“Participação popular na construção de políticas públicas para o Complexo do Alemão - o caso do PAC”

por

Luzia Angélica Alves Guimarães

Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em Ciências na área de Saúde Pública.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Jeni Vaitsman

Rio de Janeiro, agosto de 2015.

Esta dissertação, intitulada

“Participação popular na construção de políticas públicas para o Complexo do Alemão - o caso do PAC”

apresentada por

Luzia Angélica Alves Guimarães

foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof.ª Dr.ª Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato Prof.ª Dr.ª Eliane Hollanda de Carvalho

Prof.ª Dr.ª Jeni Vaitsman – Orientadora

Dissertação defendida e aprovada em 31 de agosto de 2015.

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Dedico esta dissertação ao meu companheiro Luciano Monteiro. Por seu amor à ciência, à resistência e a todos esses esportes de combate.

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Agradecimentos

Em primeiro lugar agradeço a Deus, que meu deu forças para começar, continuar e finalizar esse trabalho. Agradeço à minha família pela paciência nas ausências e pelo incentivo constante. Agradeço de forma especial a minha orientadora Jeni Vaitsman, pela parceria e confiança no meu trabalho. Agradecimentos imensos à professora Vera Lúcia Luiza pelo contínuo incentivo e pelas sugestões nas aulas de pós-graduação. Agradeço aos meus colegas e companheiros de trabalho, que com suas críticas e reflexões enriqueceram meu olhar e contribuíram para uma visão mais transdisciplinar do meu objeto de pesquisa. Um agradecimento especial aos atores sociais do Complexo do Alemão, que em todos esses anos de trabalho local têm me mostrado o valor da perseverança na luta por seus direitos. Também aos gestores do PAC que tão prontamente atenderam ao meu apelo, contribuindo para a realização da pesquisa. Por fim, à CAPES, pelo financiamento que possibilitou a realização deste trabalho.

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Tão Complexo que a nossa compreensão, comprimida, não consegue compreender. Eddu Grau

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Resumo

No Brasil, a participação do público beneficiário na construção e execução de políticas públicas é uma prática relativamente nova em programas voltados para a população de baixa renda. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) trouxe entre suas diretrizes a obrigatoriedade da participação popular em seus projetos. Através do PAC Social, o programa pretendeu conjugar a execução das obras com a participação dos sujeitos impactados em sua formulação, implementação, gestão e avaliação. No território do Complexo do Alemão, a atuação dos profissionais de ponta, denominados burocratas de nível de rua (street-level bureaucrats), contribuiu de forma significativa para o desenho e as práticas de participação popular local. Com base na discussão sobre o referencial teórico em processos de implementação de políticas, esta pesquisa investiga as ações participativas e os modos de inserção da população local observados durante a implementação do PAC no Complexo do Alemão.

Palavras-chave: Participação Popular, Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), PAC Social, Análise de Políticas Públicas, Burocratas de nível de rua, Complexo do Alemão.

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Abstract

The beneficiary involvement in public construction and implementation of public policies in Brazil is a relatively new practice in programs aimed at low-income population. One of the guidelines of the Program of Growth Acceleration (PAC) is the mandatory social participation in their projects. The PAC Social has as one of its goals to engage the population in the design, implementation, management and evaluation of the program. In the community called Complexo do Alemão, the work of the street- level bureaucrats contributed significantly to the design and practices of local, popular, participation. Grounded on a discussion of the theoretical framework of the implementation of policy processes, this study focused on the local participatory actions and forms of participation of the population in the implementation of the PAC

Key-Word: Public Participation, Growth Acceleration Program (PAC), PAC Social, Street-level bureaucracy, Complexo do Alemão.

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Lista de Quadros

Quadro 1 – Principais percepções dos entrevistados quanto à Participação Popular...... 61

Quadro 2 – Principais percepções dos entrevistados quanto aos Facilitadores do Processo Participativo...... 62

Quadro 3 – Principais percepções dos entrevistados quanto aos Dificultadores do Processo Participativo...... 64

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Material Predominante - Relatório final do Censo Domiciliar 2010 - Complexo do Alemão – Fonte: Listen...... 28

Tabela 2 – Situação do Imóvel - Relatório final do Censo Domiciliar 2010 - Complexo do Alemão – Fonte: Listen...... 29

Tabela 3 – Renda - Relatório final do Censo Domiciliar 2010 - Complexo do Alemão – Fonte: Listen...... 29

Tabela 4 – Última Série Concluída - Relatório final do Censo Domiciliar 2010 - Complexo do Alemão – Fonte: Listen...... 29

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APARU Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana BNH Banco Nacional de Habitação CAL Comitê de Acompanhamento Local CEHAB Companhia Estadual de Habitação CEF Caixa Econômica Federal CEPEL Centro de Estudos e Pesquisas da Leopoldina CHISAM Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio CDLSM Comitê de Desenvolvimento Local da Serra da Misericórdia CODESCO Companhia de Desenvolvimento de Comunidades COHAB Companhia de Habitação Popular COTS Caderno de Orientação do Trabalho Técnico Social DHESCA Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais EDS Eixo Desenvolvimento Sustentável EGC Eixo Gestão Compartilhada EGI Eixo Gestão de Impacto EDUCAP Espaço Democrático de União, Convivência e Aprendizagem. EGP RIO Escritório de Gerenciamento de Projetos do Estado do FAFEG Federação das Associações de da Guanabara FAFERJ Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro FICAM Financiamento de Construção, Conclusão, Ampliação ou Melhoria de Habitação de Interesse Popular FNRU Fórum Nacional da Reforma Urbana IAP Instituto de Aposentadoria e Pensão IDH Índice de Desenvolvimento Humano IPEA Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas MCIDADES Ministério das Cidades MNRU Movimento Nacional pela Reforma Urbana OAB Ordem dos Advogados do Brasil ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas PAC Programa de Aceleração do Crescimento PPI Projeto Prioritário de Investimento PROFILURB Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados PROMORAR Programa de Erradicação de Sub Habitação PSF Programa de Saúde da Família SEOBRAS Secretaria Estadual de Obras SERPHA Serviço Especial de Recuperação de Favelas e de Habitações anti-higiênicas SESC Serviço Social do Comércio SMDS Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social SNH Programa Nacional de Habitação SNSA Programa Nacional de Saneamento Ambiental UNICEF Fundo das Nações Unidas para a infância UPP Unidade de Polícia Pacificadora UTF União dos Trabalhadores Favelado

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Sumário

Introdução ...... 2

Capítulo 1 1.1. Revisão da literatura ...... 6 1.2. A participação popular como possibilidade de influência política ...... 7 1.4. Os cortiços sobem o morro ...... 10 1.5. A invade a paisagem ...... 12 1.6. A Favela é reconhecida, os favelados não ...... 14 Capítulo 2 2.1. O processo de urbanização do Complexo do Alemão ...... 24 2.2. Características demográficas ...... 26 2.3. Expressões artísticas e culturais ...... 30 2.5. Mobilizações por segmentos/área de interesse ...... 32 2.6. A entrada do PAC e o diálogo com as organizações locais ...... 35 2.7. Origem e destino do Comitê de Desenvolvimento Local da Serra da Misericórdia ...... 38 Capítulo 3 3.1. O Programa de Aceleração do Crescimento ...... 42 3.2. O PAC e as políticas de segurança pública ...... 44 3.3. O PAC Social ...... 45 3.4. A implementação do PAC no Complexo do Alemão – características, atores e disputas ...... 47 Capítulo 4 4.1. Metodologia ...... 51 4.2. A emergência do Contexto Participativo Brasileiro ...... 53 4.3. Participação popular como espaço de discricionariedade dos gestores locais ...... 54 4.5. Que participação é essa? ...... 59

Considerações finais ...... 66

Bibliografia ...... 70

Anexos ...... 77

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Introdução

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Introdução

O interesse pelo estudo da participação popular no Complexo do Alemão vem de mais de dez anos de trabalho na região, em contato com as organizações sociais locais. Sua capacidade de articulação me chamou a atenção principalmente durante as reuniões promovidas pelo Comitê de Desenvolvimento Local da Serra da Misericórdia com o objetivo de discutir as formas de participação popular local no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Descobri que aquele tipo de mobilização comunitária, em que as lideranças falavam de igual para igual com as autoridades públicas presentes, era fruto de um histórico de parcerias com instituições acadêmicas e de saúde (como a Fiocruz) e, sobretudo, da inserção de algumas aquelas pessoas no ensino superior. A autopercepção destes atores enquanto intelectuais orgânicos capazes de intervir no destino de sua comunidade favorecia o questionamento sobre os papeis que cabem ao Estado e aos habitantes na construção de políticas públicas para o local. Certa vez, ouvi de uma integrante desse coletivo que a participação em espaços de discussão e deliberação ajudava a pensar sobre os determinantes sociais da saúde, porque

promoção da saúde não é só cuidar de doença [...] vai muito mais além. É cuidar da questão política, de políticas públicas mesmo. O direito de ter saúde, de ter educação, de ter saneamento básico, de ter uma boa habitação, então tudo isso engloba a promoção da saúde (Entrevista AL3).

Além da proximidade com os movimentos sociais da região, a leitura da Carta de Otawa também suscitou meu interesse pelo tema deste trabalho, à medida que me familiarizou com o referencial teórico dos determinantes sociais da saúde – a concepção pela qual se entende que paz, habitação, educação, alimentação, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade são fatores imprescindíveis ao incremento das condições de saúde. Isso me possibilitou articular a experiência vivida nas arenas políticas do Complexo do Alemão ao referencial teórico da promoção da saúde. O direito de participar da elaboração, implementação e avaliação das políticas públicas é uma conquista dos movimentos sociais brasileiros, garantida pela Constituição Federal de 1988, e foi recomendada por organismos internacionais como o BID e o Banco Mundial. Nesta direção, o PAC assume como uma de suas diretrizes a

3 participação dos beneficiários na formulação, implementação, gestão e avaliação de suas ações. A atuação dos burocratas de nível de rua foi determinante para o desenho dessa política no Complexo do Alemão. As ações do PAC Social traduziram, neste caso, um entendimento de participação popular como sinônimo de projetos de geração de trabalho e renda, saneamento ambiental e ações de articulação comunitária. Meu trabalho discute as propostas governamentais relacionadas à participação popular na implementação do PAC 1 no Complexo do Alemão. Para isso, entrevistei diversos atores que estiveram presentes nas reuniões do Comitê de Desenvolvimento Local da Serra da Misericórdia (CDLSM), buscando identificar as circunstâncias em que se deu o processo participativo e verificar a sua efetividade para a construção do Plano de Desenvolvimento Sustentável construído coletivamente. O primeiro capítulo apresenta uma revisão da bibliografia com o objetivo de contextualizar as primeiras mobilizações dos favelados do Rio de Janeiro, os seus esforços para neutralizar as ações de despejo e, posteriormente, de remoção das favelas. O segundo capítulo traça um breve histórico da urbanização do Complexo do Alemão e apresenta as primeiras mobilizações comunitárias no local desde o início da ocupação da favela, na década de 60, até o advento do PAC, na primeira década do século XXI. O capítulo 3 descreve a implementação do PAC Social no Complexo do Alemão, identificando suas principais características, os atores sociais e governamentais envolvidos, as lideranças que protagonizaram o processo e as disputas e articulações políticas derivadas desse contexto. No capítulo 4 discuto, a partir de entrevistas com os atores referidos acima, a atuação dos burocratas de nível de rua na implementação do PAC Social, sua influência no desenho das políticas locais e, por fim, descrevo as características da participação popular no Complexo do Alemão, indicando os fatores que atuaram como facilitadores e dificultadores do processo participativo.

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Capítulo 1

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1.1. Revisão da literatura

A análise de políticas públicas examina a ação governamental englobando suas causas e consequências, dando conta de uma grande quantidade de atividades. Segundo Dagnino (2006) “a Análise de Política tem como objeto os problemas com que se defrontam os fazedores de política (policy makers) e tem como objetivo auxiliar o seu equacionamento através do emprego de criatividade, imaginação e habilidade” (DAGNINO, 2006, p.3). Esta modalidade de análise tem como um dos focos o embate entre interesses e ideias e comporta abordagens diversas, marcadas pelo seu caráter multidisciplinar. Os conceitos de análise de política pública variam de acordo com as ênfases dadas em sua própria definição, com diferenças de foco de análise e de capacidade explicativa. Para Aaron Wildavsky, a análise de política recorre a contribuições de uma série de disciplinas diferentes, a fim de interpretar as causas e consequências da ação do governo (cf. WILDAVSKY apud DAGNINO, 2006, p.3). Segundo Dye, fazer “Análise de Política é descobrir o que os governos fazem, porque fazem e que diferença isto faz” (DYE apud DAGNINO, 2006, p.3). Nesta acepção, análise de políticas equivale à descrição e à explicação das causas e consequências da ação governamental. Políticas públicas não se reduzem a políticas estatais ou de governo, podendo envolver a participação de organizações privadas ou não governamentais, desde que preservando o caráter público. O termo política pode ser empregado de muitas maneiras, podendo inclusive designar um determinado programa, envolvendo leis, organizações e recursos (DAGNINO, 2006, p.2) – como é o caso do objeto da presente pesquisa – e sua avaliação pode ser de processo ou de resultado. Neste trabalho propõe-se uma análise de processos ex post, cuja principal característica é o foco no desenho e nas características organizacionais e de desenvolvimento dos programas, buscando detectar, após sua realização, quais fatores, ao longo da implementação, facilitaram ou impediram que um dado programa atingisse seus resultados da melhor maneira possível (cf. DRAIBE, 2001, p.18). De acordo com Santos (2005), um fator estratégico na construção de políticas públicas é o fortalecimento das organizações sociais para fomentar um processo participativo de controle social popular e principalmente para promover a governança

6 baseada em princípios democráticos e equânimes. O autor considera a governança como capacidade de ação estatal na formulação e implementação de políticas públicas:

Esse papel tradicional do Estado passa a ser combinado com uma nova maneira de processar as demandas, a saber, quando atores não estatais passam a estar incluídos ex ante na identificação de problemas e na proposição de soluções, inclusive com alguns desses atores assumindo parcela da responsabilidade em sua implementação (SANTOS, 2005, p. 63).

Não obstante, a governança não deve ser abordada apenas enquanto atributo estatal, mas como característica relacional que envolve tanto a sociedade e o Estado em seus modos de exercício de autoridade quanto a sociedade pela inserção de seus interesses na agenda governamental. Como demonstra Valla (2008), a participação social compreende as múltiplas ações que diferentes forças sociais desenvolvem para influenciar a formulação, execução, fiscalização e avaliação das políticas públicas e/ou serviços básicos na área social – o que compreende saúde, educação, habitação, transporte, saneamento básico etc. Neste particular, a inserção de mecanismos complementares ao regime representativo (como os canais de participação popular) tem promovido a inserção de minorias no cenário político (cf. GUARANÁ e FLEURY, 2008, p.95).

1.2. A participação popular como possibilidade de influência política

Embora a participação popular tenha se consolidado como um instrumento legítimo de governança no país, diversos entraves decorrentes de condicionamentos e vicissitudes nas relações entre atores sociais e governamentais tem comprometido o seu bom funcionamento (cf. FLEURY et al, 2010). O próprio entendimento acerca da categoria participação varia entre os autores que discutem o tema e os atores sociais presentes nas arenas políticas. Expressões como participação popular, social, cidadã ou comunitária são exemplos da polissemia da categoria “participação”. Embora com uma mesma origem e aspectos convergentes, essas concepções apresentam especificidades já que analisam realidades diferentes (cf. ESCOREL e MOREIRA, 2008).

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Fazer participar os cidadãos e as organizações da sociedade civil (OSC) no processo de formulação de políticas públicas foi transformado em modelo da gestão pública local contemporânea. A participação social, também conhecida como dos cidadãos, popular, democrática, comunitária, entre os muitos termos atualmente utilizados para referir-se à prática de inclusão dos cidadãos e das OSCs no processo decisório de algumas políticas públicas, foi erigida em princípio político-administrativo. Fomentar a participação dos diferentes atores sociais em sentido abrangente e criar uma rede que informe, elabore, implemente e avalie as decisões políticas tornou-se o paradigma de inúmeros projetos de desenvolvimento local (auto) qualificados de inovadores e de políticas públicas locais (auto) consideradas progressistas (MILANI, 2008, p.552).

Como fruto de tamanha polissemia, a participação popular prevista na Constituição de 1988 tem sido interpretada de várias maneiras pelos diversos atores sociais. Neste sentindo, observa-se que o retorno das instituições democráticas trazendo em seu bojo a possibilidade da construção coletiva de projetos de sociedade evidenciou a grande quantidade de projetos políticos, característicos da própria heterogeneidade da sociedade civil e, dentro desta, as diferentes expectativas a respeito de como se daria essa participação. Historicamente, as concepções a respeito da participação da sociedade civil na construção de políticas públicas apresentam características definidas pelos diferentes contextos políticos. Nos anos 70, a “participação comunitária” nos programas de extensão da cobertura em saúde na América Latina era indicada pelas agências internacionais como forma para aprimorar as condições sociais onde se pressupõe uma sociedade solidária e auto-organizativa com ações estimuladas pelo Estado. Esta modalidade de participação, descolada da discussão sobre problemas sociais, foi preconizada como forma de organização autônoma capaz de gerar melhorias sociais. Nas décadas de 70 e 80, a noção de “participação popular” estava relacionada ao conjunto da população excluída do acesso aos bens sociais elementares. Com a extensão da crítica às políticas públicas, a participação se projetou para as dimensões do Estado e da sociedade através do vínculo com os movimentos sociais (cf. ESCOREL e MOREIRA, 2012). A partir dos anos 90, a ideia de “participação social”, vinculada ao exercício da cidadania, procura contemplar a coexistência de uma grande variedade de interesses e projetos sociais no ambiente democrático instituído pela Constituição de 1988. O Estado se configura, então, como uma arena de articulação e de disputa política entre interesses diversos na busca por espaço e poder e “a postura de que a sociedade deve participar diretamente da execução das políticas, essência da participação comunitária,

8 foi retomada pela reforma gerencial do Estado promovida pela União entre 1994-2002” (ESCOREL e MOREIRA, 2012, p.798). Portanto, apesar da difusão desta nova modalidade, de “participação social”, as concepções anteriores não seriam abandonadas, mantendo-se influentes, sobretudo, na sociedade organizada. Como esclarece Milani (2008),

os anos 1990 foram marcados pela institucionalização da consulta da “sociedade civil organizada” nos processos de formulação de políticas públicas locais. No entanto, os instrumentos participativos devem ser questionados sob, pelo menos, duas óticas críticas principais: quem participa e que desigualdades subsistem na participação? (MILANI, 2008, p.552).

Embora utilizada pelos formuladores das políticas do PAC e presente nos manuais de orientação do trabalho técnico social elaborados pelo Ministério das Cidades e pela Caixa Econômica Federal, a noção de “participação cidadã” não traz em si um conceito. Por esse motivo optei por trabalhar com as categorias “participação social” e “participação popular”, que mantém uma maior proximidade com o objeto a ser analisado.

1.3. A burocracia pública e sua importância para o processo participativo

A burocracia se constitui num conjunto de atores altamente relevantes para a condução do processo de implementação das políticas públicas. Entendida como corpo permanente do Estado, ou seja, como conjunto de atores não eleitos por voto popular, ela desempenha um papel central na condução dos assuntos públicos, sejam eles funcionários de carreira ou não (cf. LOTTA e CAVALCANTE, 2015, p.11). Lotta (2013) argumenta que

a discussão sobre o papel e influência dos burocratas no processo de implementação é central para compreendermos como, de fato, as ações são colocadas em prática e quais são os fatores que influenciam na mudança de rumos e nos resultados das políticas públicas (LOTTA, 2013, p. 21).

Segundo o modelo weberiano, o burocrata seria o fiel executor de um trabalho, alguém que não expressa preferências ou julgamentos. A ele somente caberia “aplicar fielmente as regras, observando os procedimentos, garantindo o cumprimento das

9 hierarquias e de suas atribuições” (LOTTA, 2013, p.23). Observa-se, no entanto, em estudos mais recentes sobre o tema que a distância entre a atuação dos burocratas e dos políticos não é tão pronunciada, o que demonstra a sua complexidade enquanto atores políticos e evidencia a linha tênue que diferencia seu papel daquele desempenhado pelos políticos tradicionais. Ao analisarmos a literatura sobre implementação de políticas públicas, torna-se evidente a existência de lacunas quanto o papel da burocracia, especialmente no que tange à chamada burocracia de nível de rua – street-level bureaucracy (cf. LIPSKY apud LOTTA, 2013). Desempenhando um importante papel na explicação da trajetória e dos resultados das políticas, os burocratas de nível de rua interferem diretamente no desenho da política pública durante a sua implementação. Tal influência se deve ao exercício da discricionariedade, característico de sua atribuição profissional, e se traduz em certa independência para a tomada de decisões (cf. LIMA et al, 2014). A análise da atuação e do papel desempenhado pelos burocratas de nível de rua fornece uma chave para se entender o que ativa a discricionariedade, como ela é utilizada e quais as consequências deste processo para uma política pública.

1.4. Os cortiços sobem o morro

A participação dos moradores das favelas cariocas em resoluções que dizem respeito a melhorias em sua condição de vida, como a implementação de saneamento básico, a oferta de equipamentos públicos e, de forma mais evidente, a permanência em seus locais de moradia é uma conquista que vem sendo alcançada paulatinamente, sobretudo após a Constituição de 1988 – marcada pelo viés democrático e participativo. Em fins do século XIX e início do século XX, a favela já era vista como um problema de saúde pública que preocupava as autoridades governamentais interessadas em erradicar esses núcleos habitacionais precários, principalmente aqueles situados em locais de maior interesse fundiário. Porém, neste período, os cortiços, as estalagens e vilas eram o principal problema (cf. ABREU e VAZ, 1991).

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Considerados como embrião da favela (cf. VALLADARES, 2005; ABREU e VAZ, 1991), os cortiços1 eram percebidos como os principais núcleos de produção e disseminação de doenças e foram alvo de ações higienistas e repressoras por parte do Estado. Com a abolição da escravatura, em 1888, e a chegada dos imigrantes europeus, a população do Rio de Janeiro aumentou em cerca de 90% enquanto no mesmo período as habitações aumentaram cerca de 62% (cf. VALLA, 1986; GONÇALVES, 2013). A necessidade de residir próximo ao local de trabalho, evitando despesas com transporte, ocasionou a superlotação dos cortiços do centro da cidade (cf. ABREU e VAZ, 1991). No Rio de Janeiro, onde os esforços para ordenar o espaço urbano associados a ações de saúde pública vinham se intensificando desde o Império, as políticas higienistas do novo governo republicano iriam consolidar a tendência à criminalização da pobreza, adotando medidas que não alteravam as condições estruturais do problema habitacional decorrente da superpopulação da cidade e do modo capitalista de produção. Não houve interferência nas causas dos problemas, pois o objetivo das intervenções não era propor soluções para as condições insalubres vivenciadas pelos trabalhadores. Na época, as deficiências de infraestrutura eram atribuídas às características morais do morador de cortiço. Pouco a pouco, as intervenções governamentais, que antes se limitavam à tentativa de organizar o funcionamento destes espaços, passaram a combatê-los sistematicamente, culminando na sua extinção em massa por iniciativa do prefeito Pereira Passos (1902-1906), responsável pela reforma urbana realizada do centro do Rio de Janeiro. Segundo Carvalho (2013), no Rio de Janeiro do início do século XX a participação política por meio de mecanismos eleitorais era restrita a 20% da população e nem todos os que tinham esse direito se interessavam por exercê-lo. Isto, porém, não significava que o restante da população fosse indiferente às decisões políticas que afetavam sua vida cotidiana. O episódio da Revolta da Vacina, insurreição que não teve uma liderança centralizada e resultante de uma grande quantidade de ações locais contra o governo, demonstra que “os cidadãos cariocas eram de fato capazes de desempenhar um papel importante nas questões políticas locais ou nacionais” (GONÇALVES, 2013, p.54).

1 Embora habitado tanto por trabalhadores quanto por vagabundos e malandros, o cortiço era definido como um verdadeiro “inferno social” e visto como antro de vagabundagem e do crime, além de lugar propício às epidemias, constituindo ameaça à ordem social e moral (cf. VALLADARES, 2005, p.24). 11

Com a destruição dos cortiços do centro da cidade, muitos moradores desses locais passaram a habitar os morros próximos ao centro. Esse movimento não era novo, pois esses morros já vinham sendo habitados desde a segunda metade do século XIX, ao que parece de forma autorizada, por imigrantes italianos, espanhóis e portugueses (cf. VALLADARES, 2005). Segundo Gonçalves (2013), os próprios moradores do cortiço Cabeça de Porco construíram na época, com o material resultante da demolição, casebres no Morro da Providência, contando com a autorização do prefeito Barata Ribeiro. O autor acrescenta que pelo menos desde 1893 já havia no Morro de Santo Antônio uma grande quantidade de barracos erguidos por ocasião da Revolta da Armada. Embora a partir de 1897 a Prefeitura tentasse expulsar os moradores instalados nos morros do centro da cidade, em 1898 soldados que haviam participado da Guerra de Canudos levantaram seus barracos atrás do Ministério da Guerra (na expectativa de receber seus soldos atrasados), contando com a anuência das autoridades militares Abreu e Vaz (1991). O morro passou a ser conhecido como o “Morro da Favela”, pois na região onde ocorreu o conflito havia um local de mesmo nome em cuja vegetação predominava uma planta conhecida como “favela” (cf. ABREU e VAZ, 1991). Valladares (2005) apresenta duas explicações para a associação entre o Morro da Providência, no Rio de Janeiro, e o Morro da Favela, no sertão Baiano. Uma que enfatiza a similitude da existência da planta denominada “favela” em ambas as localidades e outra, com forte conteúdo simbólico, “que remete à resistência, à luta dos oprimidos contra um adversário poderoso e dominador” (VALLADARES, 2005, p.12).

1.5. A favela invade a paisagem

Assim como os cortiços, a favela logo foi inserida no rol das habitações anti- higiênicas. Everardo Backheuser, engenheiro civil responsável por produzir um parecer sobre a situação das habitações populares durante a reforma Pereira Passos, não deixa de mencionar o problema da favela a partir das observações realizadas no Morro da Providência (cf. VALLADARES, 2005, p.39). Ele reconhece a existência da classe trabalhadora, mas seu discurso também é o da necessidade da erradicação dessas habitações. Em seu relatório, o engenheiro informa que em breve o prefeito Pereira

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Passos estaria tomando medidas para destruir essas construções (cf. GONÇALVES, 2013). As decisões das autoridades governamentais não passavam despercebidas entre os moradores das favelas. Gonçalves (2013) argumenta que “os favelados sempre demonstraram possuir um conhecimento apurado das engrenagens jurídico políticas” (GONÇALVES, 2013, p.86) e cita como exemplo a dificuldade da Diretoria de Saúde Pública para retirar os moradores do Morro de Santo Antônio, em 1913. O despejo fora adiado por diversas vezes por interferência dos próprios moradores, que conseguiram garantias judiciais e até uma visita ao Palácio do Catete (três anos depois) para falar diretamente com o presidente da República – que, inclusive, ficou ao seu lado. Como ressalta Gonçalves (2013), é importante observar que, apesar de as estruturas organizativas faveladas terem se desenvolvido a partir da década de 30, os moradores já organizavam estratégias políticas coletivas visando defender os seus direitos. A vinda para o Brasil do sociólogo, arquiteto e urbanista francês Alfred Agache contribuiu para a percepção da favela com um olhar mais social, embora a intenção de erradicá-la continuasse em pauta, desta vez aliada à proposta de construir habitações populares – o que fora sugerido anteriormente por outras personalidades. Apesar de aprovado, o plano de Agache não foi levado à frente devido às mudanças trazidas pela Revolução de 1930. Sob o governo de Getúlio Vargas a abordagem do problema das favelas “retomou a temática higienista que atribuía a propagação de inúmeras doenças às más condições sanitárias das moradias populares” (cf. GOMES apud VALLADARES, 2005, p. 36). Com uma política fortemente nacionalista, inaugurava-se a corrente trabalhista no Brasil. Sua política social focalizava os trabalhadores formais e, não por acaso, como afirma Burgos (2006), a única política habitacional para a população de baixa renda, implementada em 1933 era direcionada exclusivamente para os empregados de ramos cobertos pelos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs). A eleição de Pedro Ernesto para a Prefeitura do Rio de Janeiro alterou em um primeiro momento as relações entre os poderes públicos e as camadas populares, particularmente os favelados. Considerado mais político do que técnico, em sua gestão as favelas obtiveram de fato um maior reconhecimento, porém isso não foi suficiente para integrá-las definitivamente ao tecido urbano, pois não foi possível modificar as representações sociais predominantemente negativas que opunham os moradores de favelas aos demais habitantes da cidade (cf. BURGOS, 2006; GONÇALVES, 2013).

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1.6. A favela é reconhecida, os favelados não

Durante sua curta passagem pelo governo da Guanabara, após a saída de Pedro Ernesto, o Pe. Olímpio de Melo outorgou o código de obras de 1937. Este foi o primeiro reconhecimento jurídico da favela, mas teve como finalidade a sua limitação e uma nova tentativa de extingui-la. O impedimento legal funcionaria como solução para o problema da habitação (cf. VALLA, 1986). Seu principal objetivo era eliminar as favelas e substituí-las por habitações do tipo mínimo (cf. LEEDS, 1978). Como esclarece Burgos (1996), no que se refere a participação dos moradores da favela na elaboração de propostas para o problema da favela,

a ‘descoberta’ do problema da favela pelo poder público não surge de uma postulação de seus moradores, mas sim do incômodo que causava a urbanidade da cidade, o que explica o sentido do programa de construção dos parques proletários, que tem por finalidade, acima de tudo, resolver o problema das condições insalubres das franjas do Centro da cidade, além de permitir a conquista de novas áreas para a expansão urbana (BURGOS, 2006, p.27)

Logo após a saída do Pe. Olímpio de Melo, as políticas relativas à favela desenvolvidas sob a administração de Henrique Dodsworth combinaram os elementos aparentemente contraditórios: um profundo interesse pela situação angustiante do proletariado e um rígido controle autoritário (cf. LEEDS e LEEDS, 1978, p.192). Segundo Valla (1986), neste período a atuação do governo na tentativa de erradicar as favelas do Rio de Janeiro começa a ganhar um contorno dramático devido à sua característica de problema que foge ao controle governamental. Diversas ações foram pensadas para a solução desse problema, mas como destacado por este autor, nenhuma delas conta com a participação dos favelados. Os moradores das favelas não eram vistos como possuidores de direitos, mas como “almas necessitadas de uma pedagogia civilizatória” (cf. BURGOS, 2006). Em novembro de 1940, o Dr. Vitor Tavares de Moura, diretor do Albergue da Boa Vontade, apresenta um esboço contendo sugestões para solucionar o problema das favelas no Rio de Janeiro. Esse esboço servirá de base para a política dos Parques Proletários durante o Estado Novo (cf. PARISSE, 1969; VALLADARES, 2005). Como

14 destaca Burgos (1996), o convite para que um médico produza esse material é característico do viés higienista que ainda acompanha o tratamento dado às favelas. Entre 1941 e 1943, foram construídos três Parques Proletários provisórios que viriam a ser favelizados posteriormente. A população desses parques não ficou passiva diante da política de Getúlio Vargas, como se constatou, aliás, pela votação em massa no candidato de oposição ao presidente nas eleições de 1945. A experiência dos parques produziu um movimento organizacional embrionário por parte dos moradores de algumas favelas, que não queriam ser removidos para esses locais devido a suas características de ambiente precário, o que levou à criação das comissões de moradores como forma de opor resistência ao plano da Prefeitura de remover todos os moradores para o parque (cf. GONÇALVES, 2013; BURGOS, 2006). Burgos (2006) esclarece que

pouco depois, favorecidos pela restauração da ordem democrática, essas comissões formulariam, pela primeira vez, uma pauta de direitos sociais referentes a problemas de infraestrutura de suas localidades (cf. BURGOS, 2006, p. 28).

Essa intervenção estatal daria o impulso necessário para os moradores das favelas começarem a constituir-se como atores políticos.

1.7. A Igreja nas favelas

A preocupação com a crescente influencia comunista e com a organização política dos favelados mobilizou a Prefeitura e a Arquidiocese do Rio de Janeiro a criarem uma instituição com o objetivo de “dar assistência material e moral aos habitantes das favelas e morros do Rio de Janeiro” (SAGMACS, 1960). Com a intenção de “subir o morro antes que dele descessem os comunistas” a Fundação Leão XIII se propôs a manter escolas, ambulatórios, creches, maternidades, cozinhas vilas populares (cf. GONÇALVES, 2013; VALLA, 1985; SAGMACS, 1960). As intervenções da fundação Leão XIII não impediram, no entanto, uma maior articulação entre os moradores das favelas e outros segmentos da sociedade carioca. A partir da década de 50, observa-se o estreitamento das relações entre os favelados e

15 alguns partidos políticos (cf. BURGOS, 2006). A perda da capacidade de mobilização do povo favelado devido à dupla inserção da Fundação, como voz do favelado e braço do Estado, explica ao menos em parte a criação de uma nova instituição: a Cruzada São Sebastião (cf. LIMA, 1989). A nova entidade defendia a necessidade de integrar o favelado à cidade. Sua ênfase na “participação comunitária” se referia à urbanização de favelas pelo sistema cooperativista e pelo próprio esforço dos moradores. Embora incentivasse as associações de moradores e a formação de novas lideranças, muitas vezes a Cruzada funcionava como interlocutora entre os favelados e o Estado, o que levou Lucien Parisse a afirmar que a instituição “atuava para os favelados e não com os favelados” (cf. PARISSE, 1969). Segundo Gonçalves (2013), a criação da Cruzada São Sebastião foi também uma reação à atuação dos comunistas nas favelas, evidenciada na criação da União dos Trabalhadores Favelados (UTF), em 1954. Dedicada à formação de uma consciência de classe, a UTF foi uma instituição suprafavelada que atuava principalmente na luta pela desapropriação dos terrenos ocupados pelas favelas (cf. LIMA, 1989). Fechada em 1957 pelo DPS, a UTF foi vista com desconfiança pelo Governo Federal devido à sua aproximação com o Partido Comunista. Após o fechamento da UTF, uma nova estrutura atuou de acordo com a dupla identidade do trabalhador e favelado. Fundada durante assembleia realizada no Ministério do Trabalho, em 9 de novembro de 1959, a Coligação dos Trabalhadores Favelados da Cidade do Rio de Janeiro (CTFRJ) tinha como finalidade a “coordenação e proteção legal às associações de moradores em favelas, clubes esportivos, agremiações recreativas e culturais” (LIMA, 1989, p.120). Fundada com o objetivo da representação única, à semelhança dos sindicatos, essa organização pleiteava o recebimento de subvenções públicas. Conflitos internos e a interferências de questões partidárias culminaram na sua substituição pela Federação das Associações de Moradores das Favelas da Guanabara (FAFEG), em 1963. Durante a década de 50, surgiram diversas iniciativas governamentais dedicadas à questão das favelas, mas muitas dessas instituições foram criadas e pouco depois extintas, demonstrando a desarticulação intragovernamental na resolução do problema. A forma como as políticas para as favelas se sucediam era reflexo das características políticas dos governos municipal e federal. Como afirma Leeds (1978),

16

Uma vez que o cargo de prefeito do distrito federal era uma nomeação federal, a política e as ações desse cargo sempre refletiam a política ideológica do Governo Nacional. A criação do SERPHA (Serviço Especial de Recuperação de Favelas e de Habitações Anti-Higiênicas) na primeira administração do nomeado de Kubitscheck, Francisco Negrão de Lima (1956-57) era um exemplo. O SERPHA era um novo ponto de partida em muitos aspectos (LEEDS, 1978, p.).

Criada em 1956, foi somente a partir de 1960 que a SERPHA passou a ocupar um papel de destaque na tentativa de resolução do problema das favelas. Sob a direção de José Artur Rios, revitalizou as associações de moradores existentes e criou mais cerca de 75 novas. De certa forma observa-se a substituição da Igreja pelo Estado, pois a SERPHA tendeu a subordinar politicamente o morador da favela (cf. BURGOS, 2006). Considerado extremamente contraditório, por ter melhorado as condições de vida em algumas favelas e, ao mesmo tempo, contribuído para a subordinação política dos favelados, o SERPHA foi extinto em 1962. Cedendo às pressões do mercado imobiliário, de alguns setores da Igreja Católica e de políticos despojados de sua rede clientelista, Carlos Lacerda exonerou Artur Rios e iniciou um grande programa de remoções cujo objetivo era eliminar as favelas e transferir sua população para outros locais (cf. LEEDS e LEEDS, 1978; GONÇALVES, 2013; VALLADARES, 1978; BURGOS, 2006). Enquanto o Estado procurava a melhor forma de negociação com os excluídos, as lideranças dos moradores de favelas continuavam avançando em sua estrutura organizativa. Como resposta foi criada a Companhia de Habitação Popular (COHAB)2 e a Fundação Leão XIII foi transformada em autarquia, passando a ter, entre outras funções, a do “reconhecimento da existência das associações de moradores e a fiscalização da eleição de suas diretorias” (BURGOS, 1986, p.33).

1.8. Urbanização ou remoção

2 Antes da fusão entre o estado do Rio de Janeiro e o Estado da Guanabara este órgão chamava-se COHAB-GB. Desde então passou a chamar-se COHAB-RJ (cf. VALLADARES, 1978). 17

Como destaca Lícia Valladares, até a década de 60 o governo trabalhou simultaneamente com as duas perspectivas:

Se por um lado leis eram promulgadas, instituições criadas, projetos apresentados e realizados visando a sua eliminação, por outro lado criavam- se novos organismos, leis e projetos objetivando sua manutenção e recuperação, oferecendo-se também serviços sociais às suas populações (Valladares, 1978, p.22).

O golpe de 1964 intensificou a política de remoções acarretada por uma mudança significativa da política urbana brasileira. A eleição de Negrão de Lima, em 1965, trouxe a possibilidade de retomada da política da urbanização das favelas, mas o tratamento a ser dado permanecia indefinido: enquanto o Governo Estadual optava pelo controle dos excluídos, fazendo eco à orientação federal (militar), no âmbito administrativo estava decidido que plano seria executado nas favelas. Assim foi criada a Companhia de Desenvolvimento de Comunidades (CODESCO)3 visando a urbanização de algumas favelas. A princípio, três favelas foram selecionadas como projeto piloto, Brás de Pina, Morro União e Mata Machado, mas o plano foi realizado somente nas duas primeiras.4 Enquanto politica urbana, essa experiência seria considerada um “marco referencial do posicionamento de técnicos, agentes do Estado e lideranças comunitárias” (LEITÃO et al, 2014, p.3). Apesar de suas limitações o desenvolvimento de comunidades tornou-se uma bandeira de luta para a FAFEG, que passou a reivindicar esse modelo de intervenção em outras favelas do Rio de Janeiro. O trabalho da CODESCO seria atropelado pela intervenção do Governo Federal com a proposta de uma política única para os estados da Guanabara e do Rio. Com a Criação da Coordenação da Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio (CHISAM), em 1968, a prática remocionista seria retomada com força total. A grande quantidade de remoções ocorridas principalmente entre os anos de 1968 e 1975 suscitou grande resistência entre os favelados. Organizados a partir da FAFEG, muitos deles foram perseguidos, torturados e assassinados. Em torno de 100 mil pessoas foram removidas nesse período e cerca de 60 favelas foram destruídas. Como afirma

3 Segundo Machado da Silva & Santos, citado por Valladares (1978), a Codesco visava a “(...) permanência dos moradores na área; a participação dos moradores nos trabalhos e utilização dos investimentos já existentes; implantação de infra estrutura básica (água, luz, esgoto); financiamentos individuais para melhorias ou reconstrução das casas, loteamento da área e venda de lotes individuais”.

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Burgos (2006), “a desfiguração do favelado como ator político era, como se viu, um dos objetivos presentes no “remocionismo”, e seu relativo sucesso deixa um vazio político” (cf. BURGOS, 2006, p.38). Mas a política das remoções tornou-se um grande fracasso, pois boa parte dos favelados não tinha condições de arcar com as prestações do financiamento do BNH e muitos deles não encontravam novos postos de trabalho, já que suas atividades estavam estreitamente ligadas às oportunidades oferecidas nos bairros mais abastados da cidade. Além disso, o estabelecimento dessa população nos conjuntos habitacionais provocou um aumento significativo das despesas não só com moradia, mas também com transporte para o trabalho. Acompanhando as mudanças dos grandes financiadores internacionais, o Governou Federal mudou a política de urbanização de favelas, passando a priorizar a melhorias das condições nas favelas e sua integração ao espaço urbano. Observa-se desde então a criação de programas habitacionais mais flexíveis que favoreciam a autoconstrução de forma gradual, como o Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados (PROFILURB)5 e o Programa de Construção, Conclusão, Ampliação ou Melhoria de Habitação de Interesse Popular (FICAM) 6 . Entre diversos programas constituídos pelo BNH, a partir da segunda metade da década de 1970, o que mais repercutiu foi, sem dúvida, o Programa de Erradicação de Sub-habitação (PROMORAR) que flexibilizou consideravelmente as normas do BNH no que se refere à planificação do espaço e ao tipo de habitação financiado pelo banco. Ainda que sem contar com a participação dos beneficiários desse projeto, as obras melhoraram em muito as condições de vida da população. A mudança com relação à proposta de participação dos beneficiários de programas governamentais destinados a favelas se dá com o Projeto Mutirão, no início da década de 1980. O projeto, implementado durante a primeira gestão do governador Leonel Brizola, sinaliza uma mudança na relação entre a administração municipal e as comunidades faveladas, propondo a transformação das favelas em bairros populares. Criada em 1979, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS) firmou uma parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) para realizar experiências de educação comunitária, saneamento básico e ações preventivas de saúde,

5 Esse programa tinha como objetivo o financiamento de lotes em locais urbanizados (cf. GONÇALVES, 2013). 6 Esse programa financiava a aquisição de materiais de construção (cf. GONÇALVES, 2013). 19 enfatizando a participação comunitária na definição de prioridades e na sua execução (cf. LEITÃO et al., 2014; RODRIGUES apud BURGOS, 2006). Em sua segunda fase, a participação comunitária passa a ter um caráter secundário. Mudanças políticas como a saída de Dilza Terra da SMDS, atribuída à perda da função de intermediários por parte de alguns políticos, contribui para esse fato. O projeto perde seu caráter de protagonismo em favelas cariocas a partir de 1988 com a elaboração de outros programas com propostas mais complexas (cf. LEITÃO et al., 2014). Num contexto político e social totalmente diferente. os programas e projetos realizados a partir de 1988 são pautados por mudanças trazidas pela nova Constituição Federal, pelas constituições Estaduais, Leis Orgânicas Municipais, Planos Diretores e ainda pela regulamentação de uma Lei Federal de Desenvolvimento Urbano – o Estatuto da Cidade. A Assembleia Constituinte realizada em 1987 previa a participação direta da sociedade no processo legislativo, com a apresentação dos projetos populares com pelo menos 30.000 assinaturas e vários movimentos sociais se organizaram em torno do Fórum Nacional da Reforma Urbana (FNRU). As propostas desse fórum não visavam apenas assegurar a função social da propriedade privada, para garantir o direito à cidade e a à cidadania, mas comtemplavam também a instauração de uma gestão democrática da cidade, por meio de diversos procedimentos – como, por exemplo, a criação de conselhos populares, a realização de audiências públicas, de plebiscitos, de referendos e de iniciativas legislativas populares (cf. GRAZIA DE GRAZIA apud GONÇALVES, 2013, p.292). Segundo a nova constituição, as políticas públicas deveriam combater as causas da pobreza e os fatores de exclusão, viabilizando a integração social dos setores mais desfavorecidos da sociedade. O principal instrumento político para a descentralização no âmbito do Estatuto das Cidades era o Plano Diretor7, a partir de então obrigatório para as cidades com mais de 20 mil habitantes. A promulgação da lei em 2001 e a criação do Ministério das Cidades em 2003, pelo governo Lula, restabeleceram progressivamente o papel do poder federal na aplicação da política nacional urbana (cf. GONÇALVES, 2013). Como ressalta Burgos (2006), o Plano Diretor define a favela como uma questão municipal,

7 O Plano Diretor é um conjunto de normas legais e de diretrizes técnicas para o desenvolvimento do município sob os aspectos físico, social, econômico e administrativo (cf. MEIRELES apud GONÇALVES, 2003, p. 293). 20 porém, devido à desorganização dos excluídos para apresentar suas demandas, suas questões não seriam incorporadas a agenda política da administração municipal. É importante ressaltar que desde 1997 o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Mundial indicam a importância da participação social em seus programas de desenvolvimento urbano, relatando que “a participação não é simplesmente uma ideia, mas uma nova forma de concepção para o desenvolvimento da década de 1990” e que “as pessoas afetadas por intervenções devem ser incluídas nos processos de decisão” (LEAL, 2012). Assim, tanto o Governo Federal quanto os organismos internacionais, agindo em consonância reservam em seus programas recursos e um papel importante para a participação dos beneficiários de projetos urbanísticos. Nesse contexto surge o programa municipal Favela Bairro:

O Programa Favela Bairro surge a partir do consenso sobre princípios básicos. O primeiro deles é o que reconhece a moradia como um direito do cidadão. Além disso, o entendimento de que a habitação não é somente a casa, a moradia, mas também a integração à estrutura urbana (infraestrutura sanitária, transporte e equipamentos de educação, saúde e lazer), cabendo ao Estado prover essa estrutura urbana. Por último, o pressuposto de que os investimentos públicos em unidades habitacionais deveriam se dar somente quando necessários à melhoria da ambiência urbana e da infraestrutura ou ao enfrentamento de situações de risco (LEITÃO et al., 2014, p.6).

A participação da população nesse programa foi amplamente anunciada, porém, como esclarecem Burgos (2006) e Gonçalves (2013), o projeto contou com pouquíssima exposição aos atores políticos, assim como às organizações sociais. A participação do público beneficiário se resumiu a participação de uma pequena quantidade de moradores em assembleias, porém com o objetivo mais de legitimar o que já havia sido decidido. Diferente da proposta do Programa Favela Bairro, o programa Morar Carioca:

pretendia constituir um novo estágio de abordagem das intervenções urbanísticas em assentamentos precários informais, propondo, de acordo com as diretrizes apresentadas pela Secretaria Municipal de Habitação, a incorporação dos conceitos de sustentabilidade ambiental, moradia saudável, bem como a ampliação das condições de acessibilidade (LEITÃO et al., 2014, p.7).

O que chama a atenção nesse programa é “essa alteração nas abordagens conceituais dos projetos de urbanização de favelas” (LEITÃO et al., 2014, p.7). Se antes as remoções eram pensadas somente em casos extremos, o Programa Morar Carioca, traz de volta esse fantasma a vida do favelado. As grandes intervenções propostas,

21 objetivando a melhoria da qualidade de vida daqueles que permanecerem no local, suscita mudanças consideráveis no habitat construído pelos moradores. Ainda em curso, esse programa apresenta, segundo alguns moradores, semelhanças com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – programa federal realizado em parceria com o Governo Estadual e que, assim como outros projetos aqui descritos, apresenta propostas de participação popular em sua formulação, implementação e avaliação. Ao longo do século XX as favelas do Rio de Janeiro viveram o dilema erradicação ou urbanização e foram reféns de políticos clientelistas que se aproveitavam da situação de irregularidade para benefício próprio.

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Capítulo 2

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2.1. O processo de urbanização do Complexo do Alemão

Neste capítulo farei um breve histórico do processo de urbanização do Complexo do Alemão e a seguir apresentarei a trajetória daquelas organizações que protagonizaram o diálogo com a equipe do PAC Social. As informações utilizadas resultam da pesquisa em fontes secundárias e entrevistas com lideranças dessas iniciativas. Historicamente, a condição precária e provisória das favelas remete a um status jurídico de ocupação irregular reiterado pelas ações governamentais desde o início do século XX. Ainda que encontremos diferentes modos de ocupação dentro de uma mesma favela, este fato era desconsiderado sempre que o status de “invasor” era generalizado como sinônimo de “favelado” (cf. GONÇALVES, 2013). No caso específico do Complexo do Alemão, embora haja casos de invasão, encontramos o aluguel e a compra e venda de benfeitorias como práticas comuns no início de sua ocupação, a partir do início do século XX. Couto e Rodrigues (2013) identificaram a partir de relatos dos próprios habitantes do local

definições distintas para a fixação de moradia que derivam das relações entre os proprietários das terras e os moradores, ou suas Associações, tais como aluguel de chão; ocupação consentida; invasão coletiva; e “venda de cavas de terra” por Associações de Moradores. Identificamos também, outras formas de fixação que derivam das relações de “atores difusos” com os moradores, tais como: invasão para venda (“faveleiro”); loteamento e venda informal; cobrança de aluguel das benfeitorias sem identificação do proprietário ou posseiro. Com respeito às relações entre moradores, constatamos que o aluguel e a compra/venda de benfeitorias ou posses foram observados como práticas comuns em todas as localidades (COUTO e RODRIGUES, 2013, p.3).

Considerado anteriormente como zona rural, o Complexo do Alemão só começa a ser urbanizado em meados do século XX, mais precisamente em 1946, com a abertura da Avenida Brasil e a sua gradual transformação em polo industrial, momento em que a região passaria a ser ocupada por contingentes de trabalhadores locais e migrantes nordestinos. A partir de 1951 a área compreendida pela atual comunidade do Relicário começa a ser ocupada por trabalhadores da Companhia Algodoeira Fernandes SA. O nome Complexo do Alemão se deve à ocupação do território na segunda década do século XX pelo polonês Leonard Kacsmarkiewcz, cuja aparência e idioma desconhecido foram associados pela população local aos nativos da Alemanha. Leonard

24 adquiriu duas pequenas glebas na região, formando uma única fazenda, e a partir da década de 1940 passou a lotear seus terrenos e a alugá-los principalmente para os trabalhadores da indústria local. Essas glebas eram situadas na encosta do morro, voltadas para o bairro de Olaria, e foram rebatizadas como “Morro do Alemão”, nome que se difundiu entre os moradores da localidade (cf. COUTO e RODRIGUES, 2013). A ocupação do território teve continuidade, seguindo em direção às comunidades de Joaquim de Queiroz e Nova Brasília, cuja população cresceria de forma acelerada ainda nos anos 1950. Nas localidades do Parque Alvorada, Morro das Palmeiras e Morro da Baiana, este processo ocorreria apenas a partir do final da década de 1970. Nesse período, a descentralização das indústrias – antes localizadas, sobretudo, no centro da cidade – contribuiu de maneira significativa para o adensamento das áreas suburbanas. Em busca de emprego, muitos trabalhadores migraram para a zona norte e a baixada fluminense, contribuindo para a formação de novos núcleos populacionais nesses locais.

É importante notar que as favelas proliferaram numa época em que os controles urbanísticos formais cada vez mais se acentuavam, sendo entretanto pouco afetados por eles. Isto se explica, de um lado, pelo forte fluxo migratório que então se verificava, o que em si, já comprometia a concretização de qualquer ação coercitiva por parte do poder público. Por outro lado, essa mão de obra barata era necessária para que a indústria, o comércio e a burguesia em geral acumulassem capital. Ademais, os terrenos ocupados pelas favelas, ou era públicos ou eram pouco valorizados pela empresa imobilizaria organizada, que estava empenhada em construir edificações em áreas planas ainda desocupadas, ou em adensar áreas já construídas através da substituição do uso unifamiliar pelo multifamiliar. Some-se o que foi exposto acima o caráter populista do período e, a partir de 1945, o advento de uma fase “democrática”, na qual as favelas, se eram ainda consideradas “chagas” da cidade no discurso formal, eram também o manancial de uma infinidade de votos e, portanto, “intocáveis” (ABREU, 2013, p.95).

Embora a concentração de favelas ocorresse de forma mais acentuada na zona sul da cidade, a maioria da população favelada encontrava-se nos subúrbios, seguindo o ritmo do surgimento de postos de trabalho nas áreas recentemente industrializadas.

No que diz respeito aos subúrbios, note-se a sua predominância das favelas nas áreas mais próximas ao centro e junto ao eixo Leopoldina/Avenida Brasil, exatamente os locais que estavam sendo ocupados pela atividade industrial. Embora os dados de 1950 não digam nada a respeito do local de trabalho da população favelada, acredita-se que uma boa parte dos favelados do subúrbio se empregava nas indústrias aí existentes já que, como visto antes, a associação ocupação industrial/aparecimento de falas foi uma das características marcantes desse período (ABREU, 2013, p.107).

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A partir dos anos 90, com o advento do tráfico de drogas e o aumento da violência no local, diversas fábricas fecharam suas portas ocasionando a demissão de cerca de 20.000 pessoas. Tal situação provocaria um processo de decadência e precarização do bairro. O comércio de entorpecentes, sobretudo a cocaína, configurou uma relação complexa entre comunidade, traficantes e Estado (cf. LEEDS, 1978). Situações de violência, violência estrutural8 e repressão contra os favelados ocasionam a falência da vivência democrática nesses locais, à medida que seus moradores se veem entre “a violência ilegal dos traficantes e a violência oficial dos policiais” (LEEDS, 1978, p.235).

2.2. Características demográficas

De acordo com o Portal Geo-Rio, o bairro9 do Complexo do Alemão conta com um total de 69.143 10 habitantes e reúne ao todo 15 favelas 11 : Itararé, Joaquim de Queiróz, Mourão Filho, Nova Brasília, Morro das Palmeiras, Parque Alvorada, Relicário, Rua Um (pela Ademas), Vila Matinha, Morro do Piancó, Morro do Adeus, Morro da Baiana, Estrada do Itararé, Morro do Alemão e Armando Sodré. Os dados sobre o número total de habitantes e a quantidade de comunidades variam de acordo com a fonte pesquisada. Segundo o site do Instituto Pereira Passos,12 no Sistema de Assentamentos de Baixa Renda (SABREN), o Complexo do Alemão possui 60.555 habitantes. Há também informações sobre um contingente de até 300 mil moradores, mas o Censo das Favelas encomendado pelo PAC e finalizado em 2010 pelo Escritório de Gerenciamento de Projetos do Estado do Rio de Janeiro (EGP-Rio) apresenta um quantitativo de cerca de 70 mil habitantes.

8 O que a pesquisadora Elisabeth Leeds (2006) está chamando em suas pesquisas de violência estrutural ou violência institucionalizada, refere-se às circunstâncias que causem ou favoreçam deficiências na área da saúde, educação e infraestrutura provocadas por uma distribuição desigual de recursos providos pelo Estado. 9 O Complexo do Alemão foi constituído como bairro a partir da Lei n° 2055 de 09 de dezembro de 1993, apoiada pelo decreto n° 6011, de 4 de agosto de 1986. 10 http://portalgeo.rio.rj.gov.br/bairroscariocas/index bairro.htm - Acesso em 02/09/2013. 11 http://portalgeo.rio.rj.gov.br/sabren - Acesso em 02/09/2013. 12 Cf. http://portalgeo.rio.rj.gov.br/sabren Acesso em 30/08/2013. 26

Instituto Pereira Passos e Armazém de Dados

Fonte:

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As informações sobre o número de subfavelas13 varia entre 12 e 15 núcleos habitacionais, não havendo consenso a esse respeito mesmo entre os órgãos governamentais (cf. VELOSO et al, 2013, p.180). Ainda de acordo com este censo, antes da finalização das obras do PAC, o Complexo do Alemão apresentava 27.624 imóveis domiciliares e 2.360 não domiciliares, dos quais 93,9% eram casas e 4,2%, apartamentos. O material predominante na construção dos imóveis é a alvenaria (93,8%) e 3,7% das moradias são feitas de materiais diversos como madeira, papelão e outros.

Tabela 1 – Material Predominante – Relatório final do Censo Domiciliar 2010 Complexo do Alemão – Fonte: Listen

A grande maioria dos imóveis (80,7%) é de propriedade dos moradores e 14,4% são alugados; mais de um terço da documentação de posse dos imóveis próprios foi emitido pelas associações de moradores. Ao todo, apenas 13,1% dos imóveis possuíam escritura definitiva e 31,2% não apresentava qualquer documento.

Tabela 2 – Situação do Imóvel - Relatório final do Censo Domiciliar 2010 Complexo do Alemão – Fonte: Listen

Com relação às categorias emprego e renda, o Censo das Favelas apurou que, das 62.776 pessoas entrevistadas, 4.928 se encontravam desempregadas (7,1%) e 17.426 pessoas sem qualquer tipo de renda (25%), casos que representam 32% do total. Das

13 A expressão é utilizada para se referir a “locais com características e identidade próprias pertencentes a determinada favela” (VELOSO et al: 2013, p.180). 28

28.421 pessoas (40,8%) que declaram obter algum tipo de renda, 24.791 pessoas (35,7%) ganham até dois salários mínimos.

Tabela 3 - Renda - Relatório final do Censo Domiciliar 2010 Complexo do Alemão – Fonte Listen

Quase todas as pessoas com renda atuam no setor de serviços, ocupando cargos que exigem poucos anos de estudo, recebem baixos salários e trabalham em condições precárias (cf. OLIVEIRA, 2011). Esses dados foram produzidos antes do término das obras do PAC I e não há até o momento informações referentes ao período posterior que ofereçam um parâmetro de comparação.

Tabela 4 – Última série concluída - Relatório final do Censo Domiciliar 2010 Complexo do Alemão – Fonte Listen

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2.3. Expressões artísticas e culturais

Em pesquisa recente realizada pelo Observatório das Favelas,14as expressões artísticas e culturais da favela foram mapeadas por jovens de cinco comunidades. O Complexo do Alemão se distinguiu no interesse pela música, com destaque para os gêneros , sertanejo, pagode, funk e hip hop. Em seguida, de acordo com o mapeamento, observa-se o interesse local pelas artes cênicas (grupos de teatro e dança) e pelas linguagens audiovisuais (especialmente fotografia e vídeo), com artistas e grupos desenvolvendo suas práticas criativas e formando jovens por meio de cursos e oficinas. A pesquisa aponta também a presença significativa de atividades desportivas (futebol, basquete e lutas marciais) e de tradições populares, como escolas de samba, blocos de carnaval, festas religiosas, capoeira, bailes de forró e de funk, batalhas de hip hop. Os espaços de sociabilidade como praças, bares, salões de festa e lan houses aparecem como o principal recurso para experiências culturais e artísticas nas favelas mapeadas.

2.4. Mobilizações coletivas – dos mutirões ao diálogo com o PAC

Desde as décadas de 50 e 60, o Complexo do Alemão vem se articulando para a construção física e simbólica do seu território. As primeiras mobilizações coletivas ocorreram no final da década de 50, quando surgiram as primeiras associações de moradores do local, a partir da organização comunitária visando o melhoramento e a urbanização do local. A invasão de terrenos do Instituto de Aposentadoria e Pensão (IAPC), na atual favela de Nova Brasília, culminou na criação da Comissão Pró- Melhoramentos, em resposta a uma ação de despejo contra os moradores. A criação dessa Comissão resultou na fundação da Associação de Moradores de Nova Brasília, em 1961, a primeira do Complexo do Alemão (cf. RODRIGUES, 2013, p.33).

14 Cf. http://www.solosculturais.org.br/territorio/complexo-do-alemao. Acesso em 18/03/2015. 30

Mesmo antes da criação da primeira associação de moradores, havia trabalhadores do Morro do Alemão15 integrados à UTF, cuja principal reivindicação era a desapropriação dos terrenos ocupados pela favela. De acordo com Lima, (1989):

Em torno da UTF, desenvolveu-se intenso movimento social em resposta a várias ações de despejo decretadas. Os jornais da grande imprensa e particularmente a “Imprensa Popular”, órgão vinculado ao Partido Comunista, davam destaque às manifestações de favelados. As formas de pressão mais utilizadas eram passeatas e concentrações na Câmara dos Vereadores, onde eram votados os projetos de desapropriação (LIMA, 1989, p.108).

Apesar de sua importância histórica, o engajamento de trabalhadores da região na UTF não pode ser considerado um catalizador da mobilização popular do Complexo do Alemão. Nos mutirões realizados ao longo dos anos 50 e 60 por habitantes da região as prioridades eram o calçamento das ruas e a desobstrução das valas e o material para a realização das obras era cotizado entre os moradores (VELLOSO e PASTUK, 2013, p.195). Nas décadas seguintes, a partir da articulação das lideranças comunitárias, o material de construção para as obras passaria a ser fornecido por candidatos a cargos políticos que ajudavam nas intervenções com claros objetivos eleitoreiros. O viés clientelista se manteve na década de 80, quando o governo passou a financiar ações mais estruturadas, como a criação de creches e algumas ações de urbanização, empregando nessas intervenções mão de obra do próprio local. Configurando-se, segundo Diniz (1995), como um sistema de lealdades que se estrutura em torno da distribuição de recompensas materiais e simbólicas em troca de apoio político, o clientelismo presente nas favelas do Rio sobretudo por meio da compra de votos seria um herdeiro do “chaguismo” disseminado na política carioca da década de 70. Essa prática contribuiria para a descaracterização da relação estado/cidadão ao configurar as relações políticas como algo de foro privado, ou seja, da relação pessoal entre o político e cada eleitor. A chamada política da “bica d’água” atendia a interesses de ambas as partes: o político interessado em votos e o eleitor que, ao ver atendida a sua demanda, entendia como um reconhecimento oficial da favela onde residia que iria (supostamente) reduzir as possibilidades de remoção.

15 “Com base em dados coletados através da imprensa e entrevistas realizadas, pode-se constatar as seguintes favelas como participantes da União dos Trabalhadores Favelados, nos anos de 1954 e 1955: Morro do Borel; Morro do Jacarezinho, Favela do Esqueleto; Morro de Santo Antônio; Morro de Santa Marta; Morro da Formiga; Morro da Liberdade; Morro do Alemão; Morro da Providência; Morro da ; Morro do Salgueiro; ; Matta Machado” (cf. LIMA, 1989, p. 105). 31

Uma das propostas do governador Leonel Brizola, em seu primeiro mandato, em 1982, era favorecer a transformação das favelas em bairros populares atuando juntamente com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS). A atuação da SMDS, criada na gestão do prefeito Israel Klabin – que fora nomeado 16 pelo governador Chagas Freitas – demonstrava uma mudança nas relações entre o governo municipal e as favelas (cf. LEITÃO et al, 2014). A partir deste período, quando as remoções já não constituíam uma alternativa, exceto nos casos em que as condições físicas da área impunham risco à vida dos habitantes, a Constituição de 1988 – como dito anteriormente – coloca como desafio a integração das áreas faveladas à cidade não só no aspecto físico, mas também social. Essa Constituição consagrou uma nova ordem jurídica e política no país instituindo a participação de diversos setores da sociedade nas deliberações governamentais.

2.5. Mobilizações por segmentos/área de interesse

Diversos indivíduos, movimentos e organizações sociais se articularam para a configuração desse panorama de ações coletivas, com destaque para os movimentos com temáticas relacionadas à saúde. Como assinala Gohn (2010), estes movimentos foram pioneiros em sua mobilização, articulando-se para tratar de questões de cidadania e direitos:

A área da saúde, especialmente a saúde coletiva, pública, é, desde os anos de 1980, um setor de concentração de demandas, reivindicações, movimentos, associações, conselhos, agentes comunitários, etc. por isso, a saúde foi uma das primeiras a se organizar e a criar Conselhos Gestores de Saúde, a partir das experiências das assembleias ocorridas nas Conferências de Saúde – organizadas desde o final dos anos 1980 e os conselhos Populares de Saúde daquela mesma época (GOHN, 2010, p.77).

A participação de algumas lideranças locais do Complexo do Alemão no projeto “Pensar Social”, criado por iniciativa do SESC Ramos, está na origem da mobilização que culminaria na criação do primeiro Conselho Comunitário de Saúde do Alemão (CONSA) em fins da década de 90. Este Conselho era composto por agentes de saúde, associações de moradores, igrejas, organizações sociais e habitantes do local e já se

16 Nesta época, os prefeitos eram nomeados pelo governador. 32 caracterizava como um espaço de participação popular na medida em que possibilitava a discussão sobre os problemas sociais existentes na localidade. Neste sentido, observa-se uma mudança no papel desempenhado pelos conselhos de saúde, que não se descolavam das discussões sobre os problemas estruturais locais, fugindo aos primeiros modelos de “participação comunitária” preconizados pelas agências internacionais de saúde, nos 70 (cf. MOREIRA e ESCOREL, 2009, p.798). Nesse mesmo período, outras organizações surgem no local. Podemos citar o Verdejar, que desde então vem atuando em questões socioambientais da Serra da Misericórdia. Articulada com outros grupos como o CONSA, o Bicuda Ecológica, os Verdes e o Centro de Estudos e Pesquisas da Leopoldina (CEPEL) promoveu um diálogo com o poder público e diversos setores da sociedade que resultou na promulgação do Decreto nº 19.144, de novembro de 2000, criando a Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana (APARU) da Serra da Misericórdia. No ano seguinte foi lançada a Carta Aberta da Serra da Misericórdia, com 27 propostas da sociedade civil para a regulamentação dessa APARU (cf. VELLOSO e PASTUK, 2013, p.197). Como esclarece Gohn (2010):

Os movimentos ambientalistas nos lembram que, além da pobreza e do desemprego, a situação ambiental das cidades deve também ser vista como prioritária: lixo, água, esgoto e poluição atmosférica são seus principais problemas. Para alguns urbanistas, a mudança do combustível e a mudança no motor dos automóveis e dos ônibus são indispensáveis. É preciso cuidar não apenas do zoneamento urbano; mas, também dos planos diretores da cidades, aqueles que definem o que será feito com as cidades, e que dizem respeito também aos seus espaços públicos (GOHN, 2010, p.84).

Além destes, também estiveram presentes neste espaço outros agentes sociais atuando na área da saúde, educação e formação política. A princípio de forma improvisada e amadora, tais iniciativas foram se aprimorando e especializando em suas atividades e, posteriormente, muitas delas se transformaram em ONGs. Como atuações na área de saúde e HIV/Aids, podemos citar o Espaço Democrático de União Convivência e Aprendizagem (EDUCAP), e o projeto Nascibem, cuja coordenadora ocupava, na ocasião desta pesquisa, o posto de agente de saúde no PSF local. Uma das principais articuladoras do CDLSM, a ONG Raízes em Movimento, iniciou suas atividades no princípio da primeira década do século 21. Com a proposta de “promover o desenvolvimento humano, social e cultural do Complexo do Alemão e demais comunidades por meio da participação de atores locais como protagonistas desses

33 processos, tendo como foco o fortalecimento e ampliação do capital social dessas comunidades”, 17 a entidade surgiu a partir de um grupo de jovens universitários moradores da área ou envolvidos em trabalhos sociais na região. Suas primeiras atuações foram: trabalhar com a questão ambiental, promover atividades esportivas e ações para a educação e cultura, além da capacitação constante de seus integrantes para o fortalecimento institucional. Este contexto de Mobilização Comunitária favoreceu a criação no ano de 2006 do Comitê de Desenvolvimento Local da Serra da Misericórdia, CDLSM18, com várias entidades participantes do agora extinto CONSA. Integrado por diversas instituições do Complexo do Alemão, o CDLSM visava a construção

coletiva de um espaço que promovesse o diálogo com o poder público acerca de políticas a serem implementadas no Complexo do Alemão e no entorno deste, além da promoção de ações conjuntas e do intercâmbio entre seus participantes” (VELLOSO e PASTUK, 2013, p.197).

O encontro frequente de várias lideranças do Complexo do Alemão no projeto Redes Comunitárias, promovido pelo SESC de Ramos, possibilitou uma mobilização inicial em torno do desenvolvimento local dos Complexos do Alemão e da Penha. Esse seria o germe para a constituição posterior do CDLSM. Essas atividades iniciadas em 2006 duraram até meados de 2007, quando da ocorrência da morte de 19 pessoas no Complexo do Alemão19 após a realização de uma operação policial militar e civil no local.

17 Informação disponível no site www.raizesemmovimento.com.br. Consultado em 23/05/2014. 18 De acordo com o próprio site da entidade, “esse comitê, formado por instituições sociais e cidadãos do Complexo do Alemão, consiste em propor um canal direto com as esferas governamentais (municipal, estadual e federal) para as discussões de políticas públicas a serem implementadas no Complexo do Alemão e entorno, além de promover construção coletiva de ações sociais e intercâmbio entre os seus participantes” (cf. http://comitedaserra.blogspot.com.br. Acesso em: 04/02/2014). 19Segundo o site Justiça Global “Em 27 de junho de 2007, o Estado brasileiro realizou no Complexo do Alemão operação policial executada pelas Polícias Militar e Civil do Estado do Rio de Janeiro em conjunto com a Força Nacional de Segurança, sob fundamento de combate e repressão à atuação de narcotraficantes. A operação contou com a participação de 1.350 agentes policiais, a utilização de 1.080 fuzis, 180.000 balas e teve duração de cerca de oito horas. Após o término da operação, o Estado divulgou a apreensão de 14 armas, 50 explosivos e munição de 2.000 balas, supostamente em poder de traficantes. Entretanto, mesmo com as declarações públicas de agentes do Estado do Rio de Janeiro sobre a preparação desta operação e a utilização de atividades de inteligência para que houvesse o mínimo de risco à população civil, somente na operação do dia 27 de junho de 2007, 19 pessoas foram assassinadas e cerca de 60 foram feridas por arma de fogo, a maioria vítima de balas perdidas.” Disponível em: http://global.org.br/programas/manifesto-pela-apuracao-das- violacoes-de-direitos-humanos-cometidas-na-operacao-complexo-do-alemao/9 DE JULHO DE 2007 • 12H17 . consultado em 23/05/2015. 34

A comoção gerada pelo acontecimento afetou as atividades do Comitê, direcionando sua agenda para a garantia do respeito aos direitos humanos. Envolvidos em ações de denúncia, os movimentos sociais do Alemão se aproximaram de organizações como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Organização das Nações Unidas (ONU), o que gerou resultados mobilizações mais consistente, articuladas com diversos setores da sociedade. O coletivo Raízes em Movimento mobilizou a plataforma Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCA)20 do Brasil, ligada à ONU, o que teria como resultado mais concreto a elaboração, em 2008, de um relatório denominado “Violação dos Direitos Educativos da Comunidade do Complexo do Alemão – Rio de Janeiro”. As recomendações apresentadas ao final deste relatório, posteriormente tornaram-se uma agenda para o CDLSM na discussão sobre políticas públicas.

2.6. A entrada do PAC e o diálogo com as organizações locais

A entrada do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Complexo do Alemão mudaria a configuração da mobilização decorrente de ações do CDLSM. A partir de então, com o convite recebido por uma das lideranças locais para compor o quadro de funcionários do PAC Social (apresentado no próximo capítulo), o movimento passa a se considerar como protagonista de uma intervenção estatal e suas articulações passam a se dar de “forma interna” ao Estado. O Ministério das Cidades determinou que o PAC das favelas deveria contar com a “participação dos beneficiários do projeto” na elaboração, implementação e avaliação do programa, que teve como objetivo a

promoção da melhoria da qualidade de vida das famílias beneficiárias, agregando-se às obras e serviços a execução de trabalho técnico-social, com

20 Segundo informações retiradas de seu site “A DHESCA Brasil é uma rede nacional de articulação de organizações da sociedade civil que visa promover os Direitos Humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais como direitos humanos em seu conjunto universais, indivisíveis e interdependentes, articulados ao aprofundamento e radicalização da democracia e a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável e solidário. Constitui-se no Capítulo Brasileiro da Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento (PIDHDD). A Plataforma publicou o Relatório Nacional em Direito à Educação”. Disponível em http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this- office/networks/specialized-communities/specialized-communities-shs/dhesca-brasil/. Acesso em: 28/05/2015.

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o objetivo de criar mecanismos capazes de fomentar e valorizar as potencialidades dos grupos sociais atendidos; fortalecer os vínculos familiares e comunitários; viabilizar a participação dos beneficiários nos processos de decisão, implantação e manutenção dos bens e serviços, a fim de adequá-los às necessidades e à realidade local, bem como a gestão participativa, que garanta a sustentabilidade do empreendimento (BRASIL, 2007, p.4).

Na ocasião, parece ter havido uma tentativa de neutralização de algumas ONG´s e movimentos sociais locais, por parte das associações de moradores, nos diálogos iniciais para a implementação do PAC. Digo alguns movimentos, porque, a rigor, algumas ONGs referidas pelos ativistas locais como “big ONGs”21 estiveram de alguma forma próximas à escolha de determinadas intervenções a serem realizadas no local. Embora não seja o tema deste trabalho, cabe destacar a atuação das associações de moradores nas favelas, pois ao pensarmos seu histórico da mobilização enquanto primeiros porta vozes dos moradores em sua interlocução com o Estado, verificaremos sua grande relevância na apresentação das reinvindicações das favelas por infraestrutura e serviços. Canal privilegiado de diálogo também por ocasião do PAC, as associações de moradores deste local foram as primeiras a serem procuradas para apresentação do plano de trabalho do Programa. Diferente da atuação das primeiras associações onde a mobilização coletiva era prioridade e se realizava através do constante envolvimento dos moradores nas questões comunitárias, atualmente as associações tendem a se pautar por uma atividade onde a figura do presidente de certa forma, “personaliza em si a associação”, pois “se utiliza de canais já instituídos para permanecer no local ou trazer obras para a comunidade” (BRUM, 2006). Brum (2006) também observa que

quando a atuação das associações dispensa a organização dos moradores, e passa a atuar exclusivamente através dos canais do Estado, automaticamente toma-se desnecessário envolver um grande número de moradores nas atividades da associação, a não ser como clientela cativa de suas ações. A participação ativa dos moradores na vida organizativa da associação (em assembleias, por exemplo) se tomou dispensável para o seu funcionamento. Até porque pelas relações clientelistas desta com políticos e autoridades do Estado, se tomou mais importante o tamanho da clientela a ser atendida pela associação, pelo que representará em votos posteriormente, do que o número de pessoas que esta organiza. Este clientelismo, baseando-se nas em relações pessoais, estimulou o personalismo nas associações, já que as conquistas passaram a se dever mais pelos relacionamentos que determinada liderança possui, ou também como fruto da ação de um político, do que pela luta e mobilização da comunidade. Assim, uma melhoria na comunidade é concebida como tendo sido conseguida graças à ‘fulano’ ou ao político ‘tal’, de modo que ocorre a

21 Dentre as mais citadas encontram-se as ONGs AfroReggae e Cufa, que por não participarem do CDLSM não fazem parte do escopo desse trabalho. 36

desmobilização da comunidade, que passa a depender destes ‘salvadores’ ao invés de funcionar como um coletivo. Um dos efeitos imediatos disso, é que às vezes, além do ‘personalismo’, existe o ‘caciquismo’ em várias associações, com o presidente desta encarnando em si tudo que se refere à associação, e também centralizando em si todas as decisões, não abrindo espaço para que outras pessoas atuem na associação, a não ser que reconheçam a autoridade deste (BRUM, 2006, p.155).

Com o movimento de aproximação do Estado em direção às associações de moradores, os presidentes destas entidades têm acesso facilitado aos gabinetes do poder instituído. Ao mesmo tempo em que contribui para o fortalecimento das associações, esse fato enfraquece o movimento favelado coletivo, pois leva o Estado a se relacionar diretamente com cada associação não reconhecendo outras possíveis lideranças. Convidados ao diálogo pelo Governo Estadual, mas inicialmente não pela Prefeitura, os presidentes das associações são solicitados a negociar com o tráfico. Diante dessa prerrogativa, esses atores são alçados a uma posição de privilegio que os permite exigir exclusividade na representação favelada, causando uma tentativa de “neutralização da diversidade de movimentos sociais”.22 No caso do Complexo, encontramos entre os presidentes de associação de moradores uma mobilização com características próprias, onde a ascendência de um deles sobre os outros permite o direcionamento das ações na tentativa de monopolizar o diálogo com as instâncias governamentais. Acumulando o maior capital político dentre as lideranças locais e influenciando os outros presidentes de associações sobre decisões referentes ao PAC, um único representante realizava a contratação de mão de obra e de pessoas para a gestão dos equipamentos entregues pelo Governo Estadual (cf. MIGON, 2011). Outra questão não menos importante é pensar o quanto as associações de moradores de favelas estão “envolvidas” com o tráfico e quais as consequências deste envolvimento para o próprio movimento comunitário. Como assinala Brum (2006), “o papel de mediação que as associações de moradores passaram a desempenhar deve ser considerado como uma atribuição não só do tráfico, mas das próprias autoridades que recorrem a estas quando querem dialogar com o poder central da favela sem legitimá-lo, no entanto (e também sem se comprometerem)” (BRUM, 2006, p.177). Em diversas ocasiões, os traficantes de drogas controlam e cerceiam a ação das associações de moradores, dificultando a ação coletiva nas favelas. “Neste contexto, surgem outros atores sociais que apresentam novas credenciais para participar da

22 Informações coletadas nas entrevistas concedidas por algumas das lideranças locais. 37 discussão pública sobre as favelas, e que entram na disputa sobre a imagem dessas localidades e também sobre quem pode falar de forma legítima pelos moradores” (ROCHA apud MIGON, 2011, p.62). Como observa Brum (2006),

não podemos esquecer que há graduações no grau de controle que as quadrilhas exercem sobre as associações de moradores. Em outras palavras, quanta autonomia elas preservam. Havendo associações que preservam certa distância dos traficantes limitando-se a uma ‘convivência forçada’ entre estes e as lideranças, enquanto há outras associações que os diretores foram apoiados ou até impostos pelo tráfico. De qualquer forma, o espaço de autonomia das associações é bastante reduzido (BRUM, 2006, p.176).

Citado como uma das razões para o afastamento das lideranças locais do quadro de funcionários do PAC Social, o envolvimento do tráfico com a dinâmica de implementação do PAC será detalhado mais à frente quando da discussão da participação social neste programa. A saída das lideranças, ocorrida em 2009, contribuiu para a rearticulação do CDLSM. Segundo participantes do Comitê, como o trabalho social do PAC atuava organizando encontros com as lideranças locais, inicialmente o comitê estava esvaziado, porque já “se encontrava dentro” (sic) da máquina política e os participantes “não viam sentido” (sic) de se manter esses dois espaços, com os mesmos atores, porém em posições diferentes”. Nas entrevistas com os gestores do PAC, essa é uma questão mencionada como espinhosa por aqueles que ocupavam cargos técnicos e que eram também moradores da favela. Tal atuação suscita questões sobre a possibilidade de cooptação desses atores e sua limitação enquanto questionadores das ações do Estado.

2.7. Origem e destino do Comitê de Desenvolvimento Local da Serra da Misericórdia

O Comitê pode ser considerado como um movimento social na medida em que expressa uma ação coletiva e decorre da luta pela mobilização do poder público para realizar intervenções voltadas para saúde, educação, saneamento básico e infraestrutura no local (cf. GOHN, 2012). E como tal coincide com o conceito de movimento social compreendido como o resultado de “fenômenos históricos decorrentes de lutas sociais e econômicas que se coadunam com as mudanças estruturais e econômicas da sociedade

38 civil e política” (GOHN apud SILVA, 2012, p.89). Assim como no caso de Manguinhos, os movimentos sociais, associativos, fóruns, ONGs e associações de moradores foram os principais locais de articulação dos grupos de trabalho do PAC (cf. SILVA, 2012). Como observa Gohn (2010), no Brasil, de um lado, passou a imperar um modismo que tenta se desvencilhar de imagens movimentalistas dos anos de 1980 e construir novas representações sobre as ações civis, agora tidas como ativas e propositivas, atuando segundo formas modernas de ação coletiva, expressas em discursos como “articular-se em redes como exigência para sobrevivência”. De outro lado, à medida que o cenário da questão social se alterou novíssimos atores/sujeitos sociais entram em cena na sociedade civil, como as ONG´s e as entidades do terceiro setor; as políticas sociais públicas ganharam destaque na organização dos grupos sociais (GOHN, 2010, p.12).

A ocupação policial do Complexo do Alemão em novembro de 2010 levou a um inchaço nas reuniões do CDLSM, devido à presença de novas lideranças locais, imprensa e grupos de vários lugares. Uma agenda propositiva foi elaborada com o objetivo de influenciar e dialogar com o poder público. Com a entrada de uma nova coordenação no PAC Social num momento de grande pressão sobre a atuação do poder público no âmbito das ações do PAC, algumas instituições passaram a receber subsídio governamental. Tal fato ocasionou uma desmobilização por parte de alguns membros do Comitê, pois os grupos contemplados não teriam como se posicionar criticamente contra o governo. Em 2011, o Comitê passou por um esvaziamento gerado não só pela desmobilização de algumas lideranças, mas também pela impressão compartilhada por alguns participantes de que nas reuniões “se discutia muito, mas não se conseguia nada” (sic). Segundo avaliação de um dos membros do CDLSM, no que tange às articulações da entidade, as relações estabelecidas durante o processo de mobilização do Comitê foram mantidas, traduzindo-se em capital social através de sua capacidade de articulação e de suas ramificações junto aos gestores públicos, pesquisadores e pessoas que “estão pensando o desenvolvimento daquele território. Esse movimento é o grande ganho de todo esse processo do comitê, de todas as instituições que estavam participando, em grau maior ou menor, houve um processo de ampliação do seu capital social institucional” (Entrevista AL4). Na percepção do entrevistado,

historicamente, as favelas e o Brasil como um todo se comportam muito como um Estado paternalista e este Estado paternalista e as relações estabelecidas do poder público, sobretudo com as favelas, sempre foram relações de pires na mão. Está faltando um governo que se adapte a essa perspectiva participativa, essa perspectiva da participação, de construir junto,

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de fazer junto, de tomar pra si a condução do processo coletivamente, ela é muito frágil (Entrevista AL4).

Outra observação sobre o funcionamento coletivo diz respeito a uma fragilidade no processo de amadurecimento da formação politica e técnica dos participantes. As principais lideranças relatam em seus depoimentos uma dificuldade na tentativa de democratizar a divisão do trabalho, decorrente da delegação da iniciativa a poucas pessoas, como uma centralização forçada. Esta situação sobrecarregou alguns dos membros e levou à proposta da criação de grupos de trabalho com diferentes temáticas, o que não gerou mobilização, pois alguns participantes encontraram dificuldades de caráter operacional em tarefas como a produção de relatórios, atas e a sistematização do trabalho, entre outras. Com a desmobilização do CDLSM, o trabalho das organizações sociais passou a acontecer no território de forma mais independente, dentro de cada campo de atuação.

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Capítulo 3

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3.1. O Programa de Aceleração do Crescimento

Em 2007, durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Governo Federal lançou o Programa de Aceleração do Crescimento, que propunha um conjunto de medidas para acelerar o crescimento econômico do país pelo aumento do investimento em infraestrutura, o estímulo ao financiamento e ao crédito, a melhoria do ambiente de investimentos, a desoneração e o aperfeiçoamento do sistema tributário e a adoção de medidas fiscais de longo prazo.23 O programa também tinha como objetivo ser um instrumento de favorecimento à inclusão social e à diminuição das desigualdades regionais possibilitando, através de ações e obras, a geração de emprego e renda para os trabalhadores brasileiros. Segundo Cordeiro (2009),

Dentro da área de infraestrutura social e urbana, os maiores investimentos concentram-se nos setores de habitação e saneamento, considerados por este programa setores essenciais no potencial econômico e social. Através destes investimentos, são previstas obras que devem melhorar a qualidade de vida da população de menor renda; e o setor da construção civil deve ter forte mobilização, provocando impactos positivos na geração de emprego e renda (CORDEIRO, 2009, p.134).

Ainda de acordo com Cordeiro (2009), foi criada em 2007 no âmbito das medidas de “investimentos em infraestrutura”, dentro da área estratégica “Social e Urbana”, a ação denominada “Projetos Prioritários de Investimentos – Intervenções em Favelas”. Os recursos desta ação foram geridos pelo Ministério das Cidades e operacionalizados pela Caixa Econômica Federal. Deste modo, foram firmados contratos entre a Caixa e os municípios ou estados participantes do PPI, para repasse dos recursos do Orçamento Geral da União. De acordo com SNH e SNSA, o objetivo dos PPI – Intervenções em Favelas é a

implantação de ações necessárias à regularização fundiária, segurança, salubridade e habitabilidade de população localizada em área inadequada, a moradia, visando a sua permanência ou realocação, por intermédio da execução de ações integradas de habitação, saneamento e inclusão social (MCIDADES apud CORDEIRO, 2009, p.136).

23 Principais Aspectos do Programa de Aceleração do Crescimento – Dieese: http://www.adurrj.org.br/4poli/documentos/dieese nota_tec_pac.pdf. Acessado em 14/05/2015. 42

Sob a responsabilidade do Ministério das Cidades, os Projetos Prioritários de Investimentos (PPI) foram definidos para executar ações integradas de habitação, saneamento e inclusão social, nas intervenções em favelas, programas de habitação de interesse social e urbanização de assentamentos precários. No âmbito estadual, o PAC foi coordenado pela Secretaria Estadual de Obras (SEOBRAS) e, segundo o Boletim de Transparência Fiscal (documento da Secretaria de Estado de Fazenda),24 o total de investimentos do programa, entre 2008 e 2010, foi da ordem de R$ 3,1 bilhões. Uma parte desse valor foi repassada pelo Governo Federal e outra se deveu à contrapartida do Governo Estadual – a divisão variou de acordo com cada contrato e com o andamento das obras. No Rio de Janeiro, as obras do PAC I, realizadas entre 2007 e 2010, chegaram às cifras de R$ 1,14 bilhão (R$ 838,4 milhões em recursos federais) e atingiram grandes complexos, como Manguinhos, Alemão e Borel, além de favelas de grande porte ou vizinhas de áreas nobres da cidade, como Rocinha, Cantagalo e Pavão/Pavãozinho. As obras atingiram também algumas comunidades de menor porte, como Acari, Morro do Turano, Parque João Paulo II e Parque JK, no Andaraí (cf. MIGNON, 2011). As diretrizes do PAC estão de acordo com o proposto no documento intitulado Política Urbana e Desarollo Economico: un programa para el decenio, publicado pelo Banco Mundial em 1991, e em consonância com diretrizes de organismos multilaterais. O documento enfatiza a relevância da relação entre economia urbana e desenvolvimento das cidades, compreendendo a pobreza como obstáculo a ser vencido, como entrave ao desenvolvimento econômico. Assim, encontrar os principais obstáculos da produtividade urbana e enfrentá-los passa a ser pauta dos governos locais na tentativa de desenvolver maior competitividade dentro dos circuitos globais da cidade (cf. SILVA, 2012). Elaborado pelo Ministério das Cidades, o PAC baseou-se em dois princípios básicos do Estatuto das Cidades:25 a função social da propriedade e o planejamento participativo. A primeira está relacionada à legislação urbanística municipal contida no plano diretor do programa e o Estatuto das Cidades indica a participação da população e

24 Informações disponíveis em http://www.rj.gov.br/web/informacaopublica/exibeconteudo?article- id=1036873. Acessado em: 14/05/2015. 25 Estatuto da Cidade é a denominação oficial da lei 10.257 de 10 de julho de 2001 que regulamenta os artigos. 182 e 183 da Constituição Federal estabelecendo diretrizes gerais da política urbana. 43 de associações representativas da comunidade, na formulação e execução de planos, programas e projetos urbanísticos. O documento propõe a

gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (BRASIL, 2001).

3.2. O PAC e as políticas de segurança pública

A implementação das ações do PAC veio atrelada a uma série de políticas públicas que englobam ações na área de mobilidade, como as obras de construção do teleférico do Complexo do Alemão, de habitação, com o processo de regularização fundiária e urbanística, e a instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), parte da atual política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro. Na passagem entre as décadas de 80 e 90 e, de forma mais acentuada, nos primeiros anos do século XXI, o Rio de Janeiro deixou gradativamente de ser visto como uma “cidade maravilhosa” e passou a ser percebido como “cidade partida” – expressão de Zuenir Ventura em seu livro homônimo. Nas favelas a ação dos traficantes de drogas começa a se dar de forma mais consolidada, gerando uma identificação desses locais como o espaço da criminalidade e da violência. Desde então, o Complexo do Alemão passou a ser intensamente afetado pelas guerras entre facões criminosas na disputa por pontos de venda de drogas. Considerado até 2010 como quartel general de uma das maiores redes de vendas de droga do Rio de Janeiro, por diversas vezes o Complexo foi alvo de invasões de bandidos e ocupações policiais. Em 2002, com a morte do jornalista Tim Lopes, que gravava de um documentário sobre exploração sexual e drogas nos bailes funks, as incursões policiais foram intensificadas no território. Em 2007, cinco operações de grande porte ocorreram na região, resultando em 38 pessoas mortas e 67 feridas, segundo números oficiais. A partir de 2008, a política de segurança pública sofre uma transformação com a criação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), projeto que surge no bojo das ações do Estado para a recepção dos chamados megaeventos – a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Seu principal objetivo é a ocupação permanente de

44 algumas áreas da cidade pelas forças de segurança – em especial pela Polícia Militar. Atuando primordialmente em favelas, essa política busca a “reintegração desses territórios” considerados espaços à margem da cidade.

Fonte: Notibras

A presença de Capitães da UPP nas reuniões para discutir a implementação do PAC, numa tentativa de inserção em diversas esferas da vida política, esportiva e cultural das localidades contempladas pelo programa, revela a quantidade de atores envolvidos nessa arena e confirma as colocações de Gonçalves (2013), para quem

a elaboração desses territórios políticos (considerados aqui como a conjunção de experiências e de representações, de lugares de elaboração e de expressão política que contribuem para a construção e a afirmação de estratégias comuns do grupo) faz-se evidentemente em uma esfera conflituosa, sede de tensões múltiplas e mediante diversas transações entre os indivíduos, as autoridades públicas e os atores sociais (GONÇALVES, 2013, p.79).

3.3. O PAC Social

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De acordo com as informações oficiais26, as propostas de atuação do PAC foram elaboradas de acordo com as especificidades de cada região. No modelo de desenvolvimento econômico e social pensado para os assentamentos precários do Rio de Janeiro, as obras de infraestrutura desenvolvidas pelo PAC deveriam caminhar junto com as ações orientadas para a participação e o controle social dos beneficiados. Para as comunidades de Manguinhos, Rocinha e Complexo do Alemão, o Governo Federal elaborou o PAC das Favelas. De acordo com este modelo, a formulação, implementação e gestão das ações do PAC ocorreriam de forma integrada entre governo e comunidade de modo a atender as demandas locais a partir da interlocução direta com os moradores (OLIVEIRA, 2011, p.18). Neste sentido, a Caixa Econômica Federal, na qualidade de prestadora de serviços para o programa, elaborou uma proposta de intervenção social, denominada PAC Social, que visa promover a autonomia, o protagonismo social e o desenvolvimento da população beneficiária, favorecendo a sustentabilidade do empreendimento, mediante a abordagem dos seguintes temas: mobilização e organização comunitária, educação sanitária e ambiental e geração de trabalho e renda27. Entre as ações pensadas para o Trabalho Social, estavam propostas como: mobilização e participação coletiva da população e equipes técnicas para a elaboração dos Planos Diretores Participativos, denominado Programa Fortalecimento da Gestão Urbana; a criação de espaços de participação popular como os comitês de acompanhamento local (CAL), as comissões de Acompanhamento de Obras, Fóruns de Desenvolvimento Sustentável, entre outros. Esses seriam espaços de participação da população e suas organizações nos desdobramentos das ações do programa buscando a consolidação de uma gestão compartilhada (cf. OLIVEIRA, 2011). De acordo com o documento “Instruções Específicas para Desenvolvimento de Trabalho Social em Intervenções de Urbanização de Assentamentos Precários”,28 que orienta a fase inicial, anterior à execução das obras, os trabalhos junto à comunidade deveriam ser iniciados pela organização de reuniões ou assembleias para divulgar os

26 Instruções Específicas para Desenvolvimento de Trabalho Social em Intervenções de Urbanização de Assentamentos Precários: http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArauivosSNH/ArquivosPDF/ Instru%C3%A7%C3%B5esNorm ativas/IN-no-8-UAP-revisao-IN-50-ANEXQ-M.pdf 27 Cf. MCIDADES. Instruções Específicas para Desenvolvimento de Trabalho Social em Intervenções de Urbanização de Assentamentos Precários, p.7. Disponível em http://www.sst.sc.gov.br/arquivos/id_submenu/234/instrucoes_especificas_para_desenvolvimen to_de_trabalho_social.pdf. Acesso em 02/07/2013. 28 Idem, p.7. 46 resultados de um diagnóstico socioeconômico realizado previamente e informar a respeito do projeto a ser executado nas obras e no projeto social. Para tanto, o Ministério das Cidades, por intermédio da Instrução Normativa n° 27, de 14 de junho de 2007, regulamentou o desenvolvimento do trabalho social, definindo como seu objetivo:

viabilizar o exercício da participação cidadã e promover a melhoria da qualidade de vida das famílias beneficiadas pelo Projeto, mediante trabalho educativo, favorecendo a organização da população, a educação sanitária e ambiental, a gestão comunitária e o desenvolvimento de ações que, de acordo com as necessidades das famílias, facilitem o acesso ao trabalho e a melhoria da renda familiar (MCIDADES, 2007, p.3)

Pressupõe-se, neste caso, que junto com os representantes do governo, a inclusão de atores da sociedade civil pode “viabilizar o exercício da participação e promover a gestão participativa” 29 na definição das políticas públicas, levando a maiores níveis de equidade e justiça social. De acordo com esta proposta de trabalho, foram criados Canteiros Sociais próximos aos locais onde estavam sendo desenvolvidas as obras do PAC. Esses Canteiros foram estabelecidos para a estruturação e formação dos espaços de diálogo social e mediação. Nesses contextos, caracterizados como espaços institucionais de participação cidadã, vários movimentos sociais e organizações estiveram presentes acreditando que os planos diretores participativos e as resoluções tomadas coletivamente. .

3.4. A implementação do PAC no Complexo do Alemão – características, atores e disputas

O PAC no Complexo do Alemão iniciou-se em abril de 2008. O investimento total foi da ordem de 500 a 840 milhões de reais. Foram incluídas no programa propostas de obras para a melhoria das condições de acessibilidade, habitação, saúde, educação, esporte e lazer, cultura, trabalho e renda e de assistência social.30

No Complexo do Alemão, parte do PAC ficou alocado na Prefeitura do Rio que atendeu as comunidades da Grota, Nova Brasília, Reservatório de Ramos

29 Idem, p.3 30 Cf. http://www.rj.gov.br/web/informacaopublica/exibeconteudo?article-id=1036873. 47

e parte da comunidade do Alemão. A maior parte, que contempla os Morros da Baiana, Itararé/Alvorada, Adeus, Esperança, Palmeiras, Fazendinha e parte do Morro do Alemão, esteve sob responsabilidade do governo do estado (OLIVEIRA, 2011, p.57).

No ano de 2007, com o início dos diálogos sobre o PAC no Complexo do Alemão, o CDLSM passou a acompanhar as articulações com o Governo Estadual juntamente com a Federação das Favelas do Rio de Janeiro (FAFERJ) e as associações de moradores locais na tentativa de ampliar os canais de interlocução da comunidade com o poder estatal. A princípio, a execução do Trabalho Técnico Social ficou sob a responsabilidade de uma empresa terceirizada e o coordenador do CDLSM ocupou o cargo de gerente técnico das atividades. A partir das orientações da CEF e do Caderno de Orientação do Trabalho Técnico Social (COTS), a empresa realizou um levantamento de informações sobre o local que incluía um Censo Domiciliar e Empresarial, Pesquisa das Organizações Sociais, Pesquisa de Grupos Temáticos e Pesquisa de Opinião. O material coletado forneceu subsídios para a formulação da segunda etapa do projeto de intervenção social, que foi organizado em três segmentos: o Eixo de Gestão de Impactos (EGI), o Eixo de Desenvolvimento Sustentável (EDS) e o Eixo de Gestão Compartilhada (EGC). Este último tinha como função “proporcionar a todos os envolvidos no programa acesso às informações sobre as fases de formulação, planejamento e implementação dos dois eixos anteriores” (OLIVEIRA, 2011, p.41). Como parte das atividades do EDS, foi construído coletivamente um Plano de Desenvolvimento Sustentável que apresentava metas de curto, médio e longo prazo, desenvolvidas em cerca de 200 reuniões temáticas e 40 reuniões de planificação. O saneamento básico universal foi a prioridade estabelecida na ocasião. O EGI visava a realocação dos moradores residentes na linha de obras do PAC. Estes deveriam escolher uma modalidade de indenização entre a indenização em dinheiro, a compra assistida ou a realocação. Este eixo promoveu sorteios de unidades habitacionais, reuniões com os moradores dos novos condomínios e o cadastramento dos desabrigados pela chuva de abril de 2010. A Agência XXI/Dialog, empresa incumbida do Trabalho Técnico Social, o entregou antes de concluí-lo, em dezembro de 2010, e as atividades do PAC Social ficaram suspensas até março de 2011. Neste período, a Casa Civil deslocou uma parte de sua equipe para o território e realizou por cerca de dois meses um trabalho operacional com o objetivo de diminuir as tensões decorrentes da ausência de um interlocutor e, sobretudo, para dar conta dos últimos

48 relatórios que ainda precisavam ser corrigidos, que se não fossem entregues atrasariam o pagamento da obra. Portanto, a interrupção do trabalho foi parcialmente suprida pela ação de uma equipe que, por ser de fiscalização, não possuía um braço operacional e funcionou como “quebra galho” na ausência de um serviço mais adequado. Entre março e abril de 2011, a ONG Urbes iniciou sua atuação, permanecendo no território até maio do ano seguinte e vários funcionários contratados pela empresa anterior foram convocados de volta e algumas entidades do Complexo do Alemão foram contratadas para realizar as ações de geração de renda pendentes do EDS. A atuação da Urbes se deu pela articulação com sete ONGs locais, o que foi chamado pelos gestores de “quarteirização”. A Urbes também acompanhou a ida dos moradores realocados para os condomínios, dando corpo às ações educativas no território, já que só poderiam se mudar para os apartamentos os moradores que participassem de reuniões “socializadoras” – onde se ensinava como deveriam se comportar ao se mudar para o condomínio. Em 2012, com o término do contrato da Urbes, as ações do PAC Social foram finalizadas no Complexo do Alemão.

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Capítulo 4

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4.1. Metodologia

A metodologia utilizada nesta pesquisa consiste numa avaliação de processo de implementação. Trata-se de uma avaliação de processo porque envolve a avaliação das estratégias que orientaram a atuação do PAC Social durante a implementação do PAC no Complexo do Alemão, procurando aferir em que medida a proposta de participação popular surgida no âmbito do PAC Social obteve êxito ou não, se garantiu ou dificultou o sucesso do programa quanto à participação dos beneficiários. Cabe, portanto, enfocar o desenho e as características organizacionais e de desenvolvimento desse aspecto do programa para detectar os fatores que, ao longo da implementação, facilitaram ou impediram que o programa atingisse os resultados a que se propunha (cf. DRAIBE, 2001). Como se trata de uma avaliação ex post, ou seja, realizada após a finalização da implementação do programa, a rigor a presente abordagem não diz respeito ao momento em que a intervenção foi pensada ou planejada. Rua (2009) define a avaliação de processo (ou a posteiori) como

exame das estratégias, procedimentos e arranjos (inclusive institucionais) adotados na implementação de uma política, programa ou projeto, com a finalidade de identificar os pontos onde podem ser obtidos ganhos de eficiência e eficácia. Tem por hipótese central a ideia de que os meios adotados afetam os resultados. Portanto, o seu objeto de análise é o “como” uma ação foi executada, ou seja, a cadeia de passos adotados desde a formulação da política ou programa até a obtenção do seu produto final (RUA, 20110, p.6).

Para a autora, esta modalidade de avaliação pode servir tanto como instrumento de gestão quanto de responsabilização ou aprendizado institucional. A participação social foi analisada através do acompanhamento dos integrantes do CDLSM, por esse coletivo ter protagonizado os diálogos com o PAC desde o início de sua formulação e pela relevância que teve na etapa de implementação, já que o coordenador do Comitê ocupou um cargo de gestão no PAC Social durante os primeiros 18 meses do projeto. Como alguém que desenvolveu atividades no território durante a etapa de implementação do PAC I, estive presente em algumas reuniões do CDLSM, participei de diversas mobilizações organizadas pelos coletivos locais para discutir as políticas desenvolvidas e, posteriormente, o seu impacto no território.

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Na delimitação do recorte para análise, me propus a realizar o acompanhamento do processo de trabalho do Comitê entre os anos de 2007 a 2010 através da pesquisa de fontes documentais (documentos internos, atas, resoluções e manifestos). Porém, considerando que as ações do PAC Social no Complexo do Alemão estenderam-se até o ano de 2012, entendi ser mais coerente acompanhar o processo até seu fechamento, pela possibilidade de que a extensão do recorte temporal pudesse favorecer um entendimento mais completo das ações desenvolvidas no território. A pesquisa também se baseia em entrevistas semiestruturadas realizadas com integrantes das organizações locais que compõem o recorte e com atores governamentais e demais envolvidos no processo. As fontes de informação utilizadas incluem bases de dados secundárias, documentos produzidos pelo Ministério das Cidades31 e pela Caixa Econômica Federal (Caderno de Orientação para o Trabalho Técnico Social) para a orientação da execução dos trabalhos do PAC. Também utilizei como material de pesquisa os depoimentos disponíveis no Plano de Desenvolvimento de Favelas para a sua Inclusão Social e Econômica (Complexo do Jacarezinho e Alemão), disponível no volume intitulado “Favela como Oportunidade” (Velloso e Pastuk, 2013). Neste documento consultei as entrevistas de Mariza Nascimento, da ONG Nascibem e Edson Gomes Loiola da ONG Verdejar. Também pesquisei notícias publicadas no período dedicada ao PAC, pela intensa cobertura jornalística dada ao empreendimento. Foram tomados como indicadores de participação social as propostas apresentadas por Oliveira (2011) :32 1) a mobilização da população e equipes técnicas para a elaboração dos Planos Diretores Participativos. Esta será analisada com base nos relatórios e atas das reuniões de mobilização organizadas no Canteiro Social presentes nos relatórios da Agência XXI, inicialmente responsável pela implementação do trabalho técnico social; 2) a participação coletiva da população e das equipes técnicas para a elaboração dos referidos planos, que será observada a partir da mesma documentação e do material produzido nas reuniões;

31 Projetos Prioritário de Investimentos (PPI), Instrução Normativa 27 (anexos 1 e 2) e Manual de Instruções para Aprovação e Execução dos Programas e Ações do Ministério das Cidades, inseridos no Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, Exercício 2009. 32 Em sua dissertação de mestrado na área de Política Social, o autor desenvolveu uma reflexão sobre sua experiência como gestor do PAC Social no Complexo do Alemão. 52

3) a criação de espaços de participação popular – comitês de acompanhamento local, comissões de acompanhamento das obras, fóruns de desenvolvimento sustentável – e a implementação do Plano de Desenvolvimento Sustentável (discutido com base nas entrevistas e na documentação citada anteriormente). A análise das entrevistas foi feita dentro do paradigma da Análise de Conteúdo proposto por Laurence Bardin. Após a pré-análise, os dados passaram por uma codificação, que corresponde à transformação de sua forma bruta em texto. Esta foi feita através de recortes, agregação, e enumeração, que levam a uma representação do conteúdo, permitindo ao analista esclarecer os indícios ou categorias (cf. BARDIN, 1977, p.129).

4.2. A emergência do Contexto Participativo Brasileiro

Os mecanismos de participação social como conselhos, conferências, audiências, consultas públicas, orçamento participativo, plebiscito, referendo, ouvidorias, entre outros aumentaram de forma significativa nos níveis municipal, estadual e federal, nas mais diversas áreas de política pública, a partir da década de 90 (cf. ROCHA, 2014; PIRES, 2014). De acordo com Lobato (2009), a ausência da democracia teria sido a responsável pela situação de intensa desigualdade social no Brasil e a associação entre esses dois fatores teria funcionado como facilitador para a transição democrática brasileira. Juntamente com as iniciativas pela transparência pública e a Lei de Acesso à Informação, esses canais de participação favoreceram o surgimento de “oportunidades para consultas e deliberações sobre os rumos da ação governamental, ampliando as bases de sua legitimidade, além de fornecer informações e [viabilizar] parcerias no monitoramento e controle das políticas públicas” (PIRES, 2014, p.184). Como observa Milani (2008), a participação da população nos processos decisórios das políticas públicas tornou-se um princípio aclamado por agências tanto nacionais quanto internacionais. Ações de deliberação democrática em escala local, com fomento da participação de diferentes atores na arena política, se tornariam uma das peças-chaves no discurso (auto) intitulado progressista. Apesar dessa mudança no panorama da participação subsistem importantes questionamentos acerca dos

53 instrumentos de participação. Milani (2008) sugere que esses questionamentos englobem duas óticas principais: quem participa e que desigualdades subsistem na participação? Os conflitos e a disputa de poder inerentes às arenas de decisão política tendem a pender para determinados atores envolvidos no processo decisório. Como esclarece Pires (2014):

Apesar desses aportes construtivos, a emergência desses espaços de participação social introduz novos elementos e atores a serem articulados para o sucesso de ações governamentais. Se, por vezes, ocorrem sinergias entre as decisões de fóruns participativos e as prioridades do governo, seus compromissos políticos e as discussões no Congresso Nacional, em vários outros momentos, percebe-se divergências, tensões e conflitos entre essas diferentes instâncias democráticas (PIRES, 2014, p.185).

A entrada de novos atores nas arenas de discussão e, em alguns casos, também de decisão política firma uma dimensão de espaço de representação e pactuação, já que o sistema pretende dar conta daqueles setores historicamente excluídos cuja “diversidade de interesses e projetos integra a cidadania, disputando com igual legitimidade espaço e atendimento pelo poder estatal” (ROCHA, 2011).

4.3. Participação popular como espaço de discricionariedade dos gestores locais

Durante a implementação do PAC I no Complexo do Alemão, que durou de abril de 2008 a abril de 2012, três entes foram responsáveis, na condição de gestores, pela implementação do PAC Social: a Agência XXI/Dialog, a equipe de gestores da Casa Civil e a ONG Urbes. A mudança destes entes na coordenação do PAC Social se torna relevante na medida em que cada um deles imprimiu suas características ao trabalho desenvolvido. Sendo estes os agentes que interagem diretamente com o público e possibilitam o acesso a benefícios governamentais, foi por meio deles que os beneficiários das políticas do PAC interagiram com o Estado. Frequentemente conflitos e decisões vagas permeiam a implementação das políticas públicas deixando para os implementadores a tarefa de definir como se comportar diante de determinada situação (cf. LOTTA, 2012). Lipsky (apud LOTTA, 2012) chama a atenção para a relevância d a burocracia neste processo, especialmente a

54 burocracia de nível de rua, devido a sua característica de implementadora de políticas públicas.

“Street-Level Bureaucracy”, ou “burocracia do nível de rua”, como foi literalmente traduzido pela literatura brasileira, foi o termo designado pioneiramente por Michael Lipsky para denominar uma classe específica da estrutura burocrática dos governos contemporâneos. Estas burocracias possuem características específicas que os distinguem e os fazem, assim, um grupo analiticamente coeso para os estudos sobre práticas burocráticas, governança e políticas públicas (FILHO, 2014, p.45).

Marcados por uma infinidade de interações realizadas com o sistema político, institucional, organizacional e comunitário, os burocratas de nível de rua tem suas ações impactadas por esses sistemas, pois ao exercer sua capacidade de ação influenciam também o processo de implementação de políticas públicas (cf. LOTTA, 2012). Como demonstra o trecho a seguir, os policy makers atuam em consonância com os princípios políticos do governo para o qual trabalham, sem no entanto, abrir mão de suas próprias concepções.

Então nós sempre tivemos essa discussão entre nós, competiria ao ente estável a formação sócio politica da população. Não? Isso caberia a quem? Caberia aos partidos políticos, partidos comunistas sempre fizeram isso, as Cebs fizeram isso num determinado instante, o PT dos anos 80 sempre fez isso, nós nunca dirimimos as nossas dúvidas (grifo meu), a gente continuou fazendo, se perguntando se é possível e se é razoável que seja assim. Nós fazíamos, nos fizemos o processo de formação critica, de uma postura critica com relação aos governos, mas obviamente defendendo uma visão nossa, de maioria, de que a gente achava que era uma intervenção importante pro Complexo do Alemão na realização daquelas obras (Entrevista G4).

Meier e O’Toole (apud LOTTA, 2012) ressaltam que onde estão presentes a capacidade de decisão e a autonomia, traduzidas pela discricionariedade do burocrata, também se encontram os “valores e referências individuais” que resultam tão importantes quanto os valores da própria instituição que o burocrata representa. Deste modo, toda ação estatal é também uma ação individual, onde a inserção do profissional carrega uma ética própria do sujeito. Ao longo dos quatro anos de atuação do PAC Social no Complexo do Alemão, seus gestores deram diferentes ênfases ao modo de operacionalizar a participação popular proposto nas diretrizes federais. Durante o período em que o trabalho do PAC Social foi coordenado pela Agência XXI/Dialog, uma importante característica de sua atuação foi a implementação das ações do EGI, do EDS e do EGC de forma articulada. A equipe encarregada de desenvolver o trabalho social era formada por lideranças locais, atuantes em

55 organizações de diferentes eixos temáticos que adotaram como estratégia a realização direta das ações propostas. Como esclareceu um dos primeiros gestores do PAC, o CDLSM que seria, a posteriori, um dos principais interlocutores do Estado nas arenas de participação, encontrava-se dentro da máquina política. Observa-se, neste caso, a mudança de status dos agentes locais: de beneficiários das políticas, no início, eles passaram a ocupar cargos de gestão, atuando como burocratas de nível de rua em contato direto com a população, e posteriormente, ao saírem da agência onde trabalhavam, voltaram a atuar como interlocutores, na condição de beneficiários. Se como aponta Lotta (2012) a discricionariedade exercida pelos burocratas é o “resultado de interação [em] que [estes] exercem seus próprios valores, valores de outros atores envolvidos (estatais e sociais), procedimentos, restrições, incentivos, encorajamentos e proibições” (LOTTA, 2012, p.28), é compreensível que ao ocupar um lugar diferenciado como gestor de políticas, os atores sociais locais tenham tentando influenciar de forma significativa os encaminhamentos do trabalho a ser realizado. A exemplo disto, no planejamento do EGC essa ação traria uma característica de inovação à gestão dos bens públicos construídos em favelas, pelo Estado:

o objetivo maior dessa proposta foi fortalecer mecanismos de participação e organização dos grupos que atuavam na região do Complexo, possibilitando em um futuro próximo a construção de um modelo tripartite de gestão compartilhada. Esse movimento seria fundamental para o momento pós- obras, quando a sociedade civil participante teria condições de gerir o resultado da intervenção sociourbanística que o PAC estava promovendo, articulada com a Prefeitura, o estado e a iniciativa privada (OLIVEIRA, 2011, p.41).

As ações dos três eixos se desdobravam para acontecer de forma conjunta e foram pautadas por propostas de grande mobilização popular, em que o paradigma da ação seria caracterizado pela decisão coletiva articulada em fóruns e colegiados.

A gestão compartilhada deveria ser transversal aos eixos GI e DS, pois em cada um dos eixos citados seria criada uma instância própria para participação dos atores e grupos, de acordo com o escopo de cada eixo. Em outras palavras, teríamos a definição de comitês gestores e grupos de trabalho que se encarregariam de compartilhar informações e definir as prioridades para implementação do PAC. Os projetos e as ações para o território deveriam ser justamente o resultado desse movimento compartilhado de pensar e agir coletivamente privada (OLIVEIRA, 2011, p .45).

A dificuldade de articulação entre as propostas do EDS e o EGI durante a gestão da Agência XXI/Dialog nos aponta para os diferentes projetos políticos dos gestores do

56 programa. Enquanto focalizava a construção de um planejamento coletivo sobre o que seria realizado na comunidade, o EDS ultrapassou os prazos para a realização do trabalho, acarretando atrasos na prestação de contas, logo atrasos também no pagamento dos funcionários. A participação comunitária esbarraria na necessidade de se trabalhar com metas e prazos a cumprir, tornando conflituosa a possibilidade de redefinição das prioridades do Programa. Assim como em outras localidades onde o PAC foi implementado, questionava-se a possibilidade de os movimentos sociais e moradores influenciarem as decisões mais gerais, como o uso de recursos disponíveis ou a redefinição das prioridades para o território, pois na verdade, essas decisões não estariam nas mãos das equipes de campo e tampouco acessíveis a redefinições por parte da sociedade civil. Por outro lado, atuações como a do EGI, que ao desenvolver suas atividades procurou cumprir os prazos e metas estipulados, sacrificam a possibilidade de atuar conjuntamente ao EDS. Na prática, cumprir prazos, muitas vezes significava praticamente “expulsar” o morador para que o ritmo das obras não fosse diminuído. Como esclarece um dos gestores entrevistados:

Em muitos casos era remoção e não realocação. Havia pressão, ameaça. Ouvi vários relatos nesse sentido. Gestão de Impacto acontecia assim, quase que de forma automática, bagunçou um pouquinho com as chuvas. Mas era mais automatizada. As pessoas saíam, fazia-se uma listagem, compra assistida, indenização ou unidade habitacional. Fazia a listagem e depois encaminhava, depois dos apartamentos prontos. Fazia sorteio e as pessoas eram encaminhadas. Era sorteio de qual unidade? Quem vai ganhar apartamento era outra coisa. Várias listagens iam aparecendo. Alguns pedidos iam aparecendo. Coloca fulano ou beltrano. Era um espaço de barganha política. Líderes ganharam sem precisar. Familiares. Uma presidente de associação ganhou dois ou três apartamentos (Entrevista G3).

O EDS tinha como proposta realizar as atividades a partir de decisões coletivas, visando a execução do plano de Desenvolvimento Sustentável que estava sendo construído coletivamente. Ao fim de algum tempo e diante da impossibilidade da implantação de um ritmo próprio de trabalho, alguns gestores, que também eram moradores da localidade, se afastaram da gestão do PAC Social e se tornaram grandes críticos e questionadores das ações desenvolvidas. Os planos e metas elaborados durante esse período não tiveram continuidade contribuindo para o descredito da ação governamental por parte daqueles que se envolveram no processo participativo.

Esse trabalho, principalmente com relação ao fórum e aos encontros com lideranças comunitárias, resultou em alguns projetos executados por ONGs e empresas – algumas do Alemão, outras de fora – contratadas pela empresa

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terceirizada. Houve uma "quarteirização" da implementação do eixo DS no trabalho social. Contudo, grande parte desse movimento de mobilização, propostas, sugestões e apontamentos de demandas e necessidades, não passou de um conjunto de intenções organizados por áreas temáticas. A maior dificuldade foi justamente tornar efetivos projetos que atuassem nas áreas com maior demanda comunitária, como por exemplo, educação, saneamento ambiental e geração de trabalho e renda (OLIVEIRA, 2011, p.41).

Como ressaltado pelo autor, o plano de desenvolvimento sustentável construído coletivamente e resultante de articulações sociais ocorridas nos fóruns e reuniões, não passou de um “conjunto de intenções”, assim como o desenvolvimento de ações na área de educação, saneamento ambiental e geração de trabalho e renda que não tivessem um caráter meramente pontual. A saída da Dialog, no final de 2010, deixou um vácuo que duraria algum tempo no âmbito do trabalho social. A ausência de uma instância de diálogo no território agravou conflitos, levando a equipe de fiscalização do PAC a desenvolver ações operativas na localidade. Por ocasião das chuvas ocorridas em abril de 2010, que deixaram várias pessoas desabrigadas, o EGI passou a atuar no território, levando um de seus gestores a considera-lo como o principal eixo de atuação. A centralidade atribuída a este trabalho é atestada por Oliveira (2011):

De todo modo (...) pude perceber a centralidade desse eixo, pois foi por meio dele que as relações mais significativas entre governo, empresa terceirizada e população ocorreram. Foi através do GI que sorteios de unidades habitacionais foram realizadas, encontros de integração com novos moradores dos condomínios do PAC, em um primeiro momento o cadastro dos desabrigados das chuvas de abril de 2010, etc. Grande parte do trabalho de atendimento ao morador aconteceu no Canteiro Social do PAC, criado justamente para ser local de referência do Trabalho Social (OLIVEIRA, 2011, p.38).

Lipsky (apud LOTTA, 2012) evidencia um aspecto central da relação entre burocratas e cidadãos. As pessoas acessam os burocratas de rua como indivíduos únicos, com suas histórias, personalidade e expectativa. Porém, nesse trâmite de relações com a personificação do Estado, passam a ser enquadrados em padrões de demandas, sendo configurados como clientes alocados em categorias sociais. Desta forma, passam a ser tratados como padrões únicos e indiferenciados. Os clientes entendem suas necessidades como únicas, e apresentam sua situação na expectativa de um atendimento individualizado. Por sua vez, os burocratas de nível de rua, traduzem esse contato em categorias de atuação favorecendo suas possibilidades de resposta. Dentre outros fatores, a saída da empresa gestora do PAC Social, colaborou para que, ao fim de três anos de implementação das obras do PAC, as ações de geração de

58 renda, educação ambiental ou de fortalecimento das redes sociais do território não tivessem sido inteiramente implementadas. Com a entrada da Urbes no território em abril de 2011, foram contratadas algumas entidades do Alemão para que realizassem as ações pendentes do EDS. A intenção de um dos gestores desse processo demonstra quais prioridades foram eleitas a partir de sua chegada no território:

Tem que ter um trabalho de fortalecimento das entidades locais, gestão ambiental, pró-objeto ambiental. A própria (omitido) realizava aquele trabalho ambiental, com todas as dificuldades para fazer isso. Quando a (omitido) chegou, eu propus que a gente mudasse o enfoque. Que ao invés de nós realizarmos diretamente, nós contrataríamos uma entidade do Alemão para que elas realizassem aquelas ações. É. Educação ambiental, geração de trabalho e renda, cultura. Essa foi uma mudança que nós conseguimos implementar e que depois se mostrou resultosa (sic), uma opção correta e exitosa (Entrevista G4).

A mudança no direcionamento das ações do EDS caracteriza a discricionariedade desses gestores nas decisões de implementação. Segundo Arretche (apud LOTTA, 2012, p.33) “um programa é o resultado de uma combinação complexa de decisões entre diferentes gestores, agentes, mas a implementação efetiva é sempre realizada com base nas referências que os implementadores de fato adotam para desempenhar sua função”. Porém, isso não quer dizer que os gestores tenham autonomia ilimitada. Sua decisões sempre encontrarão limites de ordem institucional e prática, como prazos, orçamentos e regras inerentes ao desempenho de sua função.

4.5. Que participação é essa?

Durante o desenvolvimento desta pesquisa, observando os fóruns locais de discussão de políticas, seminários, ações e discussões nas redes sociais, uma das perguntas mais frequentes a respeito do PAC era: “que participação é essa?” Faço minhas essas palavras e busco elucidar “que participação é essa”, ocorrida durante os quatro anos em que o PAC Social esteve presente no Complexo do Alemão. Segundo o Plano Prioritário de Investimentos, documento do Ministério das Cidades que versa sobre a participação da população na implementação do PAC, a participação popular seria a

promoção da melhoria da qualidade de vida das famílias beneficiárias, agregando-se às obras e serviços a execução de trabalho técnico-social, com

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o objetivo de criar mecanismos capazes de fomentar e valorizar as potencialidades dos grupos sociais atendidos; fortalecer os vínculos familiares e comunitários; viabilizar a participação dos beneficiários nos processos de decisão, implantação e manutenção dos bens e serviços, a fim de adequá-los às necessidades e à realidade local, bem como a gestão participativa, que garanta a sustentabilidade do empreendimento (BRASIL, PPI, 2007-2010).

Embora o documento garanta a participação do público beneficiário nos “processos de decisão, implantação e manutenção dos bens e serviços públicos”, não há nenhum tipo de detalhamento sobre o modo como ocorreria essa participação. A noção de “participação” é um guarda-chuva conceitual que abarca diversas interpretações, derivando essas possibilidades de entendimento para a configuração da participação enquanto ação social. A polissemia desse termo tem suscitado debates em diversas áreas, tanto nos meios sociais quanto acadêmicos (cf. CORTES, 2009, p.104). A consecução desta pesquisa evidenciou o quanto as interpretações sobre o modelo de participação a ser adotado nas ações do PAC Social variavam tanto nos discurso dos gestores quanto nos de atores locais participantes do CDLSM. O quadro a seguir apresenta as percepções a respeito observadas entre os entrevistados.

Quadro 1- Principais percepções dos entrevistados quanto à Participação Popular

Os dados apresentados acima permitiram conhecer como ocorreu a participação durante o PAC no Complexo do Alemão e que elementos foram considerados por gestores e atores locais ao tratar do tema. Questões referentes ao privilégio de determinados atores no acesso ao diálogo governamental, disputas por poder e por

60 subsídios governamentais permeiam as discussões dessa arena política. Como ressalta Moroni (2009)

a legitimidade da democracia participativa fundamenta-se no reconhecimento do direito à participação, na diversidade dos sujeitos políticos coletivos e na importância da construção do espaço público de conflito/negociação. Por isso, participar também é disputar sentidos e significados (MORONI, 2009, p.251).

Embora muitos dos conflitos e das diferenças de concepção entre a atuação dos atores locais no território e a dos gestores ficassem submersos durante as atuações conjuntas, essas discordâncias apareciam nas entrevistas como uma forma de demarcar um posicionamento político. Neste sentido, observei que permanecer nas arenas políticas superando os desgastes gerados pelos conflitos naturais desse tipo de espaço, era mais difícil para os atores locais que para os atores estatais, o que talvez se deva às sua atuação de cunho mais profissional. Suspeitas de corrupção, de uso indevido dos recursos governamentais, de envolvimento dos atores locais com o tráfico e a desaprovação de práticas estatais de cooptação e favorecimento de determinados “parceiros locais” contribuíam para o enfraquecimento da ação coletiva. Quando questionados sobre fatores que poderiam ter servido á facilitação da participação social, grande parte dos entrevistados foi enfática em afirmar, que não houve facilitadores, pois tal participação não havia acontecido. Essa atitude também foi observada entre alguns atores do corpo burocrático.

Quadro 2 - Principais percepções dos entrevistados quanto aos Facilitadores do Processo Participativo

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Segundo afirma Moroni (2009), “o principal objetivo estratégico da democracia participativa é a universalização da cidadania”, que “deve proporcionar aos cidadãos a participação plena nas questões que lhes dizem respeito, além de favorecer sua soberania, autodeterminação e autonomia” (MORONI, 2009, p.253). O que em muitas circunstância funciona como desestabilizador do processo participativo não é tanto a presença de conflitos ou divergências, mas a perspectiva compartilhada entre muitos dos atores sociais inseridos nessas arenas de que, para atuar em conjunto, precisam “viver em comunhão” e “fraternidade”. Como procuro destacar na entrevista a seguir, a participação se desenvolve em esferas também marcadas por relações de conflito e desestabilização. A participação política pode ter objetivos muito diversos sem que isto implique uma hierarquia entre eles:

Então, quando você chama todo mundo, quem você chama? Chama a ONG, então a associação de moradores não vem; chama o presidente da associação de moradores, daí o cara da ONG fica meio bicudo. Se você chama o padre, o pastor fica com o pé meio atrás; se você chama o cara da umbanda, o pastor não vem. Aí, você chama todo mundo, a população, como o seu Zé, a dona Maria, a dona Margarida, aí eles falam “ué, cadê o pai de fulano?” “cadê o seu Zezinho?”, “ah, cadê o presidente da associação de moradores? Tinha que chamar também!” Então a participação social, pra essa discussão, como ela não tem regra clara, se você chama todo mundo, o que já se sente representante ele se acha preterido, “pô eu sou o presidente da associação de moradores, tá parecendo uma assembleia isso aqui. Eu sou ou não sou o presidente da associação de moradores?”. Aí, chama. Se você não chama ele reclama; se você chama o outro reclama (Entrevista G4).

De acordo com Lobato (2009) “a literatura tem apontado que o alcance real da intervenção social nas decisões do Estado não é garantida pela existência ou não de mecanismos de participação, mas depende do grau de organização dos interesses representados e da legitimidade e abrangência dessa representação” (LOBATO, 2009, p.8). A formação de consensos, facilitador da ação conjunta, é uma conquista e não um pressuposto a participação. Ela envolve articulação, sedução, barganha e um grande poder de convencimento. Como observado no quadro 3, as críticas à atuação do PAC Social contemplam diversos aspectos da ação estatal e coletiva. No que se refere aos atores locais, grande parte dessas críticas são dirigidas ao Estado e, ainda que no decorrer das entrevistas atores locais tenham feito muitas críticas a seus pares, suas ações não foram citadas como dificultadores do processo participativo. Isto parece se dever não tanto à ausência de uma análise crítica sistemática por parte dos entrevistados, quanto ao super dimensionamento do poder estatal, dificultando a percepção do impacto das ações (ou não ações) dos atores locais, nos resultados das disputas políticas.

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Quadro 3 - Principais percepções dos entrevistados quanto aos Dificultadores do Processo Participativo

Quanto à avaliação dos gestores, as críticas se dividiram entre o “Estado”, em sua dimensão política e administrativa, e os atores locais, principalmente em sua capacidade de mobilização e organização. Diferenças marcadas pela deficiência da educação formal, também foram citadas como dificultadores da ação participativa. Cito, a seguir, o trecho da entrevista concedida por um dos gestores sobre sua autoavaliação como gestor do PAC.

Antes do PAC, ao longo desses 30 anos, a questão política habitacional ficou muito voltada a projetos menores, e uma iniciativa anterior foi o Favela Bairro, que foi um financiamento do BID pra recuperação e urbanização de 69 comunidades. No Favela Bairro, a participação popular ainda foi considerada muito tímida, pelos. (...) com o lançamento do PAC pelo Governo Federal, foi uma determinação que 2,5% de todo o investimento, precisa ser, colocado, investido, efetivamente na parte social, que eles chamam trabalho social. Foram criadas várias normativas, e em 2007 a gente precisou criar um modelo, uma metodologia própria, porque ela não existia, e o Estado não tinha participado do Favela Bairro anteriormente o estado construía moradias, e fazia a urbanizações pontuais, e as moradias construídas pela CEHAB, que é a Companhia Estadual de Habitação. Onde havia uma participação, através de uma diretoria especifica do social, mas era uma participação diferente do que o PAC propõe. Então na metodologia do PAC a gente propôs pro Governo Federal, e a gente entende que não adianta só ter obras, que as obras são extremamente importante, mas se você não deixar esse legado pra população, do social, essas obras ficam e a população não se sente pertencendo a esse ambiente, essa comunidade. Então a nossa proposta era trabalhar em dois eixos, um chama gestão de impacto, que são os impactos das obras e o que eles pode de alguma forma beneficiar a

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população, e de que forma o estado, através do social pode minimizar os impactos das obras. Dentro dessa gestão de impacto, que agente chama de GI, positivamente a gente conseguiu garantir a participação de 60% da mão de obra, toda a mão de obra do PAC, das próprias comunidades. E esse 60% foi pela geração direta de 9800 empregos” (Entrevista G1).

Pude observar através da fala desse gestor que as práticas participativas estão totalmente identificadas com as ações de oferta de emprego e geração de renda, ações do EDS. Ações de cunho politico deliberativo não fazem parte do escopo do trabalho social. Este se caracteriza por um cunho tutelador, com ações que não traduzem as ideias de autonomia e protagonismo encerradas nos documentos elaborados pelo Ministério das Cidades para orientar as ações do PAC. Para encerrar este capítulo, gostaria de citar alguns mitos sobre a ação participativa.

• A participação por si só muda a realidade: é um mito que despolitiza a participação, pois não percebe que há sujeitos políticos que não querem que as coisas mudem, não percebe a correlação de forças e, por conseqüência, não percebe que há outras formas e interesses, alguns legítimos, outros nem tanto, que definem também as políticas. É a despolitização da participação. • A sociedade não está preparada para participar como protagonista das políticas públicas: este mito baseia-se no preconceito do saber, em que a burocracia ou o político detém o saber e a delegação para decidir. Tal mito justifica a tutela do Estado sobre a sociedade civil, o que leva, por exemplo, o Estado a não criar espaços institucionalizados de parti cipação ou a indicar, escolher e determinar quem são os representantes da sociedade nos espaços criados, assim como não disponibilizar as informações (por que a “sociedade não vai entender”). • A sociedade não pode compartilhar da governabilidade, isto é, da construção das condições políticas para tomar e implementar decisões, porque o momento de participação da sociedade e dos cidadãos e cidadãs é o momento do voto. Essa concepção torna o Estado privado por intermédio do partido que ganha a eleição. Durante o mandato, o partido decide o que fazer conforme os interesses partidários. • A sociedade é vista como elemento que dificulta a tomada de decisões, seja pela questão do tempo (demora em decidir, obrigatoriedade de convocar reuniões, etc.), seja pela questão de posicionamento crítico diante das propostas ou da ausência delas por parte do Estado (MORONI, 2009, p.254- 255).

Ainda de acordo com o autor,

esses mitos são na verdade disfarces ideológicos forjados por aqueles que detêm o poder político no Brasil (seja tal poder oriundo do poder econômico, da ocupação de um cargo burocrático ou de um cargo eletivo). Por isso, tais mitos devem ser desconstruídos com base em uma concepção ampliada de democracia e da politização da participação (MORONI, 2009, p.251).

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Fomentar o processo participativo possibilita a promoção do protagonismo autônomo da sociedade civil, o ganho da autonomia e ampliação do capital social.

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Considerações finais

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5. Considerações finais

Ainda hoje os estudos sobre implementação de políticas públicas tratam os processos de formulação e implementação como fases sequenciais e independentes, o que não permite acessar determinados elementos essenciais para o entendimento da implementação. Wildavsky e Pressman (apud LIMA et al., 2013), esclarecem que “implementar” significa levar a cabo, realizar, cumprir, executar a partir de algo que foi planejado, destacando a importância da interdependência entre formulação e implementação.

Acreditamos que a trajetória e conformação do processo de implementação são influenciadas pelas características e o conteúdo do plano, pelas estruturas e dinâmicas dos espaços organizacionais e pelas ideias, valores e as concepções de mundo dos atores implementadores. Isso pressupõe o seguinte: esses atores exercem sua discricionariedade, com base em sistemas de ideias específicos; as normas organizacionais formais e informais constrangem e incentivam determinados comportamentos; por último, o plano é um ponto de partida que será interpretado e adaptado às circunstâncias locais. Nesse quadro, as variáveis cognitivas recebem destaque, pois atuam como mediadoras entre as intenções contidas no plano e sua apropriação nos espaços locais (LIMA et al, 2013, p.109).

A conjugação entre o processo de implementação de políticas públicas e a participação da sociedade civil é, de certo modo, uma novidade no cenário político brasileiro e os burocratas de nível de rua se destacam neste cenário devido ao seu poder relativamente discricionário dentro das agências políticas (cf. Filho, 2014). A participação da população beneficiária das políticas urbanizadoras do PAC nas etapas de formulação, implementação, gestão e avaliação foi garantida pelo documento Projetos Prioritários de Investimento em Favelas (2007-2010), elaborado pelo Ministério das Cidades e assumiu características particulares, de acordo os implementadores das ações do PAC Social. Durante a implementação do PAC, a ação foi assumida por três organizações gestoras que deram destaque diferenciado para ações do Eixo Gestão Compartilhada, Gestão de Impacto e Gestão de Desenvolvimento Sustentável, em diferentes momentos de implementação do PAC Social. As críticas em relação ao papel desempenhado pelo Estado foram frequentes durante as entrevistas realizadas junto a atores locais e gestores públicos. Para Milani (2007), o desafio do Estado, enquanto proponente e executor das ações de mobilização e participação social, consistiria em

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produzir marcos propícios para o intercâmbio e a geração de acordos e denominadores comuns entre os atores do espaço local. Isso implica promover redes de atores sobre problemas públicos, ou seja, redes de política pública local. Implica também ter instrumentos de mobilização da cidadania; criar regras e arranjos institucionais que garantam previsibilidade, aumentem a confiança dos atores e diminuam as incertezas; implica ter uma capacidade estratégica para tecer acordos e articular convergências no momento oportuno; ou seja, ter a capacidade de gerar ações públicas de alta intensidade (MILANI, 2007, p.13).

O desenvolvimento das ações participativas foi comprometido devido a diversas falhas apontadas pelas lideranças locais: a) no que se refere às ações estatais, o diálogo preferencial com presidentes de associações de moradores, que atuavam como intermediários entre o governo e o tráfico local; b) a desarticulação entre o EDS e o EGI traduzida pelo descompasso entre as ações de realocação dos moradores impactados pelas obras e a viabilidade para a desocupação do imóvel a partir da notificação; c) a política de segurança pública que, por suas deficiências, não garantia a integridade dos trabalhadores no território; d) o desprezo pela qualificação intelectual dos atores locais mobilizados em torno de questões de interesse para o território; e) os esforços das associações de moradores no sentido de neutralizar a participação das ONGs no diálogo com as autoridades públicas.

Os gestores do PAC Social demonstram perceber com maior clareza a pluralidade de interesses manifestados na arena política local, pois suas avaliações atribuem a responsabilidade pelas falhas sinalizadas tanto às lideranças locais – que, no caso das associações de moradores, eram respaldadas pelo tráfico – quanto às injunções decorrentes da esfera pública – traduzidas em problemas de repasse de verbas, e no atraso dos salários da própria equipe, entre outras. Em seus depoimentos, alguns dos gestores destacaram o efeito da militarização do território na renovação da presidência de algumas associações de moradores, sugerindo haver uma mudança quanto à lógica das gestões anteriores – influenciadas por grupos de traficantes locais. Um dos gestores entrevistados sustenta que a implementação do PAC Social resultaria da retomada de um projeto engavetado e que talvez por isso as ações que valorizariam o aspecto mais político da participação social,

68 com um viés de reforço da autonomia e mobilização popular, não tenham recebido tanta atenção. Diante disso, se colocam como desafios para a ação do Estado e da sociedade civil:  a revisão do modelo de participação social utilizado pelos gestores do PAC (responsáveis pelo desenho da política adotado), que se caracterize pela identificação integral de ações de geração de trabalho e renda, saneamento ambiental e ações educativas com a noção de participação popular;  a formulação de estratégias inovadoras para ampliar a multiplicidade de atores locais nas arenas participativas;  a abertura de diferentes canais participativos capazes de vocalizar a pluralidade de ideias característica no debate político local.

Deste modo, as possibilidades de ampliação dos canais participativos não estariam restritas às ações estatais ou de lideranças comunitárias. E tais ações teriam como possibilidade, a conjunção de esforços, para uma ação conjunta e mobilizadora, contribuindo para amadurecer o atual panorama participativo brasileiro.

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Anexos

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MINISTÉRIO DAS CIDADES Secretaria Nacional de Habitação Esplanada dos Ministérios, Bloco A, 3º andar, sala 304 Brasília – DF – CEP 70050-901 [email protected]

1 2 SÍNTESE DAS INFORMAÇÕES DO EMPREENDIMENTO

1. Identificação Programa Modalidade Localização Município UF Proponente Coordenador da Unidade Local 2. Diagnóstico Integrado 2.1.. Dados Populacionais Pop. Urbana Total do Município Pop. Beneficiada Nº Total de Famílias Beneficiadas Nº de Famílias a Remanejar (no mesmo local) Nº Famílias a Reassentar (em outro local) Nº de Famílias em Situação de Risco Tempo Médio de Ocupação Renda Média das Famílias Nº de Pessoas por Domicílio 3 Nº Médio de Pessoas por Família 2.2. Características do Entorno e da Área de Intervenção (quando houver reassentamento para outro local, o diagnóstico deve conter as informações relativas à nova área) Oferta de Serviços Públicos, Equipamentos , Comunicação, Acessibilidade e Mobilidade Oferta de Comercio/Indústrias Descrição físico-geográfica e ecológica da área de intervenção e entorno 2.3. Aspectos Urbanísticos e de Engenharia da área de intervenção Tipologia predominante das edificações Serviços urbanos existentes Características topográficas 2.4. Aspectos Ambientais da área de Intervenção Situações de Risco Áreas de interesse ambiental ou de conservação/ preservação Áreas de servidão 2.5. Aspectos Fundiários da área de Intervenção Situação dominial da área de intervenção 2.6. Aspectos Sociais da População Beneficiada no projeto Características Sócio-Econômicas da população Formas de Ocupação e tipo de uso predominante das unidades habitacionais Histórico de Ocupação da àrea Associativismo e organização comunitária Parcerias com organizações governamentais e não-governamentais 3. Objeto da contratação e do projeto

3.1 Licitação Já existe edital de licitação publicado? ( ) Sim ( ) Não Data da abertura: Caso não haja edital licitatório, qual a previsão para a sua publicação? 3.2. O projeto será aprovado em etapa única? ( ) Sim ( ) Não 4.1.1. Se houver mais de uma, descrever as ações que compõem cada etapa.

3.3. Considerações do Projeto Urbanístico Proposta urbanística Remanejamento / Reassentamento proposto Projeto da Unidade Habitacional Equipamentos comunitários Infra-estrutura (terraplanagem, drenagem, sistema viário, acessos, pavimentação, rede de água e esgoto, luz, etc.) 3.4. Aspectos Ambientais Solução de mitigação proposta Áreas Verdes/ lazer/ conservação/ preservação Licenças- órgão expedidor – nº - validade – condicionantes – protocolo - outorgas 4 Ações relativas a áreas de preservação 3.5. Aspectos Jurídicos / Dominiais (Informar as ações a serem desenvolvidas para a regularização fundiária e a titulação dos beneficiários finais, privilegiando a concessão de títulos às mulheres chefes de família. As ações deverão ser rebatidas no cronograma do projeto). 3.6. Resumo Trabalho Social Proposto Informações sobre divulgação e aceitação do projeto pela comunidade

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Breve Descrição da Metodologia por fases de execução e por eixos temáticos, Duração do trabalho, previsão de terceirização, parcerias, valor por eixo metodológico e valor total de repasse e contrapartida. Resumo da proposta de avaliação 4. Valores Valor Investimento Valor Repasse Valor Contrapartida R$ R$ R$ Tipo de Contrapartida Física Financeira

5. Prazos Total da Execução Obras Trabalho Social

6. Regime de execução das obras ( ) Empreitada Global ( ) Auto-Construção ( ) Mutirão 7. Composição de investimento Global Nº Fam. Valor de Valor de Valor Item Quant. Unid. Benef. Repasse Contrapartida Investimento 1. Projetos 2. Serviços Preliminares 3. Terraplanagem 4. Terreno 5. Regularização Fundiária 6. Aquisição ou Edificação de Unidade Habitacional 7. Recuperação ou Melhorias de Unidades Habitacionais 8. Instalações Hidráulico-Sanitárias 9. Indenização de Benfeitorias 10. Alojamento Provisório / Despesas com aluguel 11. Abastecimento de Água 11.1 Rede de abastecimento 11.2 Perfuração de Poço 12. Pavimentação e Obras Viárias 13. Ligações Domiciliares de Energia Elétrica / Iluminação Pública 14. Esgotamento Sanitário 14.1 Rede de coleta de esgoto 14.2 Estação elevatória 14.3 Fossa / Sumidouro 15. Drenagem Pluvial 16. Proteção, Contenção e Estabilização do Solo 17. Recuperação Ambiental 18. Resíduos Sólidos 19. Equipamentos Comunitários (*) 20. Trabalho Social 20.1 Mobilização e Organização Comunitária 20.2 Educação sanitária e ambiental 20.3 Geração de trabalho e renda 21. Outros (especificar) (*) Abrir por equipamento

7.1 Cronograma Físico / Financeiro dos Itens do QCI Global

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MINISTÉRIO DAS CIDADES

Secretaria Nacional de Habitação Esplanada dos Ministérios, Bloco A, 3º andar, sala 304 Brasília – DF – CEP 70050-901 [email protected]

5 6 SÍNTESE DAS INFORMAÇÕES DO EMPREENDIMENTO

1. Identificação Programa Modalidade Localização Município UF Proponente Coordenador da Unidade Local 2. Diagnóstico Integrado 2.1.. Dados Populacionais Pop. Urbana Total do Município Pop. Beneficiada Nº Total de Famílias Beneficiadas Nº de Famílias a Remanejar (no mesmo local) Nº Famílias a Reassentar (em outro local) Nº de Famílias em Situação de Risco Tempo Médio de Ocupação Renda Média das Famílias Nº de Pessoas por Domicílio 7 Nº Médio de Pessoas por Família 2.2. Características do Entorno e da Área de Intervenção (quando houver reassentamento para outro local, o diagnóstico deve conter as informações relativas à nova área) Oferta de Serviços Públicos, Equipamentos , Comunicação, Acessibilidade e Mobilidade Oferta de Comercio/Indústrias Descrição físico-geográfica e ecológica da área de intervenção e entorno 2.3. Aspectos Urbanísticos e de Engenharia da área de intervenção Tipologia predominante das edificações Serviços urbanos existentes Características topográficas 2.4. Aspectos Ambientais da área de Intervenção Situações de Risco Áreas de interesse ambiental ou de conservação/ preservação Áreas de servidão 2.5. Aspectos Fundiários da área de Intervenção Situação dominial da área de intervenção 2.6. Aspectos Sociais da População Beneficiada no projeto Características Sócio-Econômicas da população Formas de Ocupação e tipo de uso predominante das unidades habitacionais Histórico de Ocupação da àrea Associativismo e organização comunitária Parcerias com organizações governamentais e não-governamentais 3. Objeto da contratação e do projeto

3.1 Licitação Já existe edital de licitação publicado? ( ) Sim ( ) Não Data da abertura: Caso não haja edital licitatório, qual a previsão para a sua publicação? 3.2. O projeto será aprovado em etapa única? ( ) Sim ( ) Não 4.1.1. Se houver mais de uma, descrever as ações que compõem cada etapa.

3.3. Considerações do Projeto Urbanístico Proposta urbanística Remanejamento / Reassentamento proposto Projeto da Unidade Habitacional Equipamentos comunitários Infra-estrutura (terraplanagem, drenagem, sistema viário, acessos, pavimentação, rede de água e esgoto, luz, etc.) 3.4. Aspectos Ambientais Solução de mitigação proposta Áreas Verdes/ lazer/ conservação/ preservação Licenças- órgão expedidor – nº - validade – condicionantes – protocolo - outorgas 8 Ações relativas a áreas de preservação 3.5. Aspectos Jurídicos / Dominiais (Informar as ações a serem desenvolvidas para a regularização fundiária e a titulação dos beneficiários finais, privilegiando a concessão de títulos às mulheres chefes de família. As ações deverão ser rebatidas no cronograma do projeto). 3.6. Resumo Trabalho Social Proposto

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Informações sobre divulgação e aceitação do projeto pela comunidade Breve Descrição da Metodologia por fases de execução e por eixos temáticos, Duração do trabalho, previsão de terceirização, parcerias, valor por eixo metodológico e valor total de repasse e contrapartida. Resumo da proposta de avaliação 4. Valores Valor Investimento Valor Repasse Valor Contrapartida R$ R$ R$ Tipo de Contrapartida Física Financeira

5. Prazos Total da Execução Obras Trabalho Social

6. Regime de execução das obras ( ) Empreitada Global ( ) Auto-Construção ( ) Mutirão 7. Composição de investimento Global Nº Fam. Valor de Valor de Valor Item Quant. Unid. Benef. Repasse Contrapartida Investimento 21. Projetos 22. Serviços Preliminares 23. Terraplanagem 24. Terreno 25. Regularização Fundiária 26. Aquisição ou Edificação de Unidade Habitacional 27. Recuperação ou Melhorias de Unidades Habitacionais 28. Instalações Hidráulico-Sanitárias 29. Indenização de Benfeitorias 30. Alojamento Provisório / Despesas com aluguel 31. Abastecimento de Água 11.1 Rede de abastecimento 11.2 Perfuração de Poço 32. Pavimentação e Obras Viárias 33. Ligações Domiciliares de Energia Elétrica / Iluminação Pública 34. Esgotamento Sanitário 14.1 Rede de coleta de esgoto 14.2 Estação elevatória 14.3 Fossa / Sumidouro 35. Drenagem Pluvial 36. Proteção, Contenção e Estabilização do Solo 37. Recuperação Ambiental 38. Resíduos Sólidos 39. Equipamentos Comunitários (*) 40. Trabalho Social 20.1 Mobilização e Organização Comunitária 20.2 Educação sanitária e ambiental 20.3 Geração de trabalho e renda 21. Outros (especificar) (*) Abrir por equipamento

7.1 Cronograma Físico / Financeiro dos Itens do QCI Global

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