, poças d‟água estagnadas, perímetro urbano onde coexistiam áreas rurais intercaladas por chácaras, terrenos baldios e espaços abandonados. Estas

45 A Cigarra, edição nº6 (15/06/1914). 46 SANTOS, Carlos José F. dos. Nem tudo era italiano: São Paulo e pobreza (1890-1915). São Paulo: Annablume, 1998, p. 83-88. 26

áreas, bem como a população que nela vivia não apareciam nas revistas47. Nestas, havia lugar apenas para o progresso.

A linguagem publicitária por sua vez vai de encontro a esse projeto modernizador, pois funcionava como espaço de comunicação das cidades modernas e como uma vitrine do progresso e do mundo dos artigos e mercadorias no início do século XX.

Assim, enquanto as reformas eram visíveis e concretas no espaço urbano, nas páginas dos periódicos da época por meio da linguagem publicitária, encontramos uma imagem da Cidade, de seus lugares, suas normas, suas expectativas que se desejava construir, pois a partir da leitura dos anúncios é possível destacar como as novidades eram impressas e de que maneira divulgavam novos padrões de comportamentos e valores para a sociedade.

Vale ressaltar que o avanço para a modernidade que se buscava significava também aderir a novos comportamentos e regras sociais que procuravam demarcar os usos do espaço público. Desta forma, o espaço da rua deveria ser marcado não só pelas transformações urbanas, mas também por novas regras de conduta e postura, novas maneiras para a sociedade. Neste capítulo nos interessa refletir sobre o desenvolvimento dessas transformações urbanas ocorridas na cidade de São Paulo nas décadas iniciais do século XX, trazendo uma análise das revistas ilustradas e buscando refletir sobre a importância da atividade publicitária na construção dessa Cidade que se pretendia difundir, como “moderna e civilizada”. Nesse sentido, elegemos para nossa reflexão quatro periódicos que circularam na Paulicéia nas duas primeiras décadas do século XX: Vida Paulista, A Lua, Vida Moderna e A Cigarra.

A Vida Paulista e A Lua são periódicos típicos da primeira leva de revistas ilustradas de variedades que veem a público em São Paulo no decorrer da primeira década e não resistem à concorrência das publicações mais estruturadas que lhe seguem na década seguinte. A Vida Paulista (1903-1908), semanário ilustrado, publicado aos sábados com direção literária de Arlindo Leal e direção artística de Peregrino de Castro,

47 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em revista: imprensa e práticas culturais em tempo de República, São Paulo (1890-1922). São Paulo: EDUSP, Imprensa Oficial do Estado: FAPESP, 2001, p. 483. 27 os quais eram também os proprietários. A redação localizava-se à Rua Direita, nº 33, sobrado e caixa do correio, 447, circulava na capital e no interior do Estado. O periódico possuía em média doze páginas e trazia seu programa distribuído em crônicas, poemas, charges, notas sociais, culturais e esportivas, homenagem a personalidades, colunas sobre ciências, dicionário jocoso, ou seja, alegre e gracioso, e os anúncios a partir do terceiro número sempre nas páginas iniciais e finais.

Embora com um projeto aparentemente mais pretensioso, editada com grande apuro e qualidade gráfica, A Lua teve vida mais curta e foi publicada somente no decorrer do ano de 1910. Semanário ilustrado caracterizava-se principalmente como uma publicação de humor, possuía em média 32 páginas e circulava não só na capital e interior do Estado, mas também em algumas capitais, como Curitiba, Porto Alegre, Florianópolis e Rio de Janeiro e nas cidades de , Juiz de Fora, Santos e Paranaguá. A redação estava instalada no Palacete Bricola, na Praça Antonio Prado. Apresentava diversas seções como: “Artigo de Fundo”, “Noticiario”, “Film d‟ Art”, “Theatradas e Theatrices”, “São Paulo Moderno”, “Cartas Pomeranas”, “Sala de Despachos”, “História de São Paulo” e “Correspondencia Rasgada”, com alto padrão gráfico, ilustrações, notas sobre a vida social da cidade e charges coloridas assinadas por Yô Yô.

A Vida Moderna e A Cigarra podem ser apontadas como as principais revistas de variedades editadas em São Paulo no período. A Vida Moderna (1907-1925), revista quinzenal ilustrada de 1907-1912, semanal até 1914 e, quinzenal de 1915 até seu término em 1925, com capa em cores e bem estruturada, contendo em média 40 páginas, circulava no interior de São Paulo, na capital, em outras capitais e na Argentina. Fundada por Luiz Couto e Arthur Reis Teixeira, com escritório, de propriedade da firma Garcia Redondo, Amancio & Cia, sob a direção de Arthur Reis Teixeira (1907) localizava-se à Rua Capitão Salomão, 16 caixa-218, e a partir de 1913 a direção passou para as mãos do redator-chefe Garcia Redondo, transferindo também o escritório para Rua Boa Vista, nº 4148.

A leitura dos exemplares nos possibilitou inventariar seus assuntos, sendo uma revista de variedades que reunia os aspectos: noticioso, literário e entretenimento.

48 Dados coletados em CRUZ, Heloisa F.. São Paulo em revista: catálogo de publicações da Imprensa Cultural e de variedade paulistana 1870-1930. São Paulo: Arquivo do Estado, 1997. 28

Possuía conteúdos variados, como biografias de personalidades ligadas à política, ciências e artes, coberturas de festas, eventos, esportes e guerra, poemas, contos e críticas e uma seção com muitas notas sobre a vida social em São Paulo como, personalidades, fatos, comentários sobre bares, salões e teatros. Devido a essa preocupação no seu projeto editorial, com os mais diferentes assuntos, podemos dizer que, assim como outros periódicos da época ela se afirmava como uma revista de variedades.

A Vida Moderna chegou a disputar com revista A Cigarra (1914-1930) 49 o título de revista de maior vendagem em São Paulo. Entre 1914 e 1917, essas revistas, desenvolvendo um clima de rivalidade, passaram a disputar a conquista do público, dos anunciantes e dos literatos de renome50, haja vista o número de anunciantes e colaboradores que ambas possuíam.

De periodicidade quinzenal, A Cigarra possuía de cinqüenta a cem páginas e, circulação na capital e no interior do estado de São Paulo, como, e Ribeirão Preto, no Rio de Janeiro e nos principais centros de , Paraná, Goiás, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

A Cigarra, de propriedade da firma Gelásio Pimenta & Cia (sociedade entre Gelásio Pimenta e Coronel Durval Vieira de Souza), com redação e escritório localizados à Rua Direita, 8-A (Palacete Carvalho) e oficina na Rua da Consolação, 100-A, também se apresentava como uma revista de variedades, possuindo conteúdo diversificado, como artigos sobre artes plásticas, música, teatro, cinema e literatura, publicando ainda, crônicas, poemas, partituras musicais, contos, novelas, reproduções de quadros e esculturas e fotos de espetáculos teatrais. Outras notícias veiculadas na revista eram as coberturas de eventos sociais, esportivos e religiosos. Dedicavam-se muitas páginas mostrando figuras da sociedade paulistana e até de algumas cidades do interior do Estado em quermesses, bailes, corsos, teatros, clubes e competições esportivas, sendo a Cidade e a vida social temas de muitas seções, bem como os melhoramentos da cidade, como as obras realizadas e projetos de urbanização.

49 Vale lembrar que A Cigarra foi publicada entre 1914 e 1975, sobre esse aspecto ver MATOS, Hivana M. Zaina. A revista A Cigarra no espaço urbano 1914-1934. Artigo integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, setembro de 2008. 50 CRUZ, Heloisa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana – 1890-1915. São Paulo: EDUC, 2000, p.104. 29

Muitos foram os intelectuais e escritores que colaboraram assinando crônicas, sonetos e poesias nas revistas51.

Atentos à questão da circulação e distribuição das revistas, os editores mantinham agências em cidades do interior do Estado, como Campinas, Taubaté, Ribeirão Preto, Jaú, , e Bragança e, em outras capitais: Curitiba, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Florianópolis e Belo Horizonte. A Vida Moderna e A Cigarra mantinham representantes em Paris, Londres e Chicago.

Tanto na Vida paulista, n‟ A Lua quanto na Vida Moderna e n‟A Cigarra encontrava-se todo tipo de publicidade, anúncios dos mais variados, como serviços oferecidos por médicos, advogados, sapatarias, farmácias, confeitarias, restaurantes, vestuário, bebidas e produtos destinados ao público feminino, como perfumes, cosméticos, medicamentos, louças e móveis.

Porém, na Vida paulista pudemos observar que o número de páginas e anúncios era reduzido se comparado aos outros dois periódicos.

Enquanto na Vida moderna e n‟ A Cigarra o número de páginas variava de quarenta a cem páginas respectivamente, na Vida paulista constatamos uma média de doze páginas e n‟A Lua trinta e seis páginas. Assim, em relação aos anúncios, embora fossem variados, observamos que aparecem em menor número na Vida paulista e, que aumentam gradativamente n’A Lua e principalmente na Vida Moderna e n‟ A Cigarra, o que nos sugere que as revistas acompanhavam o crescimento da publicidade e da Cidade no início do século XX.

Com a proliferação das revistas ilustradas e do reclame publicitário52 torna-se imprescindível procurar mais anunciantes apontando as vantagens dessas revistas ilustradas como importante veículo de comunicação. Desta forma, cabe as revistas e aos produtores de anúncios criar uma clientela e convencer os comerciantes e outros

51 Dentre outros destacamos: Affonso Celso Garcia Luz, Agenor Silveira, Vicente de Carvalho, Coelho Neto, Nuto Sant’Anna, Jaffa, Anna Amélia de , Dias de Oliveira, José Oiticica, Joinville Barcellos, Paulo Setubal, Olegário Mariano, Ricardo Gonçalves, Vicente Mamede, Othoniel Motta, Candido de Carvalho, Cunha Mendes, Emilio Menezes, Altair Githay Miranda, Alberto Faria, Guilherme de Almeida, Alphonsus de Guimarães, Martins Fontes, Gustavo Teixeira, Alfonso Lopes de Almeida, Augusto de Castro, Manuel Leiroz, Olavo , Amadeu Amaral, Manuel Carlos, Silvio Maia, Pierrot, Pathé Frères, Diniz Junior, Alfredo , Armando Prado e Belmiro Braga. 52 SALIBA, Elias T.. Raízes do Riso: A representação humorística na história brasileira – da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 39. 30 potenciais anunciantes das vantagens da publicidade e da imprensa, em particular as revistas, como veículo de comunicação com os consumidores. Além disso, a publicidade e o sistema de vendas de assinaturas procuravam garantir o empreendimento. Exemplo dessa estratégia eram os textos veiculados chamando a atenção para a importância dos anúncios e reclames.

Na Vida paulista encontramos em seu número de lançamento um anúncio dos editores chamando atenção para a publicação de reclames em suas páginas: “No terceiro numero da Vida Paulista inauguraremos uma capa de annuncios illustrados, a preços razoaveis, contando para isso com a proteção da honrada classe commercial.”53, assim a partir do número 3 encontramos anúncios e reclames variados: alfaiatarias, casa de artigos importados e de móveis, charutarias, chapelarias, cafés, restaurantes, livrarias, drogarias, perfumarias, e ainda, serviços de barbeiros, cabeleireiros, dentistas, clínicos, leiloeiros, dentre outros.

Figura 1: Vida paulista, edição nº 4 (03/10/1903)

Embora de maneira mais simples e tímida se comparado com os outros periódicos de momentos posteriores, a Vida Paulista chamava a “honrada classe comercial” para anunciar na revista a preços razoáveis, o que garantiria um maior volume de negócios, haja vista o crescimento da atividade comercial na Cidade no início do século XX, que pudemos constatar através da quantidade de anúncios nos periódicos analisados.

O texto abaixo, publicado na Vida Moderna, uma década após, com sua convincente defesa do reclame, indica o desenvolvimento da atividade publicitária no

53 Vida paulista, nº 1 (13/09/1903) 31 interior destas publicações. Ao defender a importância da publicidade, o texto da Vida Moderna, adverte aos seus leitores que:

“nada se faz sem o annuncio, nenhum producto se acredita sem que, em torno delle, sôe, com estridencia, e em varios sons, a fanfarra da réclame. A reclame é tudo. (...) Ora, o que também é verdade, é que a unica publicação em S. Paulo, que offerece verdadeiras vantagens aos comerciantes é „A VIDA MODERNA‟, que faz sua proveitosa propaganda, não só na Capital deste Estado, como tambem em quasi todos os pontos do Brasil onde ha agencias de correios, servidas ou não, por estradas de ferro e na propria Capital da Republica e na Republica Argentina onde sua circulação já é respeitavel”54.

Os editores da Vida Moderna chamavam a atenção nas páginas da revista para a importância do reclame, “nada se faz sem o anúncio”, mostrando as vantagens de se anunciar numa revista que oferecia vantagens aos comerciantes em virtude da grande circulação na capital e em vários pontos do país, levando através das páginas da revista os produtos e serviços ampliando a voz do comerciante para além de São Paulo e, segundo os redatores o anúncio gerava credibilidade aos produtos, o que apontava mais uma vantagem ao anunciante que podia ter seu produto apreciado em vários pontos do país.

No início do século XX a Vida Paulista exibia um pequeno texto propagandeando a confecção de anúncios a preço módicos (Figura 1), A Cigarra por sua vez, na sua terceira edição, em 20 de abril de 1914, trazia um texto detalhado , o qual procurava atrair os anunciantes mostrando que eram evidentes as grandes vantagens de anunciar n‟ A Cigarra pois além da grande tiragem desse número que foi de quinze mil exemplares, três mil a mais que o primeiro, possuía uma concessionária responsável pelos anúncios a “Empreza Moderna de Reclame sob a direção do Sr. U. Moro, com escritório localizado na Rua Formosa, nº 36, e ainda havia aumentado os seus representates no interior de São Paulo, na capital da República e nos principais centros de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Goiás” e, a Vida moderna em agosto do mesmo ano como exposto anteriormente, não deixava por menos, um texto bem apurado com o objetivo de atrair anunciantes, nos leva a crer que as duas disputavam espaço entre os leitores e anunciantes.

54 A vida moderna, edição nº 234 (13/08/1914). 32

Figura 2: A Cigarra, edição nº 14 (11/12/1914)

Na edição de natal, de onze de dezembro de 1914, A cigarra trazia uma página inteira mostrando as vantagens para os comerciantes em divulgar seus produtos na revista, pois segundo seus editores se firmava como a revista de maior circulação e a tiragem de 25 mil exemplares garantia o sucesso e a divulgação em todos os pontos do

33 país. Como informa a mensagem do anúncio a oficina possuía máquinas modernas para confeccionar os exemplares.

Nesse sentido, tamanha importância alcançaram os anúncios que surgiram as agências de publicidade que cuidavam exclusivamente dos espaços destinados aos anúncios. Assim encontramos duas agências nas revistas: a firma do Sr. Jose Lyra, a Daudt & Lagunilla, a Empreza Moderna de Reclame do Sr. U. Moro e a agência A Propaganda do Sr Lima & Cia.

Figura 3: A Lua, edição nº 4 (fevereiro /1910)

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No reclame do Sr Jose Lyra, conhecido como o “Homem Reclame” do tônico Bromil para saúde da mulher reforça a importância que adquiriram os anúncios para a atividade publicitária e comercial da Cidade, uma vez que, esse reclame além de veicular na revista, também chamava a atenção por se tratar de um anúncio afixado no telhado do Teatro São José, a vista de todos que passavam por ali.

A Empreza Moderna de Reclame, sob a responsabilidade do Sr Moro apresentava n‟ A cigarra na quarta edição os “Conselhos para vossa Reclame”, procurando demonstrar a importância do reclame não só para o comércio, como também para a sociedade:

“Si ha no mundo uma cousa util, a nos todos, esta é, sem duvida, a reclame. Na vida comercial a reclame é mais que tudo! A reclame é para o povo um harmonico canto de sereia que conduz ao negocio e ao lucro; é a estrella brilhante e formosa que seduz e encanta, que indica o melhor e verdadeiro caminho! Viveis numa época em que tudo é moderno e novo”55.

Na mesma edição propagandeava também a necessidade de uma empresa especializada em anúncios, enaltecendo a Cidade:

“S. Paulo preencheu uma lacuna, pois não havia nesta rica e populosa cidade – Londres em miniatura – uma Empreza Moderna de Reclame, agora creada, a bem do commercio, da industria e do publico em geral, provando sempre a efficacia da reclame”56.

Assim, a existência de agências especializadas na confecção de anúncios e reclames no começo do século XX reforça a importância da publicidade para a manutenção dos periódicos, bem como para a atividade comercial da Cidade no período.

No caso da Vida moderna há uma preocupação em atrair os pequenos e grandes comerciantes, fabricantes e profissionais liberais para anunciarem seus produtos e serviços na revista, na seção intitulada “Indicações Úteis”, com pequenos anúncios de três a seis linhas. Outra opção para os anunciantes eram os reclames de meia página ou página inteira.

55 A Cigarra, edição nº 4 (06/05/1914) 56 Idem. 35

Essa mesma preocupação com os anúncios podemos observar n‟ A Cigarra, em suas páginas há uma grande quantidade de reclames, serviços de profissionais autônomos, como, dentistas, cabeleireiros, viagens a Europa, casas comercias de artigos importados, de vestuário, de chapéus, de artigos infantis, de móveis, cigarros, carros, pianos e, assim como na Vida paulista, n‟A Lua e na Vida moderna, de diversos tamanhos, ou seja, no rodapé, um quarto de página, meia página ou página inteira.

Por mais que uma vez encontramos o mesmo anunciante em três revistas em diferentes momentos.

Figura 4: Vida paulista, edição nº 4 (04/10/1903)

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Figura 5: A cigarra, edição nº 4 (06/05/1914)

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Figura 6: A cigarra, edição nº 8 (01/08/1914)

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Figura 7: Vida moderna, edição nº 299 (09/11/1916)

Na sequência de anúncios da Casa Edison, dos irmãos Figner pudemos observar elementos da evolução dos anúncios, ou seja, o primeiro do início do século se apresenta de forma mais simples e os demais, na década seguinte são progressivamente mais elaborados trazendo mais detalhes do produto e de seus usos. Assim como as datas dos nos anúncios selecionados, de 1903 a 1916, o que nos dá indícios da solidez do estabelecimento, pois estava no mercado há pelo menos treze anos.

Desta forma, o primeiro datado de 1903, veiculado na Vida Paulista era mais genérico e chamava atenção para a última novidade da casa, o gramofone (Figura 4). No segundo, de 1914 o produto anunciado era o gramofone comercializado a prestação e os discos Odeon, Columbia e Victor (Figura 5).

No terceiro (Figura 6), o que nos chama atenção é o fato do anúncio prescrever os usos da “Graphonola Favorite”, que passa a ocupar um lugar de honra nos lares das distintas famílias, ou seja, uma modernidade para as famílias organizarem seus bailes

39 em suas residências. Porém, esse mesmo anúncio apregoava que o aparelho estava ao alcance de todos, “V.S. tambem pode possuir uma „FAVORITE‟, reduzimos tambem este mez o preço deste magnífico instrumento para collocal-o ao ALCANCE DE TODOS”. Assim, durante o mês de agosto, em virtude da redução dos preços, a graphonola poderia alcançar um público além das “distintas famílias paulistanas”.

É importante ressaltar também que as crianças bem vestidas, alegres, saudáveis e felizes desenhadas dançando ao som da Casa Edison no anúncio, procuravam sensibilizar o público trazendo uma imagem da infância, ou seja, a imagem que se desejava difundir desses artigos modernos através dos anúncios, divulgando um novo hábito de consumo, onde a toda a família poderia participar.

Por último, o anúncio de 1916 (Figura 7) propunha novos hábitos de lazer, ou seja, a facilidade de se organizar bailes e concertos em casa. Assim, a residência tornava-se um lugar onde se reuniam os amigos e parentes para passar horas agradáveis ouvindo e dançando tangos, maxixes, canções inglesas e francesas na grafonola Columbia.

Nesse sentido, os anúncios da Casa Edison de suas grafonolas, gramofones e discos simbolizavam os novos ares advindos com as inovações da modernidade e do progresso para uma sociedade ávida por novidades.

Assim, principalmente nas páginas da imprensa da época, a publicidade afirmava-se como linguagem e oferecia um conjunto de mensagens ao público consumidor, ocupando um espaço fundamental na vida urbana. As inovações trazidas com a modernidade e com o progresso da cidade encontravam na linguagem publicitária das revistas ilustradas um espaço de sua visibilidade e afirmação.

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CAPÍTULO II

No Triângulo: espaços e imagens do comércio e da vida social

“A sociabilidade é um instinto do coração, tão forte e necessario como o Amor, é como um dos mandamentos da lei de Deus: precisa ser cultivada nas relações com o mundo” 57.

Neste capítulo nosso interesse é pensar a geografia do comércio e da cidade, os espaços de sociabilidade e lazer da cidade de São Paulo construída nas representações dos anúncios e das notas sociais presentes nos periódicos. Interessa-nos especialmente explorar as mensagens publicitárias e as crônicas sociais sobre os novos lugares da sociabilidade moderna do centro como os hotéis, confeitarias, cafés, teatros, restaurantes, clubes, parques, assim como a rede comercial que alimenta e propõe novos hábitos e novas formas de consumo.

Começaremos pela região central da cidade – o Triângulo – área formada pelas Ruas Direita58, XV de novembro59 e São Bento60. Num dos vértices do Triângulo (Rua São Bento com Rua XV de novembro) localizava-se a Praça Antonio Prado (antigo Largo do Rosário), no outro vértice (Rua São Bento com Rua Direita), a Praça do Patriarca e o Viaduto do Chá, que ligava o “centro histórico” ao “centro novo” e próximo à cabeceira deste, em posição dominante sobre o Vale do Anhangabaú, o

57 A cigarra, edição nº 47 (31/07/1916). 58 Logradouro aberto no século XVI, com intuito de fazer a ligação do centro da cidade com a antiga estrada que levava à aldeia indígena de Pinheiros. Seu nome foi mudado várias vezes. Em 28/08/1899 (Lei nº 416) a denominação “Direita” foi restaurada. 59 Esta rua começou a ser aberta no século XVI para facilitar o acesso entre o Pátio do Colégio e o Largo São Bento. Antes de receber esse nome, era conhecida como Rua do Rosário e Rua da Imperatriz. Com a Proclamação da República passou a ser chamada definitivamente de Rua XV de novembro. 60 Uma das mais antigas ruas da cidade. Aberta alguns anos depois da fundação de São Paulo. O nome “São Bento”, dado a esta rua refere-se ao Mosteiro de São Bento, localizado no Largo do mesmo nome. Dados coletados no site: www.prefeitura.sp.gov.br – História das Ruas de São Paulo, consultado em 13/03/2011. 41

Theatro Municipal61, destacado esplendidamente, visto do Viaduto do Chá ou da Rua Líbero Badaró e, no terceiro vértice, o encontro das Ruas Direita e XV de novembro.

E, “dentro” da área delimitada pelo Triângulo que se estabelecia o comércio elegante da cidade, com seus estabelecimentos conceituados, as novas lojas de departamento e os profissionais liberais de prestígio.

Ao analisarmos os anúncios e as notas sociais e culturais dos periódicos, na representação proposta pela publicidade, pudemos perceber que, com algumas exceções, a grande maioria dos estabelecimentos de comércio e lazer encontrava-se no Triângulo e no seu entorno que, como já exposto no primeiro capítulo ganhou ares europeus na administração do prefeito Conselheiro Antonio Prado.

Percebe-se que tudo, ou quase tudo que se procurava podia ser encontrado no centro da Cidade. A imagem construída pelas revistas é a de que boa parte da vida urbana da Paulicéia se desenrolava no Triângulo e no seu entorno e, os periódicos através dos anúncios divulgavam o “centro” e os diversos serviços e estabelecimentos ali presentes. Como aponta Sutti em seu estudo sobre a publicidade em São Paulo, o que se construía era uma visão de

“encantamento da região do Triângulo, ostentado pela sofisticação das lojas e das modistas mais requisitadas, procuraram traduzir o requinte e a elegância do centro comercial da metrópole paulista, atraindo verdadeiras peregrinações por parte da sociedade paulistana, que se dividia entre as distintas damas e senhoritas que buscavam avidamente as novidades das vitrines e a solenidade dos cavalheiros de chapéu-coco e bengala, que se postavam as portas dos cafés e das charutarias” 62.

Por essa razão, optamos por selecionar os estabelecimentos comerciais que lado a lado dividiam as ruas do Triângulo e divulgavam seus produtos e serviços nas revistas ilustradas por meio dos reclames, de acordo com a rua em que estavam localizados. Esses endereços encontrados nos anúncios dos periódicos nos proporcionam ter acesso a essa área de comércio.

61 SEGAWA, Hugo. Prelúdio da metrópole: Arquitetura e urbanismo em São Paulo na passagem do século XIX e XX. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004, p.58. 62SUTTI, Paulo. O reclame: A transição da reprodutibilidade persuasiva. Dissertação de Mestrado. São Paulo: PUC/SP, 1996, p. 78. 42

Muitas eram as casas comerciais instaladas no Triângulo. Nas Ruas São Bento, Direita e XV de novembro encontramos livrarias, como a Livraria Universal e a Livraria Alves, bancos, como o Banco de São Paulo, Banco Comercial do Estado de São Paulo, João Bricola e Cia Casa Bancária, ainda o banco inglês, London e Brazialian Bank, Limited, agências de viagem, como A Transoceanica , alfaiatarias, como a Alfaiataria Academica de Irmãos Infantes & C. e a Alfaiataria Hipolito, salão de barbearia e cabeleireiro, drogarias, clínicas dentárias, ateliers de costura, camisarias, como a Camisaria Barros, leiloeiros, como o leiloeiro Quirino do Canto, joalherias,dentre outros.

Pelos anúncios o comércio localizado no centro ganha visibilidade através de suas lojas elegantes, que nessas mensagens oferecem uma grande variedade de produtos qualificados como finos e requintados, em sua grande maioria importados da Europa e da América do Norte. A publicidade, divulgando imagens do progresso cobiçado pelas camadas abastadas, propondo novos hábitos e sociabilidades, estabelecia uma relação com os consumidores que aspiravam viver num grande centro comercial aos moldes das grandes capitais, principalmente Paris.

Neste sentido, no início do século XX a imagem veiculada é a de que o consumidor podia fazer tudo ou quase tudo no centro, ou seja, descendo do bonde e caminhando pelas ruas do Triângulo encontravam-se artigos de vestuário, calçados, tecidos, artigos de cama, mesa e banho, utensílios domésticos, enxovais, papelarias, livros, artigos de beleza e higiene, remédios, artigos para presentes, armarinhos, chapéus, oferecendo ainda serviços de médicos, dentistas, advogados, barbeiros, cabeleireiros, seguros e pecúlios, bancos, viagens, apostas nas casas lotéricas e na sede do Jóquei Clube, cursos de línguas, leiloeiros e fotógrafos.

Nessa geografia do centro comercial da cidade moderna o maior destaque é dado para a Rua Direita como podemos ler na representação do cronista d‟A cigarra:

“Hoje a rua de maior transito é a rua Direita – rua que as senhoras palmilham com vivo interesse, direi com alvoroço, porque é nella que estão as casas de modas e dos artigos que mais seduzem o seu espírito. Poder-se-ia chamar à rua Direita a das senhoras, porque, com effeito, de uma determinada hora em deante quem nella predomina e brilha é o elemento feminino.(...) O que alli passa, enchendo o ambiente de

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perfumes, é a graça, a belleza, a mocidade, é a expressão da vida vitoriosa. (...) A rua Direita, ao menos por agora, é o organismo maior e mais perfeito do Triangulo. Atravesse-a o leitor entre as 4 e 6 da tarde e verá como nas physionomias das moças se póde ler cmo num livro aberto. O pensamento que della vem dar-lhe-á immediatamente, uma ideia muito nítida da vida de escol, da gente seleccionada, dos brocados e setins (...) É a chama da vida, a salamandra do sonho, derretendo o gelo da velhice, dando-lhe por um instante, no espectaculo da rua, um pedaço de ilusão e de doçura”63.

A cigarra no texto acima atribui adjetivos para a Rua Direita que nos possibilitam perceber a sua importância para o período, chegando até ser tratada como a maior e mais perfeita Rua do Triângulo, ou seja, o flanar pela rua, principalmente das senhoras e moças seduzidas pelas casas de moda a enchia de graça e beleza. Assim, como nos propõe Prado em seu estudo sobre a mulher na revista A cigarra entre 1915- 1930, “a Cidade é a „vida‟, a exposição das pessoas faz da rua um „espetáculo‟, que exibe o luxo e ostenta a riqueza. Estar na rua é „rejuvenescer‟” 64.

Em nosso passeio pela Rua Direita através dos anúncios encontramos como citado na referida nota estabelecimentos comerciais voltados para perfumaria e vestuário.

63 A cigarra, edição nº26 (14/09/1915). 64PRADO, Sabrina G. do. Imagens femininas na revista “A Cigarra” – 1915/1930. São Paulo, Dissertação de Mestrado em História Social, PUC/SP, 2004.

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Figura 8: A cigarra, edição nº 7 (07/1914)

Figura 9: A cigarra, edição nº 15 (31/12/1914)

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Nos dois anúncios veiculados na revista A cigarra, encontramos características da Paulicéia desse período, por exemplo, a Casa Baruel, informava que possuía o “mais moderno e fino em extractos, pós de arroz, sabonetes, entre outros itens, dos mais reputados fabricantes franceses, ingleses e americanos”, como Guerlain, Colgate e Roger & Gallete e chamava atenção também ao anunciar as “ultimas novidades”.

No reclame da casa Au Bon Diable, que embora não anunciasse produtos importados, possui informações necessárias para chamar a atenção do consumidor, como os dados sobre o estabelecimento, sendo uma casa fundada há trinta e oito anos, demonstrando ser uma casa comercial sólida e séria; com grande sortimento de ternos, capas e sobretudos de borracha, enxovais e ainda, os preços módicos. Chama a atenção também o uso de palavras no diminutivo – “roupinhas”, o que nos aponta para além das roupas para colegiais como as mostradas no desenho do anúncio, também possuía roupas para crianças em tenra idade.

Outro estabelecimento importante da Rua Direita era a famosa Casa Alemã, fundada em 1883, com variadas seções de artigos, como tecidos, armarinhos, camisarias, perfumarias, mobílias, tapeçarias, roupas brancas e enxovais para noivas e noivos. Vale ressaltar que possuía filiais em Campinas, Ribeirão Preto, Santos e Jaú. Assim, ao se anunciar como a mais importante casa no gênero em todo Brasil, demonstra ser um estabelecimento sólido que oferecia seus artigos e mercadorias e possuía oficina própria e, a fachada do magazine estampada no centro do anúncio nos da indicação da suntuosidade da casa (Figura 10).

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Figura 10: A cigarra, edição nº39 (31/03/1916)

Um dos itens destacados pelos anúncios dos estabelecimentos do Triângulo é o vestuário. Muitos dos anúncios de página inteira e ilustrados são de estabelecimentos que se dedicam a vestir os paulistanos de maneira moderna e refinada, como aconselhava o cronista d‟A Cigarra. Na publicidade, a mulher aparece como

47 personagem central deste novo comércio de vestir; não só as representações femininas estão mais presentes nos anúncios como as lojas dedicadas às vestimentas femininas aparecem em maior quantidade.

Assim, em sua edição de 14/09/1916, A Cigarra traz uma reportagem entusiasmada sobre a inauguração de um elegante estabelecimento de moda feminina na Rua São Bento, a Casa das Fazendas Pretas. Esta destacava a arte complexa e delicada de vestir a mulher com os finos e distintos tecidos pretos, uma vez que o uso destes realçava a beleza feminina “envolvendo de mistério, os corpos, destacando a alma das carnes, o brilho dos olhos, pondo em relevo um perfil e cortando em linhas estatuaria e elegância uma silhueta”, ou seja, vestir-se com as últimas criações da alta costura recebidas diretamente de Paris, como os lindos vestidos, os mantôs, os tailleurs, as blusas e os chapéus, tornavam a mulher elegante e ressaltavam sua beleza65. Ao falar da inauguração e da qualidade do novo estabelecimento, a revista conclama seus leitores a conhecê-la indicando que além dos artigos importados a casa mantinha uma modista francesa para dirigir o atelier de confecções, a fim de atender às senhoras “desejosas de se vestir bem no mais fino estilo parisiense”, chamando assim as “famílias de bom gosto” para visitar o estabelecimento.

Interessante apontar que, muitas vezes, as crônicas das revistas tomam estes estabelecimentos comerciais como assunto, promovendo eventos como inaugurações de novos estabelecimentos, mudanças de endereço ou reformas das instalações das casas comerciais como acontecimentos sociais de destaque.

65 A cigarra, edição nº 50 (14/09/1916). 48

Figura 11: A Lua, edição nº1 (janeiro/1910)

Embora a casa das Fazendas Pretas tivesse sido inaugurada em 1916, a Cidade já possuía outras casas elegantes. Exemplo disso é a casa Au Palais Royal de propriedade do Sr Leandro Pitta & Madeira também localizada na Rua São Bento, que chama atenção primeiramente pelo nome – Palácio Royal – o que já demonstra construção de uma idéia de suntuosidade ao se referir a casa como um palácio, e pelos produtos importados que chegavam através do vapores, ou seja, a começar pelo nome, era um estabelecimento que procurava se manter em sintonia com as novidades vindas

49 principalmente da Europa. Encontravam-se roupas femininas, roupas brancas, enxovais, tecidos, roupas de cama e mesa, acessórios para vestuário e para decoração.

Embora se comercializasse tecidos finos, sedosos e bordados como, crepes, linhos, nanzouck, schantungs, cassas, também possuía em seu estoque os tecidos de algodão ou sarja, como a chita, o brim e o cretone, ou seja, para confecção de roupas mais populares, para trabalhadores, empregados e criados em geral.

Assim, quanto à diferenciação dos tipos de tecidos, podemos observar o tom preconceituoso em relação aos artigos nacionais, logo considerados mais populares nessa crônica de Americano, mostrando um diálogo entre uma senhora e o vendedor:

“(...) – Deixa ver aquela fazenda ali em cima, faz o favor. Não! Não é essa, a outra. Desceu o caixeiro com a peça de fazenda. Desenrolou, amassou com a mão e esticou para mostrar que não vincava. – É estrangeira? – Não, é nacional. – Ah, então não serve. O senhor acha que vou comprar fazenda nacional? – Temos estrangeira. – Ah, isso sim. – É que a senhora não tinha avisado. – Mas não era preciso avisar, eu não estou fazendo compras para as criadas. – A senhora me desculpe. (...) 66.

Ao lermos esse diálogo podemos notar até um tom de ironia que indica como se constituem signos da diferenciação social por meio do comércio de tecidos; importados para a “boa sociedade” e nacionais para os criados.

Desta forma, caminhando mais um pouco pela Rua São Bento, praticamente na mesma calçada, encontramos outro estabelecimento que chamava atenção para os artigos finos e as novidades enviadas semanalmente de Paris e Londres, a casa Ao Preço

66AMERICANO, Jorge. São Paulo naquele tempo: 1895-1915. São Paulo: Carrenho Editorial / Narrativa Um / Carbono 14, 2004, p. 77.

50

Fixo - Camisaria. Na Au Palais Royal observamos que era uma casa que oferecia artigos femininos, uma vez que anunciava echarpes, luvas, “corpinhos”, mantilhas, tailleurs, saias, entre outros.

Embora em menor quantidade, para além dos públicos femininos, os anúncios desse comércio elegante voltam-se também para as necessidades de vestir com elegância os cavalheiros, as crianças e jovens e até o interior das casas.

Figura 12: A Lua, edição nº 2 (janeiro/1910) Na casa Ao Preço Fixo, a especialidade eram as roupas brancas para cavalheiros e meninos, além dos artigos de cama e mesa. Outro detalhe também

51 observado foi o compromisso da loja em ressarcir o valor pago ao produto que não oferecesse garantia. Como outros anúncios analisados, vale destacar que a toda semana a casa recebe produtos novos e novidades trazidas de além mar.

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Figura 13: A Cigarra, edição nº 50 (14/09/1916)

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Outra casa especializada em artigos masculinos era a Camisaria Barros, também localizada na Rua São Bento. No detalhe, um cavalheiro bem trajado segurando e apontado para o slogan do estabelecimento, demonstra que a casa comercializava artigos finos para homens e meninos, como gravatas e colarinhos, bem como, enxovais para noivos, o que nos sugere que os homens também preparavam enxovais para o casamento. Nota-se também em primeiro plano, antes mesmo do nome da casa em letras grandes, “ROUPAS BRANCAS E FINAS”, reforçando o uso das roupas brancas como um sinal de limpeza e higiene.

Num outro anúncio (Figura 14) da mesma casa veiculado também n‟ A Cigarra quase um ano depois, chamava a atenção as novidades para o inverno, como os sobretudos, as luvas e os cachecóis e mais uma vez reforçava que era um estabelecimento para fregueses de gosto apurado e demonstrava que embora o comércio do Triângulo fosse voltado principalmente para artigos do vestuário feminino, existiam também casas especializadas em artigos masculinos que poderiam ser apreciados nas vitrines, o que nos permite considerar que embora em menor escala, os cavalheiros também podiam flanar pelo centro afim de observarem as novidades.

Figura 14: A Cigarra, edição nº 66 (19/05/1917)

54

Figura 15: A Cigarra, edição nº 88 (30/03/1918)

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O Mappin, por sua vez mantinha uma seção especializada em artigos para o vestuário masculino e, em mais um anúncio observamos a forma de se referir ao público, neste caso masculino, como o “cavalheiro mais distinto”, trazendo novamente o tom preconceituoso, haja vista, a pose do senhor elegantemente vestido no desenho trajando um terno bem cortado. Assim, como nos anúncios para o público feminino, realçava-se a variedade dos artigos importados, como os tweeds ingleses.

Ainda em relação aos artigos que compunham o vestuário masculino, não podemos deixar de mencionar as casas especializadas em chapéus, como a Chapelaria Souza Pereira, que comercializava além dos modelos de fabricação própria e os modelos americanos e italianos. Localizada na Rua Direita possuía um grande sortimento de modelos, como as palhetas, o que nos permite destacar que os confeccionados com palha e preços mais em conta eram utilizados em ocasiões menos formais.

Figura 16: A Cigarra, edição nº 24 (01/08/1915)

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Figura 17: Vida moderna, edição nº29/30 (25/12/1907)

Ao compararmos o anúncio de 1915 d‟ A Cigarra com o da Vida moderna veiculado na primeira década, podemos observar que já existiam casas especializadas no comércio de chapéus dos mais variados modelos e materiais, como as cartolas para casamentos e soirées e, os mais informais como, os bonés, os chapéus de palha e os chapéus para sol, além é claro, como outros estabelecimentos comerciais mencionados neste estudo, os artigos importados principalmente da Europa.

A Rua XV de novembro é outra via que se destaca na composição desta geografia do moderno consumo dos paulistanos e paulistas.

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Figura 18: A Lua, edição nº 3 (janeiro/1910)

A casa Au Bon Marché na Rua XV de novembro era mais um estabelecimento do Triângulo onde se encontravam tecidos finos de seda, rendas, galões, enxovais de linho, blusas e, como nas outras casas mencionadas um rico sortimento de roupas brancas, ressaltando ser essa sua especialidade e, também como encontrado em outros estabelecimentos, tecidos mais grosseiros se misturavam aos mais finos. A loja de propriedade do Srs. Ferreira, Vasconcelos & Comp., com o nome em língua francesa destacado ao alto e vitrine com mercadorias expostas, nos indica uma forma de atrair os clientes, além de anunciarem seus artigos a preços módicos.

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Assim, se a casa das Fazendas Pretas se anunciava especialista em moda feminina com finos tecidos pretos, as outras três com grande quantidade de artigos importados esbanjavam nos seus anúncios as roupas brancas e enxovais, o que nos dá indícios que a “roupa debaixo” era toda branca, demonstrando sinal de limpeza e higiene oferecido pela brancura. As famílias de posses usavam grande quantidade de roupa branca no seu cotidiano, roupas de cama, mesa e banho, e também as próprias roupas dos homens, mulheres e crianças67.

Entretanto, na Paulicéia que se desejava moderna e civilizada, não bastava apenas se vestir com as “últimas novidades” vindas principalmente da Europa. Era preciso também incorporar essas novidades dentro das residências, “vestindo” também as casas e os espaços privados, que agora também deveriam ser mostrados e admirados. Desta forma, encontramos anúncios de estabelecimentos, como a Casa Netter (Figura 19), que comercializava artigos de prata, como faqueiros, lavatórios e conjuntos para chá, jóias e relógios, além de lançar um desafio anunciando que comercializava seus artigos com preços mais em conta que outras casas do ramo.

Por esta razão, ao que tudo indica a aparência passava a ser uma forma de distinção e, para ser considerado elegante e chique, as residências abastadas deveriam compor na sua decoração o luxo e o glamour propagado pelas lojas refinadas da cidade. Nesses anúncios as residências viram “homes” e devem ser guarnecidas com faqueiros de prata, jarras de cristal e serviços de chá para recepção dos convidados e, as salas de visita recebem porta retratos, almofadas e abajures importados.

67 MATOS, Maria I. S. de. Cotidiano e cultura: história, cidade e trabalho. São Paulo: EDUSC, 2002, p.139 59

Figura 19: A cigarra, edição nº 2 (30/03/1914)

Outro anúncio (Figura 20) que nos permite notar a preocupação com a decoração da residência é o da Casa Michel, dos irmãos Worms, localizado na Rua XV de novembro que, além das jóias de ouro, pérolas e diamantes, comercializava também peças para se mostrar, ou seja, artigos para decoração como, porta-retratos, vasos e licoreiras de cristal.

A Casa Bento Loeb (Figura 21), localizada na Rua XV de novembro, também destacava seus artigos para decoração, como estátuas, abajures e serviços de prata (faqueiros, baixelas, etc.), chamando atenção para a longevidade da casa, o que proferia a garantia dos objetos comercializados.

O Mappin Stores por sua vez exibia no anúncio (Figura 22) sua exposição de acessórios para sala, como abajures e almofadas de várias cores e modelos de fabricação própria, cuja finalidade era completar a decoração, principalmente da sala de visitas e

60 propagandeava os preços moderados, o que nos leva considerar uma preocupação do estabelecimento com a concorrência.

Esses anúncios ressaltavam para os consumidores a importância da utilização desses produtos, louças, cristais, porcelanas, pratarias, objetos de decoração, como imagem de sofisticação e dos novos hábitos que deveriam ser incorporados a maneira de se receber nas residências. Adicione-se a modernidade trazida com o gramofone dos irmãos Figner, a residência deveria compor juntamente com seus moradores uma imagem ao mesmo tempo de “progresso, modernidade, conforto e sofisticação”.

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Figura 20: A cigarra, edição nº 9 (29/08/1914)

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Figura 21: A cigarra, edição nº 82 (29/12/1917)

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Figura 22: A cigarra, edição nº 86 (28/02/1918)

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Finalmente fazendo concorrência com os grandes estabelecimentos da época, outro magazine vislumbrava a São Paulo da belle époque – o já mencionado anteriormente, Mappin, que em agosto de 1919 inaugurou seu novo endereço: Rua São Bento esquina com a Rua Direita.

Figura 23: A cigarra, edição nº 118 (15/08/1919)

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É interessante observar a evolução dos anúncios, como esse do fim segunda década veiculado na revista A cigarra que apresenta uma linguagem publicitária diferenciada, que nos remete ao menino anunciando entusiasmado o convite conclamando toda a população de São Paulo para a grande inauguração do novo prédio do Mappin, transmitindo a ideia de que assim como ele, amigos e fregueses deveriam se apressar para não perder o dia da abertura das portas no novo endereço.

Ao convidar toda a população para a inauguração “sem haver compromisso de compra”, a casa não faz distinção entre as pessoas que possivelmente poderiam comparecer, é como se as portas da casa estivessem abertas para quem quisesse comparecer independente da sua condição social.

Porém, quando observamos os anúncios dos artigos comercializados pelo magazine, percebemos grande quantidade de produtos finos e requintados, como as mercadorias estrangeiras que, ao que tudo indica despertavam interesse dos consumidores mais abastados, que desejavam possuir as modas vindas pelos vapores, principalmente da Europa, como o anúncio (Figura 24) voltado para o público feminino da seção de meias e luvas de seda pura e lenços “fantasia” desenhados por artistas do gênero.

Além dos artigos anunciados, chama atenção a linguagem utilizada para se dirigir a esse público: “chamamos atenção das excelentíssimas senhoras para as meias Mappin”, ou seja, um tom respeitoso e até formal de tratamento, como se somente as senhoras mais elegantes e sofisticadas da sociedade fossem visitar a seção de meias, luvas e lenços, excluindo as que não se encaixassem nesse perfil, ou seja, as mulheres das camadas menos abastadas da sociedade.

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Figura 24: A cigarra, edição nº 123 (01/11/19)

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Nesse sentido, os anúncios passam uma imagem de modernidade, seriedade e credibilidade para o consumidor, procurando fazer despertar o desejo de possuir as grandes novidades e últimos lançamentos e a Rua Direita por sua vez, como na crônica citada anteriormente funcionava como uma possibilidade onde se podia desfilar elegância e “bom gosto”, ver e ser visto.

Em nosso passeio pelo Triângulo, entre um estabelecimento de artigos de vestuário e outro, podia-se entrar num estabelecimento farmacêutico.

Figura 25: A Lua, edição nº 2 (janeiro/1910)

No anúncio da Pharmacia Borges, localizada na Rua XV de novembro, observa-se a entrada da farmácia com sua vitrine expondo os produtos e suas portas abertas. O estabelecimento oferecia produtos químicos e farmacêuticos importados – franceses, ingleses, alemães e americanos, bem como presteza nos serviços executados.

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Figura 26: A Lua, edição nº 2 (janeiro/1910)

Ainda na Rua XV de novembro encontramos a Pharmacia Assis, cujo proprietário e farmacêutico Sr Assis Ribeiro, preparava através da fórmula do Dr. Sylvio Maya, diretor da Maternidade de São Paulo, um produto específico para as crianças, o qual curava assaduras em poucos dias, o que fornece credibilidade ao produto e confiabilidade as mães para utilizarem, uma vez que era recomendado pelo médico e diretor da maternidade.

Figura 27: A Lua, edição nº 5 (fevereiro/1910)

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O estabelecimento do Sr Pires Lennon, farmacêutico diplomado pelas Escolas de Pharmacia do Porto, em Portugal e de São Paulo, localizado na Rua São Bento, comercializava produtos químicos e farmacêuticos, perfumarias e artigos para toalete nacionais e importados. Também oferecia entrega em domicílio, uma comodidade para os clientes e aviavam-se fórmulas a preços reduzidos, o que a diferenciava outros de dois estabelecimentos mencionados, embora também comercializasse artigos de perfumaria e toalete e produtos importados como a Pharmacia Borges.

Nesse sentido, é importante destacar que, se no caso do vestuário e da decoração das residências o que contava eram as novidades e o refinamento aos moldes europeus, em relação aos produtos farmacêuticos os apelos comerciais usam uma linguagem mais próxima da ciência, como a manipulação de fórmulas, esterilizações de instrumentos cirúrgicos e recipientes apropriados para guardá-los. Mensagens que indicam não somente a persistência nas formas de realizar a produção e venda desses produtos – como a importância do profissional de farmácia e das técnicas de manipulação – como também demonstrando a adoção pela publicidade dos apelos relativos à higiene e assepsia.

Porém, o “centro” da Cidade não possuía apenas lojas de vestuário, ou farmácias. Outros anúncios que nos deparamos nas revistas, que eram ofertados à sociedade paulistana foram os serviços de profissionais autônomos, como, advogados, médicos, dentistas, tabelião, entre outros.

Figura 28: A Lua, edição nº 5 (fevereiro/1910)

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Figura 29: A Lua, edição nº 7 (fevereiro/1910)

Figura 30: A Lua, edição nº 9 (março/1910)

Figura 31: Vida Moderna, edição nº 218 (23/04/1914)

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Nesta seqüência de anúncios nossa intenção foi agrupar outros serviços que além do comércio, podiam ser encontrados no Triângulo. Assim, para consultar um advogado, um médico ou um dentista, ou ainda um cartório ou tabelião, os paulistanos se dirigiam ao “centro”, ou seja, nas ruas já mencionadas: Direita, Boa Vista, XV de novembro e São Bento. Para os profissionais liberais ocupar a região central conferia segurança e credibilidade, não bastava ser médico ou advogado, para alcançarem projeção e respeitabilidade deveriam ocupar este espaço. Vale ressaltar que os anúncios do advogado e do médico (Figuras 28 e 29 respectivamente), chamam atenção para a moldura que os envolve, demonstrando uma preocupação com a estética e com apresentação do profissional nas revistas.

Constata-se assim, que os mais variados tipos de anúncios veiculavam nas revistas, tamanha era a variedade de comerciantes/anunciantes.

Também compondo esta geografia das novas sociabilidades públicas estão os estabelecimentos como cafés, restaurantes, confeitarias que para além do consumo de mercadorias, dão visibilidade aos novos modos de viver. Assim, também no Triângulo e seu entorno, além das casas comerciais, outros estabelecimentos ocupavam os edifícios como, hotéis, cafés, confeitarias e teatros que também faziam parte dos espaços para novas formas de sociabilidade da cidade.

Os anúncios, as crônicas e os memorialistas nos auxiliam a recuperar o clima destes espaços e atividades. Os anúncios indicam que por volta de 1910 existiam na Cidade hotéis que respondiam as demandas das novas exigências da vida social paulista.

O Grand Hôtel de La Rotisserie Sportsman, inicialmente na Rua São Bento, nº 61 e a partir de 1911, ainda na Rua São Bento entre as Ruas Direita e da Quitanda, foi um hotel de luxo que gozou de grande prestígio naquele momento, com 110 quartos e restaurante de primeira ordem, chefe francês e capacidade para duzentas pessoas e um enorme salão para banquetes no 1º andar68.

Esse hotel figurava entre os melhores, mas outros dois hotéis que destacamos estavam entre os de primeira categoria: o Hotel Majestic e o Hotel Bella Vista.

68 BARBURY, Heloisa. A cidade-exposição: Comércio e cosmopolitismo em São Paulo, 1860-1914. São Paulo: EDUSP, 2006, p.109. 72

Figura 32: A Lua, edição nº 10 (março/1910)

O Hotel Majestic, inaugurado no dia nove de março de 1910 estava localizado na Rua São Bento, nº 61 e 61-A, antigo endereço do Hotel de La Rotisserie Sportsman. Destaca-se que o anúncio foca muito mais a atividade do restaurante que a da hospedagem. Instalado em espaçoso prédio de três andares, possuía acomodações luxuosas, salões para recepções, banquetes e festas, saletas de espera, alcovas

73 confortáveis e arejadas. Seus utensílios de cozinha, móveis e adornos eram importados da Europa e a maioria dos compartimentos atapetados, ostentando finas pinturas, com predominância das cores em tons pastéis. A sala de refeições possuía restaurante de primeira ordem com serviço à francesa, servidos com porcelanas, cristais, pratas e linho, e o “Five o’clock tea” servido diariamente no salão de festas entre três e cinco horas da tarde. Contava ainda com profissionais vindos da Europa, como o gerente geral e o chefe de cozinha. Em nota, os editores d‟ A Lua, no dia da inauguração do hotel, lançavam um desafio: “Duvidamos que haja em todo casa desse gênero tão competentemente dirigida, estabelecimento igual tão bem instalado e hotel com um serviço tão escolhido. Visitem, como nós o fizemos, e só depois duvidem do que affirmamos”69. No reclame veiculado na revista A Lua, observamos que o anúncio estava escrito em português e francês, e divulgava com pompa o famoso “chá das cinco”, hábito cultivado pelos ingleses, demonstrando assim sua sintonia com o modelo europeu que se pretendia copiar em nossa belle epóque. Assim, os hotéis além de abrigarem visitantes e viajantes, tornaram-se ponto de encontro de personalidades em ocasiões especiais e de senhoras e moças elegantes para degustar o famoso “Chá das cinco” 70.

69 A Lua, edição nº 10 (março/1910). 70 PADILHA, Márcia. A cidade com espetáculo: publicidade e vida urbana na São Paulo dos anos 20. São Paulo: ANNABLUME, 2001, p.95. 74

Figura 33: A Lua, edição nº 1 (janeiro/1910)

O Hotel Bella Vista, edifício elegante de três andares, localizado na Rua Boa Vista, nº 34, de propriedade dos irmãos Sarti figurava ao lado do Majestic como hotel de primeira categoria, também segundo o anúncio, contava com salas elegantes, quartos confortáveis e cozinha de primeira.

Ainda dentre os hotéis do final do século XIX e início do século XX na cidade encontramos: o Hotel de França, ou Grande Hotel de França, na esquina das Ruas Direita e São Bento, considerado por Jorge Americano como melhor hotel da cidade:

“(...) era um sobrado. Vinha do século passado e estava na esquina da Rua São Bento com Rua Direita. Diária com refeição, quatro mil réis. Janelas retangulares, com arco abatido, de madeira, na parte superior. Os quartos davam para a Rua São Bento e as salas para a Rua Direita.

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Portas de lojas, laterais as saguão de entrada. De cada lado da entrada, um lampião de gás, preso à parede”71.

Figura 34: A cigarra, nº 64 (18/04/1917)

O Grande Hotel, com frente para Rua São Bento, na esquina com o Beco da Lapa, além de hospedagem sediava comemorações, recepções, formaturas e casamentos e, em tempos de glória, hóspedes de fama internacional, como Sarah Bernhardt e sua companhia dramática se instalaram em suas dependências. De acordo com o anúncio era um estabelecimento de credibilidade, onde procuravam preservar a ordem e a moral. Por esta razão, é interessante ressaltar que no final da segunda década, o que mais se destaca como qualidade da hospedagem, para além do conforto das instalações, são a ordem e a moralidade, o que nos indica que o hospedar-se “fora de casa” ainda estava

71AMERICANO, Jorge. São Paulo naquele tempo: 1895-1915. São Paulo: Carrenho editorial/ Narrativa/Carbono 14: 2004 p. 135. 76 sendo constituído como um hábito respeitável para a “boa sociedade” paulistana. A indicação que aquele estabelecimento prima pela ordem e pela moralidade sugere a necessidade de diferenciar-se de outros locais de hospedagem de fama diversa.

Também os cafés, bares e confeitarias, como Café Guarany, Confeitaria e Bar Viaduto, Café Brasil, Café América, Café Acadêmico, Bar Antártica, Confeitaria Castelões, Brasserie Paulista e Bar do Municipal, tinham seu espaços na geografia da Cidade em meio às transformações ocorridas através dos projetos de urbanização que vinham ocorrendo desde fins do século XIX e início do século XX.

Figura 35: Vida Paulista, edição nº7 (25/10/1903)

O Café e Restaurante Guarany, localizado de fronte a travessa do Comércio, na Rua XV de novembro, nº 52, com entrada pela Rua Boa Vista, nº15, de propriedade do Srs. S. Alonso & Faria, brilhou entre os muitos cafés de São Paulo. O estabelecimento contava com gabinetes reservados, o que nos leva considerar que talvez fosse um espaço onde se procurava manter a privacidade dos clientes, além de vinhos de boa qualidade.

77

Não era somente nas revistas que o Café se destacava. Este, também fez parte das reminiscências de Afonso Schmidt:

“a sua gloria era à noite. Sempre concorrido, cheio de falatórios e risadas. Um salão enorme para aquele tempo. Mesas de mármore, cadeiras austríacas. Compridos bancos laterais com espaldares de couro. No fundo, um estrado com grades. Nesse estrado, a orquestra. As valsas de Lehar e Strauss estavam em moda. Ali se reuniam médicos, advogados, jornalistas prósperos, políticos de certo prestigio e estudantes. Na porta, um preto velho gordo, de cachenê, desempenhava as funções de leão-de-chácara. Depois da meia-noite, com a terminação dos espetáculos no Santana, ali perto, na Rua Três de dezembro, no último São José, à Rua Xavier de Toledo, e no Polytheama, à Ladeira São João, o café enchia-se de famílias que iam fazer um lanche antes de tomarem o bonde para seus bairros. (...) Ele era conhecido não só aqui, mas nas cidades do Interior. Amigos que, lá embarcavam para a Capital, marcavam encontro com três dias de antecedência, naquele estabelecimento: „ – Sábado próximo, ao meio-dia, no Café Guarany. Está bem?‟”72.

Por meio da descrição de Schmidt, pudemos perceber que o Café bem instalado com mesas de mármore, cadeiras austríacas73 e orquestra se constituía ponto de encontro de profissionais liberais e políticos, de amigos vindos do interior, bem como de famílias que após os espetáculos nos teatros Santana, São José e Politeama, passavam por lá para lanchar antes de retornarem para casa. Isto demonstra que a atividade teatral era de grande importância para a Cidade, uma vez que os cafés ficavam abertos esperando os espetáculos terminarem para atenderem seus frequentadores.

Neste sentido, podemos perceber que a frequência desses clientes e as valsas interpretadas pela orquestra demonstram a respeitabilidade, a credibilidade e a sofisticação do Café.

72 SCHMIDT, Afonso. São Paulo de meus amores. São Paulo: Paz e Terra, 2003, p.158-159. 73 “Cadeiras com técnica da madeira encurvada e assento de palhinha, inventada na Áustria, por Thonet, chegaram a se tornar um símbolo da Belle Epóque européia, o que equivale a dizer, da modernidade”. BARBURY, Heloisa. A cidade-exposição: Comércio e cosmopolitismo em São Paulo, 1860-1914. São Paulo: EDUSP, 2006, p.78. 78

Na Rua Direita, junto ao Viaduto do Chá, de propriedade dos Srs. Monteiro Soares & Comp., localizava-se a Confeitaria e Bar Viaducto. Um anúncio de 1907 do estabelecimento nos aponta para os produtos comercializados na confeitaria:

“Para as festas Passas, figos, ameixas, nozes, amêndoas, avelãs, castanhas, deliciosos, biscoutos Marron Glace, goiabada, pecegada, queijos, manteigas frescas e salgadas, assucar, especial café, conservas alimentícias, enfim tudo que se relacione com o consumo domestico”74.

E outro anunciava o que o Bar oferecia:

“(...) grande variedade em doces, sandwiches, empadinhas, chops, cervejas e refrescos gelados, emfim tudo o que ha de melhor e por menos 50% do que em outra qualquer casa”75.

Desta forma, implica dizer que juntamente com a Confeitaria que oferecia produtos alimentícios para festas, funcionava um Bar, onde serviam doces e salgados, chopes, cervejas e refrescos por preços razoáveis e, encontravam-se ainda mimos primorosos e delicados, vinhos finos e de mesa, licores, caramelos, bombons, chocolates, frutas cristalizadas em finas embalagens para presente.

74 Vida moderna, edição nº29 (25/12/1907). 75 Idem.

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Figura 36: A cigarra, edição nº 63 (28/03/1917)

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No anúncio de 1917 do Bar Viaduto podemos observar a mudança ocorrida na apresentação e no texto de página inteira, mais apurado e detalhado, chamando atenção por se tratar de um ponto de encontro das famílias abastadas, que podiam usufruir da orquestra junto ao Bar, demonstrando o tom de elegância e sofisticação do estabelecimento. Outra novidade era a entrega em domicílio, inclusive para o interior, o que proporcionava comodidade aos fregueses.

Anunciava também a grande quantidade de produtos oferecidos nas dependências do bar, da confeitaria e dos secos e molhados, como os diversos tipos de bebidas, doces, salgados, coquetéis, lanches e, também diferentemente do anúncio de 1907, um variado sortimento de frutas frescas nacionais e importadas.

Ainda analisando esse anúncio nos deparamos com uma expressão de tom preconceituoso: “Secção de Confeitaria e Bar dedicado ás Exmas Familias”, o que nos sugere que o estabelecimento estava com as portas abertas somente para as camadas abastadas, tornando-se um espaço excludente.

Figura 37: A Cigarra, edição nº 7 (junho de 1914)

81

Outro Café instalado com luxo e provido de todos os requisitos exigidos pela higiene moderna era o Café Brasil, de propriedade dos conceituados negociantes Srs. Caldeira & Silva, à Rua Quinze de novembro, nº 37.

O anúncio veiculado n‟ A cigarra chama a atenção para a higiene do espaço denotando que as questões do asseio e limpeza são também qualidades de destaque do estabelecimento. O salão principal e os demais compartimentos eram dotados de paredes ladrilhadas e impermeáveis. Ressaltava-se ainda que as xícaras de café protegidas das impurezas do ar ficavam resguardadas em um aparelho especial de vidro e, a copa e a cozinha dotadas da mais absoluta limpeza de acordo com as prescrições da Diretoria de Serviço Sanitário, realçando a preocupação com os padrões de higiene. Vale mencionar que o Café foi projetado pelo escritório técnico da Companhia Iniciadora Predial, sob a direção do engenheiro Ricardo Severo, procurando executar um trabalho de primeira ordem e digno do progresso da cidade76. Como descreveu um representante d‟ Cigarra no dia da inauguração: “é um estabelecimento modelar e destinado a brilhante prosperidade” 77. Tudo leva a crer que tanto os proprietários, quanto os engenheiros buscavam montar um estabelecimento que atendesse as expectativas de modernidade e progresso da Cidade, levando em conta os cuidados com a limpeza e a higiene.

76 A Cigarra, edição nº5 (25/05/1914). 77 Idem. 82

Figura 38: A Cigarra, edição nº 17 (05/02/1915)

Diferentemente do anúncio do Café Guarany (Figura 35) veiculado na Vida Paulista no começo do século XX, do Bar Viaduto (Figura 36) e do Café Brasil (Figura 37), ambos veiculados n‟ A cigarra na segunda década e do Bar Antarctica (Figura 39) da Vida moderna também da segunda década que apresentavam com destaque o nome do estabelecimento; o anúncio do Café América e do Café Acadêmico trazia em primeiro plano e em negrito o produto comercializado, chamando atenção para a grande novidade que ofereciam todos os dias, os sorvetes de creme e frutas. O que nos chama a atenção nesse anúncio é a preocupação com produto comercializado, o endereço e o preço. Pode-se observar que o mesmo é simples e básico, sem muita pompa, diz a que veio: anunciar a novidade – os sorvetes! É interessante observar a maneira como o anúncio se refere aos sorvetes, adjetivando-os de “finos” comparando com artigos de bom gosto, sugerindo que era um produto bem feito e digno de apreço.

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Figura 39: Vida Moderna, edição nº 221 (14/05/1914)

Mais um estabelecimento fazia parte do conjunto de cafés e bares do centro da cidade: o Bar Antarctica, localizado na Travessa do Comércio, “dentro do Triângulo”. Observa-se no anúncio apresentado pela revista, que a especialidade da casa eram os chopes e as cervejas da Antártica e as bebidas nacionais e importadas, como, licores; sanduíches e petiscos.

Aqui novamente encontramos os produtos anunciados como “finos”, o que nos permite considerar que procuravam valorizar os produtos comercializados, revelando “bom gosto”, tanto para o estabelecimento quanto para aqueles que consumiam. Destaca-se um aspecto interessante da casa que era o fato de aceitar

84 encomendas a qualquer hora, porém o anúncio não descreve com detalhe horário de funcionamento do estabelecimento, o que nos sugere ser um bar que talvez permanecesse aberto por muitas horas do dia. Sendo assim tínhamos aqui uma grande novidade incorporada na Cidade, um estabelecimento que oferecia a seus clientes um serviço especializado de pedidos até tarde da noite.

E, finalmente destacamos em nosso percurso pelo Triângulo mais dois Cafés: o Castelões e a Brasserie Paulista, localizados na Praça Antonio Prado, antigo Largo do Rosário era um dos “pontos de encontro” da cidade, onde se reuniam rapazes elegantes e por onde se passavam todas as linhas de bonde78.

A população que frequentava a famosa Confeitaria Castelões se modificava no decorrer do dia. Pela manhã, pendurados no balcão, amontoavam-se caixeiros viajantes, à tarde vinham senhoras com suas filhas, que ali davam uma “parada social” e, à noite depois das cinco horas, o ambiente começava a ficar carregado, chegavam as demi- mondaines e com elas o público “interessado” 79. Ali, podiam-se saborear chopes, bebidas nacionais e importadas, tortas e empadas de camarão80.

78 BRUNO, Hernani S.. História e tradições da cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: Editora Jose Olympio, 1954, p.1003. 79ANTUNES, Fátima Martin R. Ferreira. Do Velódromo ao , in Revista do Departamento do patrimônio histórico - signos de um novo tempo – a São Paulo de Ramos de Azevedo. Secretaria Municipal de Cultura, São Paulo, janeiro/1998, ano V, nº 5, p.99. 80 A Lua, edição nº 2 (janeiro/1910) 85

Figura 40: A cigarra, edição nº 46 (18/07/1916)

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Figura 41: A Cigarra, edição nº 82 (29/12/1917)

Praticamente em frente à Confeitaria Castelões, no nº 3 da Praça Antonio Prado, encontrava-se a Confeitaria Brasserie Paulista, fundada em 1902 por Vittorio Fasano. Selecionamos dois anúncios, ambos veiculados n‟A cigarra que ofereciam os mais variados artigos importados da Europa e EUA. No anúncio do mês de dezembro propagandeava a especialidade da casa: o “Panettone”, salientando que se aceitavam pedidos do Interior do Estado do tradicional “Bolo de Natal”. A casa também oferecia o serviço de buffet para festas, o que nos leva a crer que as camadas abastadas contratavam serviços especializados para organizar as festas familiares consideradas especiais, como os casamentos e batizados.

Finalmente, fora do Triângulo, na “Cidade Nova”, isto é, para além do Anhangabaú, fechando nosso circuito de cafés, apresentamos o Bar do Municipal, instalado em uma das dependências do Theatro Municipal, à direita da fachada principal. Considerado o mais seleto e elegante dos cafés da cidade, com vista para o Viaduto do Chá e o Vale do Anhangabaú, propiciava aos frequentadores alguns instantes agradáveis81.

81 BARBURY, Heloisa. A cidade-exposição: Comércio e cosmopolitismo em São Paulo, 1860-1914. São Paulo: EDUSP, 2006, p.121. 87

Conforme nos indica Janovitch, no Bar do Vicente, o Municipal, os costumes se misturavam. Ali os negócios proliferavam e a vida dos divertimentos era mais cara. O Bar acolhia a todos. Às dez da noite era hora do movimento mudar. Mães de família para casa, mulheres públicas na rua e homens voltando para casa. A partir daí, o Bar se tornava um lugar de intimidade, a vida se refazia, dando lugar a olhares e risadas altas inundando o salão. O Bar funcionava mesmo sem o Theatro estar com alguma tournée. Ele fazia o frenesi do Theatro82.

Passemos agora aos teatros. Nas imediações do Triângulo estavam os teatros. Eles estavam distribuídos principalmente pelo centro Cidade apresentando figuras notáveis do palco internacional, contribuindo para elevação do nível dos espetáculos e do gosto do público. Passaram pelos nossos palcos artistas como, Enrico Caruso, Susanne Despres, Clara de La Guardia Tina de Lorenzo, Armando Falconi, Jacques Richepin, Graziela Pareto, Maria Gay, Helena Takowa, Pascale Amato, Gustavo Salvini, Tita Rufo, Alessandre Bonci, Zanatello e Lúcia Crestani83, entre outros.

As operetas ficavam por conta das companhias italianas, Marchetti e Scognamiglio, com os espetáculos: Os sinos de Corneville, O vendedor de Pássaros, Gheisha, Camponês Alegre, Conde de Luxemburgo e Casta Suzanna84.

Alguns teatros do começo do século XX na Cidade de São Paulo que organizamos foram: o Teatro São José na Praça João Mendes até 1898, depois na cabeceira do Viaduto do Chá em frente ao Theatro Municipal em construção, o Polytheama e o Eldorado na Avenida São João; o Teatro Santana, na Rua Boa Vista; o Cassino, na Rua Onze de junho; o Theatro Brazil no Largo do Arouche; o Palace Theatre na Rua Brigadeiro Luis Antonio e o Theatro Municipal próximo à cabeceira do Viaduto do Chá.

Na Praça João Mendes, o Teatro São José inaugurado a quatro de dezembro de 1861, no governo do presidente João Teodoro, foi considerado a maior casa de

82 JANOVITCH, Paula E.. Nos tempos de Pommery – As mulheres boas vão para o céu, as más vão a qualquer lugar, in Revista do Departamento do patrimônio histórico - signos de um novo tempo – a São Paulo de Ramos de Azevedo. Secretaria Municipal de Cultura, São Paulo, janeiro/1998, ano V, nº 5, p.100. 83BRUNO, Hernani S.. História e tradições da cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: Editora Jose Olympio, 1954, p.1300. 84 AMERICANO, Jorge. São Paulo naquele tempo: 1895-1915. São Paulo: Carrenho editorial/ Narrativa/Carbono 14: 2004, p. 220. 88 espetáculos da cidade até ser destruído por um violento incêndio em quinze de fevereiro de 189885.

Durante mais de trinta e cinco anos, foi o coração da Cidade. Grandes conjuntos teatrais se sucederam no seu palco: portugueses, italianos, franceses, alemães e malabaristas japoneses86.

O teatro foi reconstruído na cabeceira do Viaduto do Chá, quase em frente ao Theatro Municipal, ainda em obras, entre 1907 e 1909. O elegante e moderno teatro São José passou a receber seu público apresentando companhias de óperas, como do tenor Brandão interpretando O Conde de Monte Cristo, ou o célebre transformista Donnini com sua arte encantadora87.

Após o incêndio do Teatro São José, o Teatro Polytheama ficou com a responsabilidade de manter o hábito de frequentar teatros na Cidade. Estava situado na Avenida São João, próximo ao Triângulo. Era um barracão de zinco, com trinta e sete camarotes, doze frisas, duzentas varandas, galeria, e platéia para quinhentas e setenta e quatro cadeiras88.

“Esta na baila o café-concerto. Paris transportou a São Paulo os seus cabarets creando um Moulin Rouge no Polytheama. Naquele barracão das 9 ás 11 da noite succedem-se os rendez-vous da vida galante da , é a diversão preferida pelos boêmios que trocam o dia pela noite: – Quereis passar a noite alegremente,a rir, deixando á Deus dará tristezas e pezares? – Ide ao Polytheama”89.

“O velho e sempre amado Polytheama", como era carinhosamente chamado pelos editores da revista A Lua, teve dias de sucesso como pudemos observar na nota de outro periódico ao se referir ao teatro como um lugar alegre, com espetáculos semelhantes aos do cabaré parisiense Moulin Rouge, mostrando assim, a sintonia que se procurava manter principalmente com os hábitos europeus.

85 MARTINS, Antonio Egydio. São Paulo antigo, 1554-1910. São Paulo: Paz e Terra, 2003 p. 188. 86 SCHMIDT, Afonso. São Paulo de meus amores. São Paulo: Paz e Terra, 2003, p.106. 87 A Lua, edições nº 2 e 6 (janeiro/1910). 88 BRUNO, Hernani S.. História e tradições da cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: Editora Jose Olympio, 1954, p.1293. 89 Vida paulista, edição Nº 1 (12/09/1903). 89

Ao lado do Polytheama, funcionava em 1900, o Teatro Eldorado, também feito de zinco, com trinta e um camarotes, quatro frisas, e cento e cinqüenta cadeiras. Comparado com o Polytheama em termos de lugares, esse era um tanto menor90.

Na noite de vinte e seis de maio de 1900, inaugurou-se na Rua Boa Vista, ao lado do Triângulo, paralela a Rua XV de Novembro, o Teatro Santana, sendo representado na ocasião, o drama Helena, de Pinheiros Chagas91.

Segundo Bruno, o Santana foi ao seu tempo o único verdadeiramente bom, pois o Polytheama era inferior e o Municipal ainda não existia. A construção despertava interesse, possuía quatorze camarins e iluminação à eletricidade e à gás. As cadeiras da plateia e as do balcão tinham armação de ferro e assento de palhinha como as dos teatros modernos da Europa92.

Os periódicos traziam notas entusiasmadas sobre o Teatro Santana, descrevendo os atraentes espetáculos, como o da esplêndida companhia de comédias Marchetti e as concorridas e encantadoras matinês93.

O Teatro Santana foi vendido pelo seu proprietário, o industrial Antonio Álvares Leite Penteado, ao Governo do Estado, para no local, ser construído o viaduto da Rua Boa Vista ao Largo do Palácio, iniciando-se sua demolição em quinze de janeiro de 191294.

Na Rua Onze de junho, travessa da Rua São João, também nas proximidades do Triângulo estava o Teatro Cassino.

“As esplendidas funções do elegante Casino, o theatrinho alegre e mimoso que o popular Saldanha dirige e o mundo fino da nossa terra adora. As matinées e soriées são um verdadeiro encanto, quer pelo escolhido do programa, quer pelo distinto da concorrência que enche e aplaude os seus espetáculos! (...) E aos domingos como são repletas e queridas das nossas famílias as suas esplendidas matinées? Tornou-se

90 BRUNO, Hernani S.. História e tradições da cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: Editora Jose Olympio, 1954, p.1293. 91 MARTINS, Antonio Egydio. São Paulo antigo, 1554-1910. São Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 332. 92 BRUNO, Hernani S.. História e tradições da cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: Editora Jose Olympio, 1954, p.1294. 93 Vida Moderna, edição nº29/30 (25/12/1907) e A Lua, edição nº 9 (MARÇO /1910). 94 MARTINS, Antonio Egydio. São Paulo antigo, 1554-1910. São Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 332. 90

até chic e distincto o ir ás matinées do Casino. Na ultima lá estavam, entre outras, as seguintes famílias: Almeida Prado, Rodovalho, João Gullo, Dr. Vicente de Queiroz, Elysario Penteado, Dr. Amarante Cruz, Sampaio, Viuva Paranagua, Dr. Aires Neto, Pinheiro, Dr. Afonso Azevedo, Dr. Fajardo, Meyer, Pacheco, Freire da Silva, Dr. Carlos Botelho, J. Saldanha da Gama, Dr. Lacerda Franco, Dr. Valladão, Conceição, Pinho, Dr. Villaboim, Dr. Eduardo Magalhães, Salles, Azevedo Barranca, Espindola, Dr. Washington Luis, Cardoso de Melo, Martinico Prado,Correa Dias, Cintra e muitas outras”95.

O Teatro Cassino, chamado de teatrinho pelos editores d‟ A Lua conhecido como o elegante, animado e fascinador music-hall dirigido pelo Sr Saldanha, era mais um dos espaços de lazer procurados pelos amantes de gênero ligeiro, alegre e encantava com soirées as quintas-feiras e as matinês aos domingos, procuradas pelas famílias com “nomes de peso”, os quais os editores se preocupavam em mencionar em suas notas. Desta forma, tornou-se chique e distinto frequentar as matinês do Casino96.

Assim, enquanto no começo do século frequentava-se o Polytheama para aplaudir espetáculos como os do Moulin Rouge de Paris, no início da segunda década, chique era frequentar as encantadoras matinês e soirées do Cassino, haja vista a presença das famílias abastadas da sociedade paulistana que abrilhantavam principalmente as matinês aos domingos.

Outro teatro frequentado pela alta sociedade paulistana era o luxuoso Theatro Brazil localizado na Vila Buarque.

95 A Lua, edição nº 7 (fevereiro/1910). 96 A Lua, edição nº 8 (março/1910). 91

Figura 42: A Cigarra, edição nº 17 (05/02/1915)

O Teatro Brazil de propriedade de D‟ Errico & Bruno, embora exibisse fitas cinematográficas de sucesso, como no anúncio divulgado n‟ A Cigarra nossa intenção é chamar a atenção para mais uma casa de espetáculos na cidade localizada próxima ao Triângulo que estava à altura da apresentação do afamado tenor brasileiro Santos Moreira.

92

Na Avenida Brigadeiro Luis Antonio nas imediações do Triângulo, encontrávamos o Palace Theatre.

“Este theatro, situado á Avenida Brigadeiro Luis Antonio, acha-se desde o principio de mez em funcionamento, graças aos esforços do coronel Alberto de Andrade, que é sei activo proprietário. Além de optimas fitas cinematográficas levadas no inicio dos espetáculos, trabalha do Palacio uma companhia de revistas e variedades, proporcionando aos seus freqüentadores horas de agradável diversão. As quartas-feiras, é o Palacio ponto de reunião chic não so das famílias do bairro, com tambem do centro. O esforçado empresário procura actualmente dotar o teatro de novos melhoramentos, trazendo maior comodidade para o publico que ali se diverte mediante a módica entrada”97.

Segundo a nota publicada n‟ A Cigarra os editores procuravam divulgar os espetáculos, as benfeitorias e os melhoramentos executados através dos esforços de seu proprietário o coronel Alberto de Andrade para maior conforto do público e, chamava a atenção para as quartas-feiras onde ocorriam as reuniões chiques das famílias do bairro e do centro, bem como para a companhia de revistas e variedades que se apresentava no teatro proporcionando uma agradável diversão para os frequentadores.

Finalmente em onze de setembro de 1911 foi inaugurado o esplêndido Theatro Municipal, já mencionado no primeiro capítulo.

Saindo do Triângulo caminhando pelo Viaduto de Chá chegava-se ao “símbolo máximo do avanço cultural e do progresso paulistano, conforme o ideário liberal e civilizador das nossas elites” 98, o suntuoso Theatro Municipal. Envolvido pelos jardins do Parque Anhangabaú com suas palmeiras imperiais constituía uma das mais belas imagens da época, sendo considerado o edifício mais importante de todo o Estado e um dos mais belos da América do Sul99.

97 A CIGARRA, edição Nº 40 (19/04/1916). 98 PADILHA, Márcia. A cidade como espetáculo: publicidade e vida urbana dos anos 20. São Paulo: ANNABLUME, 2001, p.100. 99 BRUNO, Hernani S.. História e tradições da cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: Editora Jose Olympio, 1954, p.1295. 93

Figura 43: A Cigarra, edição nº 17 (29/02/1916)

Além dos espetáculos, companhias líricas e artistas internacionais que se apresentavam no teatro, o Municipal também promovia bailes e festas, como os bailes organizados no carnaval de 1916. O grande Baile de Máscaras Vermelho e Preto oferecido no sábado de carnaval e o baile dedicado a imprensa da capital na terça-feira. O anúncio chamava a atenção divulgando a maneira pela qual as convivas deveriam se apresentar no baile: mascarados ou de acordo com as exigências da sociedade que frequentava o teatro. Isso nos leva a reforçar a ideia de que apenas um “seleto” grupo de nossa sociedade frequentava o Municipal.

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Para as noites de carnaval seria também promovido um concurso premiando a dama mascarada mais elegante com uma jóia do Mappin Webb, o par que melhor dançasse um mimo de bronze da Casa L. Grumbach & Comp. e para o grupo mais animado uma caixa de champanhe e para julgar o concurso, representantes da imprensa paulista. Trazia ainda, preços dos diferentes lugares do teatro e o local de venda antecipada das entradas, na Charutaria Mimi, na Rua XV de novembro, 58.

A cidade contava ainda com mais algumas casas de espetáculos: o Pathé Palácio, na Praça João Mendes; o Cassino Antártica, na Rua Anhangabaú; o Teatro Boa Vista, na rua do mesmo nome; o Teatro Apolo, na Dom Jose de Barros; o Teatro São Paulo, no Largo São Paulo; o Teatro São Pedro na Barra Funda; o Moulin Rouge, no Largo Paissandu; o Colombo, no Bairro do Brás e o Variedades, na esquina do Largo Paissandu com a Rua Dom José de Barros100.

A cigarra em suas crônicas sobre a Cidade não deixava de enaltecer as temporadas líricas:

“A estação lyrica marca em São Paulo, o advento das elegâncias. Durante todo esse período a nossa vida nocturna transforma-se, assume um requintado chic, revela-se impregnada de parisianismos. (...) O Municipal, nestas noites de temperatura morna, é uma corbeille riquissima, onde se engastam os melhores rostos de São Paulo, as melhores toilettes, as melhores jóias e os melhores sorrisos”101.

Podemos perceber o sentido que assumiram os eventos culturais, principalmente as temporadas teatrais, como na entusiasmada crônica colhida n‟ A Cigarra, mostrando como a vida noturna se modificava na Cidade com a estação lírica, onde se ostentavam as melhores toaletes e jóias, e nos vários anúncios, tais como da Casa Alemã, que além de anunciar as novidades da moda inverno 1916, anunciava as últimas novidades para as saídas dos teatros e os trajes para bailes e soirées ou ainda, os do Mappin, que convidavam para exposição dos “Modelos para Estação Lírica”, e das “Toilettes para Soirée e Baile, onde apresentavam a luxuosa coleção de robes e manteaux em primorosos modelos de alta elegância e bom gosto e procedentes de grandes casas de moda londrina e parisiense, veiculados n‟ A cigarra (Figuras 44 e 45).

100 BRUNO, Hernani S.. História e tradições da cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: Editora Jose Olympio, 1954, p.1295. 101 A Cigarra, edição nº 27 (30/09/1915). 95

Figura 44: A cigarra, edição nº 43 (31/05/1916)

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Figura 45: A cigarra, edição nº119 (01/09/1919)

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Com isso, as temporadas teatrais, não movimentavam só a vida noturna da Cidade, como também as tardes, onde as senhoras e moças das famílias de posses procuravam visitar as exposições dos magazines como a Casa Alemã e o Mappin, que possuíam grande quantidade de estoque, passando uma imagem de qualidade, a fim de adquirem “modelos de alta elegância e bom gosto e procedentes de grandes casas de modas londrinas e parisienses” para frequentar os teatros. Desta forma, temos dois momentos de sociabilidade e lazer do cotidiano feminino: à tarde, passear no centro observando as vitrines e escolhendo os modelos luxuosos das lojas refinadas e grandes magazines e, à noite com a família assistir aos espetáculos teatrais. E, ainda num terceiro momento lanchar em um dos cafés que a Cidade oferecia antes de ir para casa.

Assim, o projeto de modernidade almejado na Paulicéia do início do século XX, construía-se de muitas formas, quer seja nas reformas do espaço urbano, quer seja na organização da vida cotidiana, ou ainda, na divulgação de novos padrões de sociabilidades inspirados nas referências européias tidos como modernos. Ser moderno na belle époque paulistana, não era somente consumir as novidades importadas da Europa, principalmente de Paris, era preciso parecer chique adotando novos hábitos e condutas de comportamento.

Nesse sentido, as ruas, praças, lojas, magazines, hotéis, cafés, bares, confeitarias, restaurantes e teatros através das notas e dos anúncios contribuíam para disseminar as novas sociabilidades que surgiam na Paulicéia, procurando promover novos hábitos, como passear pelo “centro” para admirar as vitrines e fazer compras, comer e hospedar-se fora, acompanhar as temporadas teatrais, transitando assim, pelos espaços públicos onde podia ver e ser visto.

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CAPÍTULO III

O lazer e esporte para além do centro: sociabilidades e gostos

Em fins do século XIX e início do século XX, alguns dos antigos hábitos dos paulistanos vão se tornando menos frequentes, desafiados pelos modos de viver de feição mais cosmopolita que a Cidade estava adquirindo. Este é o caso de procissões e festas religiosas tradicionais que começam a dar lugar a quermesses e piqueniques. Os espaços abertos da cidade e as ruas ganham movimento; hábitos e práticas de recreação mais e mais passam a ser articulados a espaços próprios como parques e clubes e associados a diversas práticas esportivas.

Neste processo os espaços públicos são remodelados, locais de passeio e lazer, como clubes recreativos parques e jardins iam surgindo na cidade, como o Jardim da Luz, o Jockey Clube, na Rua XV de novembro, o Hipódromo, na Mooca e o Velódromo Paulistano à Rua da Consolação. Nestes locais as novas formas de lazer e sociabilidade como as competições esportivas de várias modalidades assim como os novos hábitos de passeios e confraternizações ao ar livre, passam a configurar novos modos do viver urbano.

Esses novos espaços de lazer e sociabilidade que se constituem na Cidade de São Paulo em fins do século XIX e início do XX ganham visibilidade nas notas sociais e anúncios nas revistas que promovem os signos e valores de novos hábitos e comportamentos. Alguns destes novos espaços de lazer e sociabilidade pública como o Jardim da Luz e o Jardim da Aclimação estão situados nas proximidades do centro, mas vários deles localizavam-se em regiões distintas e afastadas do “centro”, como o Velódromo Paulistano na Rua da Consolação, o Parque Antarctica, na Água Branca, o Parque da Cantareira, os Clubes Tietê e Esperia junto a Ponte Grande e o Hipódromo no bairro da Mooca.

Saindo do Triângulo, em direção a Ponte Grande – região norte da Cidade, pela Rua Brigadeiro Tobias e Avenida Tiradentes, chegava-se ao Jardim da Luz, originalmente um jardim botânico, transformado em jardim público em fins do século XIX. É considerado o mais antigo Jardim Público da Cidade.

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Este era enriquecido com jardins, árvores, flores, cisnes, macacos, veados, marrecos, pássaros engaiolados (, perdizes, rolinhas, jacus, papagaios e garças brancas), belos canteiros e até um observatório astronômico, construído sob a gestão de João Teodoro em 1874 e demolido em 1900. Outras intervenções e melhoramentos foram executados como a colocação de quatro estátuas de mármore representando as quatro estações do ano, vindas do Rio de Janeiro, assim como mandou vir várias mudas de árvores e flores102.

O Jardim da Luz merecia cuidados especiais da Prefeitura e era uma autêntica área de lazer muito frequentada pelos paulistanos. Os concertos de banda eram frequentes no jardim e algumas festas reuniam as famílias em torno do lago para apreciar a apresentação de réplicas de embarcações fartamente ornamentada com flores103.

Era nesse cenário que uma vez por semana se apresentava a banda da Força Pública tocando Carlos Gomes, Wagner, Waldteufel e Verdi no coreto do Jardim da Luz, das seis às oito da noite.

Neste sentido, recorrendo às reminiscências de Americano, no Jardim da Luz, ao cair da tarde, chegavam os apreciadores de música, de diferentes os grupos sociais. Importante indicar, que até mesmo nas lembranças deste memorialista, construídas numa narrativa de empatia com os valores das elites, indicam práticas de hierarquização dos espaços e das práticas sociais. Assim, na recomposição do autor, em seus passeios por espaços como o Jardim da Luz, todos os homens, mesmo os operários, usavam colarinho, gravata e chapéu, todas as mulheres usavam chapéu e sentavam-se nos bancos. À medida que chegavam os “funcionários”, os operários se levantavam cedendo-lhes os bancos e ficavam passeando ao redor do lago. Os “abastados” chegavam mais tarde e sentavam-se nas mesas ao ar livre no bar, pediam gasosas, chopes, sanduíches e sorvetes. Os operários nada compravam e os funcionários compravam cartuchos de pipoca, amendoim e balas dos vendedores ambulantes 104.

102 MARTINS, Antonio Egydio. São Paulo antigo, 1554-1910. São Paulo: Paz e Terra, 2003 p. 193. 103 TOLEDO, Benedito L. de. São Paulo: três cidades em um século. São Paulo: Cosac Naify, 2004, p.100. 104AMERICANO, Jorge. São Paulo naquele tempo: 1895-1915. São Paulo: Carrenho editorial/ Narrativa/Carbono 14: 2004 p. 194. 100

Além de servir ao passeio público, no Jardim da Luz podia-se caminhar, namorar, flertar, encontrar os amigos, organizar e realizar eventos sociais e beneficentes.

Em 1914, a nota da Vida moderna, descrevia com detalhes a Quermesse em prol do Hospital para Tuberculosos, realizada no Jardim da Luz:

“A inauguração da Kermesse, mau grado a aspereza do tempo, que do Jardim da Luz afastou muita gente que lá desejaria estar, foi um succésso e veio demonstrar o quanto a nossa sociedade elegante é solicita em accudir a prestar o seu auxilio a commettimentos que tenham por alvo o exercício da caridade e o socorro dos que sofrem. Procurando secundar as esforços da generosa Commissão que a si tomou o encargo de realisar a Kermesse, muitas senhoras e senhoritas da elite paulista, offereceram-se para exercer o rude e trabalhoso encargo de vender nas barracas os objetos que para a Kermesse foram enviados. E, a despeito do mau tempo, na tarde de inauguração, todas ellas estavam nos seus postos, a tiritar de frio, mas, com o sorriso nos labios. Postas num scenario formoso, no meio do verde luxuriante dos grammados e de fronde espessa das arvores do Jardim da Luz, enfeitadas garridamente e illuminadas com brilho e com arte, as barracas da Kermesse, animadas pelo vaivem da multidão, constituíam um conjunto de feerie que attrahia a gente e a retinha alli. Juntae a isso a amabilidade captivante e o sorriso convidativo das formosas e elegantes vendedoras e dizei-me depois se era possivel resistir e deixar de abrir a bolsa em beneficio dos attingidos pelo horroroso flagello da tuberculose?”105.

Por meio desta nota social, podemos observar a preocupação do redator em ressaltar as benesses da “nossa elegante sociedade”, praticada pelas senhoras e senhoritas da elite paulista, demonstrando que apesar do tempo e de ser considerado um trabalho rude foram capazes de executá-lo com simpatia e apreço em prol da caridade.

Vale considerar que ao analisarmos a crônica de Americano e a nota veiculada na revista, o Jardim da Luz, diferentemente de outros espaços anteriormente mencionados neste estudo, acolhia um público mais diversificado, tanto para apreciar

105 Vida moderna, edição nº218 (23/04/1914). 101 música, quanto para participar de eventos sociais como quermesses em benefício do Hospital de Tuberculosos, uma vez que quermesse nos remete a um tipo de festa de caráter mais popular, com barracas de prendas, de brincadeiras e de comidas típicas.

Também nas proximidades do centro em direção a região sul da Cidade encontramos outro Jardim Público: o Jardim da Aclimação. Idealizado pelo Dr. Carlos José de Arruda Botelho, proprietário de terras na região do vale da Aclimação, que em 1892, inaugurou o primeiro zoológico da Cidade inspirado no Jardin d’Acclimation de Paris. Além da exposição zoológica com leões, onças, jacarés, antas, cutias, tamanduás, carneiros, cabritos, macacos e ursos, o jardim tinha por objetivo a criação e a reprodução de animais dos mais variados tipos, sendo palco da primeira exposição estadual de gado bovino. Contava ainda com salão de baile, rinque de patinação e barracas de tiro ao alvo 106.

Em 1914, em seu número de lançamento, A cigarra trazia uma nota descrevendo uma das atividades esportivas realizadas no Jardim da Aclimação:

“Realisam-se, quasi diariamente, no Jardim da Acclimação, séde da Sociedade Hippica, trainings preparatorios para a grande festa a realisar-se em principios de Abril. O concurso constará de saltos de altura e obstaculos, travessia do lago a cavallo, corridas de cavallo em pello e em burro, montaria em burros chucros, bezerros, bois, etc. A elegante e aristocratica sociedade trabalha activamente para proporcionar ás familias de seus socios espectaculos interessantes”. Aos domingos a concorrencia de cavalheiros e familias tem sido extraordinaria”107.

Desta forma, por meio da nota esportiva podemos observar que o Jardim da Aclimação também abrigava a sede da Sociedade Hípica, que por sua vez organizava as competições de hipismo realizadas aos domingos, e é claro ressaltando mais uma vez, como em outras notas anteriormente analisadas, a preocupação em se trabalhar para bem atender um seleto grupo de nossa sociedade, que apreciava esse tipo de competição.

106 PONCIANO, Levino. Bairros paulistanos. São Paulo: SENAC, 2003, p.11-12. 107 A cigarra, edição nº 1 (06/03/1914). 102

Em edições posteriores d‟A cigarra pudemos observar que outros eventos também foram realizados no Jardim da Aclimação, como piqueniques, festas, tardes dançantes e almoços em homenagem a figuras ilustres da nossa sociedade108.

A Vida moderna que também não deixava de acompanhar os eventos sociais da Cidade noticiava em 1916:

“Festa realisada no Jardim da Aclimação pelo operariado da Companhia Nacional de Tecidos de Juta. Na ocasião foi inaugurado o estandarte do Centro Musical recreativo e Beneficente Sant‟Anna, offerecido pelo gerente dessa importante Companhia, o Coronel Jose Rodrigues Costa” 109.

Por meio desta nota relatando a festa da Companhia Nacional de Tecidos de Juta, podemos observar que o Jardim da Aclimação, além de zoológico e de servir para as elites acompanharem as competições de hipismo, outros eventos recreativos foram promovidos em suas dependências como, piqueniques, festas de empresas e almoços. Isto nos leva a considerar que este espaço assim como o Jardim da Luz, de acordo com o tipo evento acolhia um público diversificado. Por esta razão, não podemos considerá- lo um espaço de lazer exclusivo das elites.

Depois de passearmos pelo Jardim da Luz e pelo Jardim da Aclimação, voltamos a caminhar um pouco mais pela Avenida Tiradentes, ainda em direção a Ponte Grande, na região norte da cidade, chegando a dois clubes dedicados à natação e ao remo, frequentados por pessoas “distintas”, que consideravam que praticar esportes era mais elegante que “tomar banho no rio”, prática proibida pelas autoridades policiais entre 1880 e 1889110.

Importante assinalar, como indica Rago que mesmo as práticas esportivas constituíam-se como espaço de forte segregação e hierarquização dos modos de viver dos diferentes grupos sociais na cidade 111. Já em 1903, a crônica citadina de A Vida

108 A cigarra, edição nº 30 (30/12/1915). 109 Vida moderna, edição nº 299 (09/11/1916). 110 ANTUNES, Fátima Martin R. Ferreira. Do Velódromo ao Pacaembu, in Revista do Departamento do patrimônio histórico - signos de um novo tempo – a São Paulo de Ramos de Azevedo. Secretaria Municipal de Cultura, São Paulo, janeiro/1998, ano V, nº 5, p.89. 111 RAGO, Margareth. “A invenção do cotidiano na metrópole: sociabilidade e lazer em São Paulo, 1900- 1950”, in PORTA, Paula. História da cidade de São Paulo. São Paulo, Editora Paz e Terra, vol. 3, p.400. 103

Paulista, incentiva o variado gosto esportivo dos paulistanos e a diversidade de gêneros esportivos cultivados por seus habitantes:

“O gosto pelos gêneros de sports desenvolve-se cada vez mais em São Paulo. Além das corridas de cavalo, cultiva-se o jogo da pelota, o remo, a peteca, o cyclismo, o tiro ao alvo e aos pombos, e a esgrima”112.

Por meio desta nota esportiva do início do século XX, podemos observar que a diversificação e divulgação dos esportes se desenvolviam em São Paulo, cultivando outros esportes como o jogo da pelota, o remo, o tiro ao alvo e aos pombos.

O jogo da pelota era praticado desde o início do século no Frontão Boa Vista, como apuramos nesta nota veiculada na Vida Paulista de 1903:

“O club Athletico da Pella, realisou no domingo passado, na cancha do Frontão Bôa Vista, mais uma magnífica funcção. Foram jogadas diversas partidas simples e duplas, sendo os amadores muito aplaudidos” 113.

112 Vida Paulista, edição nº 1 (12/09/1903). 113 Vida Paulista, edição nº 9 (08/11/1903). 104

Figura 46: Vida Paulista, edição nº9 (08/11/1903)

Assim, além das notas esportivas, veiculava o anúncio da casa, destacando mais uma opção de lazer para os paulistas aos domingos, mas não para todos os paulistas, somente para os considerados descentemente trajados pela diretoria do clube, demonstrando o tom excludente ao selecionar os frequentadores pelos trajes, o que nos leva perceber que era mais um espaço de lazer apreciado pela por um seleto grupo da sociedade paulistana.

Em 1907, a Vida moderna reforçava a prática e a apreciação do esporte pelos paulistas destacando em nota que:

“Eis um estabelecimento de diversões que tem funccionando com toda regularidade proporcionando bellissimos espectaculos aos inúmeros adeptos do salutar Sport da pélla. O Frontão da Boa Vista com a zelosa administração que tem satisfaz inteiramente as

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exigencias do publico, que nelle encontra um verdadeiro centro de diversões, onde os regulamentos são severos e observados a risca” 114.

Desta forma, enaltece-se a boa administração e os rígidos regulamentos da casa, o que demonstrava a preocupação com a organização e com as normas estabelecidas pelo clube, embora fosse um centro de diversões prezava pela ordem e moralidade.

Figura 47: Vida Moderna, edição nº 221 (14/05/1914)

Já na segunda década, podemos observar que, segundo o anúncio da Vida Moderna de 1914, o “Sport da Péla” continuava sendo apreciado pelos paulistas como “o mais attrahente dos Sports” e, nesse anúncio mais elaborado, se comparado com o da Vida Paulista, de 1903, além da mudança do horário de funcionamento, trazia no rodapé, embora discretamente em letras miúdas, a recomendação de que a diretoria continuava vedando a entrada daqueles que não estivessem de acordo com as normas do

114 Vida Moderna, edição nº 29/30 (25/12/1907). 106 clube, o que sugere ser um espaço diferenciado, reforçando o caráter preconceituoso da casa ao se permitir somente a entrada de frequentadores bem trajados.

Paralelamente, as práticas dessas modalidades esportivas surgiam os clubes destinados a esses novos esportes. Assim, junto a Ponte Grande estavam instalados às margens do Tietê o Clube Espéria (1899), o Clube Regatas de São Paulo (1905) e, posteriormente o Clube de Regatas Tietê. Além dos esportes náuticos, cultivavam o tênis por influência de sócios ingleses115.

No início do século XX, quatro anos depois de sua inauguração, o Clube Esperia já aparecia nas notas esportivas:

“Vae de vento em popa o novel e elegante Club Esperia, que todos os domingos proprociona umas deliciosas festas intimas aos seus associados. As regatas, o tiro aos pombos, etc., são os divertimentos predilectos da magnifica sociedade que dia a dia, conquista ás sympatias do publico” 116.

O texto acima reforça a existência de espaços destinados as novas práticas esportivas apreciadas pelas camadas abastadas, considerando que somente os sócios poderiam frequentar, principalmente as festas promovidas pelo clube aos domingos. Tudo leva a crer que era mais um espaço de lazer da Paulicéia destinado a um seleto grupo.

Com o correr das primeiras décadas, como sugerem a crônica social e esportiva e os anúncios, algumas modalidades de esportes vão caindo em desuso, enquanto outros como o remo, o turfe e o futebol ganham força.

O remo ou “rowing” como se escrevia nas notas sociais contava com numerosos e entusiasmados afeiçoados pelo esporte náutico.

“O valoroso Club Eperia, desta capital, realisou domingo uma bellissima festa náutica, em commemoração ao décimo aniversario de sua fundação e dedicada ao Dr. Washington Luis, digno prefeito municipal de S. Paulo.

115ANTUNES, Fátima Martin R. Ferreira. Do Velódromo ao Pacaembu, in Revista do Departamento do patrimônio histórico - signos de um novo tempo – a São Paulo de Ramos de Azevedo. Secretaria Municipal de Cultura, São Paulo, janeiro/1998, ano V, nº 5, p.89. 116Vida paulista, edição nº 9 (08/11/1903)

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A pittoresca sede social do esperia, á margem direita do Tieté, esteve sempre apinhada de convidados e sócios, notando-se entre aquelles o homenageado Dr. Washington Luis, além de muitíssimas famílias do nosso melhor meio social. O festival, que nada deixou a desejar, terminou pela inauguração do „pavilhão feminino‟, há pouco concluído, tendo servido de „padrinhos‟ o Dr. Washington e sua Exma. Senhora e sendo, por essa ocasião, trocados vários e amistosos brindes” 117.

Além de espaços dedicados às práticas esportivas, os clubes realizavam festas comemorativas. As revistas enalteciam sua importância bem como, a grande presença de sócios, convidados e famílias “ilustres” da nossa sociedade; contando ainda com a inauguração do “Pavilhão Feminino”, ou seja, um espaço no clube reservado às mulheres, apadrinhado pelo prefeito Dr. Washington Luis e sua esposa.

O clube também promovia bailes e recepções, como a oferecida aos jogadores de futebol do Club do Torino, noticiada pela Vida Moderna em 1914:

“O Club Speria offereceu-lhes domingo uma esplendida festa esportiva, em sua sede, correndo ella com muita animação. Foi-lhes tambem offerecido um baile á noite, que se prolongou até ás primeiras horas da madrugada”118.

Passados mais de dez anos de sua inauguração, o Clube Esperia continuava encantando seus sócios com suas festas e bailes, bem como organizando festas beneficentes nas dependências do clube. Em nota, A cigarra sempre atenta aos acontecimentos da Cidade relatou:

“„A FESTA DO ESPERIA‟

Bellissimas as ultimas regatas realisadas pelo „Esperia” na Ponte Grande, em beneficio das victimas da secca” 119.

Neste sentido, o Clube Esperia embora fosse um espaço de lazer reservados aos sócios, não deixava promover eventos beneficentes, assim como o anteriormente citado Jardim da Luz e como outro espaço que será tratado mais adiante, o Salão Germânia.

117 Vida Moderna, edição nº221 (14/05/1914). 118 Vida Moderna, edição nº234 (13/08/1914). 119 A cigarra, edição nº 31 (24/11/11915). 108

Figura 48: Vida Moderna, edição nº 234 (13/08/1914)

Saindo da Ponte Grande em direção região leste da cidade chegava-se ao Bairro da Mooca, onde estava instalado desde 1876, o Hipódromo Paulistano120, nas Ruas Bresser e Taquari, com sede social na Rua XV de novembro, nº 59. O gosto pelos

120 “Inicialmente Clube Paulista de Corridas de Cavalo criado por Rafael Aguiar Paes de Barros, senhor de muitas terras, que trazia os cavalos da Inglaterra e da França, os quais criava em sua fazenda no Alto da Mooca, o que significava o nascimento do turfe no Brasil e a semente do atual Jóquei Clube”. LUCIANO, Eugenio; MARTIRE, Lybio e PONCHIROLII, Riccieri Eugenio. Bairro Operário, como se o operário não fosse a força e o fulcro da ordem societária. In, Memória urbana: a Grande São Paulo até 1940. São Paulo: Arquivo do Estado, Imprensa Oficial, 2001, p. 61. 109 cavalos e pelos prados vinha desde o Império. Como indica Antunes, os principais apreciadores desse esporte pertenciam à elite paulistana, representada pelas famílias do “melhor meio social”. Comparecer ao hipódromo era um acontecimento chique e distinto121.

“Estamos em plena força da temporada turfista. Regorgitam de distinctos cavalheiros dedicados ao soberbo Sport e de senhoras e senhoritas da nossa mais fina sociedade as archibancadas do nosso veterano Jockey Club, em cada reunião organizada. No principio deste anno tivemos bem boas reuniões, mas, foi depois das férias, isto è, de setembro em diante, quando se reabriram os portões do pitoresco prado da Mooca, que ellas se tornaram mais concorridas, e mesmo os programas começaram a ser feitos em melhores condições e os pareos disputados com mais lisura”122.

Tamanha era a importância do turfe, que a São Paulo Railway, criou uma linha de bonde Mooca-Centro, exclusiva para o Jockey Clube123. Assim, da Estação da Luz partia o “trem das corridas”. Segundo Americano, “toda gente preferia ir de trem, a ir de automóvel. O trem partia, parava na Estação do Brás, seguia, tomava por uma chave à esquerda e parava em frente ao Hipódromo da Mooca, na Rua do Hipódromo”.124

“Auxiliado por um esplendoroso dia, o Jockey-Club Paulistano effectuou domingo mais uma soberba corrida, á qual serviu de base o „Grande Premio de Piratininga, de 2:000$000 ao vencedor, offerecidos pela Municipalidade. Todas as dependências do Prado da Mooca estiveram repletas de gente, sobresahindo entre ella o gentil elemento feminino, que, já agóra, não deixa de concorrer com sua elegância e o seu chic ás brilhantes festas do Jockey-Club.

121ANTUNES, Fátima Martin R. Ferreira. Do Velódromo ao Pacaembu, in Revista do Departamento do patrimônio histórico - signos de um novo tempo – a São Paulo de Ramos de Azevedo. Secretaria Municipal de Cultura, São Paulo, janeiro/1998, ano V, nº 5, p.89. 122Vida Moderna, edição nº 29/30 (25/12/1907). 123 LUCIANO, Eugenio; MARTIRE, Lybio e PONCHIROLII, Riccieri Eugenio. Bairro Operário, como se o operário não fosse a força e o fulcro da ordem societária. In, Memória urbana: a Grande São Paulo até 1940. São Paulo: Arquivo do Estado, Imprensa Oficial, 2001, p. 61. 124AMERICANO, Jorge. São Paulo naquele tempo: 1895-1915. São Paulo: Carrenho editorial/ Narrativa/Carbono 14: 2004 p. 301-302. 110

A reunião esteve innegavelmente magnífica, pois mesmo quanto á parte propriamente hippica nada deixou a desejar: todos os pareos foram lismente disputados, proporcionando a maioria peripercias e chegadas verdadeiramente electrisantes. O premio „Piratininga‟, de acordo com a prophecia da Vida Moderna, foi ganho pelo potro Iago II, por Gallimoor e Nancy, criação e propriedade dos estimados Srs. João Pereira & Irmão” 125.

Nesse sentido, pudemos observar nas notas esportivas que frequentar o Prado da Mooca para acompanhar os páreos se constituía numa prática de lazer chique, promovida pelas publicações em suas colunas sociais e esportivas, e apreciada pelas elites e pelas camadas médias, uma vez que a revista descreve a presença feminina elegantemente trajada nas arquibancadas abrilhantando as festas do Jóquei Clube, tornando-se um ponto de encontro das famílias abastadas da cidade.

Além das atividades turfistas, o Prado da Mooca abrigava eventos cívicos, como apurado na nota veiculada n‟A cigarra em 1914:

“A carruagem conduziu os srs. Carlos Guimarães, vice-presidente do Estado em exercício: Eloy Chaves, secretario da Justiça e Segurança Publica: Meirelles Reis Filho e capitão Afro Marcondes de Resende, respectivamente official de gabinete e ajudante de ordens do Sr. Carlos Guimarães, após a brilhante parada realisada pela Força Publica de S. Paulo, no Prado da Mooca”. “O Estado maior do 2º Batalhão de Infantaria, clarins e tropas de cavallaria, a artilharia, a secção de medicos e enfermeiros e os cães policiaes desfilaram na brilhante parada da Força Publica de S. Paulo no Prado da Mooca” 126.

Desta forma, nota-se que o referido espaço de lazer não era apenas utilizado para o turfe, o que nos leva considerar que nesses eventos o Prado recebia um público mais diverso, uma vez que paradas e comemorações cívicas são acontecimentos abertos para todos os públicos.

Ainda em relação às atividades do Jóquei Clube, apuramos na nota social de 1916, d‟ A cigarra que, assim como o Jardim da Luz, promoveu reuniões beneficentes:

125 Vida Moderna, edição nº221 (14/05/1914). 126 A cigarra, edição nº 13 (25/11/1914). 111

“senhoritas elegantes venderam bilhetes de tombola no festival no Prado da Mooca, no dia de Reis, promovido pelo sub-comitê „Pro- Patria‟ do Braz, em beneficio do Comitê Central, do Hospital Umberto I e das victimas da secca”127.

O texto acima nos leva a considerar que, além dos páreos disputados que lotavam as arquibancadas, o Prado da Mooca também promoveu festas em prol da caridade, como esta no Dia de Reis. Vale ressaltar que, assim como na quermesse do Jardim da Luz, “senhoritas elegantes” trabalharam em benefício dos doentes e das vítimas da seca, muito provavelmente do Nordeste.

Na constituição destes novos hábitos de recreação e lazer, por meio dos anúncios e das colunas sociais e esportivas das revistas, podemos também acompanhar a importância crescente do futebol na vida esportiva da cidade.

Em fins do século XIX, seguindo pela Rua da Consolação que apresentava-se meio estrada e meio rua em direção ao centro da cidade128, entre as Ruas Floresbela, Martinho Prado e Olinda, onde hoje está a Rua Nestor Pestana, localizava-se o Velódromo Paulistano. Construído a pedido de Antonio Prado Junior, filho do Conselheiro Antonio Prado, num terreno cedido por sua avó, Dona Veridiana Prado.

Os anúncios e as crônicas, reforçados pelos memorialistas, indicam que velódromo era considerado uma verdadeira praça de esporte. Possuía uma raia de forma elíptica, medindo 380 metros de comprimento e oito de largura com um jardim no centro, quadra de tênis e tanques para banhos. Ao redor da raia estavam instalados dois conjuntos de arquibancadas cobertas, um de fronte ao outro, com capacidade estimada para 700 a 1000 pessoas cada um129.

As revistas não pouparam notas esportivas sobre os jogos de futebol, ocupando várias páginas dos periódicos, como nessa nota da Vida moderna nº 218 de 23/04/1914:

127 A cigarra, edição nº 34 (19/01/1916). 128 PONTES, Jose Alfredo V.. São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. São Paulo: O Estado de São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2003, p. 16 e 139. 129 ANTUNES, Fátima Martin R. Ferreira. Do Velódromo ao Pacaembu, in Revista do Departamento do patrimônio histórico - signos de um novo tempo – a São Paulo de Ramos de Azevedo. Secretaria Municipal de Cultura, São Paulo, janeiro/1998, ano V, nº 5, p.90. 112

“em presença de grande numero de sportsmen, teve logar domingo, no ground do Velodromo Paulista, o terceiro match do campeonato de 1914, instituído pela Associação Paulista de Sports Athleticos”.

Assim, as arquibancadas ficavam tomadas com a presença de um grupo seleto da sociedade, homens trajando terno, gravata e chapéus, senhoras elegantes, moças rapazes e crianças que iam torcer por seus irmãos, filhos, primos, amigos e namorados130, haja vista serem encontros da “gente da melhor sociedade”, tornando-se um espaço de lazer e exibição, como outros espaços já mencionados neste estudo. Desse modo, importa considerar que, durante certo período, o futebol manteve um caráter elitista. Porém, não foi somente entre as elites paulistanas que o futebol ganhou adeptos.

Nesse sentido, se o futebol para a elite era um modismo importado, um evento social onde as famílias se encontravam e se mostravam, para alguns grupos imigrantes transformou-se na vitrine de exposição do processo de ascensão social que alguns de seus sócios estavam vivendo. Para os grupos mais pobres o futebol era uma forma de lazer e diversão e, os espaços públicos com terrenos, largos, ruas e várzeas dos rios foram aos poucos se transformando em espaços para que essa população pudesse jogar futebol, ainda que de maneira improvisada, da mesma forma que as elites utilizavam o Velódromo e o Parque Antarctica131.

Pode-se dizer que houve a princípio um interesse pelo ciclismo e pela bicicleta, porém em alguns anos, por se tratar de um objeto caro, essa atividade esportiva perdeu adeptos132. As corridas passaram da moda e o Velódromo foi inteiramente aproveitado para quadra e arquibancada de futebol.

Quando arrendado ao Clube Atlético Paulistano, o jardim central transformou- se em gramado, passando a ser palco de disputas futebolísticas, acolhendo já em 1902 a final do primeiro , disputado entre o Paulistano e o São Paulo Athletic, que foi um sucesso de bilheteria, superando as competições de ciclismo

130 ANTUNES, Fátima Martin R. Ferreira. Do Velódromo ao Pacaembu, in Revista do Departamento do patrimônio histórico - signos de um novo tempo – a São Paulo de Ramos de Azevedo. Secretaria Municipal de Cultura, São Paulo, janeiro/1998, ano V, nº 5, p.91. 131 STREAPCO, João; RÚBIO, Kátia. Hipóteses para popularização do futebol em São Paulo (1894-1920), in Revista de História do Esporte, vol.2 nº1, junho de 2009. 132 ANTUNES, Fátima Martin R. Ferreira. Do Velódromo ao Pacaembu, in Revista do Departamento do patrimônio histórico - signos de um novo tempo – a São Paulo de Ramos de Azevedo. Secretaria Municipal de Cultura, São Paulo, janeiro/1998, ano V, nº 5, p.90. 113 realizadas em anos anteriores, sendo palco dos jogos até ser desapropriado em 1915 para a abertura da Rua Nestor Pestana.

“Tem despertado vivo interesse e promettem extraordinário successo os importantes matches que se realisarão, a 2, 6, 9 e 13 de Agosto, no Velodromo, ente os footballers brasileiros e a famosa equipe italiana, que tantas victorias conquistou na Europa. O Velodromo será pequeno para conter a massa de espectadores que se está preparando para apreciar as peripcias de tão renhidos encontros133.

O Velódromo Paulistano não era somente palco de partidas futebolísticas, como as disputadas entre brasileiros e italianos em agosto de 1914, veiculado na nota esportiva colhida n‟ A cigarra que não só enaltecia as equipes, bem como chamava a atenção para a grande quantidade de espectadores atraídos por esses eventos.

A partir de 1914, passou a abrigar outros eventos esportivos e sociais, como o concurso realizado pela Sociedade Hípica Paulista, no qual foi vencedor da prova de salto o Sr. Guilherme Prates, ou no ano seguinte, o Concurso Hípico, vencido pelo Sr. Celso Correia Dias, montando o cavalo Júpiter e ainda, a grande festa realizada pela Loja Sete de setembro, com discurso do Dr. Candido Rodrigues, todos noticiados n‟ A cigarra134.

Embora as disputas futebolísticas tenham passado para outro endereço, o Velódromo Paulistano continuou a ser frequentado pelos paulistanos em outros eventos sociais.

Além do Velódromo, que era o preferido em virtude de sua proximidade do centro da Cidade, outro local equipado para prática de esportes, embora fosse mais retirado, era o Parque Antarctica. Este, instalado no Bairro da Água Branca no ano de 1900, de propriedade da Companhia Antártica Paulista de Cerveja, tornou-se a área mais importante do futebol paulistano com a desapropriação do Velódromo. Companhia essa que em 1910 já anunciava seu produto nas revistas:

133 A cigarra, edição nº8 (01/08/1914). 134 A cigarra, edições nº 14, 29 e 33 (11/12/1914, 27/10/1915 e 30/12/1915). 114

Figura 49: A Lua, edição nº 9 (março/1910)

115

Esse anúncio da Companhia Antarctica Paulista veiculado na primeira década do século XX, usando uma criança sorrindo com a garrafa e o abridor nas mãos para anunciar a cerveja, que afirmava: “mamãe! bebe esta cerveja”, permite-nos considerar que ao associar a criança à bebida, associava-se o produto à inocência, algo puro, que não era proibido, nem tão pouco prejudicial à saúde, que poderia ser consumido sem problema. Vale ressaltar que dificilmente veríamos um anúncio deste tipo nos dias de hoje, uma vez que não se associa bebês ou crianças com bebida alcoólica e outros produtos considerados nocivos à saúde.

Em suas memórias Jorge Americano indica que o Parque Antarctica foi inteiramente planejado, com ruas bem traçadas em meio dos bosques; “dentro da grande área estavam instalados dois bares e restaurantes, além de bancos protegidos do sol pelas árvores. Vendedores anunciavam balas e sorvetes, em meio à roda-gigante, ao carrossel, ao tablado de patinação” 135.

As partidas de futebol lotavam as arquibancadas do Parque Antarctica para acompanhar as disputas entre os clubes existentes na época, como, o São Paulo Athletic Club, o Mackenzie, o Ipiranga, o Palestra, o Sport Club Internacional, o Sport Club Germânia (atual Clube Atlético Pinheiros) e o Clube Atlético Paulistano136.

“No campo da Antarctica, feriu-se domingo transacto o terceiro encontro do torneio organizado pela Liga Paulista de Football, entre as equipes do Hydecroft (de Jundiahy) e do veterano S. C. Internacional”137.

Assim, essa nota esportiva reforça que torneios futebolísticos eram organizados pela Liga Paulista de Futebol e disputados no Parque Antarctica.

Porém, não foram somente os jogos de futebol que lotaram o Parque Antarctica. Outros eventos sociais também foram promovidos nesse espaço de lazer. Nesta nota de 1914, veiculada na Vida moderna observa-se o detalhamento na descrição do evento:

135AMERICANO, Jorge. São Paulo naquele tempo: 1895-1915. São Paulo: Carrenho editorial/ Narrativa/Carbono 14: 2004 p. 299. 136ANTUNES, Fátima Martin R. Ferreira. Do Velódromo ao Pacaembu, in Revista do Departamento do patrimônio histórico - signos de um novo tempo – a São Paulo de Ramos de Azevedo. Secretaria Municipal de Cultura, São Paulo, janeiro/1998, ano V, nº 5, p.91. 137 Vida moderna, edição nº 218 (23/04/1914). 116

“Revestiu-se de grande brilhantismo a segunda caça á raposa promivida pela sympatica Sociedade Hippica Paulista. Reunidos todos os cavalheiros e amazonas, alem de grande numero de familias, no Parque Antarctica, de lá sahiram á procura da raposa, ás 9 horas da manhã. (...) Afinal, depois de percorrerem seis kilometros, encontraram a toca, cabendo o primeiro lugar á senhora Maria Penteado, o segundo ao Dr. Meirelles Reis Junior e o terceiro do major Luiz Ferraz. A toca era no sitio de propriedade do Sr Nunzianti, logar onde foi servido um saboroso almoço, regados por deliciosos e capitosos vinhos” 138.

O texto acima reforça o desejo das elites paulistanas em praticar hábitos europeus, neste caso, o inglês. Observa-se ainda que, a linguagem utilizada na nota, enaltecia-se como um grandioso evento trazendo o nome dos vencedores, o que ressalta a importância que a revista atribuía ao relatar esses acontecimentos sociais.

Na Vida moderna de 1914, apuramos mais um evento realizado no Parque Antarctica:

“No dia 7 do corrente, os empregados da Companhia Light and Power commemoraram festivamente o decimo quarto anniversario da inauguração nesta Capital das linhas de bonds por tracção electrica. Desde o romper da aurora, varios bonds reservados percorreram a cidade com bandas de musica e empregados da Companhia, que davam vivas enthusiasticos aos directores e seus superiores hierarchicos. Depois, ás 11 horas da manhã, reuniram-se aos convidados que já se achavam no Parque Antarctica onde realisaram alegre pic-nic. (...) A festa continuou alegremente até á noite, deixando em todos a mais agradável impressão” 139.

Por meio desta nota observamos o uso do Parque para eventos além do futebol. Importa considerar que a festa promovida pela Companhia Light and Power contou com a presença de diferentes grupos, uma vez que, por se tratar de uma reunião da empresa, participaram funcionários de todas as hierarquias, o que demonstra que em eventos dessa natureza diferentes segmentos da sociedade tinham a possibilidade de se divertir no Parque Antarctica.

138 Vida moderna, edição nº 181 (07/08/1913). 139 Vida moderna, edição nº 221 (14/05/1914). 117

Outros eventos sociais foram promovidos no Parque Antarctica, como representação de óperas, como na nota colhida n‟ A cigarra:

“Depois de haver cantado o prologo dos „Palhaços‟ perante um auditorio de cerca de vinte mil pessoas, o grande barytono Titta Ruffo assiste á representação da „Aida‟ ao lado do engenheiro Alberto Sironi, construtor das obras de adaptação do Parque Antarctica” 140.

Percebe-se assim, que frequentavam este espaço de lazer não apenas para acompanhar as disputas futebolísticas, mas também para apreciarem apresentação de companhias líricas, o que nos permite afirmar que além dos teatros já trabalhados no segundo capítulo, outros espaços poderiam abrigar espetáculos deste tipo. Isto nos leva considerar que talvez abrangesse um público mais diversificado, haja vista a nota dar conta de vinte mil pessoas.

E por fim, mais uma nota social de 1916 nos aponta para mais um acontecimento social que o Parque Antarctica abrigava:

“esteve brilhantíssima a ultima reunião elegante do Club A cigarra, realizada no Parque Antarctica. Compareceram muitas senhoras, senhoritas e rapazes de distincta e elegante sociedade paulistana, notando-se em todos os semblantes uma alegria sadia e communicativa. Foi servido delicioso chá com doces, biscoutos e licores finos, dando-se sem seguida começo ás danças em um pittoresco caramanchão. Foram numerosos os pares que dançaram ao som de deliciosas valsas. À explendida festa, que deixou optima impressão em todos, começou ás quatro hs da tarde e terminou ás 10 da noite” 141.

Neste sentido, podemos observar que o Parque era palco para diversificadas atividades de lazer. Com esta última nota apurada n’A cigarra, nota-se que as reuniões do Clube da revista eram dirigidas a um seleto público da sociedade paulistana, pois dançar ao som de valsas e servir chás com biscoitos finos dava um tom de elegância ao evento. A associação direta da revista na promoção das atividades sociais e esportivas indica a estreita relação desta imprensa de variedades com a divulgação dos novos hábitos sociais e maneiras de viver dos paulistanos.

140 A cigarra, edição nº 28 (16/10/1915). 141 A cigarra, edição nº 42 (20/05/1916). 118

Desta forma, com estas quatro notas colhidas procuramos demonstrar que além dos jogos de futebol que lotavam as arquibancadas do Parque Antarctica, outros eventos aconteciam neste espaço de sociabilidades da Cidade.

Em 1916, o Parque Antártica foi alugado ao Palestra Itália (atual Sociedade Esportiva Palmeiras) e, comprado por essa mesma agremiação quatro anos depois142.

Por fim, destacamos mais dois espaços de lazer da Paulicéia. Embora não fossem espaços dedicados a prática de esportes, e sim salões de bailes, optamos por agrupá-los no terceiro capítulo.

Um deles localizado nas proximidades do “centro”: o Salão Germânia, e outro 143 localizado além do “centro”: o Belvedere Trianon da Avenida Paulista , de onde se avistava o Vale do Anhangabaú que foi projetado por Ramos de Azevedo e inaugurado em onze de junho de 1916 pelo prefeito Washington Luís.

Localizado na Rua Dom Jose de Barros, nas proximidades do Triângulo, situava-se o Salão Germânia, que assim como o salão do Trianon abrigou bailes e festas das camadas abastadas da sociedade paulistana.

Desta forma, encontramos muitas notas sociais n‟A cigarra relatando os eventos realizados no Salão Germânia.

“Foi mais um triumpho para a Sociedade de Cultura Artistica o sarau realisado, no Salão Germania, para a exhibição da insigne cantora brasileira Heddy Iracema Bruguelmann. Essa brilhante festa de arte, em que se apresentava uma artista notavel, de reputação firmada nos mais cultos centros da Europa e que, poucos dias antes, havia empolgado a platéa do nosso Municipal, despertou vivo interesse nas rodas musicaes, attrahindo uma concorrencia selecta e muito numerosa. Dotada de voz excellente de soprano, fresca, de bello

142ANTUNES, Fátima Martin R. Ferreira. Do Velódromo ao Pacaembu, in Revista do Departamento do patrimônio histórico - signos de um novo tempo – a São Paulo de Ramos de Azevedo. Secretaria Municipal de Cultura, São Paulo, janeiro/1998, ano V, nº 5, p.90. 143 “Durante os primeiros vinte anos, a área desempenhou um papel importante na cidade de São Paulo. Foi um ponto de reuniões, junto à principal via de articulação dos bairros de alta renda, a Avenida Paulista. No final da década de trinta, o Trianon encontrava-se decadente e sem conservação. Na década de cinquenta o pavilhão norte foi derrubado pela prefeitura para construção do Museu de Arte de São Paulo, o MASP. REIS FILHO, Nestor Goulart. São Paulo e outras cidades: produção social e degradação dos espaços urbanos. São Paulo: Hucitec, 1994, p.161, 168.

119

timbre transmittiu-nos a musica deliciosa de Mozart em seu genuino estylo, produziu-nos fortissima emoção em Schubert, fez-no sonhar em Araujo Viana, encantou-nos em Carlos Gomes e deslumbrou-nos em Wagner” 144.

O texto acima faz com que consideremos que além dos teatros, principalmente o Municipal, outro espaço da Cidade abrigava a apresentação de artistas líricos, como a soprano brasileira reconhecida internacionalmente Heddy Iracema Bruguelmann, que interpretou brilhantemente Mozart, Carlos Gomes, Schubert, dentre outros. Permite-nos ainda lembrar que se tratava de mais um espaço destinado às camadas mais abastadas da sociedade, como já estudado no segundo capítulo.

“Uma festa chic:

Annuncia-se, para o fim do corrente mez, uma festa que será certamente um acontecimento mundano. Trata-se de uma festa em beneficio da Creche Baroneza de e Gotta de Leite, instituições que têm sido tão uteis á nossa população. Accresce que o programma é finíssimo. Começará a festa ás tres horas da tarde, como uma palestra literária pelo distincto home de letras Sr. Dr. Alfredo Pujol. Em seguida será servido o chá. O serviço será feito por cerca de trinta gentis senhoritas, que se offereceram á commisão organizadora da festa. Nos intervallos algumas senhoritas recitarão. Haverá dança, tocando uma boa orchestra. Ainda não podemos publicar o programma detalhado da festa, mas podemos assegurar que será uma esplendida reunião, organizada com muito gosto e capricho por uma commissão de distinctas senhoritas de nossa melhor sociedade. Essa festa beneficente effectuar-se-á no Salão do Germania, num dos ultimos domingos do corrente mez. O interesse que me todas as rodas sociaes ser nota por essa idea é uma segura garantia de que o festival em beneficio da „Creche Baroneza de Limeira constituirá um brilhantíssimo successo”145 .

Por meio desta nota social veiculada n‟A cigarra em 1914 podemos considerar que o Salão do Germânia vem se juntar a outros espaços de lazer da Cidade que além dos eventos habituais, promovia festas beneficentes, sempre bem organizadas com

144 A Cigarra, edição nº 6 (15/06/1914). 145 A cigarra, edição nº 14 (11/12/1914). 120 gosto e capricho, como chama atenção a nota, pelas distintas senhoritas da nossa “melhor sociedade”.

Por fim, selecionamos mais uma nota sobre o Salão Germânia veiculada n’A cigarra em 1915:

“O nosso brilhante colaborador Amadeu Amaral, que realisou uma bella palestra sobre „As Arvores‟, no Salão do Germania, tendo ao lado as excmas. Senhoritas Maria Amelia e Véra Paranaguá, d. Liddy Chiaffarelli, que tambem tomaram parte na magnífica festa realisada em beneficio dos Albergues Nocturnos. (...) A brilhante festa em beneficio dos Albergues Nocturnos foi uma iniciativa de distinctas senhoritas e cavalheiros da sociedade paulista” 146.

A referida nota também trata de outra festa beneficente, esta em prol do Albergues Noturnos. Percebe-se que personalidades como o escritor Amadeu Amaral vinham se juntar a esses eventos, engrandecendo sua importância pra a Cidade e, é claro que como reforça o texto, esta festa foi uma iniciativa das distintas senhoritas e cavalheiros da sociedade paulistana.

Importa considerar, que nesses eventos as revistas não poupavam esforços para demonstrar as benesses das senhoras, senhoritas e cavalheiros da sociedade, o que segundo os redatores era de primordial importância para o sucesso da festa.

Porém, não eram somente as festas beneficentes que lotavam o Salão do Germânia, na mesma edição, A cigarra relatava:

“Aspecto do Salão de Germania, em noite do concerto da notável pianista Guiomar Novaes, que alli recebeu estrondosas manifestações do publico de São Paulo e de varias cidades do Estado” 147.

Assim, o Salão Germânia serviu as elites paulistanas também apreciadoras de concertos, como podemos observar nesta pequena nota sobre a pianista Guiomar Novaes.

Passemos para a região da Avenida Paulista onde estava localizado o Trianon.

146 A cigarra, edição nº 22 (07/06/1915) 147Idem.

121

Figura 50: A cigarra, edição nº 44 (18/06/1916)

122

A imagem acima nos dá uma pequena dimensão da suntuosidade deste edifício. O Trianon, luxuosamente montado pelo Sr Vicenti Rosatti contava com terraços, salões de festas para bailes e recepções, galeria, bar e Buffet.

No dia de sua inauguração, o então prefeito Dr. Washington Luis proferiu um discurso declarando que o Belvedere assinalava mais uma prova de progresso da Cidade, como noticiado n‟A cigarra:

“O Belvedere da Avenida é um imponente monumento de arte, tem amplas balaustradas nos planos do extenso terraço de onde se descortina um bellissimo panorama da cidade. (...) Sua inauguração realisou-se com toda solenidade com a presença das altas autoridades do Estado e distinctas familias da nossa sociedade chic. (...) Nossa adiantada capital está, portanto, dotada de uma sede de distrações e servida com salões como os dos mais confortáveis cassinos” 148.

Por meio desta nota social podemos observar que mais um espaço de lazer frequentado pelas elites paulistanas vinha se juntar ao Theatro Municipal como símbolo de progresso e modernidade da Cidade. É importante considerar que representava mais um ponto de encontro do qual as camadas menos favorecidas não participavam.

“A sociedade elegante saberá aproveitar as lindas instalações do Trianon para as festas de arte e bom gosto que costuma preparar e que fazem o encanto de todos que têm o contentamento de assisti-las. (...) Esta secção do edifício Belvedere constitue uma demonstração de conforto e de muita elegancia, é digna da cultura social de nossa capital” 149.

O texto acima reforça a ideia que o referido espaço era destinado ao uso das camadas abastadas, ressaltando que somente esse grupo da sociedade era capaz de aproveitar todas as instalações dos salões do Trianon.

148 A cigarra, edição nº 44 (18/06/1916) 149 Idem. 123

“Club „A CIGARRA‟

Foi um sucesso sem par a ultima reunião elegante do Club „A Cigarra‟, realisada sabbado ultimo, em matinêe, no bello e espaçoso salão do Trianon do „Belvedere‟ da Avenida Paulista. A concorrencia de distinctas familias foi enorme, reinando durante a encantadora festa a mais sadia alegria e grande animação entre os sócios do prospero club”150.

Assim como o Parque Antarctica, o salão do Trianon também abrigou as festas do “Clube A Cigarra”. Observa-se que as reuniões do clube eram uma constante, acontecimentos estes, sempre relatados pela revista com entusiasmo e chamando atenção para o seleto grupo que frequentava as referidas festas.

Além das festas do “Clube A Cigarra” outros eventos também eram organizadas no salão do Trianon, como descreve a nota citadina veiculada em 1917:

“Esteve magnifica a matinée organizada pelos jovens estudantes de Medicina e Engenharia. O salão do Trianon apresentava um lindíssimo aspecto e os rapazes, todos fardados, e as senhoritas, ostentando lindos vestidos, davam um aspecto encantador á esplendida festa” 151.

Neste sentido, importa considerar que o Trianon serviu as camadas abastadas da sociedade, uma vez que, como já citado anteriormente, foi palco de festas, bailes e reuniões das distintas e elegantes famílias paulistanas. Isto demonstra o tom preconceituoso e excludente em relação às camadas menos favorecidas que, assim como no dia da inauguração do Theatro Municipal ficou do lado de fora dos acontecimentos sociais realizados no Belvedere.

150A cigarra, edição nº 46 (18/07/1916). 151A cigarra, edição nº 79 (14/11/1917).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na presente dissertação procuramos por meio dos anúncios e notas sociais e esportivas analisar e refletir sobre os espaços de sociabilidade e lazer surgidos na Paulicéia no início do século, bem como a divulgação dos novos hábitos aburguesados adotados pelas elites paulistanas.

O trabalho com as revistas ilustradas possibilitou-nos encaminhar questões sobre a Cidade e seu modo de vida naquele período, buscando nas linhas e entrelinhas dos mais variados anúncios, reclames e notas sociais pistas do cotidiano dessa camada da sociedade que procurava ficar em sintonia principalmente com a Europa.

No primeiro capítulo o estudo mostrou que as revistas e a publicidade desenvolveram-se no ritmo de transformação da vida urbana na Cidade de São Paulo. No início do século XX, os anúncios eram feitos pelas próprias revistas; porém, no decorrer do período nasceram as agências de publicidade e cada vez mais os anúncios ganharam importância nas páginas das revistas ilustradas, passando a compor um repertório de indicações que buscavam direcionar os novos comportamentos e modos de viver na Paulicéia, reforçando ainda, a importância da publicidade para a manutenção dos periódicos e a atividade comercial da Cidade no período.

Vale ressaltar, que acompanhando o surgimento das agências, os anúncios também passaram por transformações no período estudado. Assim, a princípio os anúncios que se apresentavam de forma mais simples foram aos poucos ganhando mais espaço nos periódicos e se tornando cada vez mais elaborados procurando cativar os leitores, indicando o crescimento e estruturação da atividade publicitária na configuração das novas linguagens da cidade.

No segundo capítulo trabalhamos a geografia do comércio e da Cidade buscando os espaços de sociabilidade e lazer na região do Triângulo e suas imediações. Neste sentido, encontramos por meio dos anúncios, das crônicas e das notas sociais os novos espaços frequentados pelas elites paulistanas.

Por meio dos anúncios das casas de moda observamos que a maioria estava localizada nas Ruas que compunham o Triângulo e, os artigos por elas comercializados eram importados principalmente da Europa, o que nos levou a considerar serem

125 destinados a um seleto público da sociedade, que não só se vestia com as últimas novidades vindas pelos vapores, como também procurava “vestir” as residências, que deveriam acompanhar seus moradores na Paulicéia que se desejava modernizar.

Além dos espaços do comércio estudamos os espaços de lazer como os hotéis, os cafés, as confeitarias e os teatros que estavam localizados nas imediações do “centro”. Desta forma, na representação das revistas firma-se uma imagem na qual as camadas abastadas da Paulicéia passaram a adotar novos hábitos, como o “Five o’clock tea” apregoado nos anúncios dos hotéis e das confeitarias da Cidade.

As temporadas teatrais também traziam novos hábitos para essa camada da sociedade, pois movimentavam a vida noturna da Cidade e as tardes no “centro”, uma vez que os grandes magazines como o Mappin e a Casa Alemã anunciavam os trajes mais elegantes e os “modelos para Estação Lírica” destinados a esses acontecimentos.

No terceiro e último capítulo passeamos pelos espaços destinados aos novos esportes como o remo, o futebol e o turfe que surgiam na Cidade. Neste sentido, por meio das notas sociais encontramos em regiões distintas e afastadas do “centro” Clubes como Esperia e Tietê que abarcavam as competições de remo e as festas náuticas; os Jardins da Luz e da Aclimação que acolhiam um público diverso ao promover quermesses, piqueniques, confraternizações de empresas e festas cívicas e o Velódromo Paulistano que a princípio serviu para competições de ciclismo e no início do século XX passou a ser palco de disputas futebolísticas e confraternizações.

Na região da Água Branca as arquibancadas do Parque Antarctica ficavam lotadas em dias de partidas de futebol, haja vista que o futebol foi um esporte adotado pelas elites, bem como pelas camadas menos abastadas que disputavam as partidas em campos de várzea. O Parque também foi palco de outros eventos sociais como as festas promovidas pelo Clube A cigarra, a caça à raposa, apresentação de companhias líricas e confraternizações de empresas o que nos permitiu considerar que o espaço estudado serviu grupos diversos da sociedade paulistana.

Ainda no terceiro capítulo destacamos dois salões de baile da Cidade, o Trianon, na Avenida Paulista e o Salão Germânia, na Rua Dom José de Barros nas proximidades do Triângulo. Estes dois espaços de lazer das elites paulistanas vinham se juntar aquele que foi considerado o símbolo de máximo do avanço cultural e do

126 progresso da Cidade, o Theatro Municipal, uma vez que esses espaços assim como o Theatro também serviram para compor o desejo de progresso e modernidade almejado pelas elites paulistanas no período estudado.

Neste sentido, a representação da Cidade cunhada nas revistas ilustradas por meio da linguagem publicitária, das notas e crônicas sociais nos possibilitou percorrer esses novos espaços de sociabilidade e lazer que surgiram na Paulicéia de ontem, aquela do começo do século XX.

Possibilitou-nos ainda encontrar espaços e lugares que fazem parte da nossa memória como o Mappin, ou que permanecem como, o Jardim da Luz, o Jardim da Aclimação, os Clubes Esperia e Tietê, o Parque Antártica, o Jóquei Clube e o Theatro Municipal, que este ano completa um século de existência.

Ao final torna-se importante assinalar que apresentando-se como materiais ricos para a pesquisa sobre o viver em Cidade naquele período, as revistas ilustradas Vida paulista, A lua, Vida moderna e A cigarra oferecem outras possibilidades além daquelas exploradas neste estudo.

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FONTES

Revistas

Revista “Vida Paulista” – 1903-1908

Revista “A Lua” – 1910

Revista “A Vida Moderna” – 1907, 1912, 1913, 1914, 1916

Revista “A Cigarra” – 1914-1920

128

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