Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória - ES – 03 a 05/06/2019

Existe um Hans Donner em cada um de nós - Criações de Fãs de no YouTube1

Carlos Eduardo de Almeida NUNES2 Gabriela BORGES3

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG

RESUMO

No cenário midiático atual, o fã de um determinado produto midiático não se contenta mais em assistir passivamente aquela produção que lhe agrada. Ele quer participar e se engajar, seja interagindo com outros fãs em redes sociais ou produzindo histórias alternativas e em termos audiovisuais, tem usado o YouTube para promover sua participação nas histórias. A partir do conceito de cultura participativa, este artigo tem por objetivo analisar e discutir a produção de conteúdo por parte dos fãs de telenovelas brasileiras na plataforma YouTube no que diz respeito à produção de aberturas alternativas para suas histórias favoritas. Ao longo deste texto, busca-se fazer um retrospecto da produção de vinhetas ao longo do tempo; observar como são produzidas e também a recepção por parte de outros fãs.

PALAVRAS-CHAVE: teledramaturgia; vinhetas de aberturas de novelas; YouTube; cultura participativa; criação de fãs.

Introdução

A partir da premissa de discutir a criação de aberturas de novelas por parte dos fãs na internet, buscamos mostrar teoricamente como a plataforma YouTube e o ambiente digital têm sido propícios para a participação dos fãs na construção de produtos midiáticos, tendo como base a cultura participativa e a criação de fãs. Procuramos também analisar a produção de aberturas desde os primeiros folhetins exibidos e como este produto audiovisual tem sido construído e sua evolução desde então, seja em seus aspectos narrativos ou na sua concepção estética, a partir do desenvolvimento da computação gráfica nos anos 1970, a base das vinhetas atuais.

1 Trabalho apresentado na Divisão Temática 4 – Comunicação Audiovisual do XXIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, realizado de 3 a 5 de junho de 2019.

2 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFJF. E-mail: [email protected]

3 Professora Permanente do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFJF. E-mail: [email protected]

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Desde que chegou ao Brasil, no início dos anos 1950 com a inauguração da TV Tupi, a televisão sempre buscou uma identidade visual que permitisse ao seu telespectador saber rapidamente em qual canal estava sintonizado. As vinhetas surgiram na época do rádio e, como em vários aspectos, foi transportada para a emergente televisão, levando ao desenvolvimento de ícones até hoje reconhecidos, como o indiozinho da TV Tupi ou o casal Ritinha e Paulinho, mascotes da TV Excelsior. Com a presença da imagem e do som, a vinheta de abertura ganhou uma importante função, tal como no cinema, de creditar os profissionais envolvidos em uma determinada produção. Petrini (2004) vai conceituar tecnicamente a vinheta como uma

peça de curta-metragem constituída de algum tipo de signo ou representação, composta de elementos imagéticos, sonoros e mensagem de elementos de expressão verbal, usada com fim informativo, decorativo, ilustrativo, de remate, de chamada, de passagem, de identificação, institucional e de organização do espaço televisivo (PETRINI, 2004, p. 124).

A medida que as tecnologias audiovisuais foram se modernizando, a televisão foi absorvendo essas novas possibilidades para si, com as vinhetas e aberturas sendo a grande vitrine onde esses aprimoramentos vão ser notados pelo público. Arlindo Machado (2000) periodiza a trajetória da televisão brasileira em três grandes fases. Inicialmente, com profissionais importados do rádio e pouca experiência em vídeo, é marcada pelo improviso e a experimentação de formatos numa programação essencialmente feita ao vivo. A partir da década de 1960, a chegada do videotape traz novas possibilidades, como a produção de programas gravados e a edição linear e a partir dos anos 1970, o desenvolvimento da informática insere a manipulação gráfica no Brasil. A computação gráfica surgiu a partir na década de 1960 por Ivan Sutherland (SCHIAVONI, 2008) como um complexo sistema de desenhos gráficos digitais desenvolvidos pela lógica-matemática. A partir do seu uso, vai possibilitar a construção de novas imagens totalmente virtuais e sem, portanto, qualquer paralelo com o real.

A nova tecnologia tornou possível a produção potencial quase infinita de imagens, sem que nenhuma delas exista como tal. Com isso, abriu- se um enorme campo de possibilidades visuais que foram, diga-se de passagem, muito bem aproveitadas pela televisão (SCHIAVONI, 2008. p.7)

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Em 1965, a inauguração da TV Globo apresentou uma nova estrutura organizacional para as empresas de comunicação no Brasil, conjugando administração empresarial, talento artístico e infraestrutura tecnológicas como os pilares de sua programação, estabelecendo os conceitos que tornaram reconhecido no mundo inteiro o “Padrão Globo de Qualidade”.

A Globo, fundada em 1965, acompanha os avanços das telecomunicações; o alto investimento em tecnologia e o jogo político são, de certa forma, os responsáveis pela sobressaída da emissora em relação às suas concorrentes, no fator hegemonia das preferências e de sustentação do slogan “padrão globo de qualidade”. (PETRINI, 2004, p. 123)

De acordo com Machado (2000), a partir da segunda metade da década de 1970 a Rede Globo será uma das pioneiras do emprego da computação gráfica no desenvolvimento de suas vinhetas e aberturas, tanto no Brasil quanto no mundo. Em 1975, traz para o Brasil o designer austríaco Hans Donner, que além de desenvolver seu icônico logotipo, transformou o videotape na base para produção de vinhetas. A essa forma de criação se deu o nome de videographics, conforme explica Petrini (2004).

Esse processo, denominado videographics, consiste em um tipo de criação que envolve animadores, câmeras, cenógrafos, coreógrafos, designers, diretores, fotógrafos, diretores de fotografia, editores, figurinistas, ilustradores, maquetistas, maquiadores, músicos e produtores (PETRINI, 2004, p. 124)

Tecnologia e criatividade para apresentar uma história

As telenovelas surgiram no Brasil tão logo a televisão estreou no país, em setembro de 1950. Inspirados pelo sucesso que a radionovela fazia, os produtores da TV Tupi colocaram no ar o primeiro folhetim, ao vivo e não diário, "Sua Vida me Pertence", no ar entre dezembro de 1951 e fevereiro de 1952. Somente a partir de 1963, com "2- 5499 Ocupado", as novelas se tornaram diárias e o principal gênero da televisão brasileira (BRANDÃO; FERNANDES, 2012).

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A função de uma abertura de novela é apresentar os profissionais envolvidos naquela produção, como o elenco de atores, autor e diretor e desde 2019, com a abertura da novela "Verão 90", foram introduzidos novos profissionais nos créditos, como figurinistas, produtores, entre outros, antes creditados no encerramento do capítulo. As aberturas de novelas são consideradas "o papel de presente" de uma história, tal como definiu o diretor Daniel Filho (FIGUEIREDO, 2014).

A abertura de uma (...) é como o papel que embrulha um presente. O papel esconde, cria o mistério, desperta a curiosidade, atrai. Essa embalagem tem que ser necessariamente de bom gosto (FIGUEIREDO, 2014, p.4).

Quando aparecem no vídeo, apresentam mensagens que se relacionam com a temática ou com a ideia do programa e são ricas em simbologias. Muitas vezes, as mensagens são mais evidentes e em outras ficam de modo mais subliminar. Martins (2010) estabelece um paralelo entre as mensagens de uma vinheta com a teoria semiótica desenvolvida por Charles Pierce, em que explana os sentidos de uma abertura de novela com os conceitos de em primeiridade, secundidade e terceiridade.

A grosso modo, compararia as vinhetas ao que o semioticista americano Charles Sanders Peirce, em sua teoria semiótica, chamou de primeiridade sígnica, ou seja, diria que a vinheta é a primeiridade do programa que ela anuncia, ou ainda que a vinheta é a principal válvula da programação, pois, em uma metáfora bem ao gosto da semiose peirceana, é a fase da percepção, a fase em que o signo é notado, é percebido, logo a mais importante fase, visto que desse processo de percepção origina-se todo um raciocínio para uma visão de secundidade do programa e, possivelmente, uma menção futura à terceridade, a luz da razão avaliativa sobre o programa, de forma analítica e crítica. (MARTINS, 2010, p.13)

Apresentar ao público os profissionais envolvidos em uma telenovela está presente desde os primeiros folhetins diários que foram ao ar, nos anos 1960 e podemos dividir as aberturas de novelas em quatro grandes fases. Inicialmente, eram apresentados apenas fotos e slides dos capítulos anteriores com os nomes dos envolvidos na produção, como atores, autores e diretores, conforme afirma o vice-presidente de operações da Rede Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, um dos responsáveis pela implantação do Padrão Globo reconhecido até hoje.

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Por incrível que pareça, as aberturas de novelas eram gravadas novamente todos os dias, antes da gravação do capítulo, perdendo-se um tempo enorme com isso. Eram utilizadas cenas dos capítulos anteriores ou fotos mais o título da novela, e os nomes do autor, do diretor e do elenco eram superpostos. Passei a fazer aberturas fixas, inseridas na edição, o que representou um salto de qualidade e uma economia no tempo de gravação. (SOBRINHO, 2011, p. 185)

Figura 1: frame da abertura da novela “A Selvagem” (1971). Fonte: Reprodução YouTube

Na sequência, um aprimoramento com o surgimento das aberturas independentes, feitas apenas uma única vez e inseridas posteriormente na edição. Evolui-se para animações mais elaboradas, baseadas em trucagens e jogos de cenas utilizados no cinema. É nessa segunda fase que se destaca a figura do cenógrafo Cyro del Nero (1931- 2010), um dos pioneiros no país na concepção de aberturas e videoclipes, responsável por criar aberturas de sucesso no início da Rede Globo, como Selva de Pedra (1972), Os Ossos do Barão (1973), (1974), (1975), entre outras (XAVIER, 2007).

Figura 2: frame da abertura da novela “Selva de Pedra” (Rede Globo, 1972) Fonte: Reprodução Memória Globo

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A terceira fase começa em 1975 com a chegada de Hans Donner e a criação do departamento de videographics, onde a computação gráfica vai atingir seu auge, principalmente nos anos de 1980 e 1990. Há predominância do estilo do austríaco, como ampla utilização de volumes em três dimensões, cores e texturas.

Figuras 2 e 3: frames das aberturas das novelas “Selva de Pedra” (1986) e “” (1996). Fonte: Reprodução Memória Globo

A fase atual é marcada pela saída de Hans Donner da Divisão de Videographics da Rede Globo, com novos profissionais, então assistentes de Donner, assumindo o departamento. Hoje, vale-se de um processo mais aberto, onde outros estúdios participam da criação, de acordo com a proposta estabelecida pela emissora. Nesta era, com o crescimento de novas tecnologias e estabelecimentos de novos padrões tecnológicos, como a questão multiplataforma, o estilo de design que fez o reconhecimento das novelas globais, com amplo uso de três dimensões, brilhos e texturas, acabou substituído por aspectos mais humanizados nas aberturas atuais, já se pensando em sua aplicação no digital e não somente na transmissão pela TV.

Figuras 4 e 5: Aplicação do logotipo da novela “Órfãos da Terra” na TV (esquerda) e plataformas digitais (direita). Fonte: GloboPlay

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Independente da forma como é apresentada a abertura, ela precisa passar de forma rápida e facilmente entendível pelo grande público a história que a novela quer contar.

O fã participativo

O cenário midiático atual tem consolidado cada vez mais a figura do fã e consumidor como elemento central na construção de narrativas seja na televisão ou cinema. O aumento do uso de novas mídias no meio digital tem permitido a participação efetiva do fã, ao mesmo tempo em que os produtores trabalham para que ele se engaje daquela história. A telenovela, o gênero televisivo mais bem-sucedido na televisão brasileira, não tem sido indiferente aos anseios de seu público em entrar mais nos dramas e suspenses que todas as noites reúnem uma parcela da população brasileira. Hoje, por meio de diversas formas e plataformas, é possível comentar em tempo real, roteirizar enredos diferentes dos planejados pelos autores e mudar aquilo que não gostam, incluindo aí também as aberturas. Mesmo com as aberturas originais disponíveis nas redes, atesta-se para a existência de fãs que vão muito além de compartilhar e comentar no vídeo original, procurando dar novas ressignificações a ele. Para toda essa proatividade de criação de conteúdos fora da órbita da produção original, Henry Jenkins (2008) denominou a "cultura participativa", um vasto de campo de atuação e produção de novos conteúdos, como fanfictions, memes, vídeos para YouTube, fanpages, entre outros. O termo expressa uma nova era da indústria midiática contemporânea, na qual uma das principais características é a reivindicação do público por maior participação e interação com os processos de construção de mensagens midiáticas. Para Jenkins (2008), o acesso às tecnologias digitais juntamente com o surgimento de plataformas para compartilhamento de conteúdos permite que uma ampla maioria de pessoas tenha como se expressar. Aproveitando-se de conhecimentos, básicos ou avançados, e da facilidade de ferramentas de edição e manipulação de imagens disponibilizadas pela popularização da era digital, os fãs têm criados novas versões de vinhetas e chamadas para clássicos da teledramaturgia ou para tramas que ainda estão por

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estrear. Muito mais que saber fazer e mostrar publicamente, há o apelo sentimental que conecta o fã ao seu produto.

Consumidores estão aprendendo a utilizar as diferentes tecnologias para ter um controle mais completo sobre o fluxo da mídia e para interagir com outros consumidores. As promessas desse novo ambiente midiático provocam expectativas de um fluxo mais livre de ideias e conteúdos. Inspirados por esses ideais, os consumidores estão lutando pelo direito de participar mais plenamente de sua cultura. (JENKINS, 2008, p. 44)

Se para aqueles que desejam interagir com outros fãs ao assistir um capítulo de novela o Twitter tem sido a plataforma mais usada e indicada para essa finalidade, o YouTube tem consolidado como o canal de maior audiência para o público que produz e assiste conteúdos alternativos em forma de vídeo. O YouTube foi ao ar pela primeira vez em fevereiro de 2005 por meio da iniciativa de três americanos: Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, ex-funcionários do PayPal. O primeiro vídeo foi postado em 23 de abril de 2005 por Jawed e a simples gravação em um zoológico de São Francisco já dava o pensamento primordial que o novo site queria passar: “Transmita você mesmo”. Atualmente, é um dos sites mais populares em território brasileiro, com números que não deixam de impressionar: 95% da população on-line brasileira acessando o site pelo menos uma vez por mês, com informações fornecidas pelo próprio site. Jenkins (apud BURGESS; GREEN, 2009) define o YouTube como a "maior ferramenta de participação popular" da internet, onde os usuários criam seus canais e divulgam suas produções. Argumenta ainda que as plataformas da Web 2.0 permitiram uma ampla disseminação da cultura participativa, mas é necessário também ponderarmos que esta maior interação ao longo das décadas anteriores propiciou para que essas novas tecnologias tivessem uma rápida e pioneira assimilação nos dias atuais. O autor complementa que a cultura participativa no YouTube não é somente uma ferramenta ou um complemento secundário, mas sim o seu principal negócio. Indo ao encontro de Jenkins, Bernadazzi e Costa (2017) argumenta que podemos enxergar o YouTube como um dos principais meios de fomento da mudança para um sistema participativo atual, para o qual o site consolidou uma premissa que já vinha sendo desenvolvida desde bem antes a criação do site nos anos 2000.

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Já Raun (2010) define o YouTube como "uma plataforma 'confusa', contendo uma ampla variedade de videoclipes, clipes de TV e vídeos de música oriundos de mídias tradicionais, bem como conteúdo criado pelos usuários" (RAUN, 2010, p. 81) e que ao longo de sua existência, tem conseguido conjugar seus interesses comerciais junto com grandes produtores de mídia, permitindo a convivência em um mesmo espaço convivendo da cultura participativa da sua própria comunidade e assim construindo todo o seu ecossistema, amador e profissional, . Já pela classificação de Burgess e Green (2009), trata-se de uma plataforma e um agregador de conteúdo, por ora produzido pelos seus usuários. E nesse ambiente misto, que conjuga repositório da “mídia tradicional” com produção “caseira” dos usuários que o YouTube se transformou num espaço para compartilhamento de numerosos conteúdos do passado, com diversos canais postando programas, novelas e outros tipos de conteúdo antigos, capturados ainda nos tempos das gravações em VHS, quanto atuais. A popularização das ferramentas de edição audiovisual colocou nas mãos desses fãs novas possibilidades de produção de conteúdo para a plataforma, com variadas formas de participarem, sejam "vlogando" na frente das câmeras ou atrás, editando. Surgiu, então, nesse contexto, as versões alternativas feitas por usuários, uma forma que encontrou de criar conteúdo para o que lhe atrai. Deve-se ressaltar aqui as mudanças nas políticas de conteúdo que o YouTube implementou nos últimos anos visando proteger direitos autorais, pressionado pelos grandes produtores de mídia. As postagens de conteúdos sobre TV que contenham cenas, imagens ou sons que não são produzidos pelo usuário estão muito mais restritivas com o algoritmo da plataforma que vem barrando tudo. Com a Rede Globo presente no YouTube desde 2014 com um canal oficial que divulga suas aberturas e chamadas, ganha força a produção de conteúdo próprio e as aberturas alternativas pelos usuários, já que as versões oficiais estão disponíveis pela própria emissora.

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Análise das Aberturas

Para elaboração desde trabalho, definiu-se por uma análise do conteúdo com base nos vídeos das aberturas alternativas de novelas veiculadas pela Rede Globo, produzidas por dois canais da plataforma: “Aberturas de Novelas Alternativas1” e “Canal Mundix2”. Este recorte fez-se necessário dado o grande número de vídeos produzidos e, dado isso, excluiu-se da análise vinhetas de outras emissoras ou de histórias que são criadas pelos próprios fãs. Com essa premissa, foram analisadas as novelas Império (2014), Babilônia (2015), I Love Paraisópolis (2015), (2015), (2016), Haja Coração (2016), (2016), (2016) e (2018). Estes canais, anteriormente citados, contam com número maior de produção de vídeos e, portanto, permitiram uma análise das vinhetas de um mesmo criador sob alguns aspectos, buscando identificar como estes vídeos foram montados e postados na rede, a base para sua criação, se original ou baseada em remixes de outros materiais, e como estas produções têm sido recepcionadas por outros fãs.

- Narrativa: se a função primordial de uma abertura é contar a história da novela em cerca de um minuto, nem sempre esta premissa é cumprida, tanto pelas vinhetas originais produzidas pela emissora quanto pelos fãs. Na maioria das vinhetas alternativas, há poucos exemplos em que a vinheta ajudou a contar a história. Podemos considerar alguns fatores para isso, como poucos conhecimentos sobre a história em si e o que ela quer passar para o público e a falta de recursos para um desenvolvimento mais elaborado. Isso resulta em vídeos mais generalistas, com pouco aprofundamento sobre o enredo.

- Temporalidade: neste ponto, foi considerado a data de publicação do vídeo e na maioria dos vídeos analisados, as aberturas são distribuídas ao público antes da estreia da novela em questão, ou seja, antes que o fã saiba como a vinheta realmente é. Dos dez vídeos da análise, apenas dois (I Love Paraisópolis e Segundo Sol) foram ao ar após a estreia.

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1 Disponível em https://bit.ly/2PLK7N8 2 Disponível em https://bit.ly/2VfGNzL

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Consideramos que quanto mais próximo da estreia ou posterior a ela, maior veracidade passa, com o fã tendo informações mais concretas sobre a história, elenco escalado, a música de abertura e a estética que a emissora definiu para divulgar a novela.

- Processo de Criação: como Jenkins (2008) proferiu, a popularização da tecnologia colocou poderosas ferramentas nas mãos dos usuários digitais, que passaram a contar com os mesmos mecanismos de produção profissional que uma grande empresa dispõe. Durante a análise deste tópico considerou-se o nível de produção das aberturas e a fidelidade com o estilo das vinhetas originais atuais. Percebeu-se uma clara divisão entre um conteúdo mais profissional, com edição, animação e sonorização, uso de fontes e disposição dos créditos próximos dos originais e outros mais amadores, com simples edições de fotos com os créditos colocados por cima. Importante ressaltar que a mudança de estilo das aberturas promovidas pela Rede Globo nos últimos anos aproximou as aberturas alternativas dos originais, já que se tornaram raras o uso de grandes animações em computação gráfica e ampliou-se o uso de imagens captadas na vida real e animadas depois, dispensando grandes conhecimentos em computação gráfica e softwares avançados.

Figuras 6 e 7: frame da abertura de “Totalmente Demais3” (2015): alternativa (à esquerda) e original (à direita). Fonte: Canal Aberturas Alternativas/Globoplay

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3 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=wqa1iYG_3IY

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Figuras 8 e 9: frame da abertura de “A Lei do Amor4” (2015): alternativa (à esquerda) e original (à direita). Fonte: Canal Aberturas Alternativas/Globoplay

- Originalidade: neste quesito procurou-se analisar se as aberturas foram criadas a partir do zero ou aproveitou-se de outros elementos já prontos e em sua maioria, trataram-se de vídeos com amplo uso de imagens e elementos já disponíveis, podendo inseri-las dentro do conceito de remix, ou seja, uma colagem de imagens anteriores que ganharam um novo sentido pela manipulação dos fãs. Por remix, entendemos como a possibilidade de retrabalhar um material que já estava pronto, dando a ele uma nova roupagem, estética, ou um novo sentido, sendo ele concebido por uma mídia tradicional ou mesmo por fãs. Para Zago (2014), o remix e as apropriações são algumas das características primordiais da cibercultura. “Da mesma forma, um usuário pode se apropriar de conteúdos disponibilizados na rede e realizar novas criações a partir dos mesmos, produzindo remixes” (Zago, 2014, p. 56). Em algumas aberturas, os criadores aproveitaram os logotipos e outros materiais em vídeo já divulgados e fundiram com suas aberturas, como em “Segundo Sol5”, dando aspectos mais reais à sua criação. Em outras, usaram imagens de acervo dos atores que estarão na trama para ilustrar suas vinhetas.

Figuras 8 e 9: frame da abertura de “Segundo Sol” (2015). Fonte: Canal Mundix ______

4 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=rONosC_IxtY 5 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=f8UyKQ_MnnE

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- Recepção: numa análise dos comentários, é possível perceber a boa receptividade que as aberturas alternativas têm no YouTube, demonstrando que são criações de fãs para fãs de telenovelas, podendo ser mensurado não só pelos comentários como pelo número de “joinhas” que os vídeos recebem. Apesar de ter uma média não muito alta de visualizações no geral, algumas aberturas se destacaram no número de views. A vinheta de “Rock Story6”, do canal Aberturas Alternativas, foi a mais visualizada, com mais de 700 mil visualizações e 1,8 mil joinhas. Outras vinhetas com excelentes visualizações foram “Haja Coração7” (505 mil) e “Velho Chico8” (52 mil). No geral, considerando também produções de outros canais, a audiência varia entre os 2 mil e 5 mil views por vídeo.

Considerações Finais

Ao longo dos anos, a televisão evoluiu em vários aspectos, como artísticos e tecnológicos. Os saltos foram evidentes, como a televisão digital, a alta definição e a chegada da computação gráfica como forma de ajudar a contar histórias que todas as noites reúnem milhares de pessoas ao redor de um aparelho de TV, computador, smartphone ou outro dispositivo. Mas nenhum ganho parece ter sido maior que a chegada do telespectador, outrora passivo, ao centro do enredo, podendo enfim participar da construção da narrativa. As aberturas de novelas sempre mobilizaram uma parte do público para sua veiculação na TV, seja analisando ou colecionando-as. Com este texto, pode-se acompanhar o desenvolvimento deste tipo de produto midiático, que cumpre a importante missão de ajudar o telespectador a entender a história que quer ser passada e como o fã tem contribuído com o ambiente midiático desenvolvendo seus próprios vídeos, seja por diversão ou por desenvolvimento profissional.

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6 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=XQX7mY7Dq4c 7 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=d-z9-hinWbI 8 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=yQtm2dxHUYU

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Dada a popularização de ferramentas digitais, conforme apontou Jenkins (2008), milhares de fãs podem ser vistos e ouvidos, sejam comentando em sites, escrevendo fan- fictions ou então criando aberturas de novelas e exibindo-as para o mundo no YouTube. A plataforma de vídeos abriu espaços para milhares de pessoas ao redor do mundo “se transmitirem” conforme anuncia em seu próprio slogan.

Referências

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BRANDÃO, Cristina; FERNANDES, Guilherme. Telenovela Brasileira: formato que vem se impondo há seis décadas. In: Brandão, Cristina; COUTINHO, Iluska; LEAL, Paulo Roberto Figueira (Orgs.). Televisão, Cinema e Mídias Digitais. Florianópolis: Insular, 2012.

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XAVIER, Nilson. Almanaque da Telenovela Brasileira. São Paulo: Panda Books 2007.

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