PAISAGEM E IDENTIDADE RURAL: CONTRIBUTOS PARA A REVITALIZAÇÃO DE UM LUGAR

O caso de Resende no Vale do Douro

Ana Luísa de Almeida Santos

(Licenciada)

Projeto Final de Mestrado para a obtenção do Grau de Mestre em Arquitetura

Orientação Científica:

Professor Doutor Daniel Maurício Santos de Jesus

Professor Doutor José Luís Mourato Crespo

Júri:

Presidente: Professora Doutora Bárbara Lhansol da Costa Massapina Vaz

Vogal: Professor Doutor Carlos Jorge Henriques Ferreira

Vogal: Professor Doutor Daniel Maurício Santos de Jesus

DOCUMENTO DEFINITIVO

Lisboa, FA ULisboa, Maio de 2020

PAISAGEM E IDENTIDADE RURAL: CONTRIBUTOS PARA A REVITALIZAÇÃO DE UM LUGAR

O caso de Resende no Vale do Douro

Ana Luísa de Almeida Santos

Licenciada

Documento Definitivo

Projeto Final para Obtenção do Grau de Mestre em Arquitetura

Orientação Científica

Professor Doutor Daniel Maurício Santos de Jesus

Professora Doutora José Luís Mourato Crespo

Lisboa, FA.ULisboa, Maio de 2020

RESUMO

A gestão territorial apresenta-se atualmente como um dos principais meios de atuação perante a fragmentação e deterioração do território. Desta fragmentação, exponenciada pela adoção privilegiada do modelo urbano-industrial, resultam zonas marginalizadas e abandonadas com repercussões ao nível social, económico e ambiental.

No contexto português, essas áreas - maioritariamente rurais - representam mais de metade do seu território o que torna imperativo redirecionar olhares e procurar soluções que respeitem e valorizem os seus recursos endógenos. A diferenciação desses recursos locais revê-se nas formas da paisagem que moldam o lugar e, na identidade que o cria e dá continuidade - duas faces estritamente relacionadas. São duas componentes territoriais que permitem reconhecer o espírito do lugar e, assim, atuar conscientemente no mesmo.

O trabalho propõe responder a esta problema através do desenho arquitetónico e, tendo como local de estudo o concelho de Resende, situado no Vale do Douro. A esse desenho precede uma análise atenta do lugar, partindo dos conceitos citados, na procura de o descodificar no presente e perspetivar no futuro. Materializa-se através da conceção de um centro polivalente cuja localização o torna ponto de ligação e coesão territorial. Além de encurtar a distância e acesso ao centro da vila, exponencia a acessibilidade da zona pela ligação à linha férrea do Douro. A proposta programática adotada procura diferenciar o cais relativamente aos outros dois pertencentes ao concelho, consolidando a frente ribeirinha em toda a extensão do mesmo e, consequentemente, fornecendo pontos de atratividades distintos.

Palavras-chave:

Paisagem; Identidade; Rural; Douro; Resende.

i

ii

ABSTRACT

Territorial management is currently one of the main action instruments, given the territory fragmentation and deterioration. This fragmentation, exponentiated by the privileged adoption of the urban-industrial model, results in marginalized and abandoned areas with social, economic and environmental repercussions.

In the portuguese context, these areas - mostly rural - represent more than half of the territory, which makes it imperative to redirect glances and seek solutions that respect and value their endogenous resources. The differentiation of these local resources is seen in the landscape shapes that molds the site and in the identity that creates and continues it. They are two territorial components that allow us to recognize the spirit of the place and thus act consciously in it.

The work proposes to answer this problem through the architectural design and, having as a study place, Resende located in the Douro Valley. This drawing precedes a careful analysis of the place, starting from the concepts cited, seeking to decode it in the present and to perspective in the future. It materializes through the conception of a multipurpose center whose location makes it a point of connection and territorial cohesion. In addition to shortening the distance and access to the village center, it also provides accessibility to the area by connecting to the Douro railway line. The programmatic proposal adopted seeks to differentiate the quay from the other two belonging to the municipality, consolidating the riverfront along its entire length and, consequently, providing different points of attractiveness.

Keywords:

Landscape; Identity; Rural; Douro; Resende.

iii

iv

Aos meus sobrinhos, Nos espaços em branco que ninguém lê, encontram-se histórias de encantar. São histórias feitas de sonhos, de esperança, de coragem e de determinação. Essa é a história que aqui vos dedico na esperança que se torne exemplo e vos ensine a ler nas entrelinhas. O mundo é do tamanho dos nossos sonhos. Sonhem muito!

v

vi

AGRADECIMENTOS

à minha mãe às minhas irmãs: Andreia, Paula, Patrícia e Susana aos meus sobrinhos: Diogo, Dinis, Simão, Lucas e Francisca à Catarina Manuel à Dalila Silva à Estrella Luna Munoz à Maria Liberato à Sofia Caetano à Benedita e ao José Tavares à Amanda Medeiros aos colegas de curso e companheiros de memórias destes 5 anos aos meus orientadores: professor Daniel Jesus e professor José Crespo

vii

viii

ÍNDICE

Resumo I Abstract II Agradecimentos VII Índice geral IX Índice de figuras XI

INTRODUÇÃO...... 1

01.CONTRIBUTOS PARA A REVITALIZAÇÃO DE UM LUGAR ...... 7

1.1. PAISAGEM RURAL ...... 11

O conceito de paisagem...... 13

O homem e a natureza: da génese à fisionomia dos lugares ...... 23

Água, floresta, pedra: fatores biofísicos na base da modelação e gestão das paisagens ...... 37

Ruralidade ...... 95

1.2. IDENTIDADE ...... 107

Perceção, lembrança e memória: fica o que significa ...... 110

Localismo e limites da ubiquidade ...... 122

Nostalgia da identidade ...... 131

Espaços de memória ...... 138

02. A PROPOSTA ...... 143

2.1. O PROGRAMA ...... 147

2.2. O PROJETO ...... 165

CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 195

Bibliografia ...... 197

Anexos ...... 204

ix

x

ÍNDICE DE FIGURAS

Todas as fotografias que não têm indicação de fonte foram produzidas pela autora

Figura 1. Mirão, fotografia de Álvaro Matos Almeida, 2019 9 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003/ Consultado a 12 de Dezembro de 2019

Figura 2. O Douro, fotografia da autora, 2019. 22

Figura 3. Vinhas em Barrô 36 Fonte: https://cm-resende.pt/visit/visitar/regiao-demarcada-do-douro-barro/ Consultado a 20 de Novembro de 2019

Figura 4. Um barco rabelo em Aregos, Bilhete postal de 1910, editado pela Tipografia Costa Carregal, de Campanhã. 45 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 15 de Setembro de 2019

Figura 5. Cachão da Valeira, Bilhete postal de 1903, editado pela Emilio Biel & CA 45 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 10 de Outubro de 2019

Figura 6. Vista de Porto de Rei, fotografia de Lúcia Silva 52 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 5 de Junho de 2019

Figura 7. Vista da Calda de Aregos, fotografia de Vitor Vieira 52 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 7 de Junho de 2019

Figura 8. Mare à Piat (Marsh at Piat), Eugène Cuvelier, c. 1863, cópia em papel salgado 56 Fonte: https://www.nga.gov/collection/art-object-page.136354.html Consultado a 4 de Julho de 2019

xi

Figura 9. Forest of Fontainebleau, Jean Baptiste Camille Corot, 1834, óleo sobre tela 56 Fonte: https://www.nga.gov/collection/art-object-page.46584.html Consultado a 4 de Julho de 201

Figura 10. Cerejeiras em flor em Resende, fotografia de António Lucas 80 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 2 de Agosto de 2019

Figura 11. Cerejeiras em flor em Resende 80 Fonte:https://www.facebook.com/sentir.patrimonio/photos/a.1818240721526790/181 8242998193229/?type=3&theater/ Consultado a 2 de Agosto de 2019

Figura 12. Ponte da lagariça, fotografia de Rúben Reis 85 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 20 de Dezembro de 2019

Figura 13. Ponte da Panchorra, fotografia de Vitor Vieira 85 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 20 de Dezembro de 2019

Figura 14. O Conjunto Megalítico de Felgueiras, fotografia de Álvaro Matos Almeida90 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 10 de Setembro de 2019

Figura 15. Penedo de São João, fotografia de Márcio Barreto 90 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 10 de Setembro de 2019

Figura 16. Serra de Montemuro, fotografia de Álvaro Matos Almeida 91 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 15 de Setembro de 2019

Figura 17. Vista de Mirão sobre o vale, fotografia de Sofia Caetano 91 Fonte: Arquivo da autora

xii

Figura 18. Entre Mirão e Aregos, Bilhete postal de 1916 94 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 15 de Setembro de 2019

Figura 19. Vista sobre o rio da Aldeia de Mirão, fotografia da autora 106

Figura 20. Postal de um desenho do Artista Plástico Eiliv Hammer, retratando a Rua da Aldeia, da Vila de Resende, em 1989 121 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 15 de Setembro de 2019

Figura 21. A arte dos socos pelo Sr. Tomazinho de Pimeirol 130 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 7 de Dezembro de 2019

Figura 22. A arte dos chapéus de palha pelo Sr. Manuel Dias 130 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 7 de Dezembro de 2019

Figura 23.. Cultura e preparação do linho, S. Cipriano, 1954 130 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 7 de Dezembro de 2019

Figura 24. Cultivo do linho como parte de um projeto do Grupo de S.Cipriano, 2004 137 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 7 de Dezembro de 2019

Figura 25. A arte de fiar 137 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 7 de Dezembro de 2019

Figura 26. O barro preto pelo Sr. Joaquim 137 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 7 de Dezembro de 2019

Figura 27. Vista para o Douro da Aldeia de Mirão, fotografia de Sofia Caetano 142

xiii

Fonte: Arquivo da autora

Figura 28. O percurso, fotografia de Sofia Caetano 158 Fonte: Arquivo da autora

Figura 29. A água em Mirão, fotografia de Sofia Caetano 158 Fonte: Arquivo da autora

Figura 30. Habitação em Mirão, fotografia de Sofia Caetano 158 Fonte: Arquivo da autora

Figura 31. Estação de Mirão, fotografia de Álvaro Matos Almeida 164 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 19 de Novembro de 2019

Figura 32. Vista do Cais fluvial de Mirão, fotografia de Vitor Vieira 164 Fonte: https://www.facebook.com/groups/494368447300003 Consultado a 11 de Novembro de 2019

Figura 33. Museu de Arte e Arqueologia do Vale do Côa, Camilo Rebelo e Tiago Pimentel 168 Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-45392/museu-de-arte-e-arqueologia-do- vale-do-coa-camilo-rebelo-e-tiago-pimente Consultado a 16 de Dezembro de 2019

Figura 34. Centro de Alto Rendimento de Remo do Pocinho, Álvaro Fernandes Andrade 168 Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/248200/centro-de-alto-rendimento-de-remo- do-pocinho-slash-alvaro-fernandes-andrade Consultado a 16 de Dezembro de 2019 Figura 35. Centro de Alto Rendimento de Remo do Pocinho, Álvaro Fernandes Andrade 169 Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/248200/centro-de-alto-rendimento-de-remo- do-pocinho-slash-alvaro-fernandes-andrade Consultado a 16 de Dezembro de 2019

Figura 36. Centro de Alto Rendimento de Remo do Pocinho, Álvaro Fernandes Andrade 169 Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/248200/centro-de-alto-rendimento-de-remo- do-pocinho-slash-alvaro-fernandes-andrade Consultado a 16 de Dezembro de 2019

xiv

xv

16

INTRODUÇÃO

A génese deste trabalho parte das inquietações individuais. Surge do olhar atento e inquisidor perante uma realidade que, diversa da que experiencio, me é apresentada num vasto vale de possibilidades, potencialidades e problemáticas. Sob a sublime paisagem duriense, por si só contadora de histórias e desígnios, repousam estruturas que o tempo - o que é medido e o que é vivido - degrada, condena e renuncia.

O lugar é Resende, um território essencialmente agrícola situado no Vale do Douro. A paisagem que o molda é marcada pela forte presença do rio e pelos vales delineados pela cultura da vinha, da oliveira e da amendoeira. Traduz-se num território de enormes potencialidades, associado a uma boa acessibilidade férrea e viária, mas que, no contexto atual, se revê nas problemáticas inerentes às zonas rurais. O abandono da terra e das técnicas tradicionais de agricultura, o decréscimo da população e o seu envelhecimento, refletem-se no território e apresentam repercussões ao nível social, económico e ambiental.

Estes factores, exponenciados pelo modelo urbano-industrial levam-nos a percepcionar o mundo rural como obsoleto, contrariado apenas pela nostalgia de uma identidade perdida e pela saturação da vida nas grandes cidades - vistas como agitadas, barulhentas, comuns e sem simbolismo. Ao campo, é incutido o papel de invocar essa identidade perdida - pessoal e coletiva – vivendo de signos e símbolos que já não lhe assentam.

As problemáticas, que tendencialmente enclausuramos no tempo e no espaço das grandes cidades, são aqui apresentadas e analisadas através do território que definimos como antagônico das mesmas. Um antagonismo atualmente questionado e refutado na procura e defesa de redes de ligação entre a cidade e o campo. Essa continuidade, obtida através da valorização e consciencialização das qualidades e características de cada território (re)aproxima o homem da natureza e dos recursos endógenos. Surgem, neste contexto, novos conceitos e novos olhares como paisagem global, cidade-região ou cidade-território (Covas e Covas, 2012) que sobrepõem a mera reestruturação e requalificação para fins turísticos de bucolismo encenado que temos vindo a assistir.

1

As zonas rurais - que ocupam 2/3 do território português - refletem atualmente as consequências que advém de uma incorreta gestão territorial, política, social e de recursos. Assim, encontramo-nos na iminente necessidade de soluções práticas que possam incutir a mudança de perceção sobre os territórios rurais e incentivar a sua gestão e intervenção sustentável.

O presente trabalho procura ainda, afastar-se da visão mecanicista e globalizada que vê o mesmo em todo o lado. Propõe assim analisar e interpretar o território na complexidade da sua forma material e imaterial. Analisando as dinâmicas sociais e culturais específicas e compreendendo o papel da evolução social e dos fenómenos criadores de identidade, permite que o lugar dite o projeto nas suas diversas dimensões.

Paisagem e Identidade Rural são, desta forma, os conceitos centrais - abrangentes e transversais a diversas áreas - cuja análise e teorização nos permitiram compreender, formular e hipotetizar - através do desenho arquitetónico e por este potencializados - os Contributos para a revitalização de um lugar. São contributos que surgem da análise multidisciplinar pela qual atua a arquitetura e através da qual intervém de forma integrada e consciente no território. Revê-se na materialidade da forma e, no contexto do projeto final aqui apresentado, através da concepção de um centro polivalente servido de cais fluvial e com ligação à estação ferroviária pertencente à .

Através destes conceitos distintos - que se interligam – propõe-se esse novo olhar para o território segundo os vários elementos que o compõem. Ao longo do trabalho, embora cada contributo seja abordado separadamente, para a compreensão de um é necessária a sistematização do outro. Estabelecem entre si uma relação de reciprocidade que, no seu conjunto, justificam a intervenção realizada no território em estudo. Assim, ao conceito de paisagem estão sempre subjacentes princípios relativos ao conceito de identidade e, a ambos os conceitos, estão sempre inerentes elementos pertencentes ao âmbito arquitectónico. Valorizar cada parte é potenciar o todo.

Estrutura do Projeto Final de Mestrado

A tese divide-se assim em dois capítulos. No primeiro capítulo, Contributos para a revitalização de um lugar, será feito o enquadramento teórico segundo os conceitos acima expostos e, no final de cada subcapítulo será abordado o lugar de estudo de

2

forma a situá-lo segundo os temas tratados e a tornar percetível a importância de cada um dos temas no lugar e, consequentemente, na elaboração da proposta de projeto.

No segundo capítulo, A Proposta, contextualizou-se as opções programáticas adotadas, segundo as análises anteriores e, através de exemplos metodológicos e práticos de casos de estudo, resultando assim, no projeto apresentado.

Finalizando o trabalho, enumerou-se e refletiu-se sobre as conclusões obtidas, perspectivando futuras intervenções em territórios similares segundo princípios orientadores que se formalizam em propostas flexíveis, adaptadas e integradas no lugar.

Relativamente à metodologia, adotou-se duas fases distintas e sincrónicas de investigação – teórica e in loco – que se complementam e permitem criar a proposta apresentada.

Numa primeira fase, a investigação teórica realizou-se com recurso a bibliografia apropriada, permitindo o enquadramento dos temas a serem tratados. Simultaneamente, realizou-se o enquadramento do local de estudo em termos históricos, sociais e territoriais com recurso a dados estatísticos, estudos e diagnósticos sociais, cartografia, planos de ordenamento e programas institucionais. Esta investigação complementou-se com visitas ao local de estudo onde se realizaram registos fotográficos, levantamentos arquitetónicos e de caracterização do edificado e, conversas informais com os habitantes locais. Complementarmente, analisaram-se vários casos de estudo como é exemplo o Programa das Aldeias do Xisto em fornecendo perspetivas e metodologias de intervenção locais diversas.

As diversas etapas de investigação permitiram consolidar a proposta apresentada confrontando em diversas fases e momentos do desenvolvimento do projeto as informações recolhidas.

3

6

01.CONTRIBUTOS PARA A REVITALIZAÇÃO DE UM LUGAR

8

Figura 1. Mirão, fotografia de Álvaro Matos Almeida, 2019

Uma estrutura física repousa no verde e olha o rio. As suas paredes, outrora espectadoras do desenrolar quotidiano da vida e dos sentidos, resignam-se aos ciclos, à natureza e ao Homem. Ausente, silencioso, passivo.

Os sentidos resgatam memórias e as memórias habitam ali. Entre paredes degradadas e despidas de cheiros, cores, sabores, toques e pessoas.

E é ali, no aconchego do vale e do correr contínuo do rio, que o olhar se projeta: E se?

O mundo abre-se para se fechar. Na imensidão das perguntas e das respostas, surgem as inquietações, surge a vontade.

9

10

1.1. PAISAGEM RURAL

A paisagem que me viu crescer, na reciprocidade de memórias e de caminhos, é obra feita dos sonhos que habitam no Homem que se engrandece e se curva.

Habitam em mim as materialidades, os sons e os cheiros da cidade. As gentes que se cruzam e não se veem e os passos largos e apressados de quem – ausente do ritmo que outrora orientava um pé e depois o outro – se permite viver na imposição e submissão do compasso criado por um outro alguém que não se vê, não se sente e não se sabe.

Cresceu em mim um ritmo desfasado do meu. Um passo largo que a minha sombra projetava pequeno.

Na pequenez desse passo descobri a metade que se esconde na capa cinzenta que em nada encontra reflexo, mas que em tudo é refletida. Multiplicada. E, nessa metade – que é sempre inteira – descobri tudo o que é e tudo o que existe. Um compasso que, em sintonia com o meu, me harmoniza.

O olhar, esse, que outrora se cingia às formas nuas e certas, encontra reflexo na sinuosidade do traço, nas entrelinhas do texto e da história e, nas pausas, criadoras da melodia.

A paisagem que me viu crescer na reciprocidade de memórias e caminhos, habita em mim e eu habito nela, ainda que, na imaterialidade do sonho - que também cria. Faz- se de gente que se vê e se sente. A si, ao outro e a tudo.

11

12

O CONCEITO DE PAISAGEM

A paisagem, enquanto construção social, é indissociável do Homem sendo por ele transformada, vivida e sentida. Emprega na sua definição conceitos de variadas áreas científicas, técnicas e artísticas adquirindo assim uma multiplicidade de definições e abordagens na sua interpretação e intervenção.

A história da paisagem é - enquadrada no espaço e no tempo - a história do Homem e o reflexo das interações físicas e mentais entre este e a natureza. Esta simbiose transforma a paisagem natural - onde a influência do homem é pouco presente - numa paisagem cultural associada ao conceito de civilização. Segundo Orlando Ribeiro “civilização é de facto, um poderoso agente de transformação das paisagens e é ela que, em grande parte, molda a fisionomia dos lugares” (Ribeiro, 1970, p.85).

Atribuindo aos seus elementos um contexto e uma evolução temporal, a paisagem associa-se ao conceito de memória (Schama, 1995) e a sua interpretação conduz à construção de símbolos e signos criadores da identidade do lugar - genius loci. Se, por um lado, a construção e identificação dessa singularidade paisagística incentiva a necessidade de proteção e valorização dos territórios e comunidades, a sua interpretação descontextualizada e intemporal – isto é, sem que se entenda a paisagem como conceito e construção social em evolução – impregna de bucolismo e nostalgia a relação do Homem com o território.

Segundo Álvaro Domingues:

“[…] ao banalizar-se a paisagem (qualquer que seja o conteúdo que se atribui à palavra) como um sujeito sem qualidades, abrem-se todas as possibilidades para aí confluírem todas as crises e traumas da relação tensa que a sociedade vai construindo sobre o território enquanto registo visível do quotidiano vivido, percebido, imaginado ou sonhado e, por isso, construtor de identidades.” (Domingues, 2003, p. 112).

13

Foi de facto assim que, facilmente retratadas fora do âmbito científico, as paisagens da pintura e da literatura impregnaram o imaginário coletivo de um ideal bucólico de contemplação e fuga ao mundano.

Tormes, descrito na obra “A Cidade e as Serras” de Eça de Queiroz, significava para Jacinto a fuga à civilização e ao ritmo cosmopolita de Paris. Simultaneamente, representa o regresso a uma vivência mais harmoniosa com a própria condição humana e próxima da natureza. Por sua vez e contrariamente a Jacinto, a mesma paisagem adquire um significado distinto para o seu aio, sendo classificada segundo diferentes códigos, expectativas e vivências. De realçar que Tormes se situa igualmente no Vale do Douro e as descrições realizadas ao longo da obra retratam a paisagem duriense na proximidade do lugar do projeto. De facto, a estação de Tormes corresponde à estação de Aregos, abordada no documento.

Deste modo, embora a sua valorização esteja sempre subjacente a interpretações pessoais, sendo subjetiva e inerente ao sujeito que a observa e a vive, como observado anteriormente, é inegável que a relação do Homem com a natureza comporta óbvios benefícios físicos e psicológicos e que, o modo de vida urbano e globalizado, nos tem afastado desta relação intrínseca no Homem com o meio, resultando numa crescente degradação do ambiente, das relações e, consequentemente, da paisagem.

Contudo, a multiplicidade de abordagens e visões sobre a paisagem tornam a intervenção sobre a mesma de difícil consenso. Além dos conhecimentos biofísicos é necessário interpretar as relações que se estabelecem entre estes elementos e o Homem. Isto é, além da componente objetiva é necessário acrescentar a componente subjetiva (D’Abreu et al., 2001). Assim, desde a visão económica, à social e à ambiental/ecológica, são várias as disciplinas e atores que, na iminente necessidade de intervir sobre a paisagem, elaboram teorias e metodologias.

Para Álvaro Domingues (2003) a visão saudosista alimentada pela criação de símbolos identitários atualmente inexistentes, levam à criação de encenações e a uma visão generalizada do território nas quais se baseiam as políticas de gestão. Desde a criação dos planos diretores municipais à promoção turística que vive, ora de generalizações ora de encenações, o território - diversificado como é o caso do nosso – é abordado de forma descontextualizada e, a paisagem - resultado de uma sociedade que se modifica - fica encerrada na interpretação bucólica de um passado perdido. Para outros

14

autores, a paisagem deve ser vista como um sistema, seja do ponto de vista do ordenamento do território na criação do “continum verde” - segundo Ribeiro Telles e António e Maria Covas - como pela convergência de vários conceitos - holísticos, culturais, emocionais e ecológicos (D’Abreu et al., 2001). Em comum, todas abordam a necessidade de se romper a dicotomia rural/urbano, quer pela dificuldade de definir fielmente os termos como pela gestão insustentável que resulta da visão dos mesmos como dois sistemas diversos. A paisagem deve ser, segundo António e Maria Covas (2012) ser constituída por espaços verdes que humanizam o território e, por conceitos ecléticos adaptados à complexidade da nossa realidade.

Atualmente, o reconhecimento da paisagem como património natural, histórico e cultural e as transformações a que, simultaneamente, tem sido exposta, conduzem a criação de regulamentação no sentido de a proteger e valorizar, gerindo de forma integrada e sustentada o território.

A Convenção Europeia da Paisagem (Florença, 2000) surge neste seguimento, procurando promover a proteção, gestão e planeamento das paisagens europeias. É o primeiro tratado internacional dedicado à paisagem onde “considerando fundamental, para alcançar o desenvolvimento sustentável, o estabelecimento de uma relação equilibrada e harmoniosa entre as necessidades sociais, as actividades económicas e o ambiente” (Decreto n.º 4/2005 de 14 de Fevereiro de 2005).

Os seus objetivos devem ser adaptados e implementados por cada estado membro ao seu contexto nacional, regional e local, englobando diversos tipos de paisagens e aplicando-se a todo o território.

unidades de paisagem: douro

Entre os diversos objetivos expostos na Convenção Europeia da Paisagem inclui-se a identificação e caracterização das paisagens. Em Portugal, a Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano e o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território encomendaram em 1999 à Universidade de Évora, o estudo de identificação e caracterização da paisagem em Portugal Continental. O estudo foi publicado em 2004 com o título “Identificação e Caracterização das Paisagens em Portugal Continental” sendo composto por 5 volumes que identificam, caracterizam e

15

delimitam as várias unidades de paisagem do território português através de informação gráfica e cartográfica.

Segundo a Direção Geral do Território (2015)” sendo a paisagem cada vez mais reconhecida como uma parte fundamental do nosso património natural, cultural e científico, base da identidade territorial, o seu ordenamento, gestão, conservação, recuperação e valorização é fundamental numa política de ordenamento do território”.

O estudo pretendia orientar as estratégias e os instrumentos de ordenamento através da caracterização detalhada de cada unidade. A análise, multifacetada e interdisciplinar, introduziu a componente subjetiva que, por exigir novas metodologias e novos instrumentos de avaliação, tinha sido até então, pouco testada. O estudo procurou assim ser:

“ […] holístico e integrador das várias componentes: a ecológica, relativa à parte física e biológica dos ecossistemas; a cultural, onde tanto os factores históricos como as questões da identidade e as qualidades narrativas da paisagem são considerados, a socio-económica, referindo-se aos factores sociais e às actividades económicas, assim como as respectivas regulamentações, condicionadoras da acção humana que permanentemente constrói e transforma a paisagem; e finalmente a sensorial, ligada às impressões causadas pela paisagem” (D’Abreu et al., 2001, p.199).

Além destas componentes, a representação na identidade local e regional foi fundamental para delimitar as unidades correspondendo ao conceito de “landscape character area” usado pelos escoceses e ingleses (D’Abreu et al., 2001, p.199). Em relação aos elementos da paisagem os investigadores consideraram aqueles que permitem a análise a uma escala mais pormenorizada e distinguíveis na fotografia aérea como por exemplo, linhas de água, afloramentos rochosos, bosquetes e matas, parcelas cultivadas, sebes de compartimentação e muros de pedra solta, barragens, entre outros.

16

Do estudo resultaram 128 unidades de paisagem agrupadas em 22 grupos. O local de estudo do trabalho aqui apresentado enquadra-se na unidade de paisagem E: Douro., mais precisamente na sub-unidade 33 correspondente ao Riba Douro sendo as restantes sub-unidades: Baixo Douro, Douro Vinhateiro e Alto Douro.

A paisagem duriense é no estudo associada “à imagem de um vale profundamente entalhado” (D’Abreu et al., 2004, p.221). As distinções realizadas nas quatro sub- unidades prendem-se com a aproximação marítima e a proteção das serras – do Marão e de Montemuro - que conferem às unidades a jusante cimas mais amenos e de maior fertilidade contrastantes com as unidades a montante de clima mais seco e solo e relevo mais agrestes.

A vinha marca grande parte da paisagem do Douro e da sua economia, intercalada com horticultura, fruticultura e culturas como a amendoeira e a oliveira, sendo o espaço adaptado a atividades agrícolas do tipo mediterrâneo.

17

As análises presentes no estudo mostraram-se fundamentais no desenvolvimento do projeto final permitindo contextualizar e caracterizar o local aos diversos níveis, desde o suporte biofísico aos processos de humanização. Além disso, sugere possíveis intervenções para uma adequada gestão do território das quais salientamos:

- Manutenção das manchas verdes ao longo do Douro incentivando o valor paisagístico e o simbolismo do lugar;

- Requalificação dos espaços públicos nas margens do Douro;

- Proteção e valorização ambiental promovendo o correto funcionamento dos processos biofísicos, compatibilizando diferentes usos e funções “adequados às diferentes situações, como é o caso da redução dos processos de erosão do solo, da regularização do regime hídrico, das oportunidades para o lazer e recreio, do reforço da biodiversidade, da valorização do património natural e construído e da educação ambiental” (D’Abreu et al., 2004, p.228).

Relativamente à sub-unidade Riba Douro onde se insere o local de estudo, é sugerido:

- Manutenção dos socalcos e uso diversificado minimizando e controlando a expansão florestal;

- Melhoria das acessibilidades.

O Douro corresponde a um conjunto paisagístico de elevado valor. Como qualquer paisagem, é o resultado do conjunto de crenças, visões, vivências e transformações, que molda o homem e é moldada por ele. É a história do Homem que se adapta e que procura adaptar o meio onde habita. O Douro é paradigmático nesta relação entre o Homem e a natureza sendo o resultado do trabalho contínuo e árduo sobre ela. Como afirma Pires Cabral, escritor cuja obra se centra na ruralidade transmontada e no Douro:

“Hoje em dia, o Douro é um espelho de água, mas eu continuo a vê-lo, por um lado, como uma região paisagisticamente ímpar, por outro, como resultado do trabalho insano de gerações e gerações de homens” (2006).

20

No contexto atual, o homem aproxima-se do limite do quanto consegue adaptar o seu habitat ao seu modo de vida. Manipula a natureza vendo-a como um objeto e não como um sujeito com o qual estabelece uma relação de reciprocidade. Neste contexto, é necessário rever o conceito de paisagem e integrar o mesmo de acordo com as várias visões e processos -biofísicos, económicos, sociais e culturais - procurando gerir o território de modo sustentável.

As paisagens serão sempre o pano de fundo das nossas vidas. Compreender que a qualidade desse cenário reflecte e é refletida pelo nosso modo de vida permitirá - sem nostalgias e encenações - viver harmoniosamente no presente sem comprometer as gerações futuras.

21

Figura 2. O Douro, fotografia da autora, 2019.

"O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso da natureza. Socalcos que são passadas de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis da visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta." (Torga, 2011a, p.187)

22

O HOMEM E A NATUREZA: DA GÉNESE À FISIONOMIA DOS LUGARES

Paisagem natural, resultante unicamente da interação entre fatores físicos e bióticos, é um conceito praticamente inexistente. De facto, é rara a paisagem completamente natural sem a presença da ação humana sendo que a sua história se escreve em simultâneo com a história social do Homem. O Homem transforma há milénios a natureza - o seu habitat. Segundo Orlando Ribeiro “ele não vive apenas determinado por ela. Escolhendo, entre várias soluções possíveis, a mais adequada ou conveniente […] ele dá, através das formas de paisagem que cria ou modifica, expressão à sua vontade, inteligência e poder criativo.” (1970, p.77).

A paisagem transformada, resultante da relação de proximidade e da influência bilateral entre o homem e a natureza é constituída por um conjunto de elementos identitários que traduzem modos de vida e de habitar do Homem. A apropriação da natureza pelo Homem permite-nos compreender a génese e refletir sobre a fisionomia dos lugares. Simultaneamente, permite-nos enquadrar no tempo e no espaço a própria história do Homem, os usos e costumes que se refletem diretamente no território. Para Orlando Ribeiro “é o destino humano que modela a fisionomia das regiões e que lhe confere a sua personalidade geográfica” (1970, p.80).

Neste contexto, Caldeira Cabral define e paisagem como:

“resultante da acção multisecular, contínua ou intermitente, do homem sobre a paisagem natural, apropriando-a e modificando-a a fim de a adaptar pouco a pouco às suas necessidades, segundo o que a sua experiência, os seus conhecimentos e a sua intuição lhe foram ensinando, experiência transmitida de geração em geração” (Cabral et al., 1978, p.198 apud D’Abreu et al., 2001 ).

Nos tempos primitivos, o homem vivia uma relação de dependência com a natureza entendendo-a como sagrada e mística. Esta lógica de sacralização era visível através do trabalho do Homem onde - numa relação harmónica e holística - adaptava o seu

23

ritmo ao ritmo da natureza. Era esta que marcava as festividades – sendo a base das suas relações pessoais e interpessoais - e o modo de vida e trabalho do Homem de acordo com cada estação, marcada ora pela escassez, ora pela abundância.

As formas de adaptação dos povos primitivos ao meio denotam esta relação simbiótica sendo exemplo os esquimós, na neve e, os índios, na floresta amazónica.

É através do trabalho que o Homem se humaniza e humaniza a natureza - descobre-a e descobre-se a si.

“O homem é um agente da fisionomia dos lugares, que a sua presença anima e as suas obras materiais carregam de nova expressão. Aos elementos naturais da paisagem: relevo, clima, vegetação espontânea, acrescenta-se uma ação humana que, através de elevadas densidades de população ou de longa permanência no decurso do tempo, introduziu nela transformações profundas e formas inteiramente originais.” (Ribeiro, 1970, p. 74).

Esta relação de unicidade e interdependência rompe-se no contexto da produção capitalista dando lugar a uma lógica produtivista e de inconsciência ecológica onde a natureza é vista como um objeto ao serviço da civilização.

De facto, desde a era do sedentarismo que o Homem se tem vindo a afastar da natureza. Embora ainda no início do seu domínio e numa base mais harmoniosa, o homem sedentário usou a tecnologia como forma de domínio da natureza, permitindo que este se estabelecesse num lugar e o adaptasse às suas necessidades.

Tal abordagem traduz-se um espírito mais racionalista e premeditado no confronto da natureza que se acentuou durante a revolução científica do século XVI. A par do humanismo, as necessidades do Homem são aqui colocadas em primeiro plano contrariando a visão teocêntrica até então adotada, onde as leis naturais eram interpretadas segundo fenómenos religiosos e místicos.

Na base de muitas religiões e mitos que foram surgindo, esta visão mística da natureza e de dogmas religiosos é quebrada definitivamente pela revolução industrial.

24

A era industrial acentuou o pensamento e visão produtivista culminando na dicotomia homem-natureza e na consequente degradação da mesma. A evolução trouxe novas visões do mundo e a natureza era apenas um objeto a ser moldado segundo imperativos maiores, governados pela lógica economicista.

Assim, se por um lado a natureza e a apropriação da mesma constituiu o património das civilizações, por outro e até à grande expansão europeia as civilizações moldaram- se a um território com determinadas características do qual tiraram proveito.

O Homem do progresso e da industrialização é assim o Homem do domínio. O ser pensante que embora - como qualquer outro ser vivo – depende da natureza, acredita conseguir moldá-la aos seus hábitos e ser independente dela. Proclama e exalta os seus feitos e vê o progresso como sinónimo do seu bem-estar.

Das artes à literatura, são várias as obras que exaltam o Homem moderno e a sua capacidade de domínio sobre o mundo.

“[…] Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical – Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força - Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro, Porque o presente é todo o passado e todo o futuro […]” Álvaro de Campos, Ode Triunfal

Levi-Strauss na sua obra Tristes Trópicos começa por analisar - através da etnografia – o modelo de expansão do interior de São Paulo, a forma como são formados os povos e se altera, consequentemente, a fisionomia dos lugares. É, contudo, nas cidades e no seu crescimento em locais inusitados e atípicos que centra o seu olhar. Estabelece depois contraponto entre essas cidades brasileiras e cidades da Índia e do Paquistão.

Existe na sua obra um contraste evidente. Se, por um lado, exalta a cidade e a classifica como “a coisa humana por excelência” assiste e descreve simultaneamente à degradação das relações humanas e às desigualdades que o progresso exponenciou.

25

"Não é, portanto apenas de maneira metafórica que é possível comparar - como se fez muitas vezes - uma cidade a uma sinfonia ou a um poema; são objetos de natureza idêntica. A cidade, talvez mais preciosa ainda, situa-se na confluência da natureza e do artifício. Congregação de animais que encerram a sua história biológica nos seus limites, modelando-a ao mesmo tempo com todas as suas intenções de seres pensantes, a cidade provém simultaneamente da procriação biológica, da evolução orgânica e da criação estética. É ao mesmo tempo objeto de natureza e sujeito de cultura; indivíduo e grupo; vivida e sonhada; a coisa humana por excelência" (Strauss, 1957, p. 125).

O desenvolvimento, baseado no progresso e na modernização, subjugava povos a regras ditadas pelas classes hegemónicas, contrárias às suas e contrastantes com a sua identidade. Os lugares, refletiam – e refletem - essa degradação e subjugação a regras exteriores. Orlando Ribeiro afirma que:

“Os proveitos do progresso foram muito desigualmente repartidos e os grandes países impuseram-se pelo seu potencial económico […] e pela sua relevância política […] e impuseram ao mundo a uniformidade dos seus padrões, numa grande indiferença pelos hábitos e preferências das populações que, com a aceitação forçada deles, ingenuamente se imagina estarem a beneficiar.” (1970, p.80).

A história da natureza está assim conectada com a antropologia sendo que a crise ambiental se relaciona com fatores antrópicos. Como resposta e esta crise surge o pensamento ecológico e no seu seguimento discursos ambientais no sentido de valorizar e proteger a natureza.

26

Esta linha de pensamento é visível desde o século XIX através das obras dos poetas românticos britânicos e do escritor Henry David Thoreau, um dos percursores da visão ecológica e ambientalista. Defensor do retorno à vida simples em contacto e sintonia com os valores da natureza, Thoreau rejeita o progresso material e consumismo crescente da época e refugia-se no bosque, perto do lago Walden, que mais tarde irá dar título ao livro sobre a experiência. Em conjunto com outras figuras da época, fez parte da denominada corrente do Transcendentalismo que, além do ativismo social defende a capacidade do indíviduo de se superar, sem dogmatismos e programas pré- estabelecidos, mas, através de processos individuais e conectados à natureza. Na sua obra destaca-se as descrições da natureza e as reflexões sobre a vida simples, exercendo influência na formação de novas visões e da acção do Homem sobre o meio - influência observada até aos dias atuais em diversas correntes ambientalistas.

Como refere Orlando Ribeiro, é certo que o Homem possui todos os meios necessários para controlar a natureza e de organizar o espaço, contudo, como bem questiona: “perante a potência que o progresso parece poder tornar ilimitada, onde está o determinismo das restrições da natureza?” (1970, p.76).

Assim, discutir sobre evolução e consciência ambiental é discutir sobre o bem-estar do Homem. São duas faces da mesma moeda que tendencialmente não giramos. Atualmente, colocamos em causa os custos desta evolução e a forma como é realizada segundo visões limitadas sobre o todo. Observamos as partes e potenciamos as mesmas esquecendo que o todo não espelha e potencializa o que cada parte demonstra.

Há que equacionar essa evasão da natureza, essa separação da evolução e das ciências económicas com as ciências do Homem.

Os lugares são o nosso símbolo. Mostram-nos de onde viemos, o que somos e para onde vamos. Saber interpretar os sinais não é tarefa difícil para o Homem que, durante séculos, colocou a sua racionalidade e inteligência ao serviço de uma evolução desenraizada. Resta-nos procurar o progresso na simplicidade do lugar. É com veemência que a natureza nos tem apontado o caminho. Resta-nos voltar ao tempo em que sabíamos escutar.

27

“Basta pouco para existir: pouco espaço, pouca alimentação, pouca alegria, poucos utensílios ou instrumentos; é a vida num pedacinho. Mas, em compensação, parece existir muita alma” (Strauss, 1957, p. 145).

região demarcada do douro

E é desse pouco que o Douro se formou. A escassez e o trabalho árduo e ancestral do Homem através do aproveitamento dos recursos naturais levaram à criação da primeira região delimitada na Europa, no século XVIII. A região demarcada do douro corresponde assim ao primeiro modelo institucional de organização de uma região vinícola. Uma paisagem marcada por vales íngremes moldados em socalcos e patamares que evitam a erosão do solo e permitem o cultivo da vinha.

Segundo os dados recolhidos através do Museu do Douro – museu situado no Peso da Régua e cujo objetivo se centra na reunião, investigação e divulgação do património museológico e documental do Douro – a região estende-se ao longo da bacia hidrográfica do Douro, desde Barqueiros (Mesão Frio) até Barca d’Alva numa extensão de aproximadamente 250 000 hectares abrangendo concelhos dos distritos de , , Bragança e Guarda. Divide-se em três sub-regiões sendo elas: o Baixo Corgo que se estende na margem direita desde Barqueiros ao Rio Corgo na Régua e, na margem esquerda desde Barrô (pertencente ao concelho de Resende) até ao Rio Temi-Lobos em Vila de e, onde predomina a vinha ocupando 51% da área, o Cima Corgo até ao meridiano que passa no Cachão da Valeira onde a vinha ocupa 36% da área e, por último, o Douro Superior até à fronteira espanhola e com 13% de ocupação de vinha.

paisagem cultural: alto douro vinhateiro

Inserida na região demarcado do Douro encontramos o Alto Douro Vinhateiro, património Paisagem cultural é uma categoria estabelecida pela Unesco em 1992 e incluída na lista de Património Mundial.

28

O conceito de paisagem cultural foi construído e debatido ao longo dos anos precedentes, nomeadamente a partir de 1970 onde o discurso ambiental e os debates da relação do homem com a natureza se intensificaram. Surge neste contexto o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente após a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano convocada pela ONU e realizada no ano de 1972 em Estocolmo, na Suécia. O programa estabelece a base para uma nova agenda ambiental, realçando a necessidade de preservação do meio ambiente e gerando discussões e debates que se estendem até aos dias atuais. Paralelamente, é elaborada no mesmo ano a Convenção da Unesco para o Património Mundial, Cultural e Natural com o fim de salvaguardar os bens patrimoniais excecionais e de elevador valor. Portugal adota a convenção a 30 de setembro de 1980.

No seu seguimento, em 1983 o termo desenvolvimento sustentável aparece nos discursos ecológicos após o relatório “Nosso Futuro Comum” realizada pela comissão Brundtland. As recomendações levaram, por sua vez, à realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no em 1992 culminando no programa “Agenda 21” após duas décadas de trabalho desenvolvidos e iniciados em Estocolmo. A “Cúpula da Terra”, como ficou conhecida, levou à adoção de diversas convenções que visam proteger o ambiente e permitam alcançar o desenvolvimento sustentável.

É neste contexto que se insere na lista de Património Mundial, a paisagem cultural. A paisagem cultural torna-se assim uma estratégia de desenvolvimento sustentável incentivando a conservação das paisagens e a criação de regulamentação específica como a já referida Convenção Europeia da Paisagem.

Segundo a definição exposta no documento “Orientações para a aplicação da Convenção do Património Mundial” as paisagens culturais são:

“[…] bens culturais e representam as «obras conjugadas do homem e da natureza» […] Ilustram a evolução da sociedade e dos estabelecimentos humanos ao longo dos tempos, sob a influência dos condicionamentos materiais e/ou das vantagens oferecidas pelo seu ambiente natural e

29

das sucessivas forças sociais, económicas e culturais, internas e externas. (DGPC, 2017, p.69).

No mesmo documento, a paisagem cultural é dividida em três categorias: paisagem claramente definida, paisagem essencialmente evolutiva e, paisagem cultural associativa (DGPC, 2017).

O Alto Douro Vinhateiro foi assim reconhecido pela Unesco como paisagem cultural a 14 de dezembro de 2001. Distribui-se por uma área de 24 600 hectares ao longo do rio Douro correspondendo à área mais representativa e conservada da região demarcada do douro.

É um exemplo claro de uma paisagem evolutiva marcada pelo trabalho do Homem duriense. Adaptando e vencendo as condições do meio adverso, dotou o lugar com uma fisionomia própria e um ecossistema único de elevada valorização cultural, económica e social.

É uma paisagem ímpar que conquistou e inspirou ao longo dos anos pintores e escritores. A bibliografia sobre o Douro é abundante, desde contos, crónicas, romances e poemas. A tese transcreve excertos dessa literatura procurando – pelas palavras do outro – deslindar o ambiente vivido e as transformações que o Douro foi sofrendo ao longo dos anos.

Miguel Torga, um dos expoentes máximos da literatura duriense escreve Vindima. Sem o locus amoenus visível noutros escritores como Eça de Queiroz no livro Cidade e as Serras, Miguel Torga descreve o trabalho, por vezes ocultado, da população duriense que se subjugou às regras do tempo e, embora com o resultado sublime e notável que chegou até nós, viveu o Douro através do suor do trabalho. Neste contexto e falando da fisionomia do lugar, torna-se imprescindível referir esta luta do Homem com o meio e todas as questões sociais e económicas que nos permitem usufruir atualmente do Douro como paisagem de exceção. Em Vindimas, Miguel Torga estabelece entre contraponto entre a tradição e a sociedade, expondo a realidade do Douro e a discrepância entre classes que todo o processo da viticultura exponenciava. Embora a tradição e certos métodos vinícolas se mantenham e sejam hoje valorizados, a mecanização de certos procedimentos foi, ao longo dos tempos, libertando os trabalhadores do desgaste da vindima.

30

De referir que a obra de Miguel Torga se insere na corrente literária neorrealista que em Portugal foi condicionada pela opressão do Estado Novo e que, Vindima, embora revele o amor à terra e a beleza do lugar orienta e aponta a transformação da sociedade.

“[…] Vais ler um livro que eu hoje teria escrito doutra maneira. Cingido à realidade humana do momento, romanceei um Doiro atribulado, de classes, injustiças, suor e miséria. E esse Doiro, felizmente, está em vias de mudar. Não tanto como o querem fazer acreditar certas más consciências, mas, enfim, em muitos aspectos, é sensivelmente diferente do que descrevi. Desapareceram os patrões tirânicos, as cardenhas degradantes, os salários de fome. As rogas descem da Montanha de camioneta, a alimentação melhorou, o trabalho é menos duro. Também o rio já não tem cachões, afogados em albufeiras de calmaria. E, contudo, julgo sinceramente que não cansarás ingloriamente os olhos na contemplação do painel que pintei. Conhecer o passado ajuda às vezes a entender o presente. Só com o sofrimento e o protesto de muitas gerações foi possível a relativa dignificação dos assalariados de agora. E, quando mais não fosse, esses sacrificados merecem a homenagem de uma lembrança. Mas há mais. A recordação do seu martírio será uma lição para senhores e servos. Os primeiros terão no espelho a imagem do que não devem voltar a ser; os segundos, a do que não devem voltar a consentir. Já sem falar na mutação social pretérita e actual. Se certas hierarquias teimam em persistir, os próprios protagonistas fazem o possível por o disfarçar. Tão fortemente sopraram os ventos da História. De maneira que também nesse capítulo é menor a distância que vai de pobres a ricos, e mais harmonioso o convívio entre eles. O que não deixa de ser igualmente de exemplo e proveito. […]” (Torga, 2011b, prefácio).

31

região demarcada dos vinhos verdes

É notável a importância da vinha que se exprime na identidade do lugar, quer pela paisagem construída quer pela memória coletiva que se revê na mesma.

Além da Região Demarcada do Douro, foi estabelecida em Portugal no ano de 1908 a Região Demarcada dos Vinhos Verdes. É a maior região demarcada do país e uma das maiores da Europa, estendendo-se pelo noroeste de Portugal entre o Rio Minho na fronteira com Espanha a norte, a sul o rio Douro e as serras da Freita, Arada e Montemuro, a Este as serras da Peneda, Gerês, Cabreira e Marão e a Oeste limitada pelo Oceano Atlântico.

Divide-se em nove sub-regiões distinguidas pela tipologia dos solos e pelo clima específico de cada zona. A sub-região de Baião estabelece a fronteira a sul com a região demarcada do Douro sendo composta pelos concelhos de Baião, Cinfães e Resende, donde se excetua apenas a de Barrô - a única pertencente à Região Demarcado do Douro.

32

33

Figura 3. Vinhas em Barrô

“[…] Paraíso da aguarela forte das vinhas que entram em ondas verdes pelos olhos. Vinhas que estão na vida desta gente como grito nos lábios, como flor no desejo, como o olhar nos olhos, vinhas, sei lá, que são a própria vida desta gente. Paraíso dourado das vindimas! Então o Douro é d’ouro […]” (Pires Cabral, 1999, p. 13).

36

ÁGUA, FLORESTA, PEDRA: FATORES BIOFÍSICOS NA BASE DA MODELAÇÃO E GESTÃO DAS PAISAGENS

“Paisagens são cultura antes de serem natureza; construções da imaginação projetadas na floresta, na água e na rocha ... uma vez que uma certa ideia de paisagem, um mito, uma visão se estabelece em um lugar real, ela possui uma maneira peculiar de confundir categorias, de tornar as metáforas mais reais do que as suas referentes; de se tornar, de fato, parte do cenário.” 1 (Schama,1995, p. 61).

Decompor a paisagem em três elementos – ou conjunto de elementos – permite-nos explorar detalhadamente a relação do homem com a natureza. Partimos primeiramente de uma abordagem e enquadramento geral da paisagem e da relação do Homem com a mesma ao longo do tempo para nos centrarmos agora nos elementos que constroem, demarcam e simbolizam essa relação.

Desta forma, à semelhança do que foi realizado por Simon Schama (1995) na sua obra Paisagem e Memória e, por George Marsh (1864) na obra Homem e Natureza, analisamos a presença do Homem no território segundo estes elementos identitários da paisagem: a água, a floresta, e a pedra. Além da desconstrução do passado vivido, esta abordagem remete-nos para a reflexão sobre o presente e sobre o futuro projetado através da modelação e da gestão do território.

Simon Schama refere o filósofo ecológico Max Oelschlaeger corroborando a sua teoria de que o Homem necessita – de modo a restaurar a natureza que deteriorou - de uma nova criação de mitos. De facto, a relação do Homem com a natureza era realizada primordialmente através dos mitos e da sua inerente sacralidade. Simon Schama acredita que todos esses mitos estão vivos e que basta sabermos onde os procurar de modo a recuperarmos esta relação. À semelhança do que fez no seu livro, procurando “em vez de uma outra explicação do que perdemos, é uma exploração do que ainda

1 Tradução livre da autora: “Landscapes are culture before they are nature; constructs of the imagination projected onto wood and water and rock...once a certain idea of landscape, a myth, a vision, establishes itself in an actual place, it has a peculiar way of muddling categories, of making metaphors more real than their referents; of becoming, in fact, part of the scenery”.

37

vamos encontrar” 2 (1995, p.14) procuramos desconstruir esta relação para que, nos sinais que restam do que era, encontremos as respostas do que é e do que está por vir.

Construir o futuro no presente poderá passar por resgatar as memórias limpando o substrato das camadas que lhe fomos depositando. Abordando-as com uma nova racionalidade e conhecimento, permitiremos que os mitos, as alegorias e as metáforas falem e se façam ressignificar, ressignificando simultaneamente a relação do homem com a natureza.

“Toda a história da paisagem no Ocidente é de fato apenas uma corrida insensata a um universo dirigido por máquinas, sem complicações por mito, metáfora e alegoria, onde a medição, não a memória, é o árbitro absoluto do valor, onde nossa engenhosidade é nossa tragédia, então estamos realmente presos no motor da nossa autodestruição.”3 (Schama, 1995, p.14).

2 Tradução livre da autora: “Instead of being yet another explanation of what we have lost, it is an exploration of what we may yet find.” 3 Tradução livre da autora: “[…] the entire history of landscape in the west is indeed just a mindless race toward a machine-driven universe, uncomplicated by myth, metaphor, and allegory, where measurement, not memory, is the absolute arbiter of value, where our ingenuity is our tragedy, then we are indeed trapped in the engine of our self-destruction.”

38

A ÁGUA

“Sonhando perto do rio, consagrei minha imaginação à água, à água verde e clara, à água que enverdece os prados. Não posso sentar perto de um riacho sem cair num devaneio profundo, sem rever a minha ventura... Não é preciso que seja o riacho da nossa casa, a água de nossa casa. A água anônima sabe todos os segredos. A mesma lembrança sai de todas as fontes.” (Bachelard, 1998, p.9).

A água é um dos elementos de maior relevância no conjunto paisagístico expressando no território os testemunhos culturais, económicos e físicos da vida do Homem na Terra.

Enquanto elemento identitário da paisagem, este testemunho exprime-se quer através da modelação que o seu curso naturalmente imprime ao território como pelo controlo que o Homem lhe impôs de forma a moldá-la às suas necessidades.

De facto, os povos antigos possuíam já conhecimento de controlo da água. Inicialmente visíveis em simples artefactos como represas ou em estruturas como aquedutos e pontes, o seu controlo foi evoluindo a par da evolução tecnológica influenciando todo o ecossistema e alterando significativamente as paisagens.

Desde os primórdios das civilizações que a água simbolizava a riqueza e prosperidade de um povo. Era a sua presença que ditava o assentamento das populações e que exponenciava o crescimento das cidades pela facilidade de troca e transporte de mercadoria, pessoas e ideias. A Mesopotâmia é exemplo da importância da água, sendo a região onde surgiram as primeiras civilizações. Estando situada, como indica o nome da região ‘entre dois rios’ - Tigre e Eufrates – estava frequentemente propensa às cheias o que impulsionou as primeiras formas de organização social e de regularização das águas fluviais.

Contudo, a água não foi apenas interpretada segundo estas valências económicas e produtivas adquirindo representatividade mística e dimensões subjetivas e estéticas que influenciaram a atitude do Homem face à mesma.

39

Como afirma Maria da Graça Saraiva:

“A análise dos sistemas de crenças e valores que permitem estabelecer o quadro de interpretação da natureza e do ambiente representa uma contribuição relevante para a compreensão dos significados culturais que estão na base da sua relação com a sociedade” (Saraiva, 1999, p.25).

As cheias e as secas, por exemplo, além de impulsionarem o controlo do Homem sobre a água, estiveram na origem de diversos mitos. O rio alimentava o imaginário coletivo com a ideia de morte e vida associado também aos impérios e nações alternando entre prosperidade e calamidade (Schama, 1995).

A Revolução francesa provou a força destes mitos pois “antes da revolução, supunha- se que os mitos e a magia eram as maneiras pelas quais os ignorantes da ciência apreendiam as forças da natureza” 4 (Schama, 1996, p. 249). Neste século, em vez de se afastarem dos mitos e das religiões como seria previsível e, criarem um novo mundo afastado destes dogmas, os eruditos da época aproximaram-se das cosmologias antigas. Charles Dupuis contribui para esta visão defendendo que todas as religiões foram religiões da natureza e que a resposta do Homem perante as leis naturais está na sua origem e na origem dos mitos.

“Talvez a divindade fosse a Natureza - seu espírito auto- incorporado nas formas naturais como a vegetação do mundo e a sua água corrente” 5 (Schama, 1996, p.250).

4 Tradução livre da autora: ““Before the revolution myths and magic were supposed to be the ways in which the ignorant of science grasped the forces of nature.” 5 Tradução livre da autora: “Perhaps divinity was Nature – its spirit self-embodied in natural forms like the greenery of the world and its running water.”

40

Segundo Maria Graça Saraiva (1999) uma das primeiras referências à água encontra- se no Génesis onde são citados os quatro rios do Jardim do Paraíso - Eden - que irrigam o espaço. A mesma autora enquadra a relação do homem com a água em cinco fases: fase de temor e sacralização, fase de harmonia e ajustamento, fase de controlo e domínio, fase de degradação e sujeição e, por último, fase de recuperação e sustentabilidade.

Na fase de temor e sacralização a água significava a pureza, o perdão e a justiça, expressa em rituais como o batismo e associada ao dilúvio bíblico. A evolução das tecnologias e da capacidade organizacional dá origem às civilizações hidráulicas, sendo a civilização egípcia exemplo e estando enquadrada na fase harmónica e de ajustamento pela forma como aproveitou o rio Nilo e ordenou o seu território. Este aproveitamento é diferenciado da fase de controlo e domínio verificado por exemplo na civilização suméria da Mesopotâmia e que se repercute até aos dias atuais com a construção de barragens. Esta fase é exponenciada pelos progressos da hidráulica e hidrologia que, em conjunto com a desenvolvimento do conceito de ciclo hidrológico propiciam alterações fluviais que se refletem em grande escala no território. Em Portugal temos o exemplo do encanamento do rio Mondego no século XVII e da mudança do curso médio do tejo no século XVI.

Mas tal controlo atinge níveis que se sobrepõem aos possíveis para a manutenção do equilíbrio dos ecossistemas. A revolução industrial, além de desenvolver os mecanismos de controlo da água, ajudando na artificialização dos sistemas fluviais, usa o rio como afluente dos seus resíduos. A poluição e a artificialização tornam-se assim duas faces desta crescente degradação que são visíveis em rios encanados, cobertos e com vegetação não adequada aumentando os riscos de cheias e descaracterizando a paisagem.

Este controlo da água espelha uma das ramificações do controlo da natureza. Se inicialmente permitia organizar o território e controlar as fases de escassez e abundância, a perda da relação harmónica e cosmológica com a água, coloca em causa as comunidades locais e todo o ecossistema. Neste sentido assistimos à fase de recuperação e sustentabilidade onde se enquadram as novas políticas de proteção e valorização dos recursos hídricos, como componentes sociais, ecológicas e cénicas de grande importância. Assiste-se assim a uma maior consciência do impacto ambiental e das repercussões que determinadas intervenções afligiram no território e nas

41

comunidades locais, levando, em alguns casos à recuperação dos cursos de água no seu estado inicial.

A atividade antrópica é a principal responsável pela alteração e degradação do meio que, nos últimos anos, se tem vindo a acentuar. Maria da Graça Saraiva enumera vários autores e, através deles, várias formas de intervir conscientemente nos sistemas fluviais. Desde a sua valorização, ao seu restauro ou abandono, são várias as metodologias possíveis que, no entanto, deverão ter como base uma visão multidisciplinar e integrada no local e na comunidade. É assim fundamental a participação da comunidade local nos processos de gestão e intervenção “quer na sua qualidade de agentes mais ou menos ativos na transformação da paisagem, quer como seus utentes, quer, ainda, como ‘guardiões’ para as gerações futuras, dos seus recursos e potencialidades” (Saraiva, 1999, p.47).

Simon Schama defende que todos os mitos fluviais incorporam um dos princípios das sociedades hidráulicas: a circulação. Maria da Graça Saraiva, por sua vez, faz uma analogia entre o decorrer do tempo nas comunidades harmonizadas com o meio com o fluxo das águas do rio.

Caberá ao Homem não interromper esse fluxo compreendendo a importância que a sua relação equilibrada com a natureza representa para o presente e para orientar corretamente o futuro.

“Mas tanto os mitógrafos quanto os historiadores naturais sabem melhor: que da pira se ergue a fênix, que através de um manto de cinzas pode emergir um rebento de vida restaurada.” 6 (Schama, 1995, p.19).

6 Tradução livre da autora: “But both mythographers and natural historians know better: that from the pyre rises the phoenix, that through a mantle of ash can emerge a shoot of restored life.”

42

o rio Douro

O rio Douro é o segundo maior rio da península ibérica e, desde tempos remotos, de extrema importância económica e social para a região norte do país adjacente ao rio, permitindo a circulação de pessoas e bens. Em território português estende-se desde Barca d’Alva até ao Porto numa extensão de 213km e vencendo um desnível de 125m.

A sua navegação não foi sempre fácil sendo um rio com caudal incerto e perigoso, propício a cheia no Inverno e a secas no Verão. Sulcar as águas do Douro era tarefa que exigia grande conhecimento e perícia e neste contexto surgiram os marinheiros do Douro que, nos seus barcos rabelo faziam o transporte do vinho desde o local de produção até às caves de Vila Nova de Gaia.

Os marinheiros do Douro e os seus barcos rabelos fazem parte da memória coletiva e da identidade do Douro que, com grande sacrifício e luta marcam um período da história, substituída no século XIX por novas vias de comunicação como o comboio e que, com a evolução da sociedade, se abriu a novos valores morais e a novos estilos de vida.

Porto Manso de Alves Redol retrata com clareza este período da história duriense, retratando os sacríficos intrínsecos à navegação deste rio pelos marinheiros do Douro. Pleno de símbolos e de projeções poéticas o Douro comporta na sua história a luta, o sacrifício e o quotidiano de gerações que através dele sobreviveram.

obras hidráulicas

A primeira obra hidráulica a ser realizada no rio Douro e que melhorou significativamente a navegabilidade do rio foi a demolição do Cachão da Valeira entre 1780 e 1791. Após este marco a navegação estendeu-se até Barca d’Alva permitindo alcançar a fronteira espanhola.

A obra foi significativa, mas não acalmou o rio, como se pôde verificar com a grande cheia de 1962. Foram assim, construídas as primeiras barragens entre os anos de 1971 e 1986 que, além da produção de energia elétrica, possibilitaram a gestão do caudal do rio. Atualmente, em território português são contabilizadas cinco barragens no Douro, todas com eclusa: a Barragem do Carrapatelo construída em 1971, a Barragem de Bagaúste na Régua em 1973, a Barragem da Valeira em 1976, a

43

Barragem do Pocinho em 1983 e, por último, a Barragem de Crestuma-Lever em 1986. A Barragem do Carrapatelo, sendo o primeiro empreendimento hidroelétrico marcou a história da navegação do Douro sendo dotada da maior eclusa do mundo até então construída.

A construção das barragens permitiu a criação do Canal de Navegação do Douro, uma hidrovia que inicia na foz do Porto e termina em Barca d’Alva, numa extensão de 200 quilómetros e que permite o transporte de mercadoria (essencialmente granito) e de milhares de passageiros que, viajando em diversos tipos de embarcações, contemplam a paisagem duriense.

Transporte de mercadoria e turismo fluvial

O transporte fluvial, como já referido, consiste sobretudo no transporte de granito oriundo das pedreiras de Alpendorada, Pedras Salgadas, Viseu e Aguiar da . Pelas vantagens económicas e ambientais perspetiva-se que sejam comercializados mais produtos embora sejam necessárias obras ao longo do curso para que tal suceda.

O turismo fluvial é uma das grandes atrações do Douro e encontra-se em fase de promoção e crescimento. Neste sentido são visíveis diversos cais turístico-fluviais ao longo do curso com grande atratividade, perspetivando-se a construção de outros. Além do turismo fluvial assiste-se também ao crescimento da navegação desportiva com desportos fluviais como o remo, canoagem a vela e a motonáutica.

Ao longo da via navegável do Douro existem cerca de sessenta cais fluviais com capacidade para atracar as embarcações e que se distribuem pelas seis albufeiras.

44

Figura 4. Um barco rabelo em Aregos, Bilhete postal de 1910, editado pela Tipografia Costa Carregal, de Campanhã.

Figura 5. Cachão da Valeira, Bilhete postal de 1903, editado pela Emilio Biel & CA

45

a água em Resende

Resende vive igualmente desta relação com o rio. Todo o concelho é marcado por pequenas lagoas, quedas de água e até zonas termais, como as Termas de Aregos.

O concelho de Resende é abastecido pela barragem de Pretarouca localizada no rio Balsemão. A barragem situa-se na freguesia de Pretarouca no concelho de tendo sido construída no ano de 2009. Além de Resende, abastece Lamego e .

Ao longo da albufeira do Carrapatelo, onde se insere Resende, existem onze cais fluviais com capacidade para atracagem, três situados nos limites do concelho: Caldas de Aregos, Ermida e Porto de Rei. Excetuado o cais da Ermida, os dois cais restantes são locais de atratividade no concelho. O primeiro está associada essencialmente às Termas de Aregos possuindo diversos equipamentos de apoio e também à prática de atividades náuticas. Será alvo de um programa de reabilitação a iniciar em 2020 “Aregos 2020” procurando dinamizar e revitalizar a zona. O segundo, está associado ao Parque Fluvial de Porto de Rei com diversos edifícios de apoio, praia fluvial, piscina e parque de merendas.

Confrontado a história do rio Douro com as fases delineadas por Maria Graça Saraiva, constatamos que a relação do Homem com o mesmo experienciou todas as fases, por vezes de forma sincrónica. Falar do rio Douro é falar de gerações que o moldaram e foram moldadas por ele. É falar de toda uma região cuja identidade se encontra estritamente relacionada com a água e que, à semelhança de Gaston Bachelard lhe consagra toda a sua imaginação.

48

49

Figura 6. Vista de Porto de Rei, fotografia de Lúcia Silva

Figura 7. Vista da Calda de Aregos, fotografia de Vitor Vieira

52

A FLORESTA

“Quando está frio no tempo do frio, para mim é como se estivesse agradável, Porque para o meu ser adequado à existência das cousas O natural é o agradável só por ser natural. […] Aceito por personalidade. Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos, Mas nunca ao erro de querer compreender demais, Nunca ao erro de querer compreender só corri a inteligência, Nunca ao defeito de exigir do Mundo Que fosse qualquer cousa que não fosse o Mundo Alberto Caeiro, in Poemas Inconjuntos .

A floresta é a primeira habitação do Homem. De facto, desde os primórdios que o Homem vive em harmonia com a natureza, mas também em confronto com a mesma, sendo a floresta a representante desta luta pela sobrevivência. Além de observadora dos seus rituais, a floresta acompanhou o desenvolvimento do Homem, sendo o símbolo do seu progresso e o marco do domínio do Homem sobre a natureza - a seu próprio custo. Simboliza assim a primeira conquista física do Homem sobre o meio e o início da desarmonia da relação Homem-natureza (Marsh, 1864).

A conversão do modo de vida caçador-recoletor em agro-pastoril na época do neolítico e, a sedentarização aliada à inovação tecnológica exponencia a intervenção do Homem na paisagem. Munido do fogo, o Homem procede ao desmantelamento da floresta libertando terreno – na época escasso - para a pastorícia e para a agricultura. Além disto, percebendo que o solo queimado se tornava rico em nutrientes, o Homem associa a este ato o aumento da fertilidade do solo.

Nesta época procede-se à substituição de ecossistemas naturais por ecossistemas seminaturais como prados ou agrossistemas como culturas agrícolas (Silva et al., 2007) ficando a floresta cada vez mais distanciada dos povoados e deixando de ser o habitat natural do Homem.

53

Tal utilização do solo verificou-se até à revolução industrial e consequente êxodo rural. Se, por um lado o abandono do solo permitiu a reflorestação em áreas marginais e, a industrialização permitiu substituir a biomassa florestal como fonte de energia, pelo uso de combustíveis fósseis como o carvão e o petróleo, as consequências ambientais que daqui decorrem são superiores às anteriormente observadas. Primeiramente, a reflorestação deve ser realizada com vista a restaurar ecossistemas e não apenas replantando árvores com determinado espaçamento para prevenir o risco de incêndio. De facto, tem-se observado um aumento deste risco e de ocorrências, quer pela gestão insustentável da floresta ou, mais concretamente, pela falta dessa gestão. Existe, depois, uma grande demanda pelos recursos naturais da floresta procurando responder às necessidades de uma sociedade cada vez mais numerosa e globalizada. Assiste-se assim a um uso intenso da monocultura e da indústria agropecuária com efeitos devastadores para o ambiente, nomeadamente no aumento CO2 - o gás mais abundante e o que se relaciona diretamente com as florestas. Além disto, a crescente urbanização coloca em risco zonas necessárias para manter o equilíbrio e contrabalançar os efeitos provocados pelas grandes cidades. Todos estes fatores repercutem-se nos meios rurais, deixados ao abandono ou substituídos por modos de vida que não se adequam ao território em termos sociais, geográficos e físicos.

Atualmente, a floresta é considerada uma das maiores causas do desequilíbrio e da destruição física da Terra, refletindo-se nas alterações climáticas. Embora se acredite que a floresta se ajusta às mudanças climatéricas, o ritmo a que estas estão a ser realizadas são muito superiores à capacidade que a floresta tem de se adaptar. George Marsh enumera duas grandes consequências relativamente aos efeitos físico- geográficos. A primeira corresponde à alteração da meteorologia dos países, com picos de seca ou precipitações mais abundantes sem solo capaz de permeabilizar e escoar a àgua e, a segunda, consiste na alteração da consistência e da superfície terrestre (Marsh, 1864).

Segundo a organização internacional UNEP (United Nations Environment Programme) 31% da superfície terrestre é florestal e 80% desse coberto vegetal abriga 80% da biodiversidade. Destruir a floresta coloca não só em causa a sustentabilidade do planeta como destrói a biodiversidade.

54

Contudo, foi apenas quando a área florestal foi escasseando que o Homem percebeu a sua utilidade e importância e, como, a interação dos seus elementos permite manter o equilíbrio de toda a superfície terrestre.

Além de todos os fatores acima numerados, existe uma componente estética e de paisagem associada à imagem de uma floresta em equilíbrio. Tal componente é explorada atualmente com recurso à propaganda turística, contudo, desde sempre se associou à arte e à literatura, servindo de inspiração para diversos artistas.

De facto, foi a redescoberta durante o século XIX, do romantismo da natureza em conjunto com a exploração do mundo natural e a consciencialização dos riscos causados pela industrialização que impulsionou a criação dos primeiros modelos de conservação da natureza. Exemplo disso é a floresta de Fontainebleau, em Paris, que serviu de inspiração a artistas do século XIX nomeadamente da escola de Barbizon, entre eles, os pintores Corot e Millet ou impressionistas como Renoir e Monet, além de poetas e fotógrafos. Sendo reconhecida como uma reserva artística, a floresta tornou- se a primeira área de conservação natural do mundo a ser reconhecida em 1874. Além disso, o maciço de Fontainebleau foi o local de formação da organização não governamental União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) dedicada à conservação da natureza, a 5 de outubro de 1948.

55

Figura 9. Forest of Fontainebleau, Jean Baptiste Camille Corot, 1834, óleo sobre tela

Figura 8. Mare à Piat (Marsh at Piat), Eugène Cuvelier, c. 1863, cópia em papel salgado

56

caso português

Em Portugal, a floresta é um elemento identitário da paisagem representando 1/3 do seu território.

A floresta autóctone portuguesa é constituída por espécies como o carvalho, o castanheiro, a azinheira, o sobreiro, o medronheiro e a oliveira contudo, é um ecossistema praticamente inexistente atualmente, substituído pela plantação de eucalipto e de pinheiro bravo.

Embora nos anos 60 se tenha assistido a uma reflorestação das áreas marginais pelo crescente abandono do campo e da agricultura tradicional, a falta de gestão consciente destas áreas repercute-se no território a uma escala nunca antes observada. Desde incêndios que assolam todo o território português, à perda da identidade, do equilíbrio biológico das paisagens e da biodiversidade, torna-se imperativo voltar o olhar para a floresta portuguesa e para a gestão que tem sido realizada sobre a mesma, enumerando a origem de muitas problemáticas que se têm vindo a observar e apontando soluções reais.

Segundo dados da Global Forest Watch, Portugal é o 4º país do mundo com maior taxa de desflorestação. Entre 2001 e 2014 perdeu 288.122 hectares de área florestal. Como principais causas desta desflorestação são apontadas as conversões para zonas urbanas, turísticas e industriais, a criação de novas infraestruturas como auto-estradas e barragens e os incêndios florestais premeditados ou acidentais. As consequências essas, são catastróficas. Desde picos de calor cada vez mais intensos e que propiciam os incêndios, a inundações mais frequentes pela incapacidade da terra e das bacias hidrográficas em absorver as águas pluviais.

Os serviços ambientais produzidos pela floresta têm sido alvo de discussão aparecendo neste contexto programas de intervenção pública que visam preservar e definir o tipo de uso – florestal ou alternativo, como agrícola ou de pastagem – capaz de manter a biodiversidade e assegurar o equilíbrio ambiental e socioeconómico. Em Portugal destacamos a Estratégica Nacional das Florestas onde se inserem (i) A Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade 2030 aprovada em maio de 2018 e que procura reduzir a perda da biodiversidade assente em compromissos nacionais e internacionais no âmbito da Agenda 2030 para Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Enquadram-se neste documento a

57

Rede Fundamental de Conservação da Natureza e o Sistema Nacional de Áreas Classificadas onde se integram a Rede Nacional de Áreas Protegidas e, as Zonas Especiais de Conservação (ZEC), as Zonas de Proteção Especial (ZPE) e os Sítios de Importância comunitária (SIC) integrados na Rede Natura 2000. Insere-se ainda (ii) O Programa de Acção Nacional de Combate à Desertificação aprovado em 1999 no âmbito Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e (iii) o Programa Nacional para as Alterações Climáticas.

Articulado com estes programas surgem ainda a Reserva Ecológica Nacional (REN) com o intuito de proteger os recursos naturais, nomeadamente a água e o solo, restringindo os usos, a ocupação e transformação dos solos e, a Reserva Agrícola Nacional (RAN) demarcando solos com especial aptidão para a agricultura. Contudo, são várias as exceções criadas a estes regulamentos e aos Planos Diretores Municipais que colocam em causa a verdadeira pertinência de tais estruturas e planos.

As propostas para recuperar e restaurar os ecossistemas são variadas. Contudo, uma gestão sustentável da floresta requer medidas governamentais de verdadeira aplicabilidade e localmente integradas. Mas não basta. É necessário alterar hábitos de consumo individuais e adquirir responsabilidade social sobre problemáticas que nos afetam a todos e que colocam em perigo as futuras gerações a nível ambiental, social e económico.

vale do Douro

A paisagem duriense é marcada pelos vales ingremes numa paisagem de contrastes e de ocupação do solo diferenciada.

Como já referido, os socalcos marcam quase todo o curso do Douro suportados por muros de pedra xistosa intercalados com espaços para horticultura e fruticultura complementares da paisagem de vinha e que eram fundamentais para o equilíbrio de uma economia de subsistência.

Sendo as vinhas predominantes no Douro Vinhateiro (segundo a distinção realizada nas unidades de paisagem anteriormente expostas) verifica-se que o restante território intercala esta atividade com outro tipo de explorações agrícolas. A distinção é feita pelo clima que a montante é mais seco e propicio à oliveira e a amendoeira e, a jusante mais

58

fresca, pela proteção das Serras – do Marão e de Montemuro – e pela proximidade ao mar.

A ocupação difere também em relação à altimetria sendo que em zonas de maior altitude observamos uma menor densidade populacional o que corresponde a menor edificação e, posteriormente, à predominância de pinhais, matos e pastagens. A meia encosta temos a vinha e no fundo dos vales as hortas e os pomares.

Verifica-se um aumento na dimensão das explorações agrícolas nas zonas a montante sendo os territórios a jusante mais próximos do oceano, essencialmente urbanos – cidade do Porto e de Vila Nova de Gaia, por exemplo. A única exceção no restante território é a cidade de Peso da Régua que apresenta um nível de aglomeração superior.

Ao nível da ocupação e usos do solo, apresenta-se de seguida a cartografia respetiva – COS2015 - que nos permite observar o anteriormente exposto e a diferenciação existente em todo o curso do Douro, estritamente relacionado com a localização, clima e altimetria.

59

resende

No contexto da floresta portuguesa, torna-se pertinente analisar de forma mais detalhada o concelho de Resende, onde se insere o local de projeto.

A informação que se expõe de seguida foi obtida com recurso à Carta de Uso e Ocupação do Solo de Portugal Continental (COS 2015) nível um, nível dois e nível três.

O Relatório do Estado e Ordenamento do Território (REOT) de Resende foi fundamental de forma a situarmos corretamente o concelho percebendo quais as análises pertinentes para uma melhor aproximação e intervenção. Desta forma, ao nível dois e três da carta, centramos a análise ao nível da ocupação agrícola e da ocupação florestal, sendo as áreas que mais se destacam, nomeadamente Áreas Agrícolas e Agroflorestais e as Florestas e Meios Naturais e Seminaturais.

Segundo o REOT, verificou-se em Resende um aumento das áreas urbanas comprovado pelo aumento da área de território artificializado e de infraestruturas que visam corresponder às necessidades da população. Além disso, o abandono crescente da agricultura transforma antigos terrenos agrícolas em terrenos florestais aumentando as áreas florestais do concelho. Embora, como referido, Portugal apresente uma das taxas de desflorestação mais altas do mundo e, neste contexto, o facto de os terrenos florestais aumentarem em Resende ser aparentemente positivo, a falta de gestão dessas áreas comporta consequências que colocam em causa o concelho, aumentando o risco de incêndio e destruindo a biodiversidade, a identidade e a paisagem.

ocupação agrícola

As áreas agrícolas e agroflorestais do concelho de Resende distribuem-se em quatro usos diferentes, sendo eles: Culturas Temporárias, Culturas Permanentes, Pastagens Permanentes e Áreas Agrícolas Heterogéneas. As áreas agrícolas heterogéneas apresentam maior destaque, ocupando mais de metade da área agrícola.

Ao nível três da carta verifica-se que, embora os pomares não ocupem a maior área do concelho ao nível da ocupação agrícola, são de extrema importância na economia municipal, nomeadamente pela produção da cereja, umas das principais fontes

62

económicas de Resende. De facto, analisando as cartas anteriores percebemos que a área relativa a pomares tem vindo a aumentar ao contrário da área de vinha e olival.

As restantes ocupações, por sua vez, apresentam um decréscimo o que se justifica com o abandono da agricultura.

ocupação florestal

A ocupação floresta ocupa mais de metade do território do concelho e divide-se em três categorias: Florestas, Florestas Abertas e Vegetação Arbustiva e Herbácea, Zonas Descobertas e com Pouca Vegetação.

O aumento de algumas áreas relaciona-se estritamente com o abandono da agricultura como é o caso das florestas mistas, da vegetação herbácea natural, do mato, da vegetação esclerofila, da floresta aberta, cortes e novas plantações e, da vegetação esparsa.

A análise dos presentes mapas assim como a sua contextualização relativamente ao mapa anterior permitem-nos compreender a realidade do concelho. O abandono da agricultura é um facto consolidado, contudo, a forma como esta atividade se repercute no território ao nível dos seus usos e ocupações demonstra a pertinência de um correto ordenamento do mesmo, face a uma realidade em constante mutação.

63

instrumentos de gestão territorial

No âmbito da gestão dos espaços agrícolas surge a Reserva Agrícola Nacional, um instrumento de gestão que restringe a utilização não agrícola do solo preservando os solos que apresentem maior aptidão para a atividade agrícola. Segundo o Decreto Lei nº199/2015 de 16 de setembro:

“a Reserva Agrícola Nacional (RAN) constitui um instrumento de disponibilização do solo agrícola para os agricultores e contribui para a fixação da população ativa na agricultura, para a valorização da paisagem, para o melhoramento da estrutura fundiária e para o fomento da agricultura familiar.”

A RAN articula-se com o quadro estratégico e normativo estabelecido no Programa do Desenvolvimento Rural, no Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, na Estratégia Nacional para as Florestas, nos programas setoriais com incidência territorial e nos programas regionais.

No contexto do trabalho aqui apresentado, é de especial relevância o Plano de Ordenamento das Albufeiras da Régua e do Carrapatelo (POARC) - um Plano Especial de Ordenamento do Território (PEOT) – sendo o “instrumento definidor das actividades e acções de ocupação, uso e transformação do solo e de uso do plano de água” (Resolução do Conselho de Ministros n.º 62/2002 de 23 de Março). O Plano Diretor Municipal é assim atualizado na área de intervenção da POARC delimitada na Planta de Ordenamento e na Planta de Condicionantes. O local de projeto é abrangido na totalidade pelo plano, nomeadamente pela REN e RAN delimitadas na planta de condicionantes.

O território abrangido pela POARC possui elevado valor paisagístico que, pela presença das albufeiras possibilita o desenvolvimento do mesmo. Neste contexto torna-se necessário o ordenamento dos planos de água e das zonas envolventes, consideradas zonas de proteção até ao limite de 500m medidos a partir do nível de pleno armazenamento, procurando assim “conciliar a conservação dos valores ambientais e ecológicos, o uso público e o aproveitamento dos recursos através de uma abordagem integrada das potencialidades e das limitações do meio, com vista à

74

definição de um modelo de desenvolvimento sustentável para o território.” (Resolução do Conselho de Ministros n.º 62/2002 de 23 de Março).

Os objetivos do POARC procuram definir as regras de utilização do plano de água e das zonas de proteção valorizando as margens do Douro. A qualidade cénica do Douro deverá assim ser preservada em simbiose com a preservação e conservação ambiental com vista ao desenvolvimento sustentável. Deverão assim ser compatibilizados diversos usos e atividades produtivas, de recreio e de lazer e definidas estratégicas de atuação públicas e privadas que procurem promover a zona abrangida pelas albufeiras.

75

Figura 10. Cerejeiras em flor em Resende, fotografia de António Lucas

Figura 11. Cerejeiras em flor em Resende

80

A PEDRA

Os olhos ficam nesse corpo enorme Que emerge das funduras, Lá no fundo do mundo, E põe os ombros firmes nas alturas. Cimo tão belo como irresistível! Sente-se, ao demandá-lo, O embalo Da esperança ao devorar um impossível. (Pires Cabral, 1999, p.15).

A pedra compreende o início da vida e do cosmos. A terra, corpo rochoso, foi alvo de diversas transformações geológicas e biológicas ao longo dos milénios que tornaram possível a existência de vida.

Além de ser o material constituinte do nosso planeta, a pedra lascada foi o primeiro material a ser trabalhado pelo Homem de forma a criar as ferramentas e armas necessárias à sua sobrevivência. A diversidade, visível nas formas das ferramentas de pedra, fornecem uma perspetiva diacrónica que permite compreender a evolução do Homem e da sociedade. À semelhança da água e da floresta e, além do evidente valor enquanto elemento moldável, adquiriu representatividade mística e simbólica, produzindo testemunhos que, pela grande durabilidade do material, perduram até aos dias atuais e nos permitem enquadrar a história do homem no tempo e no espaço, assim como a sua relação com a natureza.

A litosfera (do grego "lithos", que significa pedra) é a camada da terra constituída por rochas e solo. Possuindo caracter dinâmico sofre a influência de acções internas ou endógenas e externas ou exógenas que resultam, ao longo do tempo, na alteração da superfície terrestre. Entre estas acções temos o movimento das placas tectónicas de origem interna ou, a influência de seres vivos, do clima, da água e do vento, derivada de processos superficiais. A alteração visível, verificada ao longo da história da superfície terreste, reflete assim a influência e relação bilateral entre todos os seres da superfície terrestre, vivos e não vivos. A história geológica reflete a acão que estes

81

seres foram imprimindo ao território ao longo do tempo, sendo também ela um testemunho e uma herança de tempos passados. Além disso, compõe o quadro paisagístico, em constante mutação, constituído ora por montanhas, ora por planícies, planaltos ou depressões.

Inicialmente o Homem molda-se ao território. Encontra abrigo nas cavernas onde, nas suas paredes, se expressa através da pintura e da gravura. A pedra era o suporte onde o Homem representava o quotidiano, os símbolos e os signos da época. Com a sedentarização começa a construir o seu abrigo permanente – a casa – e conjuntos megalíticos simbólicos, ritualísticos, religiosos e fúnebres. Portugal é um dos maiores exemplos desta cultura megalítica, sendo o país da Europa que conserva os monumentos mais antigos, como menires e dólmens. Estando associada a ritos pagãos, reflete a simbologia e mitos associados à pedra, sendo a base do desenvolvimento de lendas e crenças.

Mais tarde, com a aparecimento das primeiras formas de organização social surgem as primeiras cidades e estados onde a pedra marca a identidade e é o elemento principal das construções. Um dos maiores exemplos é a cidade de Petra, na Jordânia esculpida e talhada na pedra.

No Diccionario de los símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrandt (1986) é descrita a simbologia da pedra e os vários mitos associados à mesma.

De realçar a associação da pedra à sedentarização quando usada como elemento de construção, além de instrumento de expressão do divino e símbolo da terra mãe. Desempenha um papel relevante na relação do céu com a terra: o céu de onde caem as pedras e a terra através da qual as erguemos, em variados tipos de construções. Povos antigos associavam o quartzo, por exemplo, a uma pedra celeste com poderes místicos e clarividentes. As pedras eram assim consideradas intermediárias entre os povos e o poder divino, sendo portadores de mensagem e oráculos, frequentemente através da forma como eram talhadas.

É assim evidente que, em toda a história da evolução humana, o uso da pedra está presente, seja como suporte, abrigo ou artefacto. Além disso, a história da pedra é transversal à história da arquitetura e os edifícios icónicos que exprimem testemunhos de tempos passados são maioritariamente de pedra. Desde as pirâmides do Egipto, primeira grande estrutura de pedra, à arquitetura românica, gótica ou renascentista

82

que se manifesta nos castelos, palácios, igrejas e catedrais, símbolos de poder e de identidade de um povo ou nação. Atualmente, com o desenvolvimento de novas formas de construção e de novas máquinas de corte, a pedra é usada maioritariamente como elemento decorativo e ornamental. As suas diferentes texturas e cores permite dotar a arquitetura de uma maior dinâmica e flexibilidade estética sendo a sua capacidade estruturante usada apenas pontualmente.

Relativamente ao território português, este subdivide-se pelo tipo de pedra que o compõe. A norte, predominam os granitos, no Alentejo os mármores e, na zona de Lisboa, Leiria e no Sul, os calcários. Todos eles, representantes de uma identidade que se moldou ao longo da história, visíveis em aldeias típicas portuguesas onde, a construção em pedra é o cartão de visita. As aldeias de xisto são um dos exemplos mais proeminentes e que maior número de iniciativas e interesses tem despertado.

Em termos simbólicos e míticos, a pedra associa-se frequentemente à água. São realizadas analogias entre a fluidez e estaticidade dos dois elementos. A força de um contraste com a aparente tranquilidade do outro que, apesar de tudo, o molda e transforma.

Na poesia de António Cabral, escritor português cuja obra se centra na paisagem e no lugar de Trás-os-Montes e Alto Douro, verifica-se esta analogia entre a pedra - dos aglomerados e das montanhas - e a água - do rio e dos ribeiros.

“[…] Um rio e uma cadeia montanhosa separam a nossa terra do resto de Portugal. E nós somos esse rio, feito de mil rios e riachos, e essa montanha, feita de mil serras e colinas. Basta ter olhos para ver. O rio: a água rumorosa e ágil. A montanha: a pedra estável e grave. A água- aventureira. A pedra – taciturna. Água e pedra. Nós: os andarilhos das sete partidas e os obstinados prisioneiros da gleba.” (Pires Cabral, 2011, p.15).

Segunda Isabel Alves no estudo Vozes Transmontanas na Paisagem: Paisagens de pedra e água na poesia de A. M. Pires Cabral (2013) António Cabral é um poeta da

83

paisagem cuja obra reflete o seu envolvimento com a terra e com a comunidade. Parte da pedra e da água e faz o contraponto com a fragilidade e força do Homem. Como refere, na análise feita à obra do autor, é através destes elementos que o escritor se relaciona e compreende o mundo, deixando um legado que exprime a identidade coletiva e individual de determinado tempo. Diz ainda que “uma leitura atenta dos poemas de Pires Cabral resulta numa redescoberta do(s) sentido(s) do(s) lugar(es)” (Alves, 2013, p.6).

Assim se revê a sua obra e se revê a pedra e a natureza em todos os seus elementos. (Re)ler o Douro é assim (re)descobrir esta simbiose entre os vários componentes da natureza que marcam a paisagem, as comunidades e a memória.

estrutura geológica do solo duriense

Miguel Torga refere o Douro como um poema geológico. Este poema geológico, incluiu-se no Maciço Antigo constituído por rochas sedimentares xisto-graváquicas e, pontualmente, por granitos alcalinos e calco-alcalinos.

As condições geológicas de uma região são importantes pois determinam a qualidade dos solos, nomeadamente os solos agrícolas e as vinhas. Além disso, afetam a topografia de determinada região dotando-a de condições climáticas específicas. Neste sentido, é relevante compreender a estrutura geológica do Douro e, consequentemente, de que forma a paisagem que até nós chega se encontra estritamente relacionada com a mesma.

A análise exposta recorre a Carta Geológica de Portugal incidindo sobre o curso do Douro em território nacional.

Observa-se assim que na zona do local de intervenção o solo é constituído por rochas do tipo granito porfiroide de grão fino a médio sendo o grupo xisto-graváutico o que apresenta maior representativa ao longo do curso, nomeadamente da Região Demarcada do Douro.

84

Figura 12. Ponte da lagariça, fotografia de Rúben Reis

Figura 13. Ponte da Panchorra, fotografia de Vitor Vieira

85

O conhecimento da geologia é de extrema importância e atualmente encontra-se interligado com as preocupações referentes à preservação do património natural, geológico e arqueológico e com o ordenamento do território.

O programa Rede Natura 2000, principal instrumento para a conservação da natureza da União Europeia e cuja finalidade se centra na preservação e conservação das espécies e dos habitats assinala em Portugal 62 Sítios de Importância Comunitária (SIC). No contexto da presente tese torna-se pertinente referir dois: a Serra de Montemuro e a Serra do Marão/Alvão abrangidos pelo programa.

O primeiro, abrange parte do concelho de Resende e possui elevado valor paisagístico, geomorfológico, cultural e natural. Com 1382 metros de altitude é um relevo essencialmente granítico e corresponde à oitava maior elevação de Portugal. A biodiversidade é notável sendo que a fauna e flora se encontram em bom estado de conservação. Ao nível socioeconómico é, contudo, bastante frágil- facto explicado pela suas condições morfológicas associadas a diversidades climáticas - embora se tenha assistido nos últimos tempos a um aumento da valorização do seu património, quer ao nível da sua salvaguarda quer ao nível da fruição através de diversas atividades, no que atualmente se denomina de geoturismo. São ainda visíveis ao longo da Serra vestígios arqueológicos diversos e antigas povoações.

Segundo o artigo de António Vieira, Património Natural da Serra de Montemuro: Factor de potencialização de uma área de montanha, na Serra de Montemuro:

“a variedade, a peculiaridade e excepcionalidade das formas graníticas, presentes a todas as escalas de análise, constituem um excelente fator de valorização da paisagem, impondo-se como elemento patrimonial de valor significativo.” (2006, p.164).

A Serra do Marão, por sua vez, embora se situe na margem direita do rio e não abranja o concelho de Resende, influencia, como já anteriormente exposto, as condições climáticas com interferências ao nível do conjunto paisagístico do local. Geologicamente é composta por manchas graníticas e xistosas.

88

Ambas as Serras, como referido, estão abrangidas pela Rede Natura 2000 como Sítios de Interesse Comunitário sendo que o Marão pertence ainda à Rede Nacional de Áreas Protegidas, como parque natural e em conjunto com o Alvão.

Ao nível do património arqueológico, centramos a análise ao nível concelhio pelos variados vestígios presentes no território, sinalizados no mapa que de seguida se expõe. Desde antigos povoados a recintos megalíticos, são vários os testemunhos que o território exprime dos tempos passados. Em Resende destacam-se as mamoas e as sepulturas sendo que o património arqueológico é maioritariamente do período neocalcolítico, seguido do período medieval cristão.

As figuras 14 e 15 são dois exemplos do património arqueológico em Resende. O primeiro corresponde ao Conjunto Megalítico de Felgueiras, um conjunto de estruturas megalíticas pertencentes ao Neolítico. Situa-se na freguesia de Felgueiras pertencente ao concelho de Resende no lugar do Monte de São Cristóvão. O conjunto é constituído por antas, mamoas e cromeleques em alinhamento, estando classificado pelo IGESPAR (Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico) como Imóvel de Interesse Municipal desde 1997. O segundo, localizado na freguesia de Fregil corresponde ao Penedo de S.João, um enorme bloco granítico situado num ponto de cota alta, conhecida como Miradouro do Penedo de São João, que dispõe de parque de merendas e é bastante atrativo na região.

A pedra – estática - expressa no território o fluxo do tempo. Testemunhos moldados por nós e pela natureza e que simbolizam a relação entre todos os seres que habitam a Terra.

89

Figura 14. O Conjunto Megalítico de Felgueiras, fotografia de Álvaro Matos Almeida

Figura 15. Penedo de São João, fotografia de Márcio Barreto

90

Figura 16. Serra de Montemuro, fotografia de Álvaro Matos Almeida

Figura 17. Vista de Mirão sobre o vale, fotografia de Sofia Caetano

91

Figura 18. Entre Mirão e Aregos, Bilhete postal de 1916

É um rio louco, que abriu caminho em fúria por entre montes gigantes e, obstinado, quis ir ver o mar. E chegou. Cansado, mas chegou, Em toda a jornada lutou sempre com o penhasco e xistos, com fraguedo e granito, dando a cara a tudo aquilo que lhe quis barrar o caminho. E os homens das suas margens aprenderam este sentido de luta. Construíram os seus barcos e ofereceram batalha ao rio enlouquecido e raivoso no torvelinho das suas águas traiçoeiras. […] Vai por uma estrada tortuosa, retorcida e causticada, passando promontórios, fragões, baixéis e areias. Nunca a natureza lutou tanto com a natureza. E é alucinante e maravilhoso para os homens ir nas mãos da morte — e vencer a morte. […] É um caminho de alucinação e de sonho - cansa e conforta Por isso os marinheiros se apaixonam por ele como por uma mulher de mil feitiços. Dão-lhe tudo — o esforço titânico, o suor que é sangue e o sangue que é vida. Oferecem-lhe a vida a sorrir e o rio nada lhes dá em troca. Não é mais do que uma estrada de mendigos cegos que não podem tomar outro rumo. Cegos como o rio, loucos como ele. O Douro, porém, chegou cansado para ver o mar, mas chegou.” (Redol,1979, p.48).

94

RURALIDADE

“A questão não é para o que olhas, mas o que vês”

Henri David Thoreau

Água, floresta, pedra são elementos que constituem o capital natural associados a outros elementos específicos do lugar - culturais, simbólicos e sociais – o capital social (Covas e Covas, 2010). O espaço rural é, por excelência, o espaço onde ocorre a maior parte deste capital natural sendo a referência visual que nos remete para a ideia da paisagem naturalizada que contrasta com a artificialidade das grandes cidades embora, atualmente, se assista a uma degradação dos seus valores e recursos.

Desta forma, o termo rural é normalmente definido por um conjunto de ideias e representações que atualmente não encontram reflexo no território. O despovoamento, o abandono do campo e das técnicas tradicionais de agricultura em detrimento de técnicas industriais, alteraram a paisagem e o modo de vida rural. A nova ordem dominante é baseada numa visão capitalista que substituiu a agricultura tradicional para auto-consumo ou para venda em mercados de proximidade, por uma agricultura intensiva e baseada na monocultura para uma sociedade cada vez mais globalizada. A globalização dos mercados e o crescimento da população comprometem a sustentabilidade dos territórios aos mais diversos níveis assim como o equilíbrio dos ecossistemas.

No caso português, as mudanças do paradigma rural têm-se feito sentido com maior intensidade desde 1960. A perda da importância da agricultura na economia propiciou a desruralização e a migração das populações para o litoral do país, onde a indústria vigorava e permitia às populações outro sustento que não o árduo trabalho agrícola. Enquanto as grandes cidades adquiriam importância e aumentavam a sua riqueza, o interior do país foi abandonado, vendo aumentar o empobrecimento das populações que por ali restavam e a degradação do seu património. As pequenas produções agrícolas e a agricultura de subsistência - que ainda representam mais de metade da produção nacional - são colocadas em causa quando expostas a um mercado globalizado e mecanizado regulado pela Política Agrícola Comum.

95

Mas a ideia do mundo rural intocável e idílico vigorava – e vigora - ainda no imaginário português que, embora “obrigado” a deixar o campo e a terra, exaltava os seus atributos e os atributos de uma população intocada pelos males da civilização. Pobres, humildes e felizes. Uma visão que o Estado Novo foi exímio em perpetuar nas Lições de Salazar, mais propriamente na trilogia: Deus, Família, Pátria.

Com nostalgia foi-se assistindo ao abandono da terra e da mudança de valores, crenças e costumes. Se, por um lado, abraçamos a evolução como a redutora do trabalho árduo e penoso para o Homem do campo, lamentamos a perda de costumes e ofícios que com a devida utilidade na época, chegam até nós como testemunhos de uma relação harmoniosa com o meio e resultado de um trabalho meticuloso e cuidado que a industrialização formatou e universalizou.

Álvaro Domingues é perentório em afirmar que, persiste uma idealização da ruralidade portuguesa e que esta é “uma mitologia potente” (2012) embora de fácil desconstrução quando se observa o território atentamente. A produção agrícola não alcança atualmente três por cento do Produto Interno Bruto Português resultando numa paisagem descaracterizada e desumanizada. Associar assim o termo rural à agricultura é, para o geógrafo, uma associação sem sentido. Agrícola é a economia, a produção, os mercados e rural é a cultura, o imaginário, os hábitos e os estilos de vida (Domingues, 2009).

Da mesma forma, a dicotomia entre o rural e o urbano perde o sentido quando colocada à luz da realidade atual. O espaço rural é cada vez mais espaço produzido que espaço produtor (Covas e Covas, 2010) e é com base neste novo paradigma que devem ser adoptadas as medidas necessárias que combatam a desertificação do território e minimizam as consequências que daí advêm.

Atualmente, embora a atividade agricultura e a floresta delimitem ainda a paisagem dominante do território, o mundo rural é alvo de projecções e representações das mais populares às mais eruditas (Covas e Covas, 2010) e é desta oposição de idealizações e representações que vive o mundo rural. Ora é representado como idílico e local de refúgio, vivendo dos meios de propaganda que acentuam esta característica ora, é percecionado como algo prosaico com o qual existe um relação de reciprocidade, não idealizada nem mítica, mas banal . O campo continua a ser, para quem o habita a fonte

96

de sustento e o local de onde se evade quando não fornece o suficiente para viver segundo, maioritariamente, as normas capitalistas.

Ambas as visões encerram o mundo rural num cenário exterior a si e divergente da urbanidade. São dois termos que não se cruzam e duas vivências distintas que se crê corrompidas quando abordadas segundo os mesmos imperativos.

Esta dicotomia e, a não aceitação da mutação constante da sociedade leva-nos a recriar e encenar vivências ilusórias e, com maior gravidade, a secundarizar e desvalorizar a população residente. São vários os exemplos a serem enumerados dentro e fora do território português. Desde a aldeia de Monsaraz onde o turismo se intensificou, mas a população continuou a decair, às Aldeias de Xisto alvo de diversos programas de desenvolvimento com vista à criação de pequenas empresas direcionadas para o turismo de natureza, desporto e lazer. É importante compreender se tais intervenções são realmente eficazes a longo prazo e se não representam uma fuga a uma realidade que se perpetua e acentua - que consiste na extinção de aldeias pela perda definitiva da sua população. O documentário da espanhola Mercedes de Álvarez O céu gira (2006) retrata esta realidade observada na aldeia de Soria em Espanha. O documentário é rico em subjetividades e abarca a visão de diversos atores. Por um lado, é evidente a visão associada às memórias de infância da realizadora que contrasta com a realidade atual, de uma aldeia quase extinta. Por outro, a visão dos habitantes. Restam apenas quatorze que assistem – pacatamente e resignadamente - às novas e limitadas intervenções da aldeia, nomeadamente a construção do novo hotel onde afirmam que “já não é para nós”.

A cultura popular, baseada nos modos de vida rural perdeu representação com o despovoamento, não possuindo representatividade suficiente para se afirmar, quer em termos políticos, quer sociais, quer económicos - sendo subjugada a regras exteriores e moldada por estas. A cultura erudita olha assim para o campo, julgando compreendê- lo, mas procurando nele aquilo que acredita não encontrar na cidade. Quando não o encontra, recria, sempre com vista a preservar a memória de um passado ideal.

Por outro lado, é necessário compreender que o meio rural é, de facto, rico em recursos cada vez mais escassos, tornando-os territórios com imensas potencialidades. Esse novo olhar, deve distanciar-se do olhar estandardizado que a realidade atual premeia

97

procurando “acelerar a passagem do rural tardio, pobre e remediado para um neorural inteligente e criativo” (Covas, 2018).

Esta transição deverá ser realizada através de práticas sociais e integradas que se imponham ao atual modelo produtivista, isto é: “no compromisso entre processos biofísicos e processos socioeconómicos (Covas e Covas, 2010, p.20).

A esta relação os mesmos autores dão o nome de “ordem multifuncional ou ciclo eco- rural” ilustrando de que forma a mesma poderá ser realizada sobrepondo a mera reestruturação e requalificação para fins turísticos de bucolismo encenado que temos vindo a assistir, articulando o campo com a cidade e resultando em territórios e paisagens multifuncionais.

Este novo olhar requer novos atores ou novas relações entre os atores locais e novas formas de governança, centrando esta multifuncionalidade em relações do tipo: agricultura-ambiente-turismo, conservação-cuidados de saúde-recreação, agricultura convencional-modos de produção biológica, entre outros.

A nova ruralidade é assim uma simbiose ordenada e equilibrada entre recursos naturais, recursos culturais, recursos sociais e recursos económicos.

É baseada nesta transição que a proposta de tese apresentada se insere, procurando responder coerentemente às problemáticas do território sem enclausurar o mesmo numa interpretação do passado e na sua fiel reprodução. Olhar para o meio rural é projetar o futuro da sociedade. Mas esse olhar deve privilegiar uma nova adoção de estratégicas que não se baseiem em modelos políticos e económicos ocasionais que “faz do tempo presente o seu favorito” (Covas e Covas, 2010, p.20).

A questão não é para o que olhamos. Também não é o que vemos. A questão – e a reposta – é o que fazemos.

acessibilidade e mobilidade em meio rural

Um dos aspetos fundamentais para o desenvolvimento dos espaços rurais prende-se com a questão da mobilidade e da acessibilidade que tende a ser reduzida dificultando o intercâmbio de bens, pessoas e serviços. Desde sempre que a implantação das vias de acessibilidade são fundamentais e condicionam a organização do território ditando

98

a localização das atividades económicas e o próprio posicionamento e crescimento demográfico.

O despovoamento do espaço rural acentua a iniquidade do acesso a bens e serviços pelas populações residentes nestes meios, desde as populações mais isoladas àquelas que vivem em aglomerados de pequena dimensão. Além do aumento das desigualdades sociais e da exclusão social – uma vez que tal tem repercussões na igualdade de acesso à educação e ao emprego - observa-se o aumento do movimento pendular com consequências ao nível da qualidade de vida e da conservação do meio ambiente. Contudo, sendo a população do meio rural maioritariamente envelhecida e como tal, de mobilidade reduzida, acentua-se a necessidade de um correto planeamento de transportes coletivos, com as particularidades que um território desta natureza e com características especificas, requer.

Deste modo, repensar a ruralidade passa também por repensar as ligações destes meios com os centros urbanos assim como na mobilidade dentro dos próprios concelhos através de um correto planeamento territorial e planeamento dos transportes.

acessibilidade do douro

Como visto anteriormente, o Douro funcionava como meio privilegiado de ligação entre as diversas cidades ao longo do seu curso. Inicialmente a ligação era realizada com recurso aos barcos rabelos sendo que os caminhos de ligação terrestre eram estreitos, excetuando os que interligavam grandes cidades que, embora de maior dimensão, eram ainda de qualidade reduzida, maioritariamente em terra batida (Pina, 2003).

O rio Douro embora fosse a principal ligação destes meios com a cidade do Porto, possibilitando o intercâmbio de mercadorias e de pessoas, não reduzia o isolamento das populações que viviam em pequenos povoados e que consumiam essencialmente os produtos endógenos numa agricultura de subsistência.

A atividade vinícola, se por um lado limitava a abertura das redes viárias pelo impacto que teria na sua produção, foi a impulsionadora da ampliação de estradas de forma a facilitar a fiscalização dos vinhos pela Companhia pombalina e a ligação com as cidades do Porto e da Régua. Contudo, a ampliação não foi significativa e a precaridade

99

da acessibilidade e da mobilidade manteve-se até ao século XIX, quando se começaram a sentir os primeiros sinais da industrialização que impulsionou a conclusão das redes viárias e a introdução do caminho de ferro nos anos 70.

Estas mudanças, vieram por sua vez impulsionar a construção de pontes de ligação entre as duas margens que até então se realizava com recurso a pequenos barcos.

A construção do caminho de ferro ao longo do Douro foi gradual, tendo iniciado em 1879 até à Rede – onde se ligava a Mesão Frio – e finalizado em 1887 chegando a Barca d’Alva. Posteriormente foram criadas ramificações nomeadamente a linha do Tâmega, do Tua, do Corgo e do Sabor.

Além das condicionantes naturais do território, a implantação do caminho de férreo teve em conta as condicionantes e as repercussões socioeconómicas de tal investimento na região. A repercussão não foi homogénea em toda a região sendo que, se em algumas zonas se observou um crescimento demográfico e económico pela facilidade de escoar o produto, noutras – maioritariamente as que viviam dependentes dos barcos rabelos como meio de subsistência – assistiram a uma diminuição da população e das condições de vida - como Barqueiros (Pina, 2003)

No século XX, contudo, assistimos a um retrocesso na expansão do caminho de férreo com o encerramento de algumas estações dando prioridade ao melhoramento da rede viária. A estação de Barca D’Alva foi a primeira estação a ser encerrada em 1988 após o encerramento do troço entre La Fuente de San Esteban e La Fregeneda em Espanha e que permitia a ligação entre os dois países. O pouco retorno financeiro e o tráfego reduzido entre as estações foram os principais motivos, permanecendo assim até aos dias atuais. A estação portuguesa permaneceu sem qualquer tipo de manutenção enquanto que o troço espanhol foi categorizado como monumento e declarado Bem de Interesse Cultural. Desta forma, a linha do Douro termina atualmente na estação do Pocinho, embora se perspetive a reabertura da estação e a continuação da linha até à fronteira com Espanha.

No início do século XXI, assistiu-se ao encerramento de várias linhas que ligam com a linha do Douro, diminuindo as potencialidades da mesma, a acessibilidade dentro das zonas servidas pelas linhas e as ligações com outras cidades. A , por exemplo, viu-se encerrada pela submersão de todo o seu troço quando se construiu a Barragem do Tua em 2011. Outros se seguiram, embora com o propósito de serem

100

realizadas obras - que nunca aconteceram e que deixaram as linhas inutilizáveis até hoje – como a linha do Tâmega e a .

Atualmente, assistimos a uma maior consciência das potencialidades da linha do Douro, resultando na sua modernização. A eletrificação da linha - que tinha sido realizada até à estação de Caíde e que obrigava os passageiros a efetuar transbordo de forma a prosseguir a viagem - foi concluída no presente ano até Marco de Canaveses no âmbito do plano de investimentos na Rede Ferroviária Nacional – Ferrovia 2020. A modernização da linha comporta benefícios ao nível da segurança e da eficiência permitindo aumentar a coesão social e territorial com influência ao nível socioeconómico dos territórios e da oferta turística que tem assistido a uma maior procura.

A linha do Douro, sendo realizada na grande parte da sua extensão junto à margem do rio Douro, permite contemplar a paisagem duriense sendo assim um grande atrativo e interligando-se com a oferta existente ao nível dos cruzeiros do Douro.

O meio rural beneficia diretamente com o melhoramento do seu curso aumentando a acessibilidade e consequentemente a troca de bens e serviços. Atualmente, a viagem com início no Porto e término na estação da Ermida (estação que interliga com Resende) é realizada em 1h30 minutos, aproximadamente, o que a longo prazo poderá permitir a fixação de uma nova população nesta zona e em zonas de potencialidade semelhante, com a facilidade de ligação rápida com as principais cidades. Além disso, poderá permitir a criação de novos mercados e negócios, tanto pelo aumento do turismo como pela facilidade e rapidez de transporte.

Como referido, a estação da Ermida é o local privilegiado de ligação a Resende, situada a 6 quilómetros do seu centro. De modo a chegarmos ao centro da vila as opções são mais reduzidas, sendo o percurso realizado com veículo pessoal ou através de táxi, atravessando a ponte da Ermida. Embora a viagem não seja demorada, apresenta um custo extra para quem quer visitar o Município, por vezes superior ao preço da viagem de comboio.

A estação anterior é Mirão que funciona atualmente como apeadeiro, fazendo com que apenas os comboios regionais efetuem aqui paragem. Antigamente era realizado o atravessamento até ao cais da outra margem permitindo chegar ao centro da vila mais rapidamente uma vez que a distância entre os dois pontos é apenas de 1 quilómetro.

101

Atualmente não existe serviço que permita esse atravessamento, sendo uma estação pouco utilizada. Contudo, o Programa de Execução do Plano Diretor Municipal de Resende, previa a construção de um cais e de um parque fluvial em Mirão tendo sido até ao momento executada apenas a requalificação do mesmo, através da instalação de uma plataforma flutuante para atracagem de pequenos barcos, aproveitada de um outro local.

No contexto do trabalho importa referir que encontramos no Lugar de Mirão vários alojamentos turísticos, nomeadamente quintas que possibilitam a estadia na zona sem a necessidade do uso de transporte. Neste momento encontra-se em execução um hotel com capacidade para trinta quartos a 600 metros do cais. Desta forma, a requalificação do cais de Mirão como perspetivado e a sua ligação com a estação férrea de Mirão, permitiria revitalizar a zona e facilitar a mobilidade e a acessibilidade à vila, reduzindo custo e tempo de transporte. Funcionaria assim como um atrativo e um meio de ligação entre vários momentos e zonas da vila permitindo que a mesma fosse vivenciada além do seu centro. É neste contexto que o projeto apresentado se começou por delinear, apresentando-se aqui um local com potencialidades para se tornar o núcleo central da revitalização da Aldeia.

De referir ainda que anterior à Estação de Mirão temos a Estação de Aregos que faz a ligação com Aregos e as suas Termas através do atravessamento do rio em barcas. A Estação de Aregos serviu ainda de inspiração a Eça de Queiroz sendo retratada no seu livro A Cidade e as Serras como a estação de Tormes.

“[…] e ambos em pé, às janelas, esperámos com alvoroço a pequenina estação de Tormes, termo ditoso das nossas provações. Ela apareceu enfim, clara e simples, à beira do rio, entre rochas, com os seus vistosos girassóis enchendo um jardinzinho breve, as duas altas figueiras assombreando o pátio, e por trás a serra coberta de velho e denso arvoredo …” (2015, p.155).

102

Em termos de rede viária, Resende é atravessado pela rede rodoviária nacional – definida no Plano Rodoviário Nacional (PRN) - e pela rede municipal. É assim servido pela EN 222 que se estende paralela ao rio Douro e liga os concelhos de Cinfães e Lamego, pela EN 321-2 que liga Resende a Baião atravessando a ponte da Ermida até ao entroncamento com a EN 222.

A rede municipal, como descrita no REOT, é constituída por estradas e caminhos municipais organizando o território em termos viários e de transportes.

Desde 1985 que o concelho demonstra a necessidade de ser criada uma ligação da ponte da Ermida à A4 ou à A24, ligando o concelho a Baião. Contudo, embora sem a existência de um acesso rápido a Viseu ou à Região de Tâmega e Sousa, a construção não foi contemplada no Plano Nacional de Investimentos 2020/2030 o que gerou consternação pela população, uma vez que tal melhoria a acessibilidade do concelho e, consequentemente a sua condição socioeconómica.

103

Figura 19. Vista sobre o rio da Aldeia de Mirão, fotografia da autora

“Mas quando, depois de acariciar os rafeiros no pátio, desembocávamos da alameda de plátanos, e diante de nós se dividiam matutinamente, mais brancos entre o verde matutino, os caminhos coleantes da quinta, toda a sua pressa findava, e penetrava na Natureza com a reverente lentidão de quem penetra num templo. E repetidamente sustentava ser «contrário à Estética, à Filosofia, e à Religião andar depressa através dos campos». De resto, com aquela subtil sensibilidade bucólica que nele se desenvolvera, e incessantemente se afinava, qualquer breve beleza, do ar ou da terra, lhe bastava para um longo encanto. Ditosamente poderia ele entreter toda uma manhã, caminhar por entre um pinheiral, de tronco a tronco, calado, embebido no silêncio, na frescura, no resinoso aroma, empurrando com o pé as agulhas e as pinhas secas. Qualquer água corrente o retinha, enternecido naquela serviçal actividade, que se apressa, cantando, para o torrão que tem sede, e nele se some, e se perde. E recordo ainda quando me reteve meio domingo, depois da missa, no cabeço, junto a um velho curral desmantelado, sob uma grande árvore, - só porque em torno havia quietação, doce aragem, um fino piar de ave na ramaria, um murmúrio de regato entre canas verdes, e por sobre a sebe, ao lado, um perfume, muito fino e muito fresco, de flores escondidas.” (Queiroz, 2015, p. 213).

106

1.2. IDENTIDADE

Olho o outro mas vejo o meu reflexo.

A continuidade daquilo que observo e daquilo que existe, vive apenas em mim, no substrato subtil das minhas memórias que irrompem a cada momento, em cada pessoa, em cada lugar.

Na procura de lhe dar sentido, dou-lhe forma. A forma que é visível e palpável e, sobretudo, aquela que os sentidos procuram resgatar.

107

108

“Existe, dentro da história cronológica, outra história mais densa de substância memorativa no fluxo do tempo. Aparece com clareza nas biografias; tal como nas paisagens, há marcos no espaço onde os valores se adensam.” (Bosi, 2003, p.23).

A paisagem é um dos elementos que constitui a identidade do lugar. Embora, como anteriormente referido, seja uma construção social e se submeta aos processos inerentes à mesma, a sua caracterização é realizada através da decomposição dos elementos matéricos que a compõem. Isto é, embora a sua formação englobe fenómenos imateriais e exista um substrato subjetivo que nos permite olhar para cada um desses componentes interpretando-o de forma pessoal, são elementos alcançáveis pelo olhar. Se um lugar é interpretado pela objetividade dessa massa, a subtileza nem sempre palpável é o elemento que mais contribui para a sua caracterização.

Mas estes fenómenos não se revelam apenas sobre formas de paisagem possíveis de serem caracterizadas e categorizadas. A identidade, nomeadamente a identidade rural que é o foco deste trabalho, abrange outros elementos e conceitos, muitas vezes desvalorizados e subjugados a regras exteriores a si, no âmbito dos vários processos de intervenção - como o arquitetónico.

O presente capítulo, além de abordar os elementos constituintes dessa identidade rural procura enquadrar a formação desses elementos do ponto de vista fenomenológico. Compreender e confrontar diversas teorias na construção primária dessa identidade, permitir-nos-á reconhecer a importância dessa construção nos processos individuais e coletivos e atuar conscientemente no território.

109

PERCEÇÃO, LEMBRANÇA E MEMÓRIA: FICA O QUE SIGNIFICA

“Escutando muitos depoimentos, nós percebemos que os bairros têm não só uma fisionomia como uma biografia. O bairro tem sua infância, juventude, velhice. Esta, como a das árvores, é a quadra mais bela, uma vez que sua memória se constituiu.” (Bosi, 2003, p.73).

Do ponto de vista fenomenológico, a identidade recorre a mecanismos psicológicos, conscientes ou inconscientes para se constituir. Destes mecanismos surge a percepção, a lembrança e a memória numa relação simbiótica entre a mente, o corpo, o tempo, o espaço e a matéria.

O presente subcapítulo baseia-a na obra da psicóloga Ecléa Bosi onde são reunidas e analisadas – além de outras - as contribuições do filósofo Henri Bergson e do sociólogo Maurice Halbwachs que nos elucidam sobre esses processos e sobre o modo como se formam e se perpetuam. A filosofia bergosiana apoia a sua tese no tempo e na memória fazendo o contraponto entre a mente e a matéria – limite da memória. Já Halbwachs centra-se nos fenómenos sociais e culturais subjacentes à memória e à lembrança.

Ecléa Bosi (2003) afirma que o passado não deve ser um lugar de refúgio, mas o ponto a partir do qual se projeta o futuro e se serve a geração posterior. A memória, reencontro desse passado torna-se, segundo Halbwachs, o refazer com o conhecimento atual tais experiências e não apenas o reviver das mesmas: “lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado.” (Bosi, 1979, p.17).

Desta forma, nesta primeira parte centrar-nos-emos nos fenómenos que criam a identidade e moldam culturas, costumes e comunidades de modo a que esses processos nos elucidem sobre formas de intervir que sirvam e respeitem gerações - passadas, presentes e futuras.

110

“O que percebo em mim quando vejo as imagens do presente ou evoco as do passado? Percebo, em todos os casos, que cada imagem formada em mim está mediada pela imagem, sempre presente, do meu corpo” (Bergson, 1896, p.6 apud Bosi, 1979)

O principal ponto de convergência entre a teoria bergosiana e a teoria de Halbwachs centra-se na importância dada aos factores culturais e sociais nos processos cognitivos de percepção e de memória. Halbwachs contrapõe Bergson defendendo que estes processos não são unicamente influenciados pelo espírito e pela intuição, mas que a sociedade e a cultura transmutam essa perceção e nos remetem para representações, signos e símbolos, presentes por assimilação desses quadros sociais.

Para Bergson, a memória pertence ao campo da subjetividade pura e do espírito limitada pela matéria, à qual pertence, por sua vez, a percepção. O esquema perceptivo assemelha-se ao esquema motor da acção mas obtém a sua diferenciação pela ausência de reação do corpo ao estímulo exterior. Assim, quando a imagem permanece no cérebro a percepção tem lugar.

O tempo adquire neste contexto importância pela necessidade de existir um momento presente pois é nesse momento que tanto a acção como a percepção acontecem. Isto é, em ambos os casos, a relação é sempre do corpo com o ambiente e ocorre no momento presente.

Esse momento é, contudo, codificado pelas nossas lembranças que impregnam de símbolos e signos a perceção sendo que a perceção pura mencionada por Bergson é um conceito praticamente inexistente. Assim, quando as lembranças e a memória atuam no momento presente a percepção pura torna-se complexa sendo, segundo Bergson, a única que realmente existe.

Estas memórias, por sua vez, podem rever-se no momento presente segundo memória-hábito ou memória isolada. A primeira permite o nosso enquadramento social através da adoção de hábitos como comer ou aprender uma nova língua, culminando na adoção de costumes e na criação da identidade. A segunda, pertence ao mundo onírico do sonho e da poesia segundo imagem isoladas que não se repetem.

111

A maior contribuição de Bergson à luz do trabalho aqui desenvolvido, pretende-se com a necessidade de analisar os processos de percepção e de memória e compreender de que forma a conservação do passado é realizada segundo os dois conceitos e à luz do momento presente.

Assim, para Bergson a memória é a conservação do passado que chega ao momento presente, quer em forma de lembrança, quer de forma inconsciente pela assimilação de hábitos. Neste contexto a sua teoria distanciou-se da kantiana onde o conhecimento dependia do tempo e do espaço sem a diacronicidade inerente à memória na sucessão de imagens associadas por semelhança.

O contraponto, anteriormente referido, realizado por Halbwachs permite-nos enquadrar estes conceitos – percepção, lembrança e memória - com quadros sociais e institucionais como a família, a classe social, a igreja, entre outros. Desta forma, a memória interliga-se ao passado, mas nunca o repete fielmente pois a sua interpretação é sempre condicionada pelo conjunto de representações e consciência atuais.

A memória não é assim um ato isolado do indivíduo independente do seu contexto, mas interliga-se à memória coletiva da sociedade, na forma de identidade e tradição. A memória não invoca por si só, indistintamente, as experiências vividas, mas este próprio processo de lembrar está já impregnado pelo social.

Neste contexto Ecléa Bosi recorre ao conceito de Convencionalização, utilizado pelo psicólogo britânico Frederic Barlett extraído por sua vez do etnólogo W.H.R.Rivers. Para este, existe um processo pelo qual imagens, signos e hábitos alóctones são interiorizados e absorvidos pela comunidade resultando na criação de novos símbolos e signos. No campo da psicolgia, Barlett afirma que sucede o mesmo através da codificação das memórias e das lembranças no contexto social e cultural onde o indíviduo se insere. À luz deste pensamento Ecléa Bosi defende que “fica o que significa” (1979, p.27) embora modificado e transmutado e, que a memória é “um trabalho sobre o tempo, mas sobre o tempo vivido, conotado pela cultura e pelo indivíduo” (2003, p. 53).

112

É um triunfo da vida que a memória dos velhos se perca para as coisas que não são essenciais.

Gabriel García Márquez in Memória de Minhas Putas Tristes

O trabalho aqui apresentado procura compreender o que “fica” e o que significa quer através da aquisição de hábitos, de lembranças isoladas ou de influências culturais e sociais e, que se exprimem e imprimem no lugar e na comunidade.

Ecléa Bosi defende que o único modo de compreendermos qual o tipo de memória subjacente a uma história ou fato é pelo olhar do outro, pela sua narração e pela sua memória. Usa a expressão reflexão em outrem que Merleau-Ponty analisa na Fenomenologia da Perceção e onde defende que o sentido do que dizemos e fazemos nos é dado pelo outro. É na atenção ao outro, ao detalhe e ao intangível que Ecléa, citando Simone Weil, sugere que “agucemos nossas faculdades para entregar-nos através do olhar e da escuta ao que é secreto, silencioso, quase invisível” (Bosi, 2003, p. 211).

Esta atenção ao intangível e subtil permitir-nos-á compreender a identidade local e os fenómenos criadores e influenciadores dessa identidade, não subjugando a regras exteriores as comunidades e compreendendo os limites da ubiquidade.

Enquadramento social de Resende

Na procura de compreender esta identidade local através do olhar atento sobre o outro é necessário perceber o contexto em que estes fenómenos se desenrolam e de que forma influenciam o que por nós é observado. Isto é, o reflexo em outrem requer sempre um estudo prévio do contexto local ao nível social que afeta a dinâmica do grupo influenciando consequentemente a percepção, a lembrança e a memória individual e coletiva. Posicionamos-mos assim de acordo com a teoria de Halbwachs defendendo que, na construção da lembrança e da memória o social e institucional são factores marcantes e delineadores.

A análise de seguida exposta foi realizada com base no programa da Rede Social, organismo que pretende promover o desenvolvimento social local através da construção de redes de apoio e parcerias entre várias entidades. Foi criado através da

113

Resolução do Conselho de Ministros nº 197/97 de 18 de Novembro, delegando a cada autarquia a criação de uma Rede Social que possibilitasse a cooperação entre várias entidades públicas e privadas com o objetivo de reduzir problemas sociais identificados em cada território.

Em Resende, a Rede Social materializou-se com a criação do Conselho Local de Ação Social (CLAS) formado por entidades públicas e privadas e, do Núcleo Executivo, composto especificamente pelo Agrupamento Vertical de Escolas de Resende, pela Câmara Municipal de Resende, pela Casa do Povo de Resende, pelo Centro Distrital de Segurança Social de Viseu e pela Representante das Juntas de Freguesia.

A Rede Social propõe assim identificar as problemáticas concelhias através de diagnósticos sociais, promovendo o planeamento participado e a coordenação entre as várias entidades. O objetivo consiste em minimizar os problemas diagnosticados, através da formação dos agentes envolvidos nos processos de desenvolvimento local, potenciando a comunicação e intercâmbio entre concelhos e criando equipamentos e serviços que melhorem a realidade concelhia.

Neste âmbito surge o Plano de Desenvolvimento Social 2016-2020 (PDS) realizado com base no Diagnóstico Social de 2013 onde se efetua uma descrição social do concelho partindo da informação fornecida pelos agentes locais e pelos Censos de 2011 e, sucedendo-se a enumeração e hierarquização das problemáticas através da análise SWOT (Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças). O PDS é assim um instrumento de planeamento social que enumera as etapas e estratégias a serem desenvolvidas de modo a serem alcançados os objetivos propostos. O plano foi realizado em 2015 e revisto em 2017, comprovando que o documento se mantém atualizado, embora se registe um aumento da pobreza do concelho derivada da crescente emigração, do envelhecimento da população e da falta de investimento local. Simultaneamente assinala a melhoria das condições educativas, a diminuição do abandono escolar e maior igualdade no acesso à educação. As intervenções identificadas como prioritárias no documento mantém-se e, embora tenham sido realizadas algumas ações e atividades, denota-se ainda o seu caracter pontual e sem grande repercussão no território. As problemáticas de intervenção prioritário registadas foram: (I) O envelhecimento e o decréscimo da população; (II) O desemprego e suas consequências; (III) O alcoolismo e o consumo de substâncias ilícitas; (IV) Falta de competências parentais. A metodologia assenta as ações prioritárias nas áreas do

114

Capital Humano, da Promoção do Emprego e do Desenvolvimento do Capital Inclusivo. Para a elaboração do trabalho apresentado foram considerados os dois pontos iniciais uma vez que o desenho arquitetónico pode interferir diretamente nos mesmos, seja através do planeamento territorial de forma a minimizar o isolamento da população envelhecida e aumentando a acessibilidade ao território, seja através da criação de equipamento que suprima as necessidades da população e propicie o desenvolvimento social e económico da região.

O PDS municipal integra-se com o Plano de Desenvolvimento Social Supramunicipal 2020 e com o Plano Estratégico de Desenvolvimento Intermunicipal do Tâmega e Sousa onde são descritas as ações para os onze concelhos pertencentes à sub-região e que influenciam a elaboração dos PDS municipais, englobando assim o PDS de Resende a saúde mental, a população em risco/situação de pobreza e a violência doméstica.

Além destes planos, o desenvolvimento do território com vista a uma maior coesão e inclusão social, articula-se com planos nacionais e regionais procurando responder aos seus objetivos a nível local, destacando o Plano Nacional da Política do Ordenamento do Território, a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável, o Quadro de Referência Estratégica Nacional e o Programa Operacional do Norte.

A elaboração dos planos, nomeadamente o PDS, representa uma mudança significativa na gestão territorial e na consciência da participação das comunidades nestes processos, embora aqui tal se verifique através das organizações e entidades que as representam. A própria metodologia de análise privilegiou o contato com os agentes locais através de questionários e inquéritos o que possibilitou a reunião de diversas interpretações da realidade do concelho além dos dados estatísticos e da análise documental. Este facto demonstra a crescente consciencialização para a necessidade de serem ouvidas as populações locais em todas as fases dos processos de desenvolvimento, privilegiando uma gestão horizontal em detrimento da gestão vertical que até então se tem observado. Neste contexto Maria Manuela da Silva afirma no artigo Fases de um processo de desenvolvimento comunitário que:

“As técnicas clássicas de desenvolvimento não se mostraram eficientes para promover o crescimento de certas zonas, conhecidas por isso pela designação de

115

«regiões-problema”. A técnica de desenvolvimento comunitário, apresentando a vantagem de aproveitar dados da Economia e da Psicologia, procura vir ao encontro dessa dificuldade e baseia-se fundamentalmente na adesão das populações e sua participação efetiva em todas as fases do processo de desenvolvimento.” (1963, p.538).

Pretende-se assim realçar a necessidade de envolver a população em todos os processos de desenvolvimento, desde a análise do seu contexto até à elaboração da intervenção. O projeto final procura ser desenvolvido com base nesse pressuposto não se focando, porém, na análise e descrição destes processos e metodologias.

O PDS é monitorizado anualmente permitindo avaliar as intervenções realizadas e o que pode ser melhorado, integrando tal avaliação no PDS intermunicipal. A monitorização torna-se essencial de modo a que sejam cumpridos os objetivos pelos agentes sociais envolvidos e, possibilitando redirecionar ações e intervenções com vista a um melhor resultado.

É assim com base no Diagnostico Social que procedemos ao enquadramento do concelho de Resende procurando caracterizar a população residente através de diversos parâmetros – analisando apenas os de interesse no contexto da tese apresentada - baseados nos Censos de 2011, sendo eles: (i) demografia; (II) a educação e formação; (III) a habitação; (IV) a acção social; (V) o associativismo, a cultura e o lazer; (VI) o desemprego.

Demografia

Em termos de densidade populacional, Resende tem vindo a perder a sua população, o que se enquadra na realidade do país referente aos meios rurais. Além disso, o distanciamento em relação à capital do distrito e as reduzidas condições de acessibilidade, isolam o território. Observa-se ainda que a População Residente é superior à População Presente, o que pode ser explicado pelas atividades profissionais que exigem deslocações pendulares. Resende apresenta ainda o Índice de Envelhecimento e Índice de Dependência mais elevado dos concelhos do Tâmega

116

sendo que o envelhecimento da população torna este grupo num objetivo prioritário das políticas sociais municipais.

Observou-se também a diminuição do número de família sendo que as famílias monoparentais representam cerca de 11% dos núcleos familiares do concelho o que se justifica também pelo envelhecimento da população e pelos casos de viuvez.

Educação e formação

Resende era, segundo os Censos de 2011 o concelho que observava a segunda taxa de abandono escolar mais alta do país. Isto, aliado ao número elevado de analfabetismo, tornou a educação um dos principais pontos de intervenção. Este valor está intrinsecamente relacionado com o envelhecimento da população sendo que se verifica uma correlação entre população idosa e população sem qualquer grau de instrução. Resende é a freguesia do concelho que apresenta o maior número de indivíduos escolarizados.

Habitação

Embora 31% dos edifícios tenham sido construídos nos últimos 10 anos (anteriores ao Censo de 2011) verifica-se que em Resende o parque habitacional é antigo sendo que 18,5% dos edifícios foram construídos antes de 1945. O problema da habitação em Resende prende-se assim com a degradação das habitações. A habitação não foi priorizada no Plano de Desenvolvimento Social embora saliente que se deve ter conta as consequências que a precaridade habitacional apresenta na vida das populações.

Acção social

A acção social apresentou aumento significativo no apoio prestado em Resende derivado das novas dinâmicas familiares e da necessidade de apoio extra nomeadamente junto dos idosos e das crianças, além do aumento do desemprego e das desigualdades sociais. Resende tem quatro Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS): Santa Casa da Misericórdia de Resende, Casa do Povo

117

de Resende, Irmandade S. Francisco Xavier (São Martinho de Mouros) e Associação de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente.

Associativismo Cultura e Lazer

Resende é um concelho bastante dinâmico no que concerne ao associativismo estando presente no território várias associações desportivas, culturais, recreativas e de intervenção social.

Em 2012 o concelho tinha 47 associações estando 21 delas sediadas na freguesia de Resende. 18 desenvolvem ações em áreas variadas, 8 são associações culturais, 10 desenvolvem atividades desportivas, 5 atividades recreativas, 4 são associações de pais e 3 associações de estudantes.

A dinâmica exercida pelas associações exigia um maior número de equipamento de apoio às atividades o que foi conseguido ao longo dos anos nomeadamente ao nível dos equipamentos desportivos. Assim, em 2012, existiam no concelho 5 pavilhões gimnodesportivos, 4 piscinas públicas, 1 estádio municipal de futebol e alguns campos de futebol nas .

Os equipamentos culturais assistiram também a um aumento significativo sendo que em 2003 existia apenas a biblioteca municipal e o auditório com capacidade para 120 pessoas. Atualmente o concelho dispõe de Museu Municipal, Centro Cultural de S. Cipriano, Auditório Municipal, Academia de Música de Resende, Pavilhão Multiusos de Caldas de Aregos, dois postos de turismo, um situado em Resende e outro na Calda de Aregos, Centro Cívico, em S. Martinho de Mouros, Biblioteca Municipal e cinco bibliotecas escolares.

Além disso foram requalificados: a Marina e a piscina de Caldas de Aregos (com nova requalificação proposta para 2020), o Parque Fluvial de Porto de Rei, a Ponte da Lagariça com aproveitamento aquático do ribeiro e parque de merendas e o Parque Urbano, no centro da Vila de Resende.

Existem ainda vários tipos de atividades como festas populares, peças de teatro, palestras, cursos, ateliers, exposições, festivais e sessões de cinema.

118

O aumento o nível da oferta de bens e serviços que se tem vindo a observar melhora a qualidade de vida das populações e diminui os deslocamentos aos centros urbanos mais próximos.

Desemprego

O desemprego tende a seguir a norma do país embora Portugal atravessasse na altura dos Censos uma grave crise económica com repercussões diretas no desemprego.

Existe um maior número de desempregados nas idades compreendidas entre os 35 e os 54 o que contraria a média nacional onde o desemprego se situa entre os jovens até 25 o que se pode justificar pela escassa população jovem a viver no local.

O sector terciário é o que emprega mais população (54,36%) em comparação com 25,59% do setor secundário e 20,05% do setor primário. De destacar a produção da cereja e o aumento do turismo enquanto atividade com retorno económico significativo no concelho.

119

FONTE: INE, Censos 2011; CMR, 2019.

Figura 20. Postal de um desenho do Artista Plástico Eiliv Hammer, retratando a Rua da Aldeia, da Vila de Resende, em 1989

Preciso ser um outro para ser eu mesmo Sou grão de rocha Sou o vento que a desgasta Sou pólen sem insecto Sou areia sustentando o sexo das árvores Existo onde me desconheço aguardando pelo meu passado ansiando a esperança do futuro No mundo que combato morro no mundo por que luto nasço Mia Couto in Raiz de Orvalho e Outros Poemas

121

LOCALISMO E LIMITES DA UBIQUIDADE

Nem sempre sou igual no que digo e escrevo. Mudo, mas não mudo muito. A cor das flores não é a mesma ao sol De que quando uma nuvem passa Ou quando entra a noite E as flores são cor da sombra. Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores. Por isso quando pareço não concordar comigo, Reparem bem para mim: Se estava virado para a direita, Voltei-me agora para a esquerda, Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés — O mesmo sempre, graças ao céu e à terra E aos meus olhos e ouvidos atentos E à minha clara simplicidade de alma ... Alberto Caeiro in O Guardador de Rebanhos - Poema XXIX

Se a nossa perceção resulta da associação de experiências e memórias que se refletem e são refletidas no momento presente, qual o risco subjacente à imposição de costumes e modos de vida exteriores a uma determinada comunidade e que não fazem parte da memória individual e coletiva? Ainda, não cairemos nós em encenações quando enclausuramos comunidades em vivências que já não lhes assentam e dos quais a sua memória apenas se alimenta e reproduz como propaganda de uma vida idílica quando, a vida social evoluiu e os fatos conservados adquiriram outros significados diferenciados daqueles que foram experienciados?

As respostas à questão anterior são variadas e, se certas teorias e intervenções assentam na necessidade de se preservar essa memória coletiva - como é exemplo as vinhas em frança onde o conhecimento local se tornou propriedade intelectual (Ray, 1998) - outras, por seu turno, acreditam que muitas dessas tentativas se limitam a encenações e simulacros, das quais o mundo rural é, atualmente, o exemplo mais

122

latente. Álvaro Domingues, dando o exemplo das intervenções para turismo rural, afirma que estas correspondem a um “enviesamento das vivências e dos laços que se estabelecem com esse mundo rural reduzido a cenografias mais ou menos verosímeis, a retalhos pitorescos, a simulacros, a lareiras crepitantes ou a desfolhadas festivas.” (2003, p. 5).

Tendo sido referido anteriormente o processo pelo qual se constrói a memória individual e coletiva, propõe-se agora a reflexão sobre a forma como essa memória se perpetua no território sob a forma de identidade e quais os conceitos e conceções a si inerentes. Neste contexto, surgem conceitos como património – cultural, natural e histórico - identidade cultural e cultura económica, de seguida expostos.

Para Françoise Choay, historiadora e professora de urbanismo, o conceito de património estava relacionado com as estruturas familiares, económicas e jurídicas de uma sociedade estável e enraizada no tempo e no espaço (2001, p.11) que foi sofrendo alterações interligando-se a outros conceitos como cultural, natural e histórico. Embora no livro Alegoria do Património analise o conceito de património associado ao de monumento/edifício, sendo este “tudo o que for edificado por uma comunidade de indivíduos para rememorar, ou fazer que outras gerações de pessoas rememorem acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crença” (2001, p.18) constatamos que tal definição pode ser extensível ao território e ao lugar, independentemente do património construído.

De facto, a definição dada por Françoise Choay ao conceito de monumento comprova esta afirmação, relacionando diretamente a sua relevância com o acto de lembrar e consequentemente de “tocar pela emoção, uma memória viva” (2001, p.18). Choay afirma:

“A especificidade do monumento deve-se precisamente ao seu modo de atuação sobre a memória. Não apenas ele a trabalha e a mobiliza pela mediação da afetividade, de forma que lembre o passado fazendo-o vibrar como se fosse presente. Mas esse passado invocado, convocado, de certa forma encantado, não é um passado qualquer: ele é localizado e selecionado para fins vitais, na medida em que pode, de forma direta, contribuir para manter e preservar a

123

identidade de uma comunidade étnica ou religiosa, nacional, tribal ou familiar” (2001, p.18).

Património e momento interligam-se assim ao sentimento de perda de uma identidade, na tentativa de minimizar a perda e (re)valorizar a identidade.

Na extensão do conceito de património e monumento à construção imaterial e subjetiva do lugar, o urbanista francês Michael Corajoud (Domingues, 2013) defende a ideia de que o campo se poderá tornar o monumento da cidade, absorvendo o “poder evocativo e identitário do conceito” (Domingues, 2013, p.114).

António Rosa Mendes historiador e professor da universidade do Algarve afirma que “na sociedade, as funções da memória no indivíduo são desempenhadas pelo património cultural” (2012, p.17) e que, este património funciona como “núcleo da identidade coletiva e não só possibilita que nos reconheçamos, mas também que sejamos reconhecidos” (idem) demarcando lugares e regiões e possibilitando assim a sua valorização no contexto atual onde a ubiquidade avança como a regra.

No seu livro O que é património cultural, António Rosa Mendes apresenta-nos o exemplo do escritor José Cardoso Pires, que devido a um acidente perdeu a memória. O escritor – mais tarde recuperado – refere este episódio como a perda não só do passado, mas sobretudo do presente. A perda das significações e dos afetos, que o tempo exprime não pela sua passagem mensurável, mas pelos sentimentos que as datam e exaltam.

Percebemos neste exemplo os limites da ubiquidade extensíveis à identidade coletiva. O ser tudo e o mesmo em todo o lado e o risco da globalização como fenómeno que iguala e elimina lugares, comportamentos, vontades e saberes.

Estas problemáticas levam-nos a questionar novamente a dicotomia rural-urbano, como realizado no capítulo anterior. Desde a completa urbanização teorizada pelo filósofo e sociólogo Henri Lefebvre (1971) ao renascimento rural colocado em hipótese pelo geografo e sociólogo Bernard Kayser (1972) a atualidade, face à crescente globalização requer um caminho intermédio por meio do nascimento de uma nova ruralidade. Uma resposta que procure nos recursos endógenos - naturais e humanos – a base do seu desenvolvimento. É neste sentido que muitas intervenções têm

124

apontado o caminho, na revalorização do capital humano e social e na manutenção da identidade local adaptada ao contexto e ao conhecimento atual.

No trabalho aqui apresentado não procuramos definir o termo identidade do ponto de vista semântico, sendo que tal reflexão se desdobraria em novas teorizações quanto ao seu surgimento e à pertinência do uso do mesmo. De facto, atualmente tal conceito pode ser usado como meio de propaganda política que, embora possa valorizar e desenvolver o território, desvirtua o lugar e a comunidade e, consequentemente, o termo.

Teorias apontam no sentido de serem valorizados os recursos endógenos que constituem o património do lugar e o ponto comum de memória e identidade. Contudo, embora com base no localismo, o globalismo assume relevância no contexto da cultura económica que tem base nessa cultura cultural (Ray, 1998). No âmbito da discussão sobre o futuro da paisagem, Álvaro Domingues afirma que, apesar de ser criada regulamentação no sentido de a defender e preservar - no contexto da reflexão aqui apresentada, extensível ao património cultural e histórico – tal não será suficiente “se a economia e a população que a habitam não encontrarem aí modos de vida economicamente viáveis, e aqui parece residir o fundamental da questão.” (2013 p. 4).

Assim, falar atualmente de localismo e de ubiquidade é incorporar não só a subjetividade da identidade e a valorização que tal poderá imprimir no território em termos de representação do “eu-individual” e do “eu-coletivo”, mas, também do que poderá resultar dessa valorização em termos económicos e de desenvolvimento local. Assiste-se assim a uma valorização dos recursos endógenos com a consciência da importância dos recursos exógenos na medida em que tanto o local como o visitante/turista desempenham um papel preponderante no desenvolvimento, funcionando em rede (Ray, 1998). A autenticidade da identidade pode neste âmbito servir o visitante com uma experiência real, ilusória e fabricada ou ainda, o intermédio das duas. Para o habitante, porém, a autenticidade espelha o seu modo de vida não comprometendo as necessidades locais em detrimento das globais, mas apoiando a sua economia e desenvolvimento nas mesmas.

O desenho arquitetónico é perentório na assimilação destes valores culturais e simbólicos devendo incorporar os mesmos e permitir que a identidade individual e

125

coletiva se perpetue, solidifique e/ou renasça. Num continuum de permanências e mudanças que se conectam e exaltam.

“Quando observamos os sistemas naturais à nossa volta, vemos refletidos neles outros padrões, lembranças de outras verdades; e a capacidade de ver isso é uma das faculdades que precisamos treinar como designers. A nossa criatividade depende do desenvolvimento dessa faculdade de perceber padrões e usá-los em diversas situações” (Bang, 2005, p.53).

património cultural de Resende

Resende é um concelho rico relativamente ao património natural e cultural. Nos capítulos anteriores abordámos o património natural decompondo-o em três elementos: na água, na pedra e na floresta. No território revê-se assim pela presença do rio Douro, das encostas ingremes trabalhadas ao longo dos anos pelo Homem e nos vestígios arqueológicos que foi deixando em estreita conexão e relação com a natureza.

Esse património natural dota o território de imensas potencialidades e de recursos endógenos nomeadamente na produção da cereja que em Resende é de grande importância. A valorização destes recursos e a sua consciente gestão permitirá desenvolver o território melhorando a qualidade de vida da população residente.

Aliada a esse património temos o património cultural que em Resende se espalha pelo território e que permite que a identidade coletiva e individual se solidifique através desses espaços de memória. Aliados aos equipamentos culturais, identificamos também os equipamentos turísticos que incentivam o desenvolvimento da região e reforçam as potencialidades do território entre eles, miradouros, parques fluviais e parques urbanos.

A consciência da necessidade de preservar o património no sentido de dinamizar o concelho teve sentidas repercussões em Resende onde se registou um aumento considerável do investimento.

126

Rotas turísticas

A consciência de se valorizar os recursos do território revela-se também na criação de rotas turísticas com o intuito de fornecer ao visitante uma perspetiva do lugar demonstrando a riqueza do território.

Em Resende destacam-se: (I) O circuito das paisagens serranas que engloba a aldeia de Granja de Ovadas, a aldeia de Panchorra, a aldeia de Panchorrinha e o Monte de São Cristóvão; (II) O circuito da água que engloba Porto de Rei, as Caldas de Aregos, a Ponte da Lagariça e a Ponte da Panchorra; (III) O Circuito queirosiano que engloba a Igreja/ Mosteiro da Santa Maria de Cárquere, o Penedo de São João, a Casa da Torre da Lagariça, e o Feirão; (IV) O circuito religioso que engloba a Igreja de Barrô, a Igreja de S. Martinho de Mouros, a Imagem de Senhora Cárquere, e a Capela de Aregos; (V) O circuito urbano que engloba o Museu Municipal, o Jardim 25 de Abril, o Centro Cultural de Resende, e o Memorial à Cereja.

Analisando as rotas compreendermos que tanto o património cultural como o património natural se revestem de extrema importância na promoção e desenvolvimento do concelho. O rio Douro, a Serra de Montemuro, as cerejeiras em flor, o artesanato, as atividades de lazer e a gastronomia local representam os principais recursos de Resende que, só um território com as suas características pode proporcionar.

127

Figura 21. A arte dos socos pelo Sr. Tomazinho de Figura 22. A arte dos chapéus de palha pelo Sr. Pimeirol Manuel Dias

Figura 23.. Cultura e preparação do linho, S. Cipriano, 1954

130

NOSTALGIA DA IDENTIDADE

A presente reflexão pretende abordar e analisar os processos pelos quais se recriam e encenam lugares de memória idealizados pela nostalgia da identidade e, sobretudo, compreender o processo que conduziu ao sentimento de comiseração sobre esse passado. Esse sentimento, embora possa ser transversal a toda a história do Homem, tem o expoente máximo nos tempos modernos, nomeadamente a partir da era industrial onde a globalização, o capitalismo e o individualismo são dominantes.

A memória, associada segundo Halbwachs, ao social e ao coletivo é alvo de evoluções e adaptações sendo, ao longo da história interligada a outros conceitos que a moldam, aprisionam e catalisam. É neste contexto que se introduz as reflexões de Pierre Nora, historiador francês, que têm como base o estudo da história e da memória - termos distintos, mas que funcionavam inicialmente em estreita correlação.

Pierre Nora (1993) afirma que a interligação entre os dois termos desapareceu pelo mutismo inerente ao nosso tempo que quebrou a tradição, existente pela repetição quotidiana de hábitos ancestrais enraizados na história. Contextualizamos a sua obra entre os anos 80 e 90, mas verificamos que tais noções se refletem ainda nos dias atuais. Neste sentido Pierre Nora afirma que se assiste ao fim das sociedades-memória encarregues de transmitir e conservar os valores da igreja, da escola, da família e do Estado. Ou seja, o que anteriormente referimos, citando Francoise Choay, como sociedades enraizadas no tempo e no espaço.

“Fim das sociedades-memória como todas aquelas que asseguravam a transmissão dos valores, igreja ou escola, família ou estado. Fim das ideologias-memória, como todas aquelas que asseguravam a passagem regular do passado para o futuro, ou indicavam o que se deveria reter do passado para preparar o futuro; quer se trate da reação, do progresso ou mesmo da revolução […] Entre uma memória

131

integrada, ditatorial e inconsciente de si mesma, organizadora e toda-poderosa, espontaneamente atualizadora, uma memória sem passado que reconduz eternamente a herança, conduzindo o antigamente dos ancestrais ao tempo indiferenciado dos heróis, das origens e do mito- e a nossa, que só é história, vestígio e trilha.” (Nora, 1993, p.8).

O mundo rural é um exemplo claro desta mudança de paradigma, visível tanto na extinção de hábitos e crenças como nos anseios nostálgicos dos quais é alvo. Objetificado, espelha simultaneamente a identidade que se perdeu e a tentativa de revisitar um passado que não existe, que é impossível de ser revivido, mas passível de ser reinterpretado. A preterição dos sistemas tradicionais sentiu-se particularmente no mundo rural e colocou a memória no centro da investigação filosófica, nomeadamente a memória privada e uma nova identidade - a individual.

“Quando a memória não está mais em todo o lugar, ela não estaria em lugar nenhum se uma consciência individual, numa decisão solitária, não decidisse dela se encarregar. Menos a memória é vivida coletivamente, mais ela tem necessidade de homens particulares que fazem de si mesmos homens-memória.” (Nora, 1993, p.18).

Nesta transição, a memória perde o papel enquanto transmissora de herança dando lugar à história. A primeira é subjetiva, coletiva e expressa-se no momento presente, a segunda, é uma representação do passado através da sua análise crítica (Nora, 1993). Bergson (1999) refere a memória-hábito como aquela que, através da repetição nos permite a aprendizagem e o enquadramento social. Quando essa memória-hábito deixa de se reproduzir enquanto catalisadora da identidade coletiva, assistimos a uma

132

representação encenada, individual e subjetiva. Para o mesmo autor, a memória é subjetiva e intuitiva e, Pierre Nora corrobora a teoria afirmando que quando existe distanciamento e medição, a memória passa a ser história.

Da história-memória passamos assim à história da história, onde a memória se desidentifica com a história, não tendo continuidade no presente e obrigando os grupos a redefinirem a sua identidade. Atualmente, procuramos compreender a tradição através dos objetos materiais e imateriais que a constituem, devendo ser realizado não como recriação do passado, mas como projeção do futuro com base numa história reconstituída.

Como afirma Ecléa Bosi “uma história de vida não é feita para ser arquivada ou guardada numa gaveta como coisa, mas existe para transformar a cidade onde ela floresceu” (2003, p.69).

A mesma autora refere com veemência a necessidade de se analisar a história oficial pois essa pode não corresponder à verdade, da mesma forma que a narração dos factos pode ser impregnada pela nostalgia. Assim, a reprodução de uma memória através da história requer uma contextualização coerente e uma adaptação ao momento presente.

“Nunca se desejou de maneira tão sensual o peso da terra sobre as botas, a mão do Diabo do ano mil, e o fedor das cidades do século XVIII. Mas a alucinação artificial do passado só é precisamente concebível num regime de descontinuidade” (Nora, 1993, p.19).

Se tal não for realizado, privilegiamos a encenação e o simulacro numa incompreensão do presente e num aprisionamento do futuro. O que se procura, como já mencionado é reinterpretar esse passado e criar pontos de ancoragem para o futuro.

133

“Daí o aspeto nostálgico desses empreendimentos de piedade, patéticos e glaciais. São os ritos de uma sociedade sem ritual; sacralizações passageiras numa sociedade que dessacraliza; fidelidades particulares de uma sociedade que aplaina os particularismos; diferenciações efetivas numa sociedade que nivela por princípio; sinais de reconhecimento e pertencimento de grupo numa sociedade que só tende a reconhecer indivíduos iguais e idênticos.” (Nora, 1993, p.13).

A nostalgia da identidade está assim enquadrada num sentimento de abandono e perda, que deve ser interpretado e contextualizado. Embora em certos casos essa mudança de paradigma possa ter ocorrido por imposições externas derivadas da pressão do mundo globalizado e capitalista, a mudança representa simultaneamente a consciencialização da sociedade perante o seu próprio poder libertando-se assim de normas castradoras vindas de classes hegemónicas. Como afirma Pierre Nora, o distanciamento entre a “memória verdadeira, social e intocada e a história que é o que as nossas sociedades condenadas ao esquecimento fazem do passado”, aumentou quando nos apercebemos do “poder e dever da mudança” (1993, p.8).

A nostalgia da identidade é assim, o resultado aparentemente positivo de uma sociedade que se empodera e deixa de estar dependente do conceito de Nação e, simultaneamente, a perda de uma identidade adquirida por herança e repetição que demarca lugares, regiões e comunidades.

Segundo Bergson (1999) a percepção resulta da não reacção a um estímulo exterior. Desta forma, se a memória-hábito ou história-memória deixa de responder ao estímulo e se traduz numa não-acção, será a percepção – do que foi mas já não existe – o motor da criação e recriação dos lugares de memória? Surge assim a necessidade de marcar lugares – materiais e imateriais – porque a nossa memória não encontra continuidade nos gestos e nos modos de vida quotidianos. A identidade torna-se “não mais uma génese, mas o deciframento do que somos à luz do que não somos mais” (Nora, 1993, p.20).

134

“Há locais de memória pois não há mais meios de memória.” (Nora,1993, p.7).

Nostalgia, património e turismo

O turismo em espaço rural encontra-se atualmente numa encruzilhada na medida em que se centra maioritariamente na nostalgia de um passado perdido, com as consequências já anteriormente referidas e que enclausuram o território em vivências que já não lhe assentam. Contudo, a crescente valorização dos meios rurais e do seu património permitem dispersar a oferta turística com melhorias significativas na qualidade das populações, através da revitalização destes meios e da criação de emprego que melhoram por sua vez a economia local.

Os conceitos de turismo e património estão atualmente interrelacionados sendo que a valorização de um aumenta a procura turística e, posteriormente a sua oferta. Contudo, os desafios inerentes a tal reciprocidade são muitos e contrariam muitas vezes o objetivo inicial - de promoção e desenvolvimento dos territórios. O turismo desenraizado comporta consequências ao nível ambiental, social e económico, agravando a realidade destes territórios sem qualquer reflexo positivo na fixação e aumento da população.

Tais factos requerem uma gestão consciente e integrada a nível local, regional e nacional em processos participados e articulados entre todos os agentes locais e a comunidade.

Os dados dos Censos de 2011, anteriormente analisados, permitem-nos concluir que Resende segue a norma nacional que se traduz em territórios envelhecidos, com altas taxas de emigração e num crescente abandono da atividade agrícola com consequências sentidas ao nível da paisagem e da segurança ambiental. Contudo, a riqueza do território, a sua valorização e a procura cada vez mais crescente de lugares

135

de refúgio fora meio urbanos, podem traduzir-se de forma significativa na economia local se gerida de forma consciente e sustentável.

Ao longo do curso do Douro assiste-se a um aumento de unidades hoteleiras que pretendem responder a esta procura, nomeadamente as conhecidas Quintas do Douro que aliam o turismo à atividade vinícola no que se denomina Enoturismo. Além disso, observa-se também o aumento do turismo rural traduzindo-se na reabilitação de casas e aldeias rurais.

Em Resende, o aumento do turismo verifica-se essencialmente nas freguesias em contato com o rio, pelas atividades e pela paisagem que tal proxmidade proporciona, nomeadamente a freguesia de Resende e a União das freguesias de Anreade e São Romão de Aregos. Resende dispõe de dois hotéis, duas casas de campo e dois empreendimentos de agroturismo, localizando-se maioritariamente na união das freguesias de Anreade e São Romão de Aregos. Atualmente está em vista a construção de sete novos empreendimentos turísticos, dois dos quais na freguesia de Resende e, um deles, na Aldeia de Mirão – local da proposta de intervenção. A construção de tais empreendimentos permitirá aumentar a capacidade de alojamento do concelho, alargando também a oferta turística em toda a extensão do território. Além destes empreendimentos, verifica-se em Resende a existência de 39 alojamentos locais, na sua maioria recentemente abertos (entre 2017 e 2018) evidenciando a crescente procura e valorização do concelho.

O aumento do turismo é assim um aspeto positivo na revitalização do concelho pois permite valorizar os seus recursos, aumentar o investimento local e fortalecer a identidade coletiva e individual.

136

Figura 25. A arte de fiar Figura 26. O barro preto pelo Sr. Joaquim

Figura 24. Cultivo do linho como parte de um projeto do Grupo de S.Cipriano, 2004

137

ESPAÇOS DE MEMÓRIA

“Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento de que não há memória espontânea.” (Nora, 1993, p.13).

O termo espaços de memória surgiu em França formulado pelo historiador, anteriormente citado, Pierre Nora. É inicialmente expressa na obra por si coordenada Les Lieux de Mémoire numa época em que a França assistia a grandes transformações. Em contexto de perda da identidade francesa e da memória nacional foi necessário o olhar atento sobre estas transformações, particularmente sobre as mutações das suas tradições.

O seu estudo centrou-se, como já anteriormente observado, na análise da memória coletiva - mítica e sagrada - que se desintegrava e, na consolidação da história que dessacralizava a memória. Pierre Nora afirma que “à medida em que desaparece a memória tradicional, nós nos sentimos obrigados a acumular religiosamente vestígios, testemunhos, documentos, imagens, discursos, sinais visíveis do que foi, como se esse dossier cada vez mais prolifero devesse se tornar prova em não se sabe que tribunal da história.” (1993, p.9).

Embora associemos o termo espaço à materialidade e objetividade do lugar Pierre Nora abarca neste termo todos os sentidos, incorporando na sua definição o simbólico e subjetivo. De facto, para o autor, um lugar de memória só o poderá ser se, na sua interpretação e perceção entrarem os sentidos revestindo-os de simbologia. Assim, material, simbólico e funcional são termos que funcionam sempre em conjunto e, é desta ligação que os lugares de memória se constituem como tal.

Num tempo em que o efémero é a regra e o esquecimento impera, estes lugares tornam-se pontos criadores e catalisadores de memória. Reveem-se nas bibliotecas, nos museus, nos arquivos municipais. Espaços que minimizam o sentimento de abandono e perda e, na incerteza do que será necessário lembrar, guardam o mais

138

possível. São os arquivos aos quais a memória relega a capacidade de se lembrar por ela (Nora, 1993, p.15).

Mas não só. A obsessão pelo arquivo da memória revê-se no domínio individual. Se antigamente eram as instituições que cumpriram ato de relembrar – o Estado, a Igreja e a Família – atualmente cada um se torna responsável pela sua própria memória. A obra de Pierre Nora posiciona-se entre meados dos anos 80 e 90, numa época em que as tecnologias digitais não tinham ainda eclodido. À luz da realidade atual, percebemos o novo posicionamento da psicologia e da filosofia ao nível individual. Assistimos não só a demarcação veloz de novos lugares de memória, mas da consolidação de outros partindo do individual, mas seguindo normas sociais implícitas que nem sempre são compreendidas ou criticadas. Segundo Nora, “a memória assume uma prática social e nós vemo-nos compelidos a seguir as normas e a realizá-la como obrigação individual.” (1993, p. 17).

A interiorização da memória, fora do social e do coletivo, exponencia a necessidade de serem criadas referências que a situem, lhe atribuam significado e a perpetuem.

O conceito de património definido por Françoise Choay (2001) testemunha a necessidade de se preservar lugares comuns de memória que ao longo do tempo foram abarcando novos conceitos além do inicial monumento/edifício. Do património histórico, ao património cultural, natural, imaterial, assistiu-se ao alargamento do conceito abarcando não só o material, mas o simbólico e funcional.

Lugar de memória é assim “um lugar duplo, um lugar de excesso, fechado sobre si mesmo, fechado sobre sua identidade, e recolhido sobre seu nome, mas constantemente aberto sobre a extensão de suas significações.” (Nora, 1993, p.27).

A teoria de Kant sobre o tempo e o espaço é aqui colocada em causa, sendo que já o tinha sido feito por Bergson. O espaço para Kant era definido à priori da sensibilidade, sendo necessária à sua representação para que a nossa sensibilidade, perceção e significação existisse. Contudo, Pierre Nora não separa nem situa no tempo a construção do espaço anterior à construção do simbólico e do funcional. Funcionam em simbiose e em simultaneidade pois “mesmo um lugar de aparência puramente

139

material (..) só é lugar de memória se a imaginação o investe de aura simbólica.” (1993, p.15).

Espaços de memória têm a função de evocar a memória coletiva, mas não a memória coletiva pura definida por Bergson como memória-hábito, mas a memória artificial. Assim:

“O que constitui certos sítios pré-históricos, geográficos ou arqueológicos em lugares, e mesmo em lugares de destaque, é muitas vezes o que deveria muitas vezes lhes ser proibido, a ausência absoluta de vontade de memória, compensada pelo peso esmagador de que o tempo, a ciência, o sonho e a memória dos homens os carregou.” (Nora, 1993, p.18).

Os lugares devem ser suscetíveis de evolução e apropriação, permitindo a identificação do grupo através da catalisação da memória e da transmissão da mesma.

O desenho arquitetónico neste contexto tem a função de estabilizar a memória coletiva dotando o espaço de características mnemónicas que permitam a identificação e integração da comunidade.

“O desafio da arquitetura consiste em estimular tanto a percepção interior como a exterior, em realçar a experiência fenomênica enquanto, simultaneamente, se expressa o significado, e desenvolver esta dualidade em resposta às particularidades do lugar e da circunstância.” (Fracalossi, 2012 apud Holl, 2007)

140

Os museus surgem neste contexto como um exemplo de um espaço de memória permitindo contextualizar também a opção programática adotada no presente trabalho

O seminário europeu Espaços de Memória em contextos museológicos, ocorrido a Maio do presente ano na cidade de Guimarães, ressalta a crescente necessidade de serem repensados os museus, na forma como arquivam a informação mas, sobretudo na sua capacidade de transmissão, ensinamento e projeção. Segundo a apresentação do seminário “Os museus enfrentam o desafio constante de salvaguardar o passado e, simultaneamente, promover a compreensão da evolução de novos significados e interligações, contribuindo para a construção de um futuro melhor e mais inclusivo”.

Os museus deixam, no contexto atual, de funcionar como estruturas que contém e repassam vivências e tradições fixas no tempo, mas que procuram incentivar a interpretação dessa informação e a criação de alternativas.

No contexto do projeto final aqui apresentado o centro polivalente pretende funcionar como ativador da memória e não como arquivo da mesma, Existe em Resende um Museu Municipal capaz de realizar essa função interligando o passado vivido e a sua interpretação no presente. Desta forma, concebemos o centro como um espaço gerador de novas memórias embora assente numa camada imaterial das mesmas que se repercutem sempre no território. É através da sua reinterpretação e da sua leitura passada que a arquitetura surge procurando a relação, aceitação e adaptação no território onde assenta.

141

Figura 27. Vista para o Douro da Aldeia de Mirão, fotografia de Sofia Caetano

Não basta abrir a janela Para ver os campos e o rio. Não é bastante não ser cego Para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Com filosofia não há árvores: há idéias apenas. Há só cada um de nós, como uma cave. Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora; E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

Alberto Caeiro in Poemas Inconjuntos

142

02. A PROPOSTA

143

144

O presente capítulo revê-se na procura da materialização dos conceitos e análises anteriormente expostos. Reúne assim as reflexões e opções adotadas referentes à proposta de projeto.

Inicia através do enquadramento da mesma procurando a cada momento, descrever a direção seguida em termos programáticos e formais.

Culmina na interpretação e exposição do projeto enquanto elemento identitário no território e na paisagem – em harmonia e equilíbrio.

O centro é assim elemento construído e elemento construtor. Deixa-se construir na continuidade da linguagem plástica e invisível onde assenta e, constrói na reinterpretação dessa mesma linguagem.

145

146

2.1. O PROGRAMA

147

148

ENQUADRAMENTO DA PROPOSTA

A proposta inicial de projeto foi desenvolvida com vista à reabilitação da Aldeia de Mirão, situada a 800 m do centro de Resende, particularmente no conjunto habitacional do Fundo da Aldeia de Mirão onde o olhar incidiu e que fomentou o desenvolvimento do projeto final apresentado. A aldeia situa-se a 200 m de altitude, bastante próxima do rio, contudo, as potencialidades do lugar encontravam-se ocultadas pela degradação das habitações cujo abandono exponencia e, pela falta de aproveitamento dos recursos que o lugar oferece.

O lugar impulsionou o pensamento crítico sobre problemáticas relativas aos meios rurais o que, por sua vez, nos direcionou à análise do conceito de paisagem e de identidade, abordados com frequência no contexto atual português sem que, contudo, se compreenda realmente o que em si comportam.

Desta forma, a reabilitação, ao responder a uma realidade local - em crescimento em todo o território português - atua como estratégia de desenvolvimento rural respondendo às problemáticas, potencialidades e oportunidades do lugar. Esta premissa, mais que uma afirmação, funcionou ao longo do trabalho como indagação, através da qual se foram desenvolvendo conceitos, análises e propostas programáticas e projetuais onde a arquitetura do lugar e a dinâmicas da comunidade, nos elucidam sobre possibilidades de intervenção local.

No contexto de Resende, estes conceitos e o seu correto enquadramento são fundamentais para que o projeto aspire a ser um modelo de intervenção e não um mero simulacro utópico de uma vivência individual e subjetivamente projetada.

Materialidades e imaterialidades do território moldam um programa inicial a consolidar e confrontar ao longo do processo. Assim, a par do desenvolvimento da investigação teórica foram efetuados levantamentos no lugar com foco no Fundo da Aldeia de Mirão, nomeadamente através de fichas de caracterização do edificado, fotografias, levantamento arquitetónico das habitações e conversas informais com os habitantes. Deste levantamento sinalizamos as habitações a serem reabilitadas, quer pelo estado de conservação do edificado, quer pela ocupação e uso dado quer ainda, pela potencialidade das mesmas em abarcar programas específicos de intervenção.

149

A este levantamento juntou-se a análise de programas e estudos territoriais onde observamos que, além de Resende ser um território essencialmente agrícola, o Fundo da Aldeia de Mirão, encontra-se na totalidade ao abrigo da POARC, possuindo territórios protegidos pela REN e pela RAN. Assim, os territórios agrícolas adjacentes ao aglomerado habitacional a intervir, são considerados espaços agrícolas de elevada potencialidade. No contexto atual, se por um lado assistimos a um crescente abandono das técnicas tradicionais agrícolas, simultaneamente assistimos à consciencialização perante as consequências que daí advém, sendo também crescente a procura por alternativas sustentáveis que aliem tradição à inovação. Assim, perante um território cujos recursos necessitam de ser salvaguardados, encontramos uma das premissas ao desenvolvimento do projeto que deve valorizar e fomentar o desenvolvimento da atividade agrícola protegendo simultaneamente o solo.

“No mundo rural, hoje, o modelo dominante faz agricultura sem solo, sem sol, sem gente. A sua relação umbilical com o ecossistema de origem encurtou-se dramaticamente. A produtividade derivada, industrial e biotecnológica, dispensa cada vez mais a produtividade primária e a relação entre os valores agraristas e os valores naturais é cada vez mais um conjunto vazio. O corte nesta relação umbilical não só põe em perigo os recursos mais fundamentais, os recursos genéticos, como os recursos mais simbólicos e, também, os recursos paisagísticos”. (Covas e Covas, 2012, p.216).

150

151

PROPOSTA PROGRAMÁTICA

Desenvolver a intervenção com base nos recursos do lugar, compreende o reativar e reviver de tradições locais, assumindo-se a intervenção como impulsionadora de novas dinâmicas territoriais e aliando tradição e modernidade. Isto é, mais que um revivalismo através de encenações e interpretações atuais de um passado perfeito, as zonas rurais necessitam de intervenções sistémicas e integradas apoiadas em conceitos ecléticos e multidisciplinares. Com base neste pressuposto, é desenvolvida uma primeira proposta de intervenção na aldeia associando recursos, tradição, conhecimento, inovação e partilha.

Neste âmbito, sinalizou-se o programa das Aldeias de Xistos que, segundo referem no website do projeto, consiste numa “programação única, que cruza contemporaneidade com património singular”. O programa procura valorizar os recursos endógenos criando redes entre várias entidades, potencializando a economia local com base na sustentabilidade e na qualidade de vida das populações locais.

A Aldeia da Cerdeira em Lousã, partindo desse pressuposto e da intervenção de dois amigos, é atualmente um local de criação artística que aloja ao longo do ano vários artístas, promovendo residências artísticas internacionais, workshops de formação e experiências criativas variadas. O local possui nove alojamentos, cada um com tema e caracter diferenciado.

O projeto serviu de inspiração â formulação da proposta programática, adaptada no caso da Aldeia de Mirão, aos seus recursos endógenos que se reveem na paisagem e na identidade local abordada ao longo do projeto final, seguindo assim a trilogia: investigação - produção – partilha. Neste sentido, procurou-se valorizar a atividade agrícola, usando os campos existentes para a atividade e perspetivando a criação de infraestruturas de apoio. A esta atividade associou-se o artesanato local que em conjunto marcam a identidade da Aldeia e são a fonte de rendimento dos residentes. Formalizam assim a proposta de reabilitação das habitações em: residências temporárias, oficinas, salas de estudo, loja, cozinha comunitária e restaurante.

A proposta associa assim as potencialidades do território à procura pelo conhecimento dos saberes tradicionais - agrícolas e do artesanato - aliando os mesmos à inovação.

156

Figura 29. A água em Mirão, fotografia de Sofia Figura 28. O percurso, fotografia de Sofia Caetano Caetano

Figura 30. Habitação em Mirão, fotografia de Sofia Caetano

158

No seguimento da proposta programática sinalizada procedeu-se ao levantamento das habitações, iniciando na habitação que albergaria as residências temporárias, a cozinha e o restaurante, pela proximidade aos terrenos agrícolas e pela vista livre sobre o rio Douro.

A mistura de materiais e a sobreposição de tempos de construção distintos é visível nas construções da aldeia, sendo a habitação levantada, exemplo disso. Exceptuando algumas habitações de alvenaria de pedra, ou ainda as novas construções em betão, o conjunto habitacional apresenta-se como o reflexo de um tempo em que a casa ia aumentando conforme a necessidade e a possibilidade das famílias. Desde estruturas de madeira, à sobreposição de vigas de betão, acrescentos com paredes exteriores de 13 cm de espessura e pisos com alturas não regulamentadas.

Assim, embora o conjunto edificado não apresente qualidades arquitetónicas que, por si só, se tornem cartão de visita da Aldeia, todo o enquadramento na paisagem, os percursos entre as habitações pautados por pequenas quedas de água, a presença de um pequeno ribeiro – atualmente coberto de forma a permitir a entrada de automóveis – o moinho de água, alvo de intervenção recente e em ótimo estado de conservação, a vegetação abundante e o silêncio do lugar cortado pelo correr das águas do rio, tornam o intervenção pertinente, acrescentando ao espírito do lugar, o conforto da modernidade.

A par da proposta programática, a investigação teórica realizada sinalizava a necessidade de serem criadas ou melhoradas as acessibilidades ao local.

O percurso até ao local do projeto é realizado partindo da estação ferroviária de Campanhã, no Porto, percorrendo a Linha do Douro até à estação da Ermida em Resende. O processo de investigação inicia aqui, em todo o percurso realizado para chegar a Resende onde retiramos informações que nos (re)direcionam ao nível da intervenção local.

A proposta urbana previa a revitalização do Cais de Mirão retomando a ligação fluvial com o apeadeiro de Mirão na Linha do Douro, que em tempos passados funcionava como estação. A revitalização do cais e a reabertura da estação permitiria aumentar a acessibilidade a Resende ao mesmo tempo que se relacionava e ligava com o lugar de intervenção. A estação da Ermida é atualmente a que liga Resende à linha do Douro sendo, contudo, necessário o acesso a outros meios de transporte públicos (que são

159

escassos) ou privados para aceder ao centro de Resende, atravessando a ponte da Ermida.

O novo cais seria assim local de passagem, mas também local de permanência e convívio, pela criação de uma zona de lazer na encosta que permitisse o seu usufruto.

Contudo, ao percorrer a linha do Douro percebemos dois momentos distintos no concelho, de forte impacto na paisagem e na dinâmica local: as Termas das Caldas de Aregos e o Parque Fluvial de Porte de Rei, ambos com estação ferroviária. Neste sentido, compreendendo a necessidade de fortalecer e consolidar a frente ribeirinha em toda a estação do concelho e, criando pontos de atratividade distintos, associou- se ao cais de Mirão a criação de um edifício singular, enquadrado na paisagem e com a capacidade para a criação de dinâmicas variadas, desde exposições, conferências, eventos, entre outros. O edifício proposto funciona assim como centro polivalente de referência, ligação e relação com o centro da vila. Além disso, enquadra-se na proposta programática para a Aldeia podendo funcionar como edifício de apoio a workshops e palestras.

Compreende-se assim, a posição privilegiada de Mirão relativamente ao centro da vila e â linha do Douro sendo o ponto de ligação entre estes dois momentos, O investimento atual na Linha do Douro incentiva a conservação e consolidação da frente ribeirinha, funcionando em simultâneo como entrada para as várias povoações localizados ao longo do seu curso. Este investimento, impulsiona assim o desenvolvimento local criando redes de ligação, assentes em lógicas de sustentabilidade, entre territórios rurais e urbanos.

Com a mudança de paradigma atual, o aumento da procura de estilos de vida alternativos e fora dos grandes centros urbanos, a necessidade de se combater a desertificação, mitigar o despovoamento e gerir as paisagens, a acessibilidade a estes meios torna-se essencial na viabilidade de qualquer proposta e teoria apresentada.

A presença de Resende na paisagem ao percorrer a linha é ténue, intercalada apenas pelos dois marcos anteriormente citados, as Caldas e o parque fluvial. Deste modo, o edifício assinala a entrada da Vila numa lógica de percursos, ligações e materialidades, enquadradas no lugar e em harmonia com a paisagem local.

160

161

3 4

2

1

Termas das Caldas de Aregos Local de intervenção Centro de Resende Parque fluvial de Porto de Rei

1 Estação de Aregos

2 Estação de Mirão

3 Estação da Ermida ligações ao território escala 1/35000 4 Estação de Porto de Rei

Figura 31. Estação de Mirão, fotografia de Álvaro Matos Almeida

Figura 32. Vista do Cais fluvial de Mirão, fotografia de Vitor Vieira

164

2.2. O PROJETO

165

166

O projeto apresentado é assim o descodificar do território, através do olhar atento e sincero sobre as componentes que o compõem: a água, a pedra, a floresta e, as pessoas. Esse descodificar revê-se e formaliza-se na matéria procurando a paisagem na tentativa de a revelar ao mesmo tempo que se revela a si,

O projeto é lido na lógica de ligações que marcou o projeto final onde – entre matéria e espírito, entre rural e urbano, entre individual e coletivo - o percurso se revela, como catalisador na percepção do espaço e dos sentidos.

A primeira ligação, a uma macro escala, é resolvida – hipoteticamente - com a concepção da proposta, interligando com a linha do Douro e consequentemente com as grandes cidades próximas. A uma escala micro, o projeto deve responder a um desnível de 25 metros procurando ser o menos invasiva possível. Por um lado, numa lógica de preservação ambiental e de intervenção mínima na paisagem, por outro, pela leveza e subtileza pelo qual é pautado o curso do Douro que direciona no sentido de enquadramento arquitetónico consciente. A natureza é bastante presente ao longo do curso, revelando-se na água e nos vales sendo que, a presença de um corpo estranho a toda essa lógica deve ser realizada de forma harmoniosa e o mais enquadrada possível na paisagem.

Aqui, assume-se como premissa o respeito pelo espírito e pela atmosfera do lugar em todas as fases de concepção e desenvolvimento do projeto. A essa atmosfera agrupam-se conceitos de ordem física, mas também metafísica.

O centro subdivide-se assim em três momentos distintos – a loja, o restaurante e o espaço cultural. Os primeiros dois ao mesmo nível e o último a uma cota inferior. A ligação entre os três momentos é realizada pela continuidade da rampa. Assim, esta funciona como conexão e distribuição dos espaços interiores e exteriores. Interiormente, interliga a loja ao espaço cultural e, exteriormente permite a circulação em todo o edifício terminando no terraço de ligação ao restaurante.

A fluidez e à continuidade da passagem no espaço, alia-se à materialidade da luz e da forma. Uma, ausência da outra. À semelhança do realizado no Museu de Foz Côa, a presença de recortes verticais estrategicamente posicionados permitem a entrada de luz nos espaços conferindo aos mesmos, atmosferas próprias, aliados ainda a recortes horizontais na cobertura permitindo a entrada de luz superior.

167

Figura 33. Museu de Arte e Arqueologia do Vale do Côa, Camilo Rebelo e Tiago Pimentel

Figura 34. Centro de Alto Rendimento de Remo do Pocinho, Álvaro Fernandes Andrade

168

Figura 35. Figura 29. Centro de Alto Rendimento de Remo do Pocinho, Álvaro Fernandes Andrade

Figura 36. Centro de Alto Rendimento de Remo do Pocinho, Álvaro Fernandes Andrade

169

A apropriação da luz e da forma reveste os espaços de qualidade cénica, ora revelando ora suprimindo, procurando que o corpo siga a indicação da matéria e, que esta seja reveladora dos sentidos e das emoções. Confere assim escala, hierarquia e orientação.

O edifício funciona como condutor, mas é o corpo e a experiência sensitiva e percetiva que nos guia através do espaço e do tempo. A estes, associamos momentos de permanência que quebram a fluidez do percurso e, onde a paisagem duriense emerge e se revela sem barreiras.

A luz é matéria e, a sua presença ou ausência resulta numa alquimia com os materiais de construção escolhidos. A pureza e simplicidade do material, permite assim que a luz assuma o papel de modeladora de espaços sendo maioritariamente através desta que a perceção dos espaços se altera e, que a continuidade se reveja também entre o cromatismo da paisagem e do corpo de betão. O betão com inertes graníticos, procura assim usar os recursos locais e enquadrar-se na paisagem duriense.

A este material associa-se a leveza dos elementos metálicos e a transparência do vidro. No conjunto, funcionam como um corpo subtil feito de dicotomias – que repousa no vale e se abre ao rio.

170

171

PLANTA COBERTURA ESCALA 1/200 PLANTA COTA 56,30 ESCALA 1/200 PLANTA COTA 59,50 ESCALA 1/200 PLANTA COTA 62,50 ESCALA 1/200 ALÇADO NORTE ESCALA 1/200 ALÇADO NASCENTE ESCALA 1/200 ALÇADO POENTE ESCALA 1/200 CORTE AA’ ESCALA 1/200 CORTE BB’ ESCALA 1/200 CORTE DD’ ESCALA 1/200 CORTE CC’ ESCALA 1/200

194

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se a génese parte da inquietação, o fim - que não existe - procura dar-lhe seguimento na perspetiva de fomentar o pensamento e a reflexão sobre uma problemática comum a todos, independente da realidade física que habitamos.

O olhar sob um território rural como Resende, permitiu-nos aprofundar conceitos no âmbito da paisagem e da identidade. Este conhecimento revê-se na consolidação de um percurso que atuou maioritariamente em territórios urbanizados, permitindo-nos assim alargar visões e modos de atuação e intervenção arquitetónica. Se, por um lado, constatamos a extensão desse conhecimento pessoal e, a procura do coletivo pela sua obtenção, compreendemos por outro, que o caminho - individual e coletivo - na execução de soluções viáveis e de atuações reais é ainda longo. Isto é, o panorama atual apresenta-nos ricos em possibilidades e direções e, a escolha comprometida e verdadeira do caminho a seguir - sem critérios definidos à partida - é fundamental e imperativo.

O projeto final procurou elucidar sobre uma realidade específica seguindo metodologias de análise e intervenção conscientes, contudo, simboliza apenas um caminho dentro do todo das possibilidades. A análise detalhada do território, se por um lado nos permitiu respeitar a premissa inicial e observar aquilo que realmente existe, sem respostas mecanizadas e dissociadas da realidade local, conduziu a adaptações da proposta cujo processo evolutivo demonstra e sinaliza. Esta mudança de direção do projeto é, por si só, demonstrativa da necessidade, sempre defendida e teorizada, de serem observadas as condicionantes e características locais. O local dita o projeto sendo que as problemáticas e as qualidades do mesmo são encaradas como oportunidades de atuação, mudança e coesão territorial e social.

A proposta materializou-se com a conceção do centro polivalente procurando estreitar a relação e encurtar a ligação com a vila e com as grandes cidades que lhe são próximas. Sendo o palco de novas dinâmicas corresponde a uma hipótese de projeto que prevê a adoção de novos modos de vida e de gestão territorial baseada na interligação entre os dois territórios com vista ao seu desenvolvimento sustentável.

Cada lugar possui a sua própria natureza e identidade - inimitável e em constante mudança. O trabalho apresentado, escavando os vestígios deixados em cada parte

195

dessa essência - que se exprime nas rochas, na água, na floresta e, nas memórias aqui impregnadas pela passagem humana - perspetiva o futuro usando a realidade presente.

Assim, conceber um centro polivalente que possa ser adaptado às necessidades da população (atual e futura) e, que funcione como centro catalisador de novas vivências, exprime o papel da arquitetura e do arquiteto enquanto criador de espaço. Espaço esse que vive da relação direta com a paisagem que existe, que foi e que será, procurando não apenas pertencer-lhe, mas sobretudo valorizá-la.

Neste sentido, em termos projetuais procurou-se que a construção se enquadrasse e harmonizasse na paisagem e no vale e, que a sua presença e os seus espaços permitissem a criação de uma nova lógica de percurso a diversas escalas. Mais que um corpo matérico alheio às regras da natureza, a proposta procurou valorizar as ambiências que a paisagem duriense permite usufruir na tentativa de as potencializar numa lógica de usufruto público.

A paisagem encontra-se atualmente numa encruzilhada onde a arquitetura funciona como bússola na indicação do caminho a seguir. A sua recuperação e valorização deverá passar por uma mudança de mentalidades aos quais à arquitetura deverá preceder na resposta dada. A vivência de uma realidade que não se exprime no território e não encontra na matéria forma de expressão, repercute-se no entendimento e na gestão das paisagens, conjunto das formas materiais e imateriais.

Este foi o caminho seguido. Um ponto de matéria que condensa espaço e tempo, mas que o liberta na esperança de que se reproduza e desenvolva. Nessas ramificações, o centro comum é a valorização cultural, social e de recursos naturais e endógenos.

A arquitetura, embora aparentemente estática e fixa, move-se pelo tempo, é adaptada e adapta-se. O antes e o depois existem na forma, mas a sua continuidade permanece, ainda que invisível, moldando espaços, caminhos, direções. Assim é o percurso académico. Vive das mesmas forças, das mesmas leis e do mesmo processo - sem retorno nem fim. Este trabalho marca uma passagem, nunca um fim, nem um começo.

É a arquitetura. A vida.

196

BIBLIOGRAFIA

ÁLVAREZ, Mercedes. O céu gira [Registo vídeo]. Lisboa: Leopardo Filmes, 2013. DVD vídeo (106 min.).

ALVES, Carlos. Geologia e património cultural em pedra. The Overarching Issues of the European Space: Rethinking Socioeconomic and Environmental Problems. Porto: FLUP, 2016, pp. 173-187.

ALVES, Isabel. Vozes transmontanas na paisagem: Paisagens de Pedra e Água na poesia de A. M. Pires Cabral. Lisboa: FCSH/NOVA, Editora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 2013.

BANG, Jan Martin. Ecovillages: A Practical Guide to Sustainable Communities. Boston: New Society Publishers, 2005,

BARCHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

BARCHELARD, Gaston. Água e os Sonhos - Ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

BERGSON, Henri. Matéria e memória – Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

BOSI, Ecléa. Memória da cidade: lembranças paulistanas. São Paulo: Estudos Avançados, 2003, vol.17 nº47, pp. 197-211.

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade – Lembrança de velhos. São Paulo: T.A. Queiroz, 1979.

BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória: ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

BRIEDENHANN, Jenny; WICKENS, Eugenia. Tourism routes as a tool for the economic development of rural areas-vibrant hope or impossible dream? Tourism Management, 2004, vol. 25, pp. 71-79.

CÂMARA MUNICIPAL DE RESENDE (CMR). Diagnóstico Social Estratégico – 2013. CONSELHO LOCAL DE AÇÃO SOCIAL DE RESENDE 2013. Disponível em:

197

https://cm-resende.pt/wp-content/uploads/2019/02/Diagn%c3%b3stico-Social- 2013.pdf. Consultado a 15 de Maio de 2018.

CÂMARA MUNICIPAL DE RESENDE (CMR). Plano de Desenvolvimento Social 2016- 2020. CONSELHO LOCAL DE AÇÃO SOCIAL DE RESENDE 2015. Disponível em: https://cm-resende.pt/wp-content/uploads/2019/02/Plano-Desenvolvimento-Social- 2016-2020.pdf. Consultado a 15 de Maio de 2018.

CÂMARA MUNICIPAL DE RESENDE (CMR). Relatório do Estado e Ordenamento do Território 2019. Disponível em: https://cm-resende.pt/wp- content/uploads/2018/11/REOT_RESENDE_v08.pdf. Cosultado a 25 de Setembro de 2019.

CARSON, Rachel. Primavera silenciosa. São Paulo: Editora Melhoramentos, 1969.

CHAUÍ, Marilena. Homenagem a Ecléa Bosi. São Paulo: Psicologia USP, 2008 vol. 19, nº1, pp.15-24.

CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Diccionario de los símbolos. Barcelona: Editorial Herder, 1986.

CHOAY, Françoise. Alegoria do património. São Paulo: Estação Liberdade; Editora Unesp, 2001.

CORBOZ, André. Le territoire comme palimpseste et autres essais. Paris: Les éditions de l’imprimeu, 2001.

CORREIA DUARTE, Joaquim. Resende e a sua História - Volume 1: O concelho. Edição Câmara Municipal de Resende, 1994.

CORREIA DUARTE, Joaquim. Resende e a sua História - Volume 2: As Freguesias. Edição Câmara Municipal de Resende, 1994.

COVAS, António; COVAS, Merces. A caminho da 2ª ruralidade: Introdução à Temática dos Sistemas Territoriais. Lisboa: Edições Colibri, 2012.

COVAS, António; COVAS, Merces. Ruralidades V. Faro: Universidade do Algarve,

2010.

COVAS, António. Vêm aí as start-up da 2.ª ruralidade. Público. Lisboa. 17 de Março de 2018. Disponível em: https://www.publico.pt/2018/03/17/sociedade/opiniao/vem-ai-as- startup-da-2-ruralidade-1806975. Consultado a 13 de Setembro de 2019

198

D’ABREU, Alexandre Cancela; CORREIA, Teresa; OLIVEIRA, Rosário. Contributos para a identificação da paisagem em Portugal continental. edição: Direção Geral de Ordenamento do Território, 2004.

D’ABREU, Alexandre Cancela; CORREIA, Teresa; OLIVEIRA, Rosário. Identificação de Unidades de Paisagem: Metodologia aplicada a Portugal Continental. Lisboa: Finisterra XXXVI, 72, 2001, pp. 195-206.

D’ENCARNAÇÃO, José. Alto Douro Vinhateiro, paisagem cultural. Porto: Revista da Faculdade de Letras: Ciências e Técnicas do Património, vol. XII, 2013, pp. 319-329.

DE CERTEAU, Michel. A Invenção do quotidiano. Brasil: Editora vozes, 1990.

DIREÇÃO GERAL DO PATRIMÓNIO CULTURAL (DGPC). Orientações técnicas para aplicação da convenção do património mundial, 2017. Disponível em: http://whc.unesco.org/en/guidelines/. Consultado a 15 de Setembro de 2019.

DIREÇÃO GERAL DO TERRITÓRIO (DGT). Disponível em: http://www.dgterritorio.pt/sistemas_de_informacao/snit/cup/. Consultado a 13 de Março de 2019.

DOMINGUES, Álvaro. A rua da estrada. Lisboa: Contraponto, 2017a.

DOMINGUES, Álvaro. Volta a Portugal. Lisboa: Contraponto, 2017b.

DOMINGUES, Álvaro. Paisagens rurais em Portugal: algumas razões da polémica. Porto: Revista da Faculdade de Letras – Geografia, I série, vol. XIX, 2003, pp. 111 - 117.

DOMINGUES, Álvaro. Ruralidade é mito. Existe em 'resorts' e turismo rural. Diário de Notícias. Lisboa. 29 de Janeiro de 2012. Disponível em: https://www.dn.pt/portugal/ruralidade-e-mito-existe-em-resorts-e-turismo-rural- 2271103.html. Consultado a 29 de Julho de 2019.

DOMINGUES, Álvaro. Vida no Campo. Porto: Dafne Editora, 2009.

ESPARCIA, Javier. Inovation and networks in rural areas. An analysis from European innovative projects. Journal of Rural Studies, Vol.34, 2014, pp. 1-14.

FRACALOSSI, Igor. Questões de Percepção: Fenomenologia da arquitetura / Steven Holl,. 2012. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/01-18907/questoes-de- percepcao-fenomenologia-da-arquitetura-steven-holl. Acedido a 4 de Julho de 2019

199

GUEDES, Maria Teresa. O alto douro na obra de orlando ribeiro. Tese de Mestrado, Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto – U.Porto, 2010.

HARRILL, Rich. Residents' attitudes toward tourism development A literature review with implications for tourism planning. Journal of Planning Literature, vol. 18, 2004, pp. 251-266.

JORGE, José Duarte Gorjão. O (re)verso da paisagem: Filosofias da pobreza e da riqueza. Lisboa: Faculdade de Arquitetura de Lisboa, 2013.

JORGE, José Duarte Gorjão. Para uma ética do território. Lisboa: Faculdade de Arquitetura de Lisboa, 2013.

LEFEBVRE, Henri. De lo rural a lo urbano. Barcelona: Ediciones península, 1971.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.

LEFEBVRE, Henri. The prodution of space. Blackwell, 1991.

MAGNANI, José Guilherme. As cidades de Tristes trópicos. São Paulo: Revista de Antropologia, vol. 42, nº1-2, 1999 pp. 97-111.

MARSH, George. Man and Nature or, Physical Geography as Modified by Human Action. Nova Iorque: Charles Scribner, 1864.

MENDES, António Rosa. O que é património cultural. Olhão: Gente singular editora, 2012.

MERLEAU PONTY, Maurice. Fenomenologia da perceção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

NORA, Pierre. Entre memória e história – a problemática dos lugares. São Paulo: Revista Projeto história: revista do programa de estudos pós-graduados de história. 1993. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/12101/8763. Acedido a 8 de Agosto de 2019

NORBERG-SCHULZ, Christian. Genius Loci – Towards a phenomenology of architecture. Nova Iorque: Rizzoli, 1991.

PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011.

200

PEREIRA, Gaspar Martins. Alves redol e o douro - Correspondência para Francisco Tavares Teles. Porto: CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória»; Direcção Regional da Cultura do Norte; Edições Afrontamento, 2013.

PEREIRA, Isidoro Raul. O Sentido da Paisagem e a Paisagem consentida: projetos participativos na produção do espaço livre público. Tese de doutoramento, São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – U.São Paulo, 2006.

PINA, Maria Helena. Alguns reflexos da implantação do caminho de ferro no Alto do Douro no final do século XIX. Porto: Revista da Faculdade de Letras – Geografia, I série, vol. XIX, 2003, pp. 397-414.

PIRES CABRAL, António. Antologia dos poemas durienses. Chaves: Tartaruga, 1999.

PIRES CABRAL, António. Aqui e Agora Assumir o Nordeste: Antologia. Lisboa: Âncora Editora, 2011.

PIRES CABRAL, António. O Douro tem inspirado muito bons escritores. Público. Lisboa. 9 de Setembro de 2006. Disponível em: https://www.publico.pt/2006/09/09/jornal/o-douro-tem-inspirado-muito-bons- escritores-96866. Consultado a 25 de Junho de 2019.

PRNO, Jason; SCOTT SLOCOMBE, D. Exploring the origins of 'social license to operate' in the mining sector Perspectives from governance and sustainability theories. Resources Policy, 2012, Vol. 37, pp. 346-357.

QUEIROZ, Eça de. A cidade e as Serras. Porto: Porto Editora, 2015.

RAY, Christopher. Culture, Intellectual Property and Territorial Rural Development. Oxford: Sociologia Ruralis - Jornal of the European Society for Rural Sociology, vol. 38, nº1, 1998, pp. 3-20.

REDOL, Alves. Porto Manso. Sintra: Publicações Europa-América, 1979.

RIBEIRO, Orlando. Ensaios de geografia humana e regional. Lisboa Livraria Sá da Costa, 1970.

RIBEIRO, Orlando. Mediterrâneo – Ambiente e Tradição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.

201

RIBEIRO, Orlando. Portugal, o mediterrâneo e o atlântico. : Coimbra editora, 1945.

SARAIVA, Maria da Graça – O rio como paisagem: gestão de corredores fluviais no quadro do ordenamento do território. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.

SCHAMA, SIMON. Landscape and memory. Londres: Fontana Press, 1995.

SILVA, Joaquim Sande et al. Floresta e sociedade. Lisboa: Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, 2007.

SILVA, Luís. Contributo para o estudo da pós-ruralidade em Portugal. Arquivos da memória: Outro país - novos olhares, terrenos clássicos; nº4, 2008, pp. 6-25.

SILVA, Maria Manuela. Fases de um processo de desenvolvimento comunitário. Análise social: revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, vol. I, 1963, pp. 538-558.

STRAUSS, C. Levis. Tristes trópicos. São Paulo: Editora Anhembi Lda, 1957.

TORGA, Miguel. Diário Vols. IX a XI. Amadora: Dom Quixote, 2011a.

TORGA, Miguel. Vindima. Amadora: Dom Quixote,2011b.

VIEIRA, António. Património Natural da Serra de Montemuro: Fator de potencialização e uma área de montanha. Coimbra: Cadernos de Geografia, nº21/25, 2006, pp.161- 170.

ZUMTHOR, Peter. Atmosferas. Barcelona: Gustavo Gili, 2006.

Decretos-Lei

Decreto-Lei nº 4/2005 de 14 de Fevereiro do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Diário da República: I série, nº 31/2005. Disponível em: www.dre.pt. Consultado a 19 de Agosto de 2018

Decreto-Lei nº 199/2015 de 16 de Setembro do Ministério da Agricultura e do Mar. Diário da República: I série nº 181/2015. Disponível em: www.dre.pt. Consultado a 25 de Junho de 2019

202

Resolução do Conselho de Ministros n.º 62/2002 de 23 de Março da Presidência do Concelho de Ministros. Diário da República: I-B série nº70/2002. Disponível em: www.dre.pt. Consultado a 30 de Junho de 2019

Resolução do Conselho de Ministros n.º197/97 de18 de Novembro da Presidência do Concelhos de Ministros. . Diário da República: I-B série nº267/1997. Disponível em: www.dre.pt. Consultado a 25 de Setembro de 2019

203

ANEXOS

ANEXO 1 – FICHA DE CARACTERIZAÇÃO DO EDIFICADO

ANEXO 2 – OPINIÕES SOBRE O CONCELHO RECOLHIDAS NO LOCAL

ANEXO 3 – PROCESSO DE TRABALHO

ANEXO 4 – APRESENTAÇÃO FINAL

204

ANEXO 1 – FICHA DE CARACTERIZAÇÃO DO EDIFICADO

205

TESE DE MESTRADO

Projecto de Reabilitação de Mirão 2019

FICHA DE LEVANTAMENTO DA HABITAÇÃO

A. IDENTIFICAÇÃO

Nº EDÍFICIO:

RUA:

Nº PORTA:

B. LEVANTAMENTO FOTOGRÁFICO

Fotografia edifício Planta localização

C. CARACTERIZAÇÃO

ÉPOCA DE CNSTRUÇÃO:

206

N.º DE PISOS:

ÁREA APROXIMADA:

N.º DE HABITANTES:

TIPO DE OCUPAÇÃO: ☐ PERMANENTE

☐ TEMPORÁRIO

☐ DEVOLUTO

☐ OUTRAS

N.º DE DIVISÕES: ☐ COZINHA

☐ SALA

☐ QUARTO

☐ OUTRAS

MATERIALIDADE

TIPO DE ESTRUTURA: ☐ ALVENARIA

☐ BETÃO

☐ OUTRA

FACHADA: ☐ ALVENARIA PEDRA

☐ ALVENARIA TJOLO

☐ MADEIRA

☐ OUTRA

REVESTIMENTO:

☐ REBOCO + PINTURA

☐ PEDRA

☐ AZULEJO

☐ OUTRA

VÃOS:

207

CANTARIAS:

PINTURA:

COBERTURA: ESTRUTURA:

REVESTIMENTO:

D. ESTADO DE CONSERVAÇÃO

(1) (2) (3) (4) NOTAS SEM ANOMALIAS ANOMALIAS LIGEIRAS ANOMALIAS MÉDIAS ANOMALIAS GRAVES COBERTURA 1. ☐ ☐ ☐ ☐ PAREDES EXTERIORES 2. ☐ ☐ ☐ ☐ PORTAS E JANELAS EXTERIORES 3. ☐ ☐ ☐ ☐ PAVIMENTOS (INTERIORES) 4. ☐ ☐ ☐ ☐ TECTOS (INTERIORES) 5. ☐ ☐ ☐ ☐ PAREDES INTERIORES 6. ☐ ☐ ☐ ☐ PORTAS INTERIORES 7. ☐ ☐ ☐ ☐ ESCADAS 8. ☐ ☐ ☐ ☐

E. CONDIÇÕES DA HABITAÇÃO

(1) (2) (3) (4) NOTAS EXISTE EXISTE COM EXISTE COM NÃO EXISTE DEFICIÊNCIAS DEFICIÊNCIAS GRAVES PONTUAIS REDE DE ÁGUAS 9. ☐ ☐ ☐ ☐ REDE ELÉCTRICA 10. ☐ ☐ ☐ ☐ REDE DE ESGOTOS 11. ☐ ☐ ☐ ☐ REDE DE TELECOMUNICAÇÕES ☐ TELEFONE 12. ☐ ☐ ☐ ☐ ☐ TELEVISÃO ☐ INTERNET

INSTALAÇÃO DE GÁS ☐ CANALIZADO 13. ☐ ☐ ☐ ☐ ☐ ENGARRAFADO

VENTILAÇÃO / EXTRACÇÃO ☐ CHAMINÉ 14. ☐ ☐ ☐ ☐ ☐ EXAUSTOR

EQUIPAMENTO SANITÁRIO ☐ LAVATÓRIO 15. ☐ ☐ ☐ ☐ ☐ SANITA ☐ BIDÉ ☐ BANHEIRA ☐ CHUVEIRO

EQUIPAMENTO DE COZINHA ☐ LAVALOIÇAS 16. ☐ ☐ ☐ ☐ ☐ FRIGORÍCIO ☐ FOGÃO ☐ FORNO ☐ MLLOIÇA

208

☐MLROUPA ☐OUTROS

PROTECÇÃO DE VÃOS ☐ ESTORES 17. ☐ ☐ ☐ ☐ ☐PORTADAS ☐GRADES ☐OUTROS

F. DIAGRAMAS DE ESTRELA

F1. ESTADO DE CONSERVAÇÃO

1. COBERTURA

2. PAREDES EXTERIORES

3. PORTAS E JANELAS EXTERIORES

4. PAVIMENTOS (INTERIORES)

5. TECTOS (INTERIORES)

6. PAREDES INTERIORES

7. PORTAS INTERIORES

8. ESCADAS

F2. CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE

9. REDE DE ÁGUAS

209

10. REDE ELÉCTRICA

11. REDE DE ESGOTOS

12. REDE DE TELECOMUNICAÇÕES

13. INSTALAÇÃO DE GÁS

14. VENTILAÇÃO / EXTRACÇÃO

15. EQUIPAMENTO SANITÁRIO

16. EQUIPAMENTO DE COZINHA

17. PROTECÇÃO DE VÃOS

G. OBSERVAÇÕES COMPLEMENTARES

EDIFÍCIO ANTERIORMENTE INTERVENCIONADO?

210

ANEXO 2 – OPINIÕES SOBRE O CONCELHO RECOLHIDAS NO LOCAL

211

«Apesar de tradicionalmente a Festa da Labareda se realizar em setembro, penso que seria mais proveitoso e concentraria mais gente se se realizasse em agosto, pois é nesse mês que os nossos emigrantes estão de férias, bem como os turistas que visitam a nossa região.» Hugo Loureiro, 33 anos

«No nosso concelho realizam-se mais eventos culturais, como a Festa da Cavaca e da Cereja, que atrai mais pessoas e turistas à nossa terra e leva o nome de Resende bem longe. Hoje o nosso concelho é mais conhecido e famoso e isso traz benefícios económicos.» Laurinda Ferreira, 59 anos

«O nosso concelho precisa de mais e melhores acessos para nos deslocarmos para as grandes cidades. Estamos bastante esquecidos. Existem muitas promessas há décadas que ainda não foram concretizadas e que para o futuro próximo também não serão uma realidade.» Carlos Almeida, 54 anos

«Penso que estamos melhores em termos da rede escolar, já que deixou de haver uma escola primária em cada freguesia ou aldeia para haver os 3 Centros Escolares que reúnem todas as crianças e onde têm melhores condições de aprendizagem, materiais interativos e podem socializar melhor.» Ilda Santos, 56 anos

«A rede rodoviária que liga o concelho a outras cidades cada vez é mais escassa e insuficiente e para quem não tem carro como eu torna-se muito difícil e demorada qualquer viagem. Até hoje, nunca foi disponibilizado qualquer autocarro que fizesse a ligação da sede do concelho à estação da Ermida.» Fátima Cardoso, 60 anos

«Precisamos num futuro próximo de uma aposta maior no turismo, principalmente no desenvolvimento e rentabilidade da Termas de Caldas de Arêgos. Isso seria muito importante para a economia do concelho e para a criação de emprego e a fixação da população, já que muitos habitantes têm emigrado.» Luís Cardoso, 45 anos

«Resende, palavra desconhecida para uns, certa para outros. Nasci no Porto, hospital Santo António, no entanto, toda a minha infância e adolescência viriam a ser vividas nesta linda Terra.

212

Preenchida por uma Natureza pura e banhada por um Douro esplendido, fazem dela poesia.

Tive uma infância e adolescência felizes, cheia de momentos de que hoje não há memória. Por um lado, foi o cenário perfeito para esse meu desenvolvimento enquanto miúdo, mas por outro não me permitiu ter as oportunidades que um miúdo da minha idade teria em alguma metrópole deste nosso país.

Hoje com 28 anos, já formado e, apesar de uma vida toda pela frente e com alguma bagagem de vivências, sei que Terras como aquela começam a ser escassas. Penso que o Lugar onde nos desenvolvemos, acaba por ter um papel bastante decisivo em toda esta nossa caminhada que é a vida. Sei que as oportunidades poderiam ter sido outras como já referi, mas talvez tenha feito parte do meu caminho na altura certa.

Não sei o que o futuro me reserva, se voltarei ou não, mas em qualquer Lugar que eu estarei irei para sempre recordar aquele cantinho que acabou por ter um papel decisivo no ser Humano que hoje sou.» Bruno Francisco, 28 anos

213

ANEXO 3 – PROCESSO DE TRABALHO

214

LEVANTAMENTO DAS HABITAÇÕES

215

MAQUETES DE ESTUDO

218

219

220

ANEXO 4 – APRESENTAÇÃO FINAL

221

MAQUETES FINAIS

222

Escala 1/10000

223

224

Escala 1/2500

225

226

227

228

Escala 1/200

229

230

PAINÉIS DE APRESENTAÇÃO

231