UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS UNICAMP INSTITUTO DE ECONOMIA - IE

MONOGRAFIA II Processo de internacionalização do futebol brasileiro via exportação de atletas profissionais

ALUNO: GUSTAVO STRUZIATO MAZUQUELI, 174273 ORIENTADOR: ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR

Campinas, Julho de 2020

“Em sua vida um homem pode mudar de mulher, partido político e religião, mas não pode mudar de time de futebol” (GALEANO, EDUARDO)

Agradecimento

Transcrevendo o início do livro Futebol: ao sol e à sombra do mestre Galeano, como todo os meninos brasileiros, eu também quis ser jogador de futebol, jogava bem apenas nos meus pensamentos e sonhos. Como torcedor busquei seguir a principal herança de meu pai, a torcida pelo São Paulo F.C., maravilhado pelo time que conquistou o mundo a 2005 e idolatrando o jogador que mais defendeu a mesma camisa na história, se tornando uma lenda e o maior goleiro artilheiro do mundo.

Hoje, apenas tento ser um economista apaixonado por este esporte, seguindo a vida nas palavras de Galeano, suplicando por uma linda jogada e por um bom futebol.

Tal trabalho busca homenagear os sonhos de todos meninos e meninas que buscam uma vida melhor fazendo o que amam. Agradeço a toda minha família, em especial aos meus pais e irmão, que sempre me inspiraram a lutar por meus sonhos e enfrentar os desafios.

Aos meus verdadeiros amigos e minha namorada, por me apoiarem em todas as ideias malucos ao longo desses 23 anos, por estarem ao meu lado nos momentos dos erros (que foram muitos) e nos acertos, além de toda parceria.

Ao meu orientador, professor amigo e parceiro de pizza, totalmente inocente desse resultado, porém muito culpado pela inspiração a concluir este trabalho.

Só agradece !

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...... 8 2 HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO DO FUTEBOL NO BRASIL ...... 12 2.1 Desenvolvimento do futebol nas últimas décadas ...... 14 2.2 Mercado futebolístico pós regulamentações ...... 20 2.3 Casos Notáveis ...... 24 2.3.1 O Caso Chinês ...... 24 2.3.2 O Caso ...... 26 2.3.3 O Caso Árabe ...... 28 3 INTERNACIONALIZAÇÃO DE JOGADORES BRASILEIROS ...... 30 3.1 Panorama da exportação ...... 30 3.2 Principais destinos ...... 32 3.3 Padrões adotados no fornecimento de atletas profissionais...... 35 3.3.1 Idade dos atletas ...... 39 3.3.2 Posição no Campo ...... 40 3.3.3 Estado de origem...... 41 3.4 Padrões adotados na repatriação de atletas profissionais ...... 42 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 46 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 48

RESUMO

A importância do futebol na sociedade brasileira o torna, para além de um esporte, um fenômeno econômico, e, como todos os desta espécie, um fenômeno de múltiplas determinações e de impactos diversos e passíveis de múltiplas interpretações.

A exportação de jogadores brasileiros, por ser parte deste fenômeno, não foge à regra.

As condições comerciais da transação, o destino do jogador, sua estadia no país importador e o desfecho de sua carreira no internacional são todos influenciados pelo modo de produção vigente e pela estrutura de dependência econômica em que se insere o Brasil.

Primeiramente, para ser exportado enquanto mercadoria, o jogador tem abstraídas todas as suas particularidades e regionalidades. As condições de seu treinamento, o papel social do futebol enquanto ferramenta de ascensão social e sua identificação com seu território são todos negados, retificando-o enquanto trabalhador e autonomizando sua figura pública, sua “marca”.

Processo este que ocorre, no caso brasileiro, pela via da exploração da periferia por parte do centro econômico global. Este, por sua vez, notadamente ignora fatores específicos dos países sob seu jugo e preserva apenas as características passíveis de sua compreensão, isto é, as características passíveis de serem comparadas com suas próprias.

O futebol brasileiro é destituído de tudo aquilo que o diferencia drasticamente do futebol dos países centrais.

Convertido em mercadoria, o jogador passa a compor o fluxo genérico de valor agregado que resulta do balanço comercial entre Centro e Periferia. Grandes times estrangeiros adquirem jogadores jovens e destacados no cenário nacional por valores relativamente baixos (mas inalcançáveis aos times nacionais) para então usufruir de lucros proporcionalmente maiores, seja mantendo os brasileiros em seu quadro, seja vendendo-os ou alugando-os.

Há ainda o óbvio componente individual do jogador, que sobrevive ao processo de abstração às custas da identificação com seu território: por ter embarcado rumo ao Centro enquanto mercadoria, sua estadia neste novo mundo é marcada pelo distanciamento e pela ausência de pertencimento.

Este componente torna a maior parte das exportações de jogadores, mesmo que inadvertidamente, uma transição temporária para o jogador, que ao voltar ao Brasil completa um ciclo de valorização e de apropriação de valor adicionado.

ABSTRACT

The importance of the football in the Brazilian society makes it an economic phenomenon, it is more than just a sport, and, like all of this kind, it turns into a phenomenon of multiple determinations and many impacts subjected to multiple interpretations.

The export of the Brazilian players, due to this phenomenon, is no exception.

The commercial conditions of the transaction, the destiny of the player, their stay in the importing country and the outcome of their international career are all factors influenced by the current way of production and the structure of the economic dependence in which Brazil finds itself.

Primarily, to be exported as a commodity, the player has all their particularities and regionalities abstracted. The conditions of their training, the social role of football as a tool of social ascension and their identity with their territory are all denied, rectifying them as a worker and making their public figure, their “brand”, autonomous.

This process occurs, in the Brazilian case, by the exploitation of the periphery by the global economic center. This centre remarkably ignores the specific elements of the countries under its yoke and only preserves the resources that can be understood, that is, the characteristics that can be compared to their uses.

The Brazilian football is unprovided of anything that dramatically differentiates it from the soccer of the centre countries.

Converted into merchandise, the player starts to be a part of the generic value-added flow that results from the trade balance between the Center and the Periphery. The foreign biggest soccer teams buy young players who are on the national scene for lower values (but unattainable at the national teams) to then enjoy, proportionately, the higher profits, whether maintaining the Brazilians saved in their staff, either by selling or renting them.

There is still the obvious individual component of the player, who survives an abstraction process that depends on the identification with their territory: by being shipped to the Center as a commodity, their permanence in this new world is marked by the distance and the absence of belonging.

This component turns the majority of the export of the players, even if inadvertently, a temporary transition for the player, who, by coming back to Brazil, ends a cycle of valuation and value-added appropriation. 8

1 INTRODUÇÃO

O surgimento do futebol nos leva a períodos I a.C, na Grécia Antiga existem registros de uma prática para exercício militar denominada Episkiros composta por equipes de no mínimo cinco e no máximo quinze jogadores que conduziam a bola tanto com os pés quanto com as mãos. Após a conquista de Roma a região, houve a incorporação da modalidade sobre o nome Harpastum, um jogo de bola, disputado com os pés e mãos, utilizando uma bola pequena confeccionado através de um material esférico duro e um pouco pesado. Tal prática possuía como principal apoiador era o Imperador Júlio César1. Durante a Idade Média a prática chegou a ser proibida pelo rei Filipe V da França, pelo excesso de violência ocorrido nas partidas. Após proibições, a modalidade se difundiu pela Europa adquirindo peculiaridades de cada região.

A primeira tentativa de padronização ocorreu em 1857 através de uma cartilha confeccionada pelos dirigentes daquele que seria o primeiro time do mundo reconhecido pela FIFA (Federação Internacional de Futebol), o Sheffield Football Club. Do ponto de vista das regulamentações, temos a versão quase que final do que conhecemos hoje a partir de 1892.

Durante os anos de 1950, o principal fomento aos clubes e a promoção do esporte se dá por meio do Estado e a partir disto, o futebol mundial começou a se organizar em associações nacional e entidades representativas. A partir de 1954 começa a surgir confederações organizadas por continentes, como por exemplo a UEFA (1954), CAF (1957) e CONCACAF (1961).

Fator determinante a mudança na internacionalização, levando o esporte a uma nova era, foi a realização da Copa do Mundo no México em 1970, sendo o primeiro evento televisionado ao vivo e em cores para diversos países. A popularidade transmitida pelo futebol foi tamanha que na época em questão, havia mais países associados a FIFA do que a ONU (Organização das Nações Unidas).

O ponto máximo para o sucesso e expansão da FIFA deve se a liderança do brasileiro João Havelange costurando parcerias trazendo produtos para realizar exposição nos moldes do já realizado pelos Jogos Olímpicos e seu comitê. Dentre as parcerias firmadas,

1 CARVALHO 9

temos como de maior relevância a empresa de materiais esportivos Adidas e a empresa do ramo de bebidas Coca – Cola, as quais elevaram o patamar da estrutura financeira e introduziram a comercialização do Market esportivo. 2

No Brasil, o esporte atravessa o Atlântico juntamente com Charles Miller, jovem brasileiro descendentes de britânicos que estava estudando em Southampton. Ao desembarcar em 1894 com duas bolas e uma cartilha de regra, Charles iniciaria o esporte mais difundido e apreciado pelo povo brasileiro.

“O futebol é o maior fenômeno social do Brasil. Representa a identidade nacional e consegue dar significado aos desejos de potência da maioria absoluta dos brasileiros” começa Marcos Guterman3 em seu livro “O Futebol explica o Brasil – Uma história da maior expressão popular do país”. Aceitar tal afirmação não é uma tarefa árdua: de fato, o futebol se apresenta econômica e culturalmente como o principal esporte no país.

A influência desse esporte não é, porém, unidirecional: o futebol brasileiro influenciou a história e a sociedade brasileira e foi também moldado por elas. Para Guterman4 e Enock5 já houve conflito entre o futebol inglês, trazido por britânicos de classe média e alta e a maneira pela qual os brasileiros o receberam e significaram. Contrapondo- se ao profissionalismo que já caracterizava o esporte na Europa, os jogadores brasileiros jogavam de maneira lúdica, “desinteressada”, o que, mutatis mutandis, tem paralelos com a atualidade. Da mesma maneira, a origem fabril, proletária do esporte na Inglaterra não resistiu nesta distinta sociedade.

Se o futebol “representa a identidade nacional”, carrega nesta representação todas as suas assimetrias, desigualdades e dualidades. Carrega, portanto, toda a estrutura exportadora e dependente que compõe a economia brasileira desde a colonização, o que o torna intrinsecamente voltado ao centro do mercado internacional, e não à sua própria e periférica economia de origem.

Como mais imediato resultado deste desta “perificidade herdada” se observa um escoamento dos principais talentos do esporte para times estrangeiros, o que se tornou sinônimo de sucesso profissional para jovens esportistas. Este processo deu início ao

2 PRONI, M.W. (2000). A metamorfose do futebol. São Paulo, Unicamp 3 GUTERMAN, Marcos. O Futebol explica o Brasil – Uma história da maior expressão popular do país 4 GUTERMAN, 2009, p.12 5 ENOCK,1913 10

movimento de transferência de bens pertencentes a associações para o âmbito privado, a fim de sanar dívidas existentes, maximizar desempenhos e até mesmo em alguns casos, barrar o processo de lavagem de dinheiro decorrente da ausência de fiscalização sobre as contas das associações e clubes esportivos.

Em suma, a internacionalização e desenvolvimento monetário se deu nas últimas décadas do século XX e início do século XXI. Os clubes ao redor do mundo adotaram um perfil empresarial, influenciando diretamente a valoração de jogadores, comercialização de imagem, venda de materiais esportivos, entre outras formas de alcançarem elevadas receitas. A venda do atual atleta profissional passa a vigorar como uma espécie de leilão, em que diversos clubes entram em contato com o atual vínculo do jogador e realizam ofertas para adquiri-lo, aquele que propuser condições melhores, acaba por levar os direitos do atleta.

O objetivo deste trabalho, no contexto descrito, é analisar o processo de internacionalização do futebol brasileiro por meio do envio de jogadores para times estrangeiros.

Esta análise será feita com base na literatura advinda do estudo do subdesenvolvimento brasileiro. Nesta, o Brasil se insere no mercado internacional de enquanto periferia, tendo seus interesses e seu desenvolvimento condicionados ao Centro do sistema.

A hipótese levantada é a de que este subdesenvolvimento possua o futebol como um de seus meios de subsequentes expressão e aprofundamento. Neste sentido, os jogadores brasileiros seriam exportados enquanto mercadorias baratas para os países centrais, que por sua desenvolveriam a carreira destes profissionais e os exportariam entre si por valores muito maiores que os originais.

Para comprovar tal hipótese, será feito uma breve retrospectiva histórica do desenvolvimento recente do futebol nacional e internacional, de forma a caracterizar a estrutura de dominância típica de relações Centro-Periferia.

Além disso, utilizaremos de dados fornecidos pela empresa alemão especializada em estatísticas futebolísticas Transfermarkt GmbH & Co., reconhecida mundialmente como referência na listagem de dados de negociações e atribuição de valor a jogadores.

A análise da evolução institucional dos aparatos jurídicos que versam sobre o esporte será útil neste sentido. 11

Ainda, serão delineados os traços principais dos movimentos dos jogadores exportados, e a jornada destes após sua mudança de time. O objetivo aqui será o de entender o sistema prático de exportação dos profissionais brasileiros e a maneira pela qual estes lidam com sua nova realidade, de forma a analisar o resultado de mercantilização do futebol brasileiro.

Como forma de suscitar o debate acerca de alternativas ao subdesenvolvimento, serão analisados casos específicos de países estrangeiros que hoje ocupam o Centro do futebol internacional.

12

2 HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO DO FUTEBOL NO BRASIL

Para Leoncini e Silva6, o futebol apresenta definição diferente no tocante ao mercado tradicional, categorizando e subdividindo em dois: Mercado de Atletas e Mercados de Torcedores. Havendo historicamente para o futebol brasileiro uma ênfase no mercado de atletas, intensificado no final do século XX com a mudança no perfil dos clubes passando de associações esportivas para empresas, neste caso, priorizando a exportação da mão de obra especializada para clubes europeus.

No que se refere a mão de obra do esporte, Damo7 e Melo8 buscam estudar a formação dos futuros jogadores profissionais, iniciada aos 12 anos de idade e sendo caracterizado pelo regime de albergamento, na qual os jovens despendem cerca de 6.000 horas de trabalho para um melhor preparo físico e técnico a fim de alcançarem um patamar qualificado a carreira de profissional. Tal fenômeno faz com que jovens atletas em período escolar abram abdiquem da educação básica de ensino e se foquem integralmente na prática do esporte, sendo esta sua aposta para um futuro profissional.

No último quartel do século XX houve processo de intensificação nos fluxos migratórios de esportistas da América do Sul para Europa e Ásia. Como apoio as negociações oriundas dessa intensa internacionalização, houve a necessidade de instituir novas regras para facilitar e assegurar falhas de mercado, entre as mais relevantes temos a Lei Pelé (Nacional) e o Caso Bosnam (Europeu).

6 LEONCINI, M.P.; Silva, M.T. (2000). Gestão estratégica de clubes de futebol vista através do caso Manchester United 7 DAMO, A. (2005). Do dom a profissão: uma etnografia do futebol de espetáculo a partir da formação de jogadores no Brasil e na França. 8 Melo (2010) 13

Para autores como Proni9, Leoncini e Silva10 e Helal11 os principais motivos para a centralização financeira e a capitalização de profissionais esportivos para o continente europeu deve-se a basicamente 6 fatores:

1- Problemas administrativas dos times brasileiros, muitas vezes em caráter ainda amador não sabendo administrar recursos e dar auxílio para jogadores que estão iniciando sua carreira no esporte; 2- A relação trabalhista dos jogadores com o clube atualizada pela Lei Pelé de 1998, atenuando o poder do clube sobre seu “produto humano” proibindo o passe; 3- Popularização da figura do empresário que procura intervir nas negociações, bem como comissões pagas por negociações concretizadas; 4- Limitação dos postos de trabalho no mercado interno; 5- Industria de formação de jogadores; 6- Baixos salários do mercado nacional para jogadores.

No ano de 2007 tivemos credenciados pela FIFA um total de 800 clubes profissionais no país, número qual resulta num total de aproximadamente 15.000 postos de trabalho para atletas. Se adotarmos que apenas 20 times fazem parte da elite brasileira temos em torno de 520 postos de trabalho na alta cúpula do futebol brasileiro, o que significa que apenas 3,5% das vagas para atletas se encontram na elite salarial.

Os jogadores que conseguem se tornar profissionais e participam de grandes clubes nacionais passam a ter como desafio profissional atuar no mercado estrangeiro, onde as variações salariais são de patamar superior a realidade dos clubes brasileiros, segundo dados coletados pela CBF 84% dos jogadores profissionais no Brasil recebem até R$ 1.000,00 e apenas 3% recebem acima de R$ 9.000,00 por mês.

Tal fator renda acaba por influenciar na decisão direta de abandonar o país de origem e tentar a vida como profissional em outra ligas, sejam essa as ditas centrais como Alemã,

9 PRONI, M.W. (2000). A metamorfose do futebol. São Paulo, Unicamp 10 LEONCINI, M.P.; Silva, M.T. (2005). Entendendo o futebol como um negócio: um estudo exploratório. Gestão e Produção

11 HELAL, R. Passes e impasses: futebol e cultura de massa no Brasil. 14

Italiana, Inglesa, Francesa, Espanhola e Portuguesa, como também para ligas periféricas como Sueca, Grega, Albanesa, Belga e Suíça.

Para Gasparetto12 a atual dinâmica do futebol mundial, deve-se levar em conta, além dos mercados centrais, os mercados emergentes como China e Oriente Médio, por meio da melhor dinamização econômica passaram a ter melhores condições para o mercado futebolístico e assim atraindo maior número de jogadores.

Na visão do autor, a principal assimetria entre os clubes brasileiros e os clubes europeus toca justamente no ponto financeiro, a amplitude entre as receitas e despesas dos clubes. Desta forma, a alternativa proposta para reduzir a assimetria entre mercados seria fomentar o segundo mercado existente, o de produtos, ao invés do mercado de atletas, sendo este possível apenas mediante a profissionalização da gestão de futebol.

Convergindo a ideia de Gasparetto13 e Leoncini14, é necessário adoção de ideias de um clube profissional como uma empresa, com estratégias e políticas para majorar receitas, apesar das empresas possuírem como objetivo o lucro e os clubes maior rendimento esportivo. Valendo-se mencionar como uma empresa o clube profissional deve se basear em quatro variáveis: Controle salarial (funcionários em geral), Transferências (compra e venda de jogadores), Maximização das receitas e Exploração da marca comercial no mercado de produtos. Proni15 menciona que esta profissionalização se deve também as medidas financeiras e de marketing como a utilização de agentes comerciais e associações com clientes externos.

2.1 Desenvolvimento do futebol nas últimas décadas

O futebol tornou-se o fenômeno mundial que é hoje durante a segunda metade do século passado, quando se intensificou sua internacionalização.

12 GASPARETTO, T.M. (2013). Internacionalização dos clubes de futebol do Brasil.

13 GASPARETTO, T.M. (2013). Internacionalização dos clubes de futebol do Brasil. 14 Leoncini 15 PRONI, M.W. (2000). A metamorfose do futebol. São Paulo, Unicamp 15

Ghemawat (2007) divide o processo de globalização do futebol em três etapas. O primeiro surto deste processo se deu junto ao apogeu do Império Britânico, cuja influência global difundiu o esporte pelas nações, ainda que de forma incipiente e embrionária.

A Primeira Guerra Mundial traria fim a este primeiro surto, encerrando-o junto ao apogeu britânico que o sustentava. As autoridades nacionais do continente europeu passaram a restringir o fluxo de jogadores por conta do conflito bélico, de forma que o intercâmbio de profissionais só voltaria a crescer após a Segunda Guerra.

Neste novo surto de internacionalização, acirram-se as rivalidades entre times de países diferentes, de maneira que começa a ganhar traços a imagem de uma disputa global pela supremacia no esporte.

Os anos 60 veriam o despontar do Real Madrid, time pioneiro em importar seus jogadores do exterior.

Duas décadas se seguem e os países do Leste europeu começam a diminuir suas restrições à exportação de jogadores, enquanto as regras europeias de limitação do número de jogadores estrangeiros em cada time começam a se deteriorar.

Nos anos 90, este processo de abertura se intensifica, dando início ao terceiro e mais intenso surto de internacionalização. Ghemawat afirma: ““nos anos 90, as barreiras à mobilidade da mão-de-obra desapareceram, em grande parte, para a disputa entre clubes – mas não entre países” (IBIDEM).

Esta década será marcada, ainda, pelo surgimento da Premier League, em 1992, de forma a encerrar a disputa entre a Football Association e a Liga, o que, nas palavras de Murray (2000:208): “(...) acabou com mais de um século de difícil cooperação entre a FA e a Liga, iniciando uma década em que os mais ricos passaram a não ter que compartilhar a sua riqueza com os clubes mais fracos”.

Os resultados de tal liberalização e do fortalecimento da Premier League concentraram a renda do esporte, mesmo dentro do Centro, como afirma Ghemawat (2007).

O movimento perdura até os dias de hoje, em que ainda atua a terceira etapa de internacionalização e vigora a centralidade europeia e, dentro desta, a centralidade da Premier League, como demonstra o levantamento anual da Delloite:

16

Valores pagos nas transferências de jogadores de clubes da Premier League e da Football League- 2018/19 em milhões de libras.

Fonte: Annual Review of Football Finance 2020

Na última década, o esporte buscou diversas modalidades de investimento e organização, seja através de instituições financeiras (fundos) e empresas de marketing esportivo. Passando a movimentar valores considerados utópicos até 50 anos atrás. Atualmente o mercado de jogadores movimenta cerca de 7,3 bilhões concentrados em 18 mil transferências ao redor do mundo. Enfatizando ainda a perda do esporte como sua essência lúdica, ele cede lugar a uma lógica mercantilista, tornando-se um futebol-negócio16.

2.2 O papel do Brasil no fornecimento de atletas para as principais ligas

O sistema produtivo brasileiro foi, desde seu início, voltado ao exterior. Sodré17 afirma que a colonização “em seu início, assentou na particularidade da inexistência de mercado interno: a produção em larga escala era, finalisticamente, destinada à exportação. (Sodré -

16 CARVALHO, 2001 e 2003 17 Sodré - capitalismo e revolução brasileira 17

capitalismo e revolução brasileira)”, sendo que o mesmo autor depois se refere à “ascensão exportadora”18 como intrínseca ao processo de formação da classe burguesa no Brasil. Outros autores, como Caio Prado Jr., Florestan Fernandes e Celso Furtado também irão dar papel de destaque ao exterior. Deste primeiro advém inclusive a ideia de que o setor externo nunca foi um “corpo estranho” para a sociedade brasileira, mas que sempre conviveu com a presença de empresas transnacionais e a submissão aos interesses e demandas do mercado internacional.

Pode-se concluir, portanto, que o Brasil é e sempre foi desde a colonização economicamente dependente do setor externo e mais especificamente do centro capitalista.

Como observado no capítulo introdutório, tal dependência se manifesta no esporte como uma exportação de jogadores para atuarem em times estrangeiros, sendo esta atuação, inclusive, vista como indicador do sucesso do profissional.

É aqui relevante observar o contexto do futebol no Brasil como fenômeno dual, que, ocorre, segundo Furtado, com a “criação de estruturas híbridas, uma parte das quais tendia a comportar-se como um sistema capitalista, a outra, a manter-se dentro da estrutura preexistente. Esse tipo de economia constitui, especificamente, o fenômeno do subdesenvolvimento contemporâneo”19.

Como “estrutura preexistente”, deve-se entender, sobre o futebol, os meios de reprodução do esporte, a imensa oferta de recurso humano para sua renovação e a identificação da população ao esporte, o que nos permite inferir que, para além de uma manifestação do capitalismo, o futebol se apresenta como aspecto cultural determinante na identidade do brasileiro.

Disto resulta uma característica que dista o futebol de outros ramos passíveis de exportação: este esporte é reproduzido no Brasil por um processo não só econômico, mas intrinsecamente cultural e identitário. Tal processo deve, porém, ser abstraído na atividade de exportação, visto que o aspecto não capitalista das sociedades periféricas é abolido para que se concretize a exploração.

É interessante agora relacionar este fenômeno visão de Rosa Luxemburgo quanto ao processo de acumulação capitalista.

18 Sodré - capitalismo e revolução brasileira, p.96. 19 FURTADO,1963:180) 18

A autora, em seu célebre livro “A Acumulação Capitalista- Estudo sobre a Interpretação Económica do Imperialismo”20, aponta:

(...) o capitalismo necessita, para sua própria existência e desenvolvimento, estar cercado por formas de acumulação não capitalistas. Não se trata, porém, de qualquer forma. Necessita de camadas sociais não capitalistas, como mercado para colocar sua mais valia (...) Quanto a isso, a sociologia das ausências de Boaventura contribui com a noção de que, quando duas sociedades hierarquicamente díspares são comparadas, as características da sociedade periférica só são reconhecidas se minimamente referentes às características da sociedade central, acarretando num desperdício de experiência social.

No caso específico analisado este “desperdício de experiência social” se traduz na negação do caráter cultural do futebol, da ligação entre este e seu meio e das consequências não econômicas da exportação de seus jogadores.

Isto posto, vale destacar a maneira pela qual o centro absorve o capital humano, enquanto mercadoria destituída de contexto social de produção, da periferia.

A interação entre centro e periferia pode ser explicada pelo processo histórico de inserção desta última no sistema econômico mundial. Belluzzo afirma que está inserção, determinante na “dinâmica das estruturas”, é influenciada pela relação entre o “jogo estratégico” do polo dominante - no caso, a economia norte americana, e a capacidade de resposta dos países em desenvolvimento.

Furtado também elucida este processo ao estabelecer como um dos processos de consolidação do sistema centro-periferia a “ampliação dos circuitos comerciais conduzindo a formação de um sistema de divisão internacional do trabalho”.

Neste processo, o dito núcleo industrial busca criar uma zona de influência em que a periferia é transformada em uma constelação de subsistemas dependentes, que servem, em última instância, para o fornecimento de recursos em direção a este núcleo.

As populações destes subsistemas são assim convertidas em reservas de mão de obra barata, garantindo ganhos de produtividade ao centro num processo de apropriação do excedente.

20 LUXEMBURGO, Rosa. A Acumulação Capitalista- Estudo sobre a Interpretação Económica do Imperialismo, p. 19

O autor resume o histórico deste processo como a manifestação de uma heterogeneidade entre demanda e forças produtivas. A primeira, muito mais dinâmica, se defronta com a segunda, imobilizada pelo “lento desenvolvimento das forças produtivas”.

O que se observa, porém, é que mesmo tal noção de heterogeneidade entre polos mais e menos desenvolvidos na verdade provém da influência do centro sobre a periferia. Isso se dá pelo fato de que o juízo acerca de uma linha temporal de desenvolvimento linear carrega consigo noções teleológicas sobre qual deveria ser o “avanço” das estruturas periféricas em direção às formas de organização ditas plenamente desenvolvidas. Colaborando ao entendimento disto, Boaventura afirma, acerca da chama lógica da monocultura do tempo linear:

A segunda lógica assenta na monocultura do tempo linear, a ideia de que a história tem sentido e direção únicos e conhecidos. Esse sentido e essa direção têm sido formulados de diversas formas nos últimos duzentos anos: progresso, revolução, modernização, desenvolvimento, crescimento, globalização. Comum a todas estas formulações é a ideia de que o tempo é linear e que na frente do tempo seguem os países centrais do sistema mundial e, com eles, os conhecimentos, as instituições e as formas de sociabilidade que neles dominam. Esta lógica produz não-existência declarando atrasado tudo o que, segundo a norma temporal, é assimétrico em relação ao que é declarado avançado.

O autor inclusive alude ao conceito de subdesenvolvimento, ao afirmar que, ao longo dos anos, o resultado desta monocultura assume “várias designações, a primeira das quais foi o primitivo, seguindo-se outras como o tradicional, o pré-moderno, o simples, o obsoleto, o subdesenvolvido”.21

Desta divergência entre o conceito de heterogeneidade de Furtado e a crítica à linearização e padronização de processos de desenvolvimento, pode-se concluir que partem do Centro não apenas condicionantes econômicos, mas também culturais para restringir a autonomia da periferia.

Voltando ao futebol, esse aspecto cultural pode-se verificar justamente pela noção de que o futebol profissional aos moldes estrangeiros é o objetivo último do futebol brasileiro, mesmo que este possua origem e papel social distintos.

21 Santos, B.S. (2002). PRONI, M.W. (2000). A metamorfose do futebol. São Paulo, Unicamp

20

O resultado disso, somado ao apresentado sistema social de exportação de jogadores, é o deslocamento do núcleo de absorção e significação do capital cultural e humano ligado ao futebol. Dito de outra forma, o “mais expressivo fenômeno social do Brasil” funciona hoje para e de acordo com os padrões importadores e significantes de um Centro alheio à realidade nacional.

2.2 Mercado futebolístico pós regulamentações

Não se pode discutir a posição do futebol brasileiro na cadeia global de valor do esporte sem abordar a estrutura jurídica de profissionalização e proteção ao jogador.

É esta que, se bem elaborada e eficazmente executada, pode compor a solução institucional para a internacionalização dos jovens jogadores, ou ao menos gerar uma compensação no sentido de desenvolver os potenciais dos jogadores internos e atrair esportistas do exterior. Dada tal relevância do aspecto jurídico, se torna necessário delinear os principais elementos jurídico-normativos brasileiros, assim como a trajetória histórica que os originou.

A análise dessa trajetória terá como norte introdutório o artigo intitulado "Negociação Coletiva e Hipossuficiência: O que a Lei tem a dizer sobre o contrato de trabalho esportivo?".22

O amparo legal ao jogador profissional de futebol teve uma lenta e caótica estruturação no Brasil. Isto se deu em parte pela situação geral dos trabalhadores antes da era Vargas e das vitórias jurídico-trabalhistas que se seguiram, em parte devido a antipatia do cenário esportivo em reconhecer o futebol como esporte profissional e os seus jogadores como trabalhadores.

Tal situação não se resolveu com o surgimento da figura do jogador que representa seu clube em campeonatos, visto que mesmo enquanto componentes da imagem do clube, os membros de seu time ainda não eram vistos como responsabilidade do mesmo, acarretando a marginalização da profissão.

Está situação precária só começou a mudar com o esforço do governo federal em tornar o futebol patrimônio nacional, o que envolvia profissionalizar o esporte e evitar a fuga de seus praticantes mais destacados. Desde o governo Vargas o futebol se fixa como instrumento

22 Maiolini, D. (2017). Negociação coletiva e hiossuficiência: o que a lei tem a dizer sobre o contrato de trabalho esportivo? 21

publicitário da máquina pública, alternando fases mais e menos democráticas sem prejuízo a tal função.

Disto resulta um significativo ganho de notoriedade ao esporte, o que se alinhou com o interesse governamental citado anteriormente para aproximar a situação do profissional desportivo do cotidiano brasileiro e da figura do trabalhador. Um evento particularmente emblemático neste sentido é a comemoração do dia do trabalho, em 1940, sediada no Estádio de São Januário, que contou com um discurso do então Presidente Vargas.

A primeira legislação desportiva, com efeito, surge apenas em 1939, junto com o Conselho Nacional de Desportos. Este ponto de inflexão não foi, porém, tão drástico como poderia ser em um primeiro momento, e as conquistas ligadas à regulação esportiva passaram a ser disputadas uma a uma.

É somente com a constituição de 1988 e sua nova visão institucional sobre o papel do cidadão na convivência que ocorre uma real valorização do jogador profissional e um enfrentamento à visão de que este seria apenas um produto, uma mercadoria.

A lei 9.615/98, em seu artigo 28, define a atividade esportiva, o vínculo entre jogador e contratante e dá início à seguridade profissional ao criar um mecanismo de multa por quebra de contrato:

A atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.

Como institucionalidade do registro do jogador de futebol enquanto tal, é criada a lei Lei nº 6.354/76, cujo 3° artigo quanto do contrato do atleta as seguintes obrigatoriedades:

I. os nomes das partes contratantes devidamente individualizadas e caracterizadas; II. o prazo de vigência, que, em nenhuma hipótese, poderá ser inferior a 3 (três) meses ou superior a 2 (dois) anos; III. modo e formas de remuneração, especificados o salário, os prêmios, as gratificações e, quando houver, as bonificações, bem como o valor das luvas, se previamente convencionadas; 22

IV. a menção de conhecerem os contratantes os códigos, os regulamentos e os estatutos técnicos, o estatuto e as normas disciplinares da entidade a estiverem vinculados e filiados; V. os direitos e as obrigações dos contratantes, os critérios para a fixação do preço do passe e as condições para dissolução do contrato.

Em seu artigo 5°, a mesma lei regulamenta a formalização de contratos cujo contratado seja menor de idade, numa tentativa de coibir o aliciamento de jovens em acordos legais desfavoráveis:

Art. 5º Ao menor de 16 (dezesseis) anos é vedada a celebração de contrato, sendo permitido ao maior de 16 (dezesseis) anos e menor de 21 (vinte e um) anos somente com o prévio e expresso assentimento de seu representante legal.

Em seguida, no artigo 16, é desvinculado o prejuízo do clube do prejuízo salarial do atleta, em uma importante estabilização de sua renda:

Art. 16. No caso de ficar o empregador impedido, temporariamente, de participar de competições por infração disciplinar ou licença, nenhum prejuízo poderá advir para o atleta, que terá assegurada a sua remuneração contratual.

Da Lei Pelé, talvez a mais reconhecida neste debate, são instituídos os órgãos públicos responsáveis pelo desporto:

Art. 4º O Sistema Brasileiro do Desporto compreende: I - O Ministério do Esporte; (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003) II - (Revogado) (Revogado pela Lei nº 10.672, de 2003) III - o Conselho Nacional do Esporte - CNE; (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003)

Sendo seu objetivo definido logo em seguida como "garantir a prática desportiva regular e melhorar-lhe o padrão de qualidade". 23

O que, porém, tal lei trouxe de mais significativo ao cenário do esporte foi o fim do "passe", isto é, o fim dos direitos de compensação de um time por jogadores cujo contrato não mais valia.

O impacto desta medida é tanto simbólico, por contrariar a visão do atleta como posse de seu clube, quanto prática, ao facilitar as contratações de jogadores.

Aliado à já citada proibição do aliciamento infantil, a Lei Pelé prévia contratos e financiamentos referentes ao sistema de aprendizagem de maiores de 14 anos, medida relevante para organizar a formação de profissionais desde a infância, como hoje se prioriza.

Desde breve histórico, pode-se observar que os aparatos jurídicos modernizadores e de proteção ao jogador são antes aproximações da situação e da figura deste à condição legal de um trabalhador formalmente contratado.

Para além disso, a mesma modernização teve importantes medidas no sentido de facilitar as transações do jogador enquanto mercadoria, em oposição à visão do jogador como um não profissional ou como posse de seu clube.

No cenário internacional, o grande choque institucional ocorrido foi a introdução da chamada “Lei Bosman”. Tal lei, em sua essência permitiu aos jogadores, após a finalização dos contratos que os ligavam aos respetivos clubes, a transferência para outro clube europeu, ficando a sua nova entidade patronal isenta do pagamento de qualquer compensação financeira ao antigo clube.

A “Lei Bosman” entrou em vigor na Europa em 1995, na sequência de uma disputa legal que se prolongou desde 1988, entre o jogador belga Jean-Marc Bosman e a sua entidade empregadora, o RFC Liège.

O atleta, apoiando-se nas leis que regiam o mercado de trabalho europeu, nomeadamente no Tratado de Roma, argumentava que as restrições impostas pelos clubes a propósito do processo de transferência iam contra a livre circulação de trabalhadores. Após o conflito jurídico que opôs o jogador ao clube e às entidades reguladoras das competições nacionais e internacionais, o Supremo Tribunal da Bélgica e o Tribunal Europeu de Justiça deram razão ao atleta, abrindo caminho ao aprofundamento do capitalismo no futebol e, consequentemente, ao enfraquecimento do papel das entidades reguladoras23.

23 (Banks, 2002) 24

As consequências da Lei Bosman ultrapassam o continente europeu, afetando diretamente o mercado global, fazendo com que o mesmo se reinventa-se. A amplitude econômica entre as equipes se acentuou drasticamente, uma vez que grande parte de suas receitas provinham de indenizações pagas pelo mercado de “passes” dos jogadores, mesmo com contrato encerrado. Este seria o ponto de partida para muitos clubes serem levados à falência ou a um substancial enfraquecimento financeiro e desportivo.

2.3 Casos Notáveis

Vale agora mencionar alguns casos relevantes do cenário esportivo internacional, de forma a suscitar possibilidades e reflexões acerca do caso brasileiro. Para isso, serão analisados países que sediaram, sediarão ou planejam sediar a Copa do Mundo de Futebol, de maneira a recortar casos centrais no futebol internacional.

2.3.1 O Caso Chinês

O caso chinês é particularmente interessante para compreender o desenvolvimento do futebol internacional nas últimas décadas. Mais que isso, seu estudo pode revelar possibilidades interessantes para o futebol nacional e para o setor desportivo brasileiro como um todo.

Em “O futebol na China: do cuju ao sonho de se tornar uma potência mundial”, Emanuel Leite Júnior e Carlos Rodrigues descrevem a trajetória chinesa neste segmento.

Em 2009, Xi Jinping, futuro presidente do Partido Comunista Chinês, afirmou possuir três sonhos para a Copa do Mundo: participar do evento, sediá-lo e vencê-lo24.

O investimento que se sucederia não era, porém, fruto apenas do interesse pessoal do governante pelo esporte e por seu evento principal.

O Estado Chinês demonstrou o reconhecimento do potencial do futebol que falta aos governos brasileiros das últimas décadas, como narram Rodrigues e Júnior25 em “A geopolítica do futebol em transformação: o caso chinês”

24 TAN et al., 2016. RODRIGUES e JÚNIOR, 2018, p.265 25 RODRIGUES e JÚNIOR, 2018 25

Como atesta a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China (2016), o objetivo do incentivo aos esportes era, para além de trazer os benefícios da prática desportiva para a saúde da população, desenvolver o setor esportivo do país.

Uma previsão do Conselho de Estado, feita em 2014, vê o rendimento do setor chegar à 813 bilhões de dólares no ano de 2025.

Observa-se que o futebol teria o papel de impulsionar os demais esportes no país, como evidenciado pela centralidade deste nos investimentos públicos e privados26.

Ocorria, ainda, a tentativa de reforçar o nacionalismo chinês por meio do esporte, estratégia frutífera no setor olímpico, mas até então pouco relevante no cenário futebolístico.

A mescla destes interesses relacionados à saúde pública e ao desenvolvimento econômico e identitário resulta no “Plano de desenvolvimento do futebol a médio e longo prazo” (2016), que abarcava os anos de 2016 a 2050 - em consonância com a tradição chinesa de criação de estratégias com décadas de aplicação e maturação.

O documento reforça a centralidade do futebol nos objetivos desportivos chineses e afirma que o sucesso dos times do país no cenário internacional seria fonte de orgulho para a nação.

Como medidas práticas, o plano abarcava desde o aumento da carga didática das aulas de educação física até o incentivo à internacionalização dos jogadores nacionais - não enquanto matriz de exportação, obviamente, mas sim enquanto recursos humanos passíveis de valorização e ganho de experiência, por meio de programas de intercâmbio.

Rodrigues e Júnior27 (2018) resumem as metas do plano:

(i) Até 2020: 20 mil escolas especializadas em futebol, 70 mil campos de futebol, entre 30 a 50 milhões de estudantes do ensino básico e secundário praticando o desporto; (ii) Até 2030: 50 mil escolas especializadas em futebol, a seleção chinesa masculina ser uma das melhores da Ásia, e a seleção feminina estabelecida como de “classe mundial”;

26 RODRIGUES e JÚNIOR, 2018, p.30 27 Rodrigues e Júnior (2018) 26

(iii) Até 2050: seleção de primeiro escalão no futebol mundial (masculino), no top-20 do ranking da FIFA, tendo sediado uma Copa do Mundo e sendo uma potência mundial do futebol.”

O que se destaca da realização deste plano até então é o volume do investimento, sendo este de origem pública e privada: seja na aquisição acionária de times tradicionais europeus, seja na compra de jogadores internacionais, a China rapidamente se tornou um polo de demanda do segmento futebolístico.

Em 2015, os clubes do país investiram mais do que os clubes do resto do continente asiático, realizando aquisições de jogadores experientes muitas vezes consideradas inflacionadas28.

É interessante notar, inclusive, que a iniciativa chinesa dinamizou a exploração do potencial desportivo brasileiro.

Para além de importar jogadores brasileiros para seus times nacionais e para os clubes adquiridos por sua iniciativa privada, a China atualmente utiliza o próprio cenário local brasileiro para ampliar a capacidade de seus jogadores. A empresa Shandong Luneng, por exemplo, envia anualmente 30 de seus jogadores para o Brasil para capacitá-los.

Ocorre, portanto, um duplo movimento de exploração: jogadores brasileiros são enviados para clubes chineses ou de participação do capital chinês, enquanto jogadores chineses utilizam o Brasil como centro de treinamento.

O envio de experiência e investimento acumulado ocorre direta e indiretamente, por meio de valor acumulado na mercadoria e por meio de utilização da “capacidade produtiva” brasileira.

2.3.2 O Caso Russo

O caso Russo revela uma dinâmica totalmente diferente do caso chinês, por conta das diferenças históricas do futebol em ambos os países, dos rumos políticos que cada um adotou

28 Rodrigues e Júnior, 2018, p.41. 27

ao longo do final do último século e por conta dos diferentes objetivos que cada um possui quando ao setor esportivo.

Mesmo com tais diferenças, ou talvez por conta delas, o caso russo se mostra relevante para analisar possibilidades de inserção brasileira no Centro do ciclo de valorização do futebol internacional.

O futebol russo possui mais tradição que o futebol chinês. A União Soviética desenvolveu intensamente a prática esportiva e a criação de atletas de elite como parte de sua disputa com os EUA.

Dito isso, a queda da qualidade de vida no país ocorrida na década de 1990, somada à queda do investimento no setor esportivo em geral, gerou um êxodo dos atletas soviéticos para Ásia e Europa.

As 3 copas que sucederam esta década demonstram a queda do desempenho russo/soviético.

Esta situação, em verdade, se assemelha mais à realidade brasileira do que o caso chinês. Ambos os países observaram, ou, no caso do Brasil, observam, a transferência do investimento em seus atletas para o exterior, materializada em um êxodo de seus principais talentos.

A solução russa também dista do plano de desenvolvimento chinês, principalmente pelo protagonismo do setor privado.

Com o fim da URSS, a dissolução de parte do aparelho estatal favoreceu a criação de oligarquias russas de imenso poder aquisitivo, sendo estas as responsáveis pela compra e pela reestruturação dos clubes do país (IBIDEM)

O futebol agora aparece à economia russa como fonte de escoamento das fortunas da elite do país. Os interesses desta que justificam seu massivo investimento são principalmente a busca pelo lucro especulativo advindo da compra e venda de jogadores estrangeiros e, vale ressaltar, a busca por legalizar a renda derivada de atividades ilegais (IBIDEM)

O caso russo demonstra com clareza que a participação no ciclo de valorização do futebol internacional possui como fim e como meio o poder econômico e o fortalecimento de relações internas de poder.

28

2.3.3 O Caso Árabe

O futebol no oriente médio guarda similaridades com o caso russo, mas se destaca pelo papel do esporte no fortalecimento das identidades nacionais da região, de maneira similar ao caso chinês.

O caso do Irã é particularmente dramático: o futebol do país, antes referência regional, foi fortemente repreendido após a Revolução Iraniana, por ser considerado elemento ocidental, pela alegada vulgaridade dos uniformes e pela instável situação externa do país29.

Ocorre que, pela forte identificação popular com o esporte, o futebol sobreviveu no país, sendo fortalecido após a morte de Khomeini e pela rivalidade com o futebol americano nas Copas do Mundo.

O esporte se configurou, no Irá e no restante da região, como símbolo das identidades nacionais e das disputas políticas recentes30.

As torcidas organizadas, por exemplo, desempenharam papel importante na unificação e na organização dos movimentos da Primavera Árabe.

A luta das mulheres árabes por igualdade de gênero das encontra forte identificação no futebol feminino.

Observa-se, assim, que o futebol aparece aos países árabes como importante cenário e instrumento dos movimentos e anseios de suas populações.

Justificada a importância do esporte para a região, vale mencionar a maneira pela qual a mesma se posiciona no cenário internacional.

Ocorre aqui, como no caso russo, a utilização do futebol como meio de escoamento e investimento das riquezas da elite local. No caso árabe, este fluxo ocorre por conta dos petrodólares.

29 (FARIAS,2015). 30 FARIAS,2015) 29

Na época de supervalorização das commodities, países como os Emirados Árabes e a Arábia Saudita aproveitaram-se da renda derivada do petróleo para adquirir de forma predatória clubes e jogadores internacionais.

O Oriente Médio rapidamente se tornou a referência de enriquecimento por meio do esporte para a juventude brasileira.

Aqui, novamente, se observa o duplo papel do futebol internacional para uma nação: fim e meio de realização do poder econômico e das relações internas de poder.

30

3 INTERNACIONALIZAÇÃO DE JOGADORES BRASILEIROS

Neste capítulo serão analisados dados acerca da internacionalização dos jogadores brasileiros, incluindo o valor investido em cada atleta, os times de origem e de destino e os países importadores. Os mesmos se referem ao período entre 2004 e 2019 e tem como referência o Euro.

Desta análise espera-se obter um panorama geral dos padrões do processo de internacionalização. Este, por sua vez, servirá de base para conclusões acerca da plataforma de exportação dos jogadores e de sua contraparte, as tendências de importação.

3.1 Panorama da exportação

O panorama das exportações pode indicar, neste primeiro momento, o estágio de desenvolvimento do processo de exportação de jogadores, além de fornecer indícios de suas características.

Gráfico 1 - Quantidade de jogadores exportados de 2004 a 2019

17

15 14 14 13 13 13 12 12 11 11 11 10

8 Jogadores

3

04.05 05.06 06.07 07.08 08.09 09.10 10.11 11.12 12.13 13.14 14.15 15.16 16.17 17.18 18.19 Temporada

Fonte: www.transfermarkt.pt

31

Analisando quantitativamente o panorama das exportações de jogadores brasileiros, é interessante começar pela tendência ascendente identificada entre as temporadas 04 e 19, como indicado no Gráfico 1 pela reta tracejada.

Este padrão confirma a atualidade do processo analisado neste trabalho, visto que seu desenvolvimento ainda não atingiu seu auge.

Gráfico 2 - Média dos valores referente a exportação de atletas por temporada 16

14

12

10

8

Milhões Milhões £ 6

4

2

0 04.05 05.06 06.07 07.08 08.09 09.10 10.11 11.12 12.13 13.14 14.15 15.16 16.17 17.18 18.19 Temporada

Fonte: www.transfermarkt.pt

32

Gráfico 3 - Valor absoluto exportado de jogadores brasileiros por temporada 250

200

150

Milhões Milhões £ 100

50

0 04.05 05.06 06.07 07.08 08.09 09.10 10.11 11.12 12.13 13.14 14.15 15.16 16.17 17.18 18.19 Temporada

Fonte: www.transfermarkt.pt

A média e o valor absoluto dos valores exportados por temporada, apresentados nos Gráficos 2 e 3, respectivamente, indicam as mesmas variações observadas a partir do Gráfico 1, e apesar de tal correlação não indicar necessariamente uma correlação, é válido supor que os valores das transações indicam a aceitação do mercado internacional em relação aos jogadores brasileiros, fator que também define a quantidade de jogadores exportados.

Considerando a relação entre valores médios e absolutos, é nítido que os valores pagos por jogador são dependentes dos mesmos fatores que determinam a demanda externa.

Neste sentido, o mercado de exportação demonstra ser totalmente dependente de parâmetros da demanda do mercado internacional que, apesar de indicarem tendência crescente, também apresentam intensas oscilações, como a depressão ocorrida entre as temporadas 9 e 12.

3.2 Principais destinos

Começando por este elemento, o primeiro fator a ser analisado deve ser a participação de cada time no total de jogadores importados do Brasil. Para simplificar a análise, serão 33

considerados no Gráfico 4, os times que exportaram ao menos 5 jogadores brasileiros no período.

Gráfico 4 - Principais clubes importadores de atletas brasileiros 16 14 12 10 8

6 Jogadores 4 2 0

Times

Fonte: www.transfermarkt.pt

Observa-se que, à exceção do time Shakhtar Donetsk, que importou 15 jogadores brasileiros, os times importadores de jogadores brasileiros demandaram, em média, 7 jogadores no período.

O outlier citado merece destaque, pois sua prática de investir em jogadores brasileiros é notória e relevante para este estudo.

O Shakhtar Donetsk, clube ucraniano, fundado em 1936 obteve o primeiro grande reconhecimento esportivo no ano de 1951 quando terminou em 3º lugar o Campeonato Soviético. Sua abertura a jogadores estrangeiros se deu apenas na janela da temporada de 2000, com a contratação do romeno Marian Aliuta.

Podemos citar a brilhante atuação de estrangeiros no clube conforme o título da temporada 2002 regidos pelo técnico italiano Nevio Scala (atual presidente do Parma Calcio).

Atualmente, o clube é referência para jogadores brasileiros em suas carreiras em solo europeu, onde já brilharam diversos astros como Douglas Costa (Juventus-ITA), Fernandinho (Man. City-ING) e Fred (Man. United-ING). Além dos exemplos citados acima o clube possui moderna estruturas de treinamentos, contando com profissionais de língua portuguesa que gerem o clube, treinador Paulo Fonseca e o diretor de scouting José Boto. 34

A aposta da equipe em investir na contratação de jovens jogadores ainda que por vezes desconhecidos representa a ideia de mercado transitório, em que esses jogadores são retirados de seus clubes de origem, se desenvolvem e adaptam no futebol ucraniano e são revendidos a grandes clubes europeus. O benefício desse trabalho reflete na fonte significativa de recursos a venda de jogadores de origem brasileira para times europeus e asiáticos, obtendo nestas transações valores elevados.

O lucro derivado de apenas 7 destas transações gerou ao time uma receita de € 169,555, valor equivalente a quase um décimo da receita total das exportações brasileiras.

De modo geral, a facilidade linguística e a presença de um maior volume de jogadores brasileiros no mercado acabam por incentivar os jovens jogadores brasileiros que rumam ao exterior a tomar decisões mais assertivas em seus destinos.

Vemos claramente essa constatação pelos 4 principais times compradores apontados no Gráfico 4. Os dois primeiros pertencentes ao campeonato Ucraniano, já abordado anteriormente sua característica de possuir diversos estrangeiros. O Real Madrid, como terceiro na lista, apresenta histórico de grande quantidade de jogadores brasileiros, além do fato de ser considerado um dos maiores clubes do mundo. Por fim temos o Porto, enfatizando benefício do “conforto linguístico” para jovens jogadores em fase de adaptação ao ambiente europeu.

Analisaremos agora as transações entre times europeus envolvendo jogadores brasileiros, o que será feito a partir dos valores recebidos por cada país em contrapartida ao total de jogadores brasileiros vendidos por seus times.

Fluxo transacionado em compra e venda de jogadores Países Valor Total (em MM £)

Espanha 866,6 Itália 794,0 Portugal 524,0 Inglaterra 440,2 Total 2.624,9 Fonte: www.transfermarkt.pt

Observa-se que o fluxo monetário respectivo às operações que envolvem jogadores brasileiros é de mais de 2,5 bilhões de euros, valor superior ao que foi recebido pelo Brasil como contrapartida por seus jogadores. 35

São duas as mais significativas explicações para tal fenômeno: primeiramente, pode- se inferir que jogadores brasileiros tem seu valor de mercado aumentado após um período de experiência em times estrangeiros; em segundo lugar, é valido supor que as condições de negociação dos países que ofertam os jogadores brasileiros são melhores do que as do próprio Brasil.

Supondo que ambas as explicações estejam corretas e se complementem, a segunda se mostra mais relevante para a análise aqui sugerida. Desta observa-se, por sua vez, dois fenômenos distintos.

Ocorre primeiramente uma desvalorização do valor do jogador brasileiro quando este deixa seu país de origem, causada pela hierarquia econômica entre o mercado brasileiro e o mercado do país de destino.

Posteriormente ocorre uma valorização do mesmo jogador quando este migra para um terceiro país, causada pela nova disposição hierárquica entre ofertante e demandante.

3.3 Padrões adotados no fornecimento de atletas profissionais

Analisando as maiores transações envolvendo jogadores saídos do Brasil em forma gráfica, obtém-se:

36

Gráfico 5 - Principais transações de jogadores brasileiros

Bernard Gabriel Barbosa Arthur Gabriel Jesus Oscar

Lucas Paquetá Jogador Lucas Moura Rodrygo Vinícius Júnior Neymar

0,00 10,00 20,00 30,00 40,00 50,00 60,00 70,00 80,00 90,00 100,00 Milhões £

Fonte: www.transfermarkt.pt

A análise destas 10 maiores vendas ao mercado europeu, conforme Gráfico 5, destaca a concentração do valor agregado em um pequeno grupo de jogadores, visto que a média geral do valor pago por jogador no período é de 9,0 milhões de euro, enquanto a média entre estes 10 é 43,7 milhões de euros.

Observa-se que, embora os valores já distem muito da média de valor por atleta, mesmo entre os 10 jogadores que mais renderam ao Brasil por suas exportações existe uma elevada discrepância.

É relevante destacar que a soma do valor obtido com a exportação destes jogadores representa 24% da receita total das exportações deste tipo. Dito isso, vale analisar o perfil destes jogadores:

Jogador Idade Origem 1 Neymar 21 Santos FC 2 Vinícius Júnior 18 Clube de Regatas do Flamengo 3 Rodrygo 18 Santos FC 4 Lucas Moura 20 São Paulo Futebol Clube 5 Lucas Paquetá 21 Clube de Regatas do Flamengo 7 Oscar 20 Sport Club Internacional 6 Gabriel Jesus 19 Sociedade Esportiva Palmeiras 8 Arthur 21 Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense 9 Gabriel Barbosa 20 Santos FC 10 Bernard 20 Clube Atlético Mineiro Fonte: www.transfermarkt.pt 37

Com base na tabela acima, notamos que estes jogadores possuem como característica a idade inferior 22 anos, saíram de times do eixo sul-sudeste e são possuem caráter ofensivo, meio campistas ou atacantes.

Os times que exportaram tais jogadores apresentam como saldo médio no período a média de €84,30, valor significativamente superior à média geral de €57,99. Disto pode-se inferir que os times que exportam jogadores de valor relativamente alto tendem a apresentar saldo médio mais elevado, o que demonstra a relevância da atividade de exportação para os times brasileiros.

Podemos observar além da concentração dos jogadores apresentados serem de posições de jogo de ataque, existe a concentração em clubes fornecedores, estudos realizados posteriormente neste trabalho.

Analisando as 100 maiores transações do período estudado temos que Sport Club Corinthians Paulista e São Paulo Futebol Clube lideram transações com 13 cada. Seguidos por Santos FC com 12 transações, Sport Club Internacional com 11 e Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e Fluminense Football Club com 10 cada.

Podemos dizer que a concentração de polos fornecedores da região Sudeste e Sul deve- se a maior êxito dos clubes em competições nacionais e internacionais.

Analisando o saldo líquido dos 20 principais clubes da série A durante o período de 2010 a 2019, temos:

38

Gráfico 6 - Valor Exportações Líquidas de clubes brasileiros de 2010 a 2019 180 160 140 120 100 80 60 Milhões £ Milhões 40 20 0 -20 -40

Times

Fonte: www.transfermarkt.pt

Fica nítida a partir do Gráfico 6, a concentração do esporte no Brasil, com os mesmos times apresentando as “maiores revelações”, isto é, maiores valores obtidos com a exportação e os melhores saldos bancários.

Temos que única exceção que mostrar as exportações líquidas negativa, trata-se da Sociedade Esportiva Palmeiras, o qual está apontado na coluna “Outros” no gráfico acima, que por via de investimentos de patrocinadores e projeto de conquistar competições internacionais adotou medidas para reformulação de elenco com jogadores que atuavam em mercados externos. Processo este que será abordado mais adiante no capítulo.

Isto é importante para entender o fenômeno da exportação, pois os times de maior rendimento se veem sem opções de demanda interna para suas revelações. Isto significa que a estrutura da plataforma de exploração ajuda a definir o destino dos jogadores.

39

3.3.1 Idade dos atletas

Fonte: www.transfermarkt.pt

A idade média conforme gráfico 7, dos jogadores profissionais exportados é de 22 anos, sendo que 48% destes possuía menos de 21 anos, o que indica um perfil desejado de jogador jovem. O mesmo pode ser constatado na tabela acima, que indica que nenhum dos jogadores dentre os de maior valor de aquisição possuía na época mais de 21 anos.

É interessante relacionar este critério com o já citado fluxo de jogadores brasileiros entre times estrangeiros: a baixa idade quando da aquisição favorece a valorização do jogador para uma venda futura e maior probabilidade de desenvolver maiores habilidades e técnicas esportivas.

Por outro lado, a exportação de jogadores jovens indica a incapacidade dos times brasileiros em manter os jogadores que se destacam no início de sua carreira. Uma vez que seu porte financeiro e instrumentos legais como multas são de fácil superação por times europeus.

40

3.3.2 Posição no Campo

Para melhor discutirmos as preferencias por jogadores brasileiros com viés de posição em campo, adotamos 4 posições nas estratégias em campo: Goleiro; Defensor (Zagueiro e Lateral); Meio de Campo (Volante, Meia, Meia Atacante e Armador) e Ataque (Centro Avante, Segundo Atacante e Ponta).

Gráfico 7 - Jogadores por posição referente a 100 maiores transações de atletas brasileiros

Gol

Defesa Posição Meio

Ataque

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 Jogadores

Fonte: www.transfermarkt.pt

Notamos pelo gráfico acima a nítida concepção que as maiores transações envolvem aqueles que tem o poder e a popularidade para decisão de uma partida, os popularmente chamados de “fazedores de gols”.

Em termos de valores os atacantes possuem em média passe estimado em 17,16 milhões de euros. Enquanto os meio campistas e os defensores uma média de 11,78 e 8,50 milhões de euros, respectivamente.

41

3.3.3 Estado de origem

Analisando as 100 maiores transações do período estudado, plotada no Gráfico 8, temos que Sport Club Corinthians Paulista e São Paulo Futebol Clube lideram transações com 13 cada. Seguidos por Santos FC com 12 transações, Sport Club Internacional com 11 e Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e Fluminense Football Club com 10 cada.

Gráfico 8 - Transações por clube nacionais Esporte Clube Juventude Botafogo de Futebol e Regatas Associação Portuguesa Clube Atlético Paranaense Sociedade Esportiva Palmeiras Clube de Regatas do Flamengo Clube Atlético Mineiro Club de Regatas Vasco da Gama Clube Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense Fluminense Football Club Sport Club Internacional Santos FC Sport Club Corinthians Paulista São Paulo Futebol Clube

0 2 4 6 8 10 12 14 Transações Fonte: www.transfermarkt.pt

Podemos dizer, com base nas informações representadas no gráfico, que a concentração de polos fornecedores da região Sudeste e Sul deve-se a maior êxito dos clubes em competições nacionais e internacionais.

O popular Corinthians, clube fundado em 1910 por jovens operários, possui em seu histórico 7 campeonatos nacionais, 3 copas nacionais, 1 Recopa Sul-americana, 1 Copa Libertadores da América e 2 Campeonatos Mundiais.

Já o São Paulo, clube fundado em 1930 pela junção da Associação Atlética das Palmeiras e do Club Athletico Paulistano que atualmente corresponde ao clube líder em títulos 42

internacionais desfruta de 6 campeonatos nacionais, 1 Copa Sul-americana, 2 Recopa Sul- americana, 3 Copa Libertadores da América e 3 Campeonatos Mundiais.

O Santos FC, mundialmente conhecido por ser clube do maior jogador de futebol de todos os tempos, Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, possui em sua conta 8 campeonatos nacionais, 1 copas nacionais, 1 Recopa Sul-americana, 3 Copa Libertadores da América e 2 Campeonatos Mundiais.

Estes 3 clubes, na faixa apontada das 100 maiores transações correspondem a 38% das exportações realizadas.

Principal motivo para apontarmos tamanha representatividade dessas instituições, se deve ao fator visibilidade. Todos esses times possuem histórico vitorioso e soberano nacionalmente e internacionalmente, com conquistas continentais e mundiais, esta última sempre realizada sobre times europeus.

3.4 Padrões adotados na repatriação de atletas profissionais

Após o processo descrito, em que jogadores brasileiros são exportados para times de países desenvolvidos, pode ocorrer o retorno dos mesmos ao Brasil. A razão para tal retorno será explorada neste breve capítulo, assim como a maneira pela qual são recebidos.

Primeiramente, é necessário dividir o movimento de retorno em três fenômenos distintos.

Conforme Rial31, o primeiro diz respeito ao retorno momentâneo ao Brasil, como forma de rever familiares e amigos ou de tratar lesões, sendo uma tendência, neste meio, considerar o sistema de saúde esportiva brasileiro mais eficiente. Por este ser um fenômeno de menor relevância, o mesmo não será abordado.

Existindo poucos exemplos de jogadores que retornam ao Brasil apenas após encerrar sua carreira, este segundo movimento não deve ser considerado.

31 (RIAL, 2006, p.181 e 187. 43

Resta, portanto, analisar o fluxo de jogadores que retornam ao Brasil ainda em atividade, em um processo de reintegração aos times brasileiros. Embora aparentemente contraditório, esse movimento reforça as condições apresentadas até aqui.

A estrutura dependente da economia brasileira, somada ao fator cultural da hegemonia dos países centrais, torna o ato de jogar fora do país um forte indicativo de sucesso profissional, o que consequentemente valoriza a perspectiva salarial e o valor dos contratos dos jogadores.

Com isso, ocorre um processo de “valorização dos termos de troca”, que gera um fluxo financeiro do Brasil em direção à Europa. Levando em consideração a origem deste recurso financeiro como o fluxo de caixa dos times brasileiros, vê-se novamente um processo de expropriação do capital cultural nacional.

A nova questão que se apresenta é o motivo da volta dos jogadores, saindo de países com maior IDH e projeção profissional em direção ao seu ponto de partida. Rial32 afirma, sobre os jogadores brasileiros no exterior, que não há censo de pertencimento aos seus novos países de atuação. Vejamos:

Eles continuam a se ver como brasileiros e a pensar o futuro como sendo o Brasil. A Espanha, ou qualquer outro lugar em que a sua mobilidade no sistema futebolístico lhe leve, é apenas uma passagem, algo que se faz como um trabalho, com sacrifício, para receber a recompensa de prestígio profissional e financeira.

É notável o sentimento de reclusão social por parte dos jogadores de futebol ao morar no exterior. Nas palavras de Marc Augé33, exemplifica-se um não lugar, isto é, um espaço físico destinado a um fluxo de pessoas cujo interesse é transitório e comercial. Não há lastros de pertencimento ou identificação de território. Vejamos:

Os não lugares são tanto as instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e bens (vias expressas, trevos rodoviários, aeroportos) quanto os próprios meios de transporte ou os grandes centros comerciais, ou ainda os campos de trânsito prolongado onde são alojados ou refugiados do planeta.

32 RIAL, 2008, p. 187. 33 AUGÉ, 2012, p.36 44

Interessante aqui destacar a fala do jogador Denílson de Oliveira Araújo que, quando questionado sobre experiência obtida em países em que jogou, afirmou “Sim, os hotéis sim, conhecemos bem os hotéis e os aeroportos".34

Dito isso, parece válido supor o ambiente do jogador de futebol exportado como um conjunto de não lugares. Augé35 corrobora esta suposição ao afirmar a subjetividade e individualidade do não lugar. Vejamos:

Se definirmos o não lugar não como um espaço empiricamente identificável (um aeroporto, um hipermercado ou um monitor de televisão), mas como o espaço criado pelo olhar que o toma como objeto, podemos admitir que o não lugar de uns (por exemplo, os passageiros em trânsito num aeroporto) seja o lugar de outros (por exemplo, os que trabalham nesse aeroporto). Faz sentido pensar, portanto, que o jogador exportado, adentrando ao novo país, o vê como simples veículo de atuação profissional, como espaço utilitariamente comercial, privando-se de ligações com a cultura e a identidade local.

Cercado de não lugares, ele tende a desenvolver um desejo crescente por retornar fisicamente ao Brasil, do qual sua identidade jamais saíra.

Esta não identificação fica ainda mais nítida quando, retornando ao capítulo anterior, se observa a negação das características específicas do jogador no ato de exportação. O sentimento de não pertencimento ao novo país parece ser uma consequência da negação original, em que o jogador vê abstraídas sua história e regionalidade.

Não é difícil encarar aqui a figura do jogador como mercadoria. Negadas as relações sociais que permearam sua “produção”, o jogador torna-se mero valor de troca, mera manifestação do trabalho que nele foi imbuído.

O próprio Rial36 utiliza tal interpretação:

Os jogadores de futebol são emigrantes especiais também por serem, ao mesmo tempo, força de trabalho e mercadoria (Marx, 1978). Como mostrado em diversos trabalhos, eles concentram em si trabalho de outros e circulam como mercadorias, auferindo lucros a terceiros quando dessa circulação.

34 RIAL, 2008 35 Augé, 2006, p. 116 36 RIAL, 2006, p. 30 45

Vale destacar, neste trecho, que o jogador encarna ao mesmo tempo o papel de mercadoria e de trabalhador. As especificidades do trabalhador, o agente que dedicou trabalho ao aperfeiçoamento de suas habilidades esportivas, são negadas e as relações sociais que as originaram, reificada. No mesmo movimento, a imagem do jogador, cuja mobilidade se assemelha a qualquer outra mercadoria, é personificada e autonomizada.

Definido brevemente o processo de estranhamento do jogador em relação à sua nova localidade, vale analisar como o mesmo é recebido quando retorna ao Brasil.

De acordo com Rial37, Por conta de os jogadores de futebol estrangeiros não serem considerados emigrantes nos países onde jogam, ao voltarem ao Brasil são recebidos com um prestígio como o de um cientista, advogado ou como outra profissão renomada.

Em sua maioria, os jogadores que retornam não jogavam em clubes de alta relevância no Brasil, mas, por conta de terem trabalhado no exterior, passam a ter oportunidades em times de maior nome.

Segundo Rial38:

Se quisermos continuar a usar a categoria de “emigrantes” para designar estes jogadores de futebol que atuam em clubes no exterior, teremos de buscar uma proximidade entre suas situações de vida não com a dos trabalhadores que migram para ocuparem posições subalternas nas sociedades de acolhida, posições que muitas vezes são desprezadas pelos trabalhadores locais, e sim com os intelectuais, engenheiros, informáticos que ocupam posições de destaques nos laboratórios dos centros mais avançados em tecnologia e trabalham por salários elevados em empresas de ponta no mercado mundial.

Com a finalidade de exemplificar a situação tratada no parágrafo anterior, há diversos jogadores os quais atuavam em clubes menores, como Daniel Alves no Esporte Clube Bahia (depois de jogar no Barcelona, hoje está no São Paulo Futebol Clube), Filipe Luís no Figueirense Futebol Clube (depois de jogar no Atlético de Madrid, se encontra atualmente no Flamengo) e Bruno Henrique no Goiás Esporte Clube (depois de jogar no Wolfsburg, hoje joga no Flamengo).

37 RIAL, 2006, p. 164 38 RIAL, 2006, p. 164. 46

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento deste trabalho confirmou as hipóteses iniciais: o Brasil, inserido de maneira dependente em uma estrutura econômica e social de Centro-Periferia, exporta seus jogadores para países centrais por valores que são multiplicados durante a carreira internacional dos mesmos.

Para analisar tal fenômeno, foi imprescindível compreender que o futebol é um fenômeno social multideterminado e com efeitos múltiplos e diversos sobre as sociedades em que está incluído.

No caso brasileiro, o esporte possui forte papel identitário para com a população em geral, além se aparecer à juventude de classe baixa como principal fonte de ascensão social.

Disso isso, o esporte funciona, em nível internacional. como fluxo de apropriação de excedente entre Centro e Periferia. Países incluídos na elite do futebol internacional adquirem jogadores de outras regiões como o fazem com matérias primas de pouco valor, para então os valorizarem por meio da especulação ou do ganho de experiência.

O Brasil está inserido neste sistema como exportador de jovens jogadores para clubes de grande poder aquisitivo. Este fluxo aliena do país o esforço social e a significação cultural imbuídas nos atletas, convertendo-os em mercadorias destituídas de localização ou história.

Em última instância, a função social de ascensão das classes mais pobres é alienada do Brasil junto de seus jogadores: se torna comum, naturalizado, o sonho do jovem em seguir a carreira de jogador de futebol no exterior.

Deslocados dos não lugares para os quais são enviados, os jogadores tendem a desejar o retorno para sua terra natal. O caminho até tal retorno geralmente passa por sucessivas transferências entre clubes internacionais, de forma a realizar e escoar riquezas de elites de países como Rússia e Emirados Árabes.

Quando finalmente retornam à sua pátria, os jogadores o fazem ou como descarte de um material já utilizado pelo Centro ou como produto acabado, de maior valor agregado.

Romper o ciclo descrito acima demanda, como demonstram os casos analisados, o redirecionamento do fluxo de exportação de atletas e o incentivo ao desenvolvimento da estrutura de fomento ao esporte. 47

Apesar de incluir invariavelmente a ação da elite local, este empreendimento pode ser, como no caso chinês, conduzido pela ação estatal de planejamento a longo prazo e investimento público massivo.

Em suma, o futebol é, no sistema capitalista moderno, mais uma ferramenta de realização de fluxos de apropriação e valorização de riquezas, sendo suscetível às estratégias nacionais de desenvolvimento como forma de vencer condições históricas de dependência.

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