UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

SAMANTA FERNANDES

AS REPRESENTAÇÕES HISTÓRICAS COMO PRODUTO MIDIÁTICO:

Um estudo sobre a minissérie “Amazônia – de Galvez a Chico Mendes”

São Paulo

2016

SAMANTA FERNANDES

AS REPRESENTAÇÕES HISTÓRICAS COMO PRODUTO MIDIÁTICO:

Um estudo sobre a minissérie “Amazônia – de Galvez a Chico Mendes”

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação da Profa. Dra. Sheila Schvarzman.

São Paulo

2016

SAMANTA FERNANDES

AS REPRESENTAÇÕES HISTÓRICAS COMO PRODUTO MIDIÁTICO:

Um estudo sobre a minissérie “Amazônia – de Galvez a Chico Mendes”

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação da Profa. Dra. Sheila Schvarzman.

Aprovado em ----/-----/-----

Profa. Dra. Sheila Schvarzman

Profa. Dra. Maria Ignes Carlos Magno

Profa. Dra. Clarice Greco Alves

Dedico este trabalho ao meu esposo Waldir Alvarenga, que de uma forma muito especial sempre me deu força, me apoiando sempre, principalmente nos momentos de maior dificuldade. Também quero dedica-lo ao meu filho Othavio Palomares, que ilumina a minha vida de forma especial e me dá motivos para eu continuar sempre buscando dar o melhor de mim.

AGRADECIMENTOS

Todos nós somos feitos por muitas pessoas. Cada ser que fez algo de bom ou até mesmo algo que consideramos negativo contribuiu para nossa evolução. É por isso que elas se transformam em parte de qualquer sucesso nosso. Em primeiro lugar, quero agradecer a Deus e a espiritualidade pelas inspirações. À minha orientadora Prof.ª Dra. Sheila Schvarzman, pela sua disponibilidade e incentivo que foram fundamentais para realizar e prosseguir este estudo. As suas críticas construtivas, as discussões e reflexões foram determinantes ao longo de todo o percurso. Jamais esquecerei a sua grande contribuição para o meu crescimento como investigadora. Ao professor Dr. Renato Pucci por acolher-me no estágio docência e compartilhar comigo seu brilhantismo como educador e pesquisador. Jamais esquecerei as manhãs que passamos juntos ensinando e aprendendo com os alunos de Rádio e TV da Universidade Anhembi Morumbi. À professora Dra. Maria Ignes Carlos Magno por aceitar participar da banca e pela contribuição fundamental como historiadora nessa pesquisa. Sua inteligência e capacidade de ensinar me fez acreditar que estava no caminho certo. À professora Dra. Clarice Greco Alves pela disponibilidade em contribuir para esta pesquisa como examinadora da banca. Ao professor Dr. Luiz Vadico que com seu senso de humor incrível me fez aprender a ser mais crítica e menos apaixonada. Aos meus colegas de mestrado Rebeca Cambaúva, Ana Márcia Cherulli, Rodrigo Matiskei, Thiago Ambrosi, Camilo Borges, Roseni Moraes e Fabiano Pereira por estarem juntos nessa caminhada e pelas discussões pertinentes sobre nossos projetos. A Denis Abranches Jr. pela revisão de texto, pela grande oportunidade de conhecer seu trabalho. Ao Globo Universidade que por meio de Juan Crisafulli me enviou diversos materiais como livros, almanaques, DVD´s que me atendeu prontamente sempre que solicitado. A todos, meus sinceros agradecimentos!

“As ideias dominantes numa época nunca passaram das ideias da classe dominante”.

(Karl Marx)

RESUMO

Esta pesquisa procura compreender de que forma acontecimentos históricos são transformados em produtos midiáticos. O objeto de estudo é a produção audiovisual “Amazônia, de Galvez a Chico Mendes”, de Glória Perez, minissérie produzida pela TV Globo e exibida em 2007. O objetivo é observar a representação de fatos históricos em narrativas audiovisuais. A minissérie foi escolhida por tratar do estado do Acre, tema pouco conhecido e divulgado nos meios de comunicação. Como a minissérie encena momentos chave da história do estado, é importante investigar as formas de abordagem do passado, os códigos, convenções e práticas por meio dos quais a história é levada às telas. A narrativa de “Amazônia“ abarca desde o ano de 1898, em que o Acre pertencia à Bolívia, sua reintegração como território em 1903, com o Tratado de Petrópolis e o reconhecimento como estado brasileiro em 1904, até o ano de 1988, em que ocorreu o assassinato do seringueiro Chico Mendes. A produção destaca a vida dos seringueiros, o desenvolvimento do estado e o desmatamento da Amazônia a partir do final do século XIX. Além disso, também dá vida a três personagens de relevo nessa história: o espanhol Luís Galvez Rodríguez de Arias (San Fernando, 1864 - Madrid, 1935), o militar José Plácido de Castro (São Gabriel, 9 de setembro de 1873 - Seringal Benfica, 11 de agosto de 1908) e o sindicalista Francisco Alves Mendes Filho, conhecido como Chico Mendes (Xapuri, 15 de dezembro de 1944 - Xapuri, 22 de dezembro de 1988). Como se trata de reconstituição histórica, o tratamento simultâneo entre o passado e o presente se impõe, explorando o trabalho histórico e interagindo com o contemporâneo. No ano de 2007, época em que a minissérie foi exibida havia diversos fatores que influenciaram a produção da trama, entre eles a repercussão sobre a preservação do meio ambiente e o crescente desmatamento da floresta amazônica. Até os dias atuais há muito que se discutir sobre o tema. A Amazônia sempre foi um assunto global devido à sua importância para a preservação dos recursos naturais. Além disso, também serão observados fatores políticos e sociais que influenciaram a produção, e de que forma eles se refletem na construção da trama por meio dos discursos e processos midiáticos: o que foi obscurecido, o que ganhou maior relevo. Busca-se observar de que maneira a teledramaturgia atribui efeito de verdade e efeito de real aos artefatos culturais de ficção que reconstituem a história nacional. E de que forma, fatos tão significativos como a luta entre a grande propriedade e a manutenção da floresta por um líder popular, e a luta pelo meio ambiente foram reconstruídos na TV.

Palavras-chave: História. Audiovisual. Representações históricas. Narrativas. Ficção seriada.

ABSTRACT

This research explores historical events transformed into media products. The focus of the work is the audiovisual production “Amazon: from Galvez to Chico Mendes”, by Gloria Perez, a series produced by TV Globo and broadcasted in 2007. The objective is to observe the representation in audiovisual narratives of historical facts. The miniseries has been chosen because it approaches a topic related to the 1899 crisis in the state of Acre and to the rubber boom in . The studies concerning Acre are poorly spread and academic references are inexpressive. Thus, it is important to investigate the ways through which the past is approached, the codes, the conventions and the practices through which the story is brought to the screen. The year approached by the researched audiovisual work is 1898, when Acre still belonged to Bolivia. The story moves towards the reintegration of the region as a territory in November 1903, with the Treaty of Petrópolis, and its recognition as a Brazilian state in 1904. The production highlights the life of the rubber tappers, the development of the state, which was promoted by the rubber produced, and the deforestation of Amazon, which started in the late nineteenth century. It also gives life to three characters, including the Spaniard Luiz Galvez Rodríguez Arias (San Fernando, 1864 - Madrid, 1935), the José Plácido de Castro (San Gabriel, September 9th, 1873 - Seringal Benfica, August 11th, 1908), a member of the military, and the environmentalist Francisco Alves Mendes Filho, better known as Chico Mendes (Xapuri, December 15th , 1944 - Xapuri, December 22nd, 1988). As this is a proposal for a historical reconstruction, simultaneous treatment between the past and the present is imposed through the exploration of the historical work and the interaction with the contemporary one. In 2007, when the eries was broadcasted, there were several factors that influenced the production of the plot, among them a great repercussion on the preservation of the environment and on the growing deforestation of the Amazon. To this day there is much to discuss about the topic; Amazon has always been a global issue because of its importance for the preservation of natural resources. Besides, attention will be paid to political and social factors that influenced the production, and to how they are reflected in the construction of the plot through discourse and media processes. What was obscured, what acquired greater prominence. The aim is to observe how television drama gives effect of truth and effect of reality to cultural artifacts of fiction that reconstitute the national history. The aim is also to observe how facts so significant to the struggle between large estate and a forest protected by a popular leader, as well as the fight for the environment, were reconstructed on TV.

Keywords: History. Audiovisual. Representations. Narratives. Serial fiction.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Luiz Galvez (Fonte: Memória Globo) ...... 47 Figura 2: Personagem Bento nas três fases (Fonte: Memória Globo) ...... 53 Figura 3: Primeiro dia no seringal (Fonte: Memória Globo) ...... 54 Figura 4: Delzuíte e o boto (Fonte: Memória Globo) ...... 54 Figura 5: Delzuíte e Tavinho (Fonte: Memória Globo) ...... 55 Figura 6: Boto cor de rosa (Fonte: Ragiane Bassan) ...... 55 Figura 7: Padre José (Fonte: Memória Globo) ...... 57 Figura 8: Parteira Maria Ninfa ( Fonte: Memória Globo) ...... 58 Figura 9: Coronel Firmino (Fonte: Memória Globo) ...... 58 Figura 10: Militantes ovacionam Lula (Fonte: Fotos extraídas da minissérie Amazônia...... 71 Figura 11: José Dirceu e José Genuino protestam contra prisão (Fonte: Gazeta do Povo)...... 72 Figura 12: Mary Allegretti e Chico Mendes (Fonte: Arquivo pessoal Mary Allegretti) ...... 75 Figura 13: Última entrevista de Chico Mendes (Fonte: Jornal do Brasil) ...... 78 Figura 14: Darci e Darly, os assassinos de Chico Mendes (Fonte: divulgação) ...... 80 Figura 15: Marina Silva e Chico Mendes fazem campanha juntos (Fonte: divulgação)...... 87

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 11

1. FICÇÃO SERIADA E AS MINISSÉRIES HISTÓRICAS DA REDE

GLOBO...... 18 1.1 A teledramaturgia brasileira...... 21 1.2 Minisséries históricas como produto Cultural...... 23 1.3 Adaptações literárias na TV...... 28 1.4 Projeto de nação...... 31 1.5 O Brasil nas minisséries - Pós Regime Militar (1992)...... 36 1.6 A Amazônia chega às minisséries da Globo...... 43

2. A MINISSÉRIE AMAZÔNIA ...... 45

2.1 O Inferno Verde...... 48 2.2 Política e meio ambiente...... 51 2.3 Contando a história...... 53 2.4 As representações na minissérie...... 59 2.5 Produção...... 61 2.6 A autora...... 62 2.7 Mitologia acreana...... 63

3. A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA NA FICÇÃO SERIADA: O MELODRAMA E O DISCURSO HISTÓRICO...... 65

3.1 Construção de personagens históricos...... 80 3.2 O momento histórico e a exibição da minissérie...... 82 3.3 O legado de Chico Mendes...... 88

CONCLUSÃO ...... 91

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 94

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INTRODUÇÃO

Conhecer a história por meio de produtos midiáticos como uma minissérie histórica é ter a oportunidade de observar a representação do passado com a ajuda de imagens e sons, ou seja, recursos audiovisuais que auxiliam no conhecimento e ao mesmo tempo proporcionam entretenimento. Não obstante, para que o autor possa prender a atenção do telespectador ele dispõe de recursos próprios às narrativas como um todo. Para isso, é necessário observar quais ferramentas são utilizadas para contar as histórias nas grandes produções audiovisuais. Esta pesquisa busca destacar a relação entre a construção da narrativa histórica e a sua representação na produção audiovisual. O objeto de estudo é a minissérie “Amazônia, de Galvez a Chico Mendes”, de Glória Perez exibida em 2007, pela TV Globo. Baseada nos romances “O Seringal” (1972), de Miguel Ferrante e “Terra Caída” (2007), de José Potyguara, a minissérie conta com duas fases que narram à história do estado do Acre, a última região a ser anexada ao território brasileiro e o ciclo da extração da borracha. A obra dá vida a três personagens, entre eles o espanhol Luiz Galvez Rodríguez de Arias (San Fernando, 1864 - Madrid, 1935), o militar brasileiro José Plácido de Castro (São Gabriel, 9 de setembro de 1873 - Seringal Benfica, 11 de agosto de 1908) e o ambientalista brasileiro Francisco Alves Mendes Filho, mais conhecido como Chico Mendes (Xapuri, 15 de dezembro de 1944 - Xapuri, 22 de dezembro de 1988). Com direção geral de Marcos Schechtman, a minissérie foi exibida de 02/01/2007 à 06/04/2007 no horário das vinte e três horas de segunda à sexta-feira. De acordo com os dados da emissora, ao todo foram cinquenta e cinco episódios e um orçamento de quase R$ 30 milhões – em torno de R$ 500 mil por episódio. Mais de 150 profissionais foram envolvidos na produção. Segundo dados fornecidos pelo IBOPE, a realização da minissérie contou com atores brasileiros reconhecidos pelo público, mas não teve uma audiência tão expressiva quanto à minissérie “JK” (2006) de Maria Adelaide Amaral, exibida no ano anterior pela emissora. A Rede Globo exportou o produto para diversos países e exibiu também pela Globo Internacional. Ganhou o Prêmio Qualidade Brasil (2007) pelo Melhor Projeto Especial de Teledramaturgia e também o Prêmio da revista Top

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Of Business (2007) Atriz - Leona Cavalli. O tema relativo à história do Acre e da Amazônia pode ter contribuído para a baixa audiência, já que o tema é pouco explorado e divulgado. Ao abordar os aspectos históricos da trama, também se investiga o tratamento ficcional que a minissérie recebeu, com o objetivo de mostrar como são produzidas as narrativas para os produtos audiovisuais, de forma a dar o sentido histórico pretendido. Ainda assim, de que forma esses recursos responderam mais a preocupações do espetáculo e mudam o sentido dos fatos, atenuam os conflitos, ocultam os verdadeiros interesses envolvidos. Não bastam palavras para compreender o audiovisual. São necessárias imagens em movimento em uma tela, música, efeitos visuais, entre outros. Embora o material de estudo seja a minissérie Amazônia, em alguns momentos da pesquisa pode-se fazer referência a outras produções audiovisuais, pois trata-se de uma pesquisa empírica. O ponto de partida da pesquisa está ligado à área de comunicação audiovisual na linha de pesquisa processos midiáticos na cultura audiovisual. A pesquisa baseia-se no estudo dos processos. Fazendo assim, a relação entre a obra midiática e o seu contexto, respectivamente a sua relação com a história. O estudo mostra como as séries brasileiras foram introduzidas na TV Globo. O objetivo é compreender o fenômeno cultural, político e social, apresentando as raízes econômicas e culturais. Sendo assim, os processos de midiatização da história no audiovisual são um fenômeno que precisa ser amplamente analisado e discutido. Ainda assim, pretende-se identificar como as minisséries fazem da representação histórica um produto midiático e como o produto midiático conforma a história a partir do estudo de caso da minissérie Amazônia. Mostraremos, pela observação, que através de recursos audiovisuais é possível representar fatos históricos e despertar a vontade de conhecer a História. Além disso, o estudo faz uma crítica à midiatização e à indústria cultural. Para fundamentar o conhecimento e a divulgação da história por meio dos produtos midiáticos utilizamos o estudo feito pelo escritor Umberto Eco em seu livro “Apocalípticos e Integrados” (1964), onde ele faz uma análise das duas concepções contra e a favor da indústria cultural.

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Foram desenvolvidos os conceitos sobre a representação a partir de Stephen Bann (1994), Carlo Ginsburg (2001), as relações entre a história e o audiovisual com Rosenstone (2010) e Marc Ferro (1985). Para entender a cultura da mídia utilizamos a concepção de Douglas Kellner (2001). As pesquisas de Mônica Kornis embasaram as observações sobre as representações históricas em minisséries da Rede Globo e os processos de produção audiovisual. O estudo sobre telenovelas e minisséries da Rede Globo feito pelas pesquisadoras Ana Maria Balogh (2016) e Maria Cristina Mungioli (2014) também foram relevantes para o desenvolvimento do trabalho. Após o levantamento de dados e utilizando o método dedutivo, desenvolvemos a discussão e com isso chegamos aos resultados esperados. Por meio da fundamentação teórica evidenciamos as respostas ao problema exposto, bem como a explicação sobre o método de análise e a apresentação final com os resultados obtidos. A pesquisa tem como base a coleta de dados de materiais de mídias diversas, incluindo o DVD da minissérie, arquivos da TV Globo, Globo Marcas e do Globo Universidade, pesquisas bibliográficas, sites de entretenimento, audiovisual para a construção de argumentos sobre os temas propostos e a leitura de pesquisas acadêmicas no campo da Comunicação, do Audiovisual e da História. O método de pesquisa utilizada foi hipotético dedutivo. Utilizamos também a pesquisa bibliográfica para a fundamentação das hipóteses e descrição dos materiais do objeto em apreço. As técnicas e instrumentos utilizados na pesquisa são o levantamento documental e a observação. Ainda assim, realizamos levantamentos dos conteúdos de forma qualitativa levando em conta os critérios de análise, a categorização, de conteúdo, entre outros. “A ciência se faz quando o pesquisador aborda os fenômenos aplicando recursos técnicos, seguindo um método e apoiando-se em fundamentos epistemológicos” (SEVERINO, 2000, p. 100). O método científico precisa ter um grau de certeza, algo que sustente e justifique a própria metodologia aplicada. Os fatos não se explicam por si só. Sendo assim, precisa-se saber por que eles ocorrem da maneira que ocorrem. Para tanto, precisa-se problematizar os fatos, e a presença desses problemas é de ordem racional e lógica. Há de se observar os fenômenos para se formular as hipóteses.

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Além de apresentar os dados da pesquisa, é necessário discutir os resultados. Para tanto, é preciso levar em conta que a descrição dos resultados obtidos deve acrescentar algo novo ao que se conhece sobre o assunto. A discussão será fundamentada na bibliografia estudada. Para que se possa entender as representações históricas como um produto midiático é necessário introduzir no capítulo I a “Ficção Seriada e as Minisséries Históricas da Globo” onde o abordamos o surgimento do formato da minissérie na grade da emissora na década de 1980, o papel do tema histórico e mais genericamente ‘de época’ no seu desenvolvimento e como é essa história que a TV cria. Não obstante, o capítulo mostrará como e quando surgiram as minisséries históricas da Rede Globo. Os tipos de eventos e personagens que as tramas abordam e as regiões do país que ela representa nas telas. A expectativa é observar a visão da História do Brasil que vai se construindo junto com a emissora para entender o que são as “séries brasileiras” e como a Rede Globo faz da brasilidade seu diferencial. No capítulo II, “A minissérie Amazônia”, o texto tratará mais especificamente da descrição do objeto de estudo, no caso a minissérie Amazônia. Serão apresentados os materiais coletados dos livros que a autora Glória Perez utilizou como fonte para a produção da obra e também livros de história sobre o Acre e a região amazônica, o ciclo da borracha no Brasil, a fim de demonstrar como os historiadores tratam aquilo que a minissérie mostra. Autores como Euclides da Cunha (1999), José Potyguara (1972) e Miguel Ferrante (1972) serão fundamentais neste processo. O capítulo também destacará o momento histórico em que a minissérie foi produzida e exibida (2006/2007) e o período em que se passa a trama nos estados brasileiros do Acre, entre os períodos de 1898 quando o Acre ainda pertencia a Bolívia até a morte de Chico Mendes em 1988. Neste capítulo pretende-se abordar também a mitologia criada em torno do estado do Acre e o tema amazônico na teledramaturgia. Muitos brasileiros desconhecem a região e muita piada se faz do local. Há alguns pesquisadores amazonenses que escreveram artigos sobre o assunto e mais especificamente o porquê das emissoras não utilizarem a região amazônica nas tramas. Serão destacadas outras tramas que também utilizaram o tema amazônico, a fim de

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observar se houve ou não sucesso de audiência e se o tema está relacionado às obras. No capítulo III, “A construção da história na ficção seriada: o melodrama e o discurso histórico”, será observado como a história é “romanceada”, tratada pela mídia com os recursos que foram apontados na pesquisa. Serão analisados os processos da dramaturgia como a representação dos heróis, os conflitos, o amor, a beleza dos personagens, a linguagem, o folclore, a cultura da região, entre outros. O objetivo é observar como o autor se apropria da história e a transforma em um produto midiático e quais recursos audiovisuais são utilizados. Essa é a espinha dorsal do trabalho, onde serão observados esses processos midiáticos que utilizam ferramentas da teledramaturgia: os romances, os heróis, os mocinhos, a estética, entre outros. Tudo para construir os discursos que fazem com que o telespectador nem mesmo perceba que foi absorvido. Já na finalização da pesquisa sintetizaremos os vários materiais levantados e orientados pela fundamentação teórica para mostrar como essa minissérie histórica contribuiu ou não para se conhecer a Amazônia e sua história. Destacar que história foi essa que o público conheceu e como foi o processo de midiatização da imagem da Amazônia. Para tanto, serão destacados os resultados a apropriação midiática da História, ou seja, verificar como a televisão é um historiador – a história contada pela televisão e por meio da percepção de todo o estudo, fazer uma crítica à midiatização. Há ainda relevância social para que seja feito o estudo, dado o papel relevante da televisão no Brasil, e da Rede Globo em particular, e como sua programação vai dos apelos mais primitivos até a preocupação em escrever, pela sua dramaturgia e pelo audiovisual, uma história do país. Gostaríamos de observar a relevância cultural dessa minissérie que aborda um assunto ao mesmo tempo tão relevante e conflituoso para o país e que resgata a memória de personagens da história do Brasil que estavam esquecidos. E um tema que, ao mesmo tempo, pelas informações da audiência, não suscitou grande interesse dos espectadores. Ainda assim, há a necessidade de explorar as formas utilizadas pela Rede Globo e observar a preocupação que a emissora tem com o desenvolvimento cultural do país e ainda observar os motivos que levaram a exploração do tema ligado ao Acre e à floresta amazônica.

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Vale ressaltar que é importante entender como é feita a representação do passado e como a historiografia foi apropriada pela autora. Até que ponto os personagens podem se tornar fictícios se os heróis da trama são inspirados em pessoas reais? É fundamental observar a percepção da articulação da ficção com os dados históricos e se há a preocupação em retratar a personagem tal qual a figura histórica, e o que deles a ficção mantém, e o que evita, oculta, o quanto romantiza de forma a caberem em formatos melodramáticos, etc. No ano de 2007, época em que a minissérie foi exibida, havia diversos fatores que estavam relacionados com a produção da trama, entre eles a grande repercussão sobre a preservação do meio ambiente: na época haviam projetos governamentais encabeçados pela então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva e o presidente da república, Luís Inácio Lula da Silva. Ambos foram parceiros da vida política de Chico Mendes. Além disso, era época eleitoral e quando a minissérie estava em período de gravações, no ano de 2006, houve também a prisão do assassino foragido, o fazendeiro Darly Alves da Silva. Em 1990, ele e seu filho Darci Alves Pereira, que foram condenados a 19 anos de prisão pelo assassinato de Chico Mendes, ocorrido em 22 de dezembro de 1988. A autora Glória Perez, embora tenha nascido no , viveu no Acre até os 16 anos de idade. Glória sempre teve vontade de retratar a história da cidade natal de seus pais. Seu pai era o advogado e historiador Miguel Jerônimo Ferrante, autor do livro “Terra Caída” (1972), obra que foi utilizada como fonte para sua ficção. Em vista disso, consideramos importante aprender a interpretar a cultura da mídia politicamente a fim de decodificar suas mensagens e efeitos ideológicos que ganham sentido. Os produtos da cultura da mídia, portanto, não são entretenimento inocente, mas têm cunho perfeitamente ideológico e vinculam-se a retórica, as lutas, a programas e a ações políticas (KELLNER, 2001. p. 123). Observa-se uma preocupação ou um desejo de apresentar um discurso com valor de verdade, daí utilizar a historiografia como a base da construção do discurso, além do uso de técnicas narrativas típicas do documentário, como imagens- documento, narração ou a voz do saber, e manipulação de imagens com o objetivo de parecer documento. A emergência de narrativas históricas na mídia, a partir da literatura, no cinema e na televisão parece evidente quando observamos o número de biografias e romances históricos que figuram a lista dos mais vendidos; ou os sucessos de

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bilheterias cinematográficas e os picos de audiência de dramas televisivos quando esses carregam a etiqueta “baseada em fatos reais” ou “obra de reconstituição histórica”. Esta pesquisa busca demonstrar como são produzidas as representações históricas nas narrativas audiovisuais a partir do estudo de caso da minissérie Amazônia. Mostraremos pela observação que através de recursos audiovisuais é possível recriar fatos históricos e despertar a vontade de conhecer a História. A produção audiovisual construída juntamente com a participação de historiadores é um importante instrumento de socialização do saber e entretenimento, e que saber é esse uma vez que a história vem fazendo par com a ficção em muitos formatos no folhetim, na literatura, no cinema e na televisão.

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1. FICÇÃO SERIADA E AS MINISSÉRIES HISTÓRICAS DA REDE GLOBO

Nesse primeiro capítulo vamos observar características do formato da ficção seriada na televisão brasileira fazer um resumo da história das minisséries e sua relação com temas históricos uma vez que o nosso objeto de pesquisa é “Amazônia – de Galvez a Chico Mendes” (2007), minissérie em cinquenta e cinco capítulos que trata da emancipação do estado do Acre, o ciclo da borracha e o desmatamento da Amazônia. A obra é baseada também nos livros “Seringal” (1972) e “Terra Caída” (1972) e foi escrita por Glória Perez. O que leva as pessoas a acompanhar uma série com tantas temporadas sendo gravadas anos e anos a fio? Há séries de sucesso como “Doctor Who”, desde 1963 no ar; “Days o four Lives” de 1965, com quarenta e sete temporadas e mais de doze mil episódios, um dos programas mais longos do mundo; a série “Dallas” (1978) e muitas outras. As minisséries históricas da Rede Globo são um fenômeno que vem crescendo em não só em audiência como também sendo objetos de estudos. Para Rodrigues, as séries são a narrativa do século XXI. Elas são para o nosso século o que o romance foi para o século XIX e o cinema para o século XX. A semelhança com os problemas familiares e sociais que as pessoas não viveram, mas gostariam de viver (RODRIGUES, 2014, p.24). A moral ingênua, esperando o castigo para os maus e o prêmio para os bons é uma das principais razões que chamam a atenção do telespectador. Surge então a seriefilia, a exemplo da cinefilia e, mesmo se diferenciando dela, adquiriu alguns de seus traços: o conhecimento preciso das intrigas, das temporadas, dos atores, de suas carreiras, dos autores, de suas trajetórias e dos acasos da realização de seus projetos, data de exibição, entre outros. A Rede Globo possui diversos formatos de ficção feitos para a televisão, entre eles o mais conhecido e rentável é a telenovela - um dos maiores produtos de exportação da emissora. É sabido que formatos mais longos como a novela costumam deixar os seus autores inteiramente exauridos após escreverem dezenas de laudas diárias durante meses a fio. Trata-se de um formato com os autores em gerúndio, eles estão sempre escrevendo e não apenas isso, estão sendo pressionados pelos resultados dos capítulos que estão no ar, pela intervenção do público que atualmente se faz até

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mesmo através de sites específicos na Internet como os famosos Eu odeio Eduarda e o contra site Eu amo Eduarda relativos à personagem vivida por Gabriela Duarte na novela Por Amor, de Manoel Carlos (BALOGH, 2002, p.8).

Há também os seriados, especiais e as minisséries, cada formato possui um horário específico na grade da emissora, prevendo seu público alvo. O objeto de estudo desta pesquisa é a minissérie Amazônia, que fala sobre a história do Acre, contada através de seus mais importantes protagonistas. O produto foi exibido pela Rede Globo, que tem por característica o uso frequentemente de dados históricos para construir o enredo em certas minisséries. Para que se possa compreender o significado dessa obra em seu próprio tempo de produção, e em meio a outras realizações semelhantes da emissora, apresentaremos o formato seriado, os temas, a relação que cada obra tem com sua época de exibição, segundo os estudiosos do formato seriado, e ao mesmo tempo tendo em mente as questões postas pela história e seu resgate, em meio às formas televisuais. Este capítulo faz um estudo das minisséries históricas da Rede Globo e para que se entenda como elas chegaram às telas é preciso conhecer um pouco da história da TV brasileira, da dramaturgia e da literatura. As minisséries são um produto para entretenimento que cresce aceleradamente no Brasil, desde a década de 1980. Há vários filmes que se transformam em séries que se propagam pela internet por meio de blogs, games, comunidades virtuais, entre outros. No Brasil, na TV aberta ainda prevalece a cultura das novelas, mas o comportamento dos usuários está mudando e o modelo americano das séries está cada vez mais presente na vida dos brasileiros, transformando-se em tendência, o que pode ser um indício para inovações nos formatos do audiovisual brasileiro. Observa-se que há um aspecto nas minisséries que se distancia dos outros formatos: o final, pois se trata de obras fechadas que são exibidas já prontas. Sendo assim, seus autores não têm o poder de alterar a história durante a exibição e ela é menos condicionada à audiência. A Rede Globo e a Rede Record que são as principais emissoras brasileiras de TV aberta, investem bastante em ficção seriada de época no horário nobre. A

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Globo exibe em 2016, pela primeira vez duas novelas desse gênero no horário nobre das 21h. Às 21h15 ela exibe “Velho Chico” (2016) de Benedito Ruy Barbosa com direção de Luiz Fernando Carvalho que tem como temática a transposição do rio São Francisco e dividida em três fases, que se passam na década de 1970, 1980 e nos dias atuais. No horário das 22h15, a emissora aposta em mais uma obra de época, a novela “Liberdade, liberdade” (2016) dirigida por Vinícius Coimbra e escrita por Mário Teixeira. A obra é inspirada no livro da escritora Maria José de Queiroz que narra a vida de Joaquina, filha do inconfidente mineiro Tiradentes. Já a Rede Record, exibe a segunda temporada de “” (2016) escrita por Vivian Oliveira com direção de Alexandre Avancini. A novela também virou filme e até musical que narra a vida de Moisés desde o seu nascimento até a sua morte. Pela primeira vez em quarenta anos outra emissora bateu recordes de audiência ultrapassando a novela da Rede Globo em 18 de setembro de 2015. Percebe-se que cada vez mais as emissoras investem em ficção seriada histórica seguindo os modelos internacionais e as emissoras que não produzem séries grandiosas optam por comprar os direitos de exibir em sua rede de programação, como é o caso da TV Cultura e Rede Bandeirantes que apostam em séries cult da BBC. Há também muitas séries internacionais com temas históricos que cada vez mais conquistam o público brasileiro, como é o caso de “The Tudors” (2007), “Vikings” (2013), “Roma” (2005), “The Kennedys” (2011) e muitas outras. As produções são exibidas nos canais abertos, na TV por assinatura e também na Netflix. Uma das séries mais assistidas é “Downton Abbey” (2010) de Julian Fellowes, que se tornou a série de época britânica de maior sucesso dos últimos trinta anos e entrou no “Livro Guinness dos Recordes” de 2011 como o programa de televisão em língua inglesa mais aclamado pela crítica do ano, quando também recebeu o título de melhor minissérie no Emmy. No ano seguinte, venceu na categoria melhor minissérie ou filme para televisão no Globo de Ouro. A trama de época é inspirada na obra de Jane Austen (1775-1817) e narra a história da aristocracia britânica do

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início do século XX. A série contou com cinco temporadas e é sucesso no Brasil (VALOIS, 2012). Foi exibida na TV Cultura e disponibilizada pela Netflix.

1.1 A teledramaturgia brasileira

Como se pode ver, nosso objeto suscita várias relações com o formato seriado, a história, a literatura e também a recepção, uma vez que embora não colocando como um produto educativo, a minissérie de conteúdo histórico veicula também um ponto de vista e uma visão sobre os temas abordados. Sendo assim, vamos examinar rapidamente como a novela foi introduzida na TV brasileira desde o seu início em 1951 um ano após a chegada da TV no Brasil, pois para falar de minissérie é preciso que se entenda a trajetória da telenovela que abriu caminho para o formato minissérie. A telenovela pioneira tinha como trama um violento triângulo amoroso; era exibida duas vezes por semana, ao vivo, abrindo as portas para a teledramaturgia brasileira. “Sua vida me pertence” (1951) foi escrita por Walter Foster e protagonizou o primeiro beijo televisivo do casal principal, vivido por Vida Alves e o próprio Foster. A partir daí a “TV Vanguarda” inicia o mais importante teleteatro da TV brasileira. Os diretores da época buscam novas técnicas de interpretação em relação à voz, entonação e potência vocal. Os artistas do rádio e do teatro migram para a TV e diversas produções começam a aparecer (MATTOS, 2002). Só em 1960 que se inicia oficialmente a utilização do videoteipe. Nessa época já são duzentos mil televisores no Brasil. “Hamlet” (1960), de William Shakespeare, adaptado por Dionísio de Azevedo é levado ao ar, já gravado em videoteipe. A maioria das novelas carregavam em seu enredo temas de conteúdo histórico ou de época - muito recorrentes na literatura e no folhetim do século XIX, caros ao romantismo e à sua popularização no século XIX, com a imprensa de massa. Em 1962 o videoteipe passa a ser utilizado regularmente, melhorando o acabamento e vários capítulos podem ser gravados com antecedência, barateando o custo de montagem e de cenário. A programação da TV passa a ficar cada vez mais diversificada.

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É na década de 1980 que começa a surgir o formato minissérie. A primeira obra foi “Lampião e Maria Bonita” (1982). Pioneira na proposta de renovação da linguagem na teledramaturgia da TV Globo, a minissérie foi estruturada com cuidadosa pesquisa histórica, o que não excluiu a inserção de elementos ficcionais na trama.1 Escrita por Aguinaldo Silva e Doc Comparato, a narrativa mostrou a história do cangaço brasileiro e se baseou nos últimos seis meses de vida de Virgulino Ferreira da Silva (Nelson Xavier), o Lampião, pernambucano que se tornou personagem mítico entre os anos de 1920 e 1930. A partir desse período a emissora além de aumentar o número de telenovelas passou a investir também no formato minissérie que é considerado um produto nobre que trata de temas brasileiros retratando diversas regiões do país. Para Pallottini, a minissérie exige menos conteúdo ficcional do que a telenovela, ou seja, histórias mais curtas e menos complexas, além de um número menor de personagens. O formato caracteriza-se por ser um romance mais curto, similar a uma novela literária. (PALLOTTINI, 1998, p.72). Por trazer a história para o cotidiano é um gênero televisivo que chama a atenção. As obras de época são um gênero que possibilita a volta ao passado. As tramas históricas possibilitam um conhecimento sobre um determinado período ou figura histórica por meio do entretenimento que a TV oferece. Muitas pessoas ao assistirem as tramas despertam seu interesse em pesquisar e se aprofundar sobre os fatos históricos e a vida dos personagens por meio de livros, internet, entre outros. Há uma relação de identidade, curiosidade e empatia que se constrói entre o personagem e o telespectador. O formato é um produto cultural brasileiro. Entendemos que as minisséries históricas são um produto de ficção e não um documento histórico sobre o momento representado, mas sim sobre o momento de sua realização, conforme demonstraremos mais adiante. Não se pode considera-la como um produto com fim educativo, ainda que ao final, crie uma visão sobre aquilo que aborda. Não obstante, ela assume esse aspecto, na medida em que cria uma interpretação sobre o que está sendo mostrado

1 Informações retiradas do Guia Ilustrado TV Globo Novelas e Minisséries e site Memória Globo. Disponível em: www.memóriaglobo.com.br.

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e estimula o interesse do telespectador em buscar informações em outros meios. A TV constrói uma visão sobre a história. O pesquisador Marc Ferro (1984) pensando os filmes como documentos históricos inclui no rol destes, não apenas os filmes que representam o passado histórico, mas também os filmes ficcionais em geral. De acordo com o autor os filmes de ficção são documentos relevantes sobre as representações e imaginários sociais do tempo presente de sua produção e, portanto, são documentos passíveis de investigação e estudo por parte do historiador. Ao assistir uma minissérie histórica o telespectador tem a oportunidade de conhecer como a sociedade vivia e se comportava naquela época. Ele imerge em um mundo desconhecido. Mesmo se tratando de um conteúdo para entretenimento, houve uma pesquisa e um trabalho de resgate da história. O que se observa é a mistura de elementos históricos com estratégias narrativas, dramáticas e midiáticas.

1.2 Minisséries históricas como produto Cultural

Partindo do pressuposto de que as minisséries históricas são um produto nobre da emissora, ou seja, um produto diferenciado com um investimento muito maior do que de uma novela e com temas históricos em geral baseados na literatura brasileira, pode-se dizer que elas são consideradas um produto cultural. Isso remete à discussão sobre o poder da indústria cultural e seus reflexos. Em 1965, o estudioso Umberto Eco (1965) analisou a visão das duas concepções sobre a indústria cultural e os meios de comunicação de massa. Ele chama de apocalípticos (frankfurtianos) aqueles que condenam os meios de comunicação de massa e de integrados aqueles que são favoráveis. De acordo com Eco, um posicionamento radical a respeito da Cultura de Massas marca o pensamento dos membros da escola de Frankfurt. A discussão ocorreu em 1942 e entre os motivos para condenar os meios de comunicação de massa, segundo os "apocalípticos", estariam: a veiculação que eles realizam de uma cultura homogênea - que desconsidera diferenças culturais e padroniza o público; o seu desestímulo à sensibilidade; o estímulo publicitário (criando, junto ao público, novas necessidades de consumo); a sua definição como simples lazer e

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entretenimento, desestimulando o público a pensar, tornando-o passivo e conformista (ECO, 2006, p. 30). O termo “indústria cultural” foi criado por Theodor Adorno e Max Horkheimer. Membros da Escola de Frankfurt, os dois filósofos alemães empregaram o termo pela primeira vez no capítulo: “O iluminismo como mistificação das massas” no ensaio “Dialética do Esclarecimento”, escrita em 1942, mas publicada somente em 1947. Esse conceito critica a massificação da produção cultural, por meio do avanço das tecnologias. Como formuladores de uma visão pessimista da sociedade moderna e da tecnologia, argumentam que a cultura, a arte e o indivíduo deixaram de existir em função do controle de uma racionalidade técnica do sistema produtivo capitalista. Eles não concordam com o conceito de cultura de massa, que transmite a ideia de que existe uma cultura que emerge de forma espontânea das massas. Os autores partem da ideia de que a mídia, como uma vitrine da indústria cultural, exerce um poder totalitário de manipulação sobre os indivíduos. Eles deixam claro, porém, que esta manipulação sobre a sociedade não parte da mídia somente, pois esta funciona como um mecanismo de um poder impessoal – o processo de industrialização da cultura - indústria cultural. Essa problemática alcançou não só os produtos feitos “sob medida” para a massa como também as obras de arte mais “elitizadas”. Próximo aos frankfurtianos, Walter Benjamin em 1935, enfrentando as questões postas pela possibilidade da reprodutibilidade técnica, questionando a ideia elitizada de cultura dos parceiros. Ao contrário deles mostra como a aura está relacionada a autenticidade; a existência única de uma obra de arte. Benjamim traz um novo olhar em que as novas técnicas possibilitaram a reprodução infinita dos objetos e sendo assim ela se torna também democrática. (BENJAMIN, 1935, p.170). Um exemplo clássico desse conceito é a obra de Leonardo Da Vinci, a Mona Lisa, exposta no Museu do Louvre em Paris. Quando há a reprodução exacerbada da figura da Mona Lisa em canecas, camisas, entre outros, se perde totalmente a aura. Apreciar o quadro no museu é, sobretudo, sentir a arte “auratizada”, ou seja, em toda sua plenitude, por se tratar de algo único e original. Embora Benjamin demonstre como exemplo o cinema e a fotografia, a perda da aura também se aplica aos produtos da indústria cultural. Pode-se dizer que este pensamento é um indício de que a cultura de massa e seus instrumentos

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apresentam benefícios culturais e educativos, outra faceta do objeto “indústria cultural”. No entanto, segundo Eco, entre os motivos para absorver os meios de comunicação de massa, apontados pelos "integrados" serem esses meios a única fonte de informação possível a uma parcela da população que sempre esteve distante delas; os dados veiculados por eles podem contribuir para a formação intelectual do público; a padronização de gosto gerada por eles pode funcionar como um elemento unificador das sensibilidades de diferentes grupos. Pensando dessa forma, conhecer história por meio das minisséries é uma forma de instrução para boa parte da população que não tem acesso a outros meios. Assim se constrói uma narrativa histórica homogênea, visto que a população fica apenas com a versão da minissérie. “o ponto de vista que cria o objeto.” (SAUSSURE, 1975, p. 15). Nesse caso não há outro referencial de comparação, “outra versão dos fatos”. Lipovetsky em “O império do efêmero” (1989) reconhece a existência de um sistema industrial, mas, ao contrário dos frankfurtianos, afirma que é em função deste modelo, que as pessoas podem reagir diante aos produtos que lhes são ofertados. Ele contesta a passividade, ao mencionar a imprevisibilidade e o caráter efêmero dos bens simbólicos, constantemente renovados. A passividade não só não existe como as relações são sempre dinâmicas. Toda a cultura mass-midiática tornou-se uma formidável máquina comandada pela lei da renovação acelerada, do sucesso efêmero, da sedução, da diferença marginal (LIPOVETSKY, 1989, p. 205). Douglas Kellner em seus estudos sobre a cultura da mídia propõe o resgate e a atualização do conceito de indústria cultural sob um viés multicultural. Segundo ele, as novas tecnologias midiáticas proporcionam ao mesmo tempo: diversidade de escolha e novas formas de controle coercitivo. Nesta afirmativa já explicita o caráter mediador de forças dos meios de comunicação de massa, os quais, para o autor são geradores de coerção ideológica apenas pela sua ocorrência:

Na verdade, sua simples existência já cria a possibilidade de minar as energias políticas e de manter as pessoas bem guardadas dentro dos confins de seus centros de entretenimento doméstico, distante do tumulto das multidões e dos locais de ação política de massa (KELLNER, 2001, p.26).

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As obras de ficção não podem ser consideradas apenas como simples entretenimento, sempre há mensagens com questões políticas, sociais e ideológicas por traz dos discursos construídos para os meios de comunicação. Todavia, as minisséries não fogem desse conceito. Entretanto, Kellner chama atenção para este fator multifacetado de que não se pode restringir ao antigo discurso de oposição entre direita e esquerda. As polaridades se dissolvem na mídia, elas são destruídas, aproximadas e perdem suas características originais. As obras de representação da história não só abordam períodos de grandes personagens reais, mas também inserem em seu conteúdo discussões sobre temas atuais que levam o telespectador a refletir sobre seu próprio tempo, a exemplo disso, temos a minissérie “Anos Rebeldes” (1992) que foi exibida em um período onde a emissora tinha o objetivo de se reposicionar em relação a ditadura, ou seja, ela queria criar uma imagem distinta daquela que teve quando apoiou a ditadura. Segundo Kellner, enquanto a cultura da mídia, em grande parte, promove os interesses das classes que possuem e controlam os grandes conglomerados dos meios de comunicação, seus produtos também participam dos conflitos sociais entre grupos concorrentes e veiculam posições conflitantes, promovendo, às vezes, forças de resistência e progresso. Consequentemente, a cultura veiculada pela mídia não pode ser simplesmente rejeitada como um instrumento banal da ideologia dominante, mas deve ser interpretada e contextualizada de modos diferentes dentro da matriz dos discursos e das forças sociais concorrentes que a constituem (KELLNER, 2001, p. 27). ECO (1993) também acredita que não se pode pensar a sociedade moderna sem os meios, sua preocupação é descobrir que tipo de ação cultural deve ser estimulada para que realmente veiculem valores culturais num determinado contexto histórico, pois não é pelo fato de veicular produtos culturais que a cultura de massa deva ser considerada naturalmente boa, como querem os "integrados". Acreditamos que não se pode considerar que a cultura de massa seja ruim simplesmente por seu caráter industrial. Não se pode esquecer que normalmente a cultura de massa é produzida por grupos de poder econômico com fins lucrativos, o que significa a tentativa de manutenção dos interesses desses grupos através dos próprios meios de comunicação de massa.

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O autor chama a atenção de que devemos pensar nas condições de fato e que operamos em e para um mundo construído na medida humana.

O universo das comunicações de massa é o nosso universo, e se quisermos falar de valores, as condições objetivas das comunicações são aquelas fornecidas pela existência dos jornais, do rádio, da televisão, da música reproduzível, das novas formas de comunicação visível e auditiva. O uso indiscriminado do conceito de Indústria Cultural implica na incapacidade de aceitar esses eventos históricos, e a perspectiva de uma humanidade que saiba operar sobre a história. Colocar-se em relação dialética, ativa e consciente com os condicionamentos da indústria cultural tornou-se o único caminho para o operador de cultura cumprir sua função (ECO 1993, p. 11).

Acreditamos que não se pode ignorar que a sociedade atual é industrial e que as questões culturais têm que ser pensadas a partir dessa constatação. Já estamos numa sociedade pós-industrial, e além da cultura de massas, vive-se uma cultura que se faz e reproduz o que a mídia produz. O sistema de condicionamentos denominado indústria cultural não apresenta a cômoda possibilidade de dois níveis independentes, um de comunicação de massa e outro da elaboração aristocrática que a precede sem ser por ela condicionada. A indústria cultural estabelece uma rede de condicionamentos recíprocos. No Renascimento também nasce um modelo de homem, cuja formação ainda é a que se espera do homem contemporâneo. Essa é uma das críticas que Eco faz ao que entende como uma visão crítica, porém aristocrática de mundo, a tentativa de compreender o homem contemporâneo aos moldes de um tempo que não é mais o seu e não corresponde ao contexto histórico em que vivemos. Em um país onde o percentual de leitores só diminui e cada vez mais as pessoas preferem se informar por meio da internet e da TV, as minisséries históricas desempenham um papel importante para que boa parte da população possa conhecer um pouco da história nacional, embora esse conhecimento seja mediado pelos interesses daqueles que o produzem e sob circunstância de ser um produto midiático. Dados da Fecomércio do Rio de Janeiro revelam que houve uma queda no número de pessoas que declaram ter o hábito de ler, o número caiu de 35% para 30% no ano de 2015 em todo país. Isso é um dado preocupante e que requer dos estudiosos novas formas de entreter e ao mesmo tempo informar.

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Se o povo não lê, há de se investir mais em projetos de leitura. A leitura é primordial. Deve-se dar acesso à população ao livro e incentivar o hábito de leitura. O saber que a leitura de um livro opera é totalmente diverso do saber utilizado para se assistir a uma minissérie. Uma coisa não substitui a outra. As operações cognitivas realizadas na leitura de um livro são totalmente diferentes das operações realizadas ao se assistir a um filme.

1.3 Adaptações literárias na TV

Desde o ano de 1966 iniciaram-se as adaptações da literatura para a TV brasileira. O primeiro livro brasileiro que teve como origem uma produção ficcional televisiva foi a adaptação romanceada, realizada por Saverio Jr, da telenovela “A Deusa Vencida”, publicado pela Editora O Livreiro em 1966 (REIMÃO, 2004, p. 44- 48). Mesmo o objeto de estudo da pesquisa não sendo uma adaptação literária, acreditamos que é necessário destacar que diversas obras históricas e de época foram adaptadas de livros. Assim como o objeto de estudo Amazônia que além da pesquisa histórica, também foi inspirada nos romances “O Seringal” (1972) de Miguel Ferrante e “Terra Caída” (1972) de José Potyguara. Os temas abordados nas minisséries e seu contexto histórico constroem discursos que possibilitam um interesse sobre assuntos políticos e sociais, ou seja, cada tema tem seu momento de exibição, não por acaso. Há uma relação que se cristaliza com o momento em que o país está vivenciando. No ano de 1980 a Rede Globo iniciou a produção de minisséries, mas só em 1984 que a literatura começou a fazer parte das tramas. A primeira adaptação literária para o formato minissérie foi “Anarquistas Graças a Deus”, escrita por Walter George Durst e dirigida por Walter Avancini. A minissérie se baseou na obra homônima de Zélia Gattai, contou com oito capítulos e fez um enorme sucesso de público, repetindo a boa recepção que a obra literária já tinha tido. A história relatava o cotidiano dos Gattai, uma família de imigrantes italianos que tenta sobreviver no Brasil no início do século XX. A princípio, a adaptação seria

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concebida como telenovela e chegou a ser gravada como tal. Porém, foi ao ar um ano depois como minissérie e recebeu elogios, sendo chamada de “série nota 10” (VEJA, nº 819,16/05/1984, p.118). Outra importante minissérie histórica também baseada na literatura é “O tempo e o vento” (1985) que tem o roteiro baseado na obra homônima de Érico Veríssimo, adaptada por Regina Braga e Doc Comparato, e dirigida por Paulo José2. A obra foi exibida em um momento em que o país se libertava do regime militar e ocorria a Nova República. A história de várias gerações da família Terra Cambará traçou um painel da formação social e política do Rio Grande do Sul. A história do Brasil passa a ser contada por meio das minisséries, diversas regiões do país são representadas. A emissora constrói um discurso por meio de suas ficções e narra os momentos históricos dando a sua visão. A minissérie “A muralha” (2000) é baseada em obra homônima de Dinah Silveira de Queiroz3. Com direção de Denise Saraceni e Luis Henrique Rios, foi escrita por Maria Adelaide Amaral. A trama se passa por volta de 1600, época em que os bandeirantes buscavam terras cultiváveis, riquezas e índios para serem vendidos como escravos. A muralha do título refere-se à Serra do Mar, o maior obstáculo às incursões ao centro do país, nas cercanias da vila de São Paulo. É só no ano de 2005 que o tema amazônico começa a aparecer nas minisséries. “Mad Maria” (2005) foi escrita por Benedito Ruy Barbosa e dirigida por Ricardo Waddington e José Luiz Villamarim. A narrativa, baseada no romance homônimo de Márcio Souza4, é dividida em dois grandes núcleos principais, separados geograficamente: enquanto uma parte da história se passa no meio da Floresta Amazônica, durante a construção da estrada de ferro, a outra trama tem como pano de fundo o Rio de Janeiro do início do século XX, então capital federal. Já em 2007, a minissérie Amazônia, vem resgatar a história do Acre, do ciclo da borracha e de diversos personagens históricos esquecidos pelos brasileiros. Vale ressaltar que a Rede Globo também desenvolve projetos que tencionam levar a literatura para a televisão como se observa no Projeto Quadrante que desde 2005 é desenvolvido pelo diretor Luiz Fernando Carvalho. O objetivo é trazer

2 Apesar de levar o nome da trilogia escrita por Érico Veríssimo, a minissérie desenvolve apenas tramas abordadas no primeiro volume da obra: "O Continente" (1949). Foi exibida em comemoração aos vinte anos da emissora.

3 Publicação original do livro – 1954. 4 Publicação original do livro – 1980.

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literatura para a televisão e de reeducar o olhar do telespectador por meio de produções com qualidade estética diferenciada do que se costuma produzir em TV.

Eu gostaria na verdade é de encontrar nosso país mais voltado para as questões educacionais, acho que isso já suavizaria meu esforço em 50%... Porque eu também não gosto de explicar muito o meu trabalho, nem sei se sou capaz. Mas ele dialoga diretamente com a questão da educação. A televisão precisa formar espectadores, é certo, faz parte do trabalho dela, mas ela também precisa assumir uma missão mais nobre, maior, que é a de formar cidadãos (CARVALHO, 2008, p.83).

Na área da transposição de textos literários para o audiovisual, destaca-se a microssérie “Hoje é Dia de Maria” (2005). O formato microssérie é uma produção televisiva semelhante a uma minissérie, porém de menor duração, possuindo de uma maneira geral, de três a cinco capítulos. De acordo com o site da emissora, esta minissérie apresentou-se como inovadora, já que, para compor a história da menina Maria, os realizadores buscaram elementos folclóricos e míticos presentes em contos populares compilados por Câmara Cascudo, Mário de Andrade e Sílvio Romero. Com direção e roteiro de Luiz Fernando Carvalho, a história é repleta de metáforas e simbolismo, com linguagem, estrutura narrativa e estética baseada nos sonhos. O projeto Quadrante iniciou em 2005 com a adaptação homônima do livro de Ariano Suassuna, “A Pedra do Reino”. A produção foi filmada em 16 mm e finalizada em alta definição, o roteiro foi assinado por Braulio Tavares, Luís Alberto de Abreu e Luiz Fernando Carvalho, que também foi o responsável pela direção da trama. O projeto Quadrante foi idealizado para mostrar a diversidade cultural do país, a partir da adaptação de obras literárias nacionais filmadas na região onde se passa a história original, com a participação de elenco e mão-de-obra local. O projeto visa a descentralizar o processo artístico e de produção, além de ajudar na formação de novos profissionais, criando um viés educacional. O Quadrante foi o primeiro projeto de teledramaturgia da TV Globo trabalhado em multiplataforma, com conteúdos complementares exibidos em diferentes mídias. E em 2008, para comemorar o centenário da morte de Machado de Assis, foi produzida a partir do romance “Dom Casmurro”, a microssérie “Capitu” (2008), divida em cinco episódios, exibidos entre 9 a 13 de dezembro. O roteiro foi assinado por

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Euclydes Marinho, mas o texto final e a direção por Luiz Fernando Carvalho. Ao inserir elementos modernos como os aparelhos de mp3 usados pelos dançarinos para ouvir a valsa na cena do baile, assumir a tatuagem no braço da protagonista Letícia Persiles (Capitu jovem) e adotar músicas clássicas, samba, rock e músicas de bandas internacionais e nacionais, a direção quis reforçar o caráter atemporal e universal da obra de Machado de Assis, reafirmando sua modernidade. Em 2009 o projeto foi suspenso por conta de seus baixos índices de audiência, os quais causaram efeitos devastadores no horário nobre da emissora e permitiu o avanço das novelas da Record.5 A inovação não foi bem aceita pelo público que debandou para um produto mais tradicional, pois além de voltar à novela, os temas da Record são bíblicos. Também históricos, mas com o apelo da Bíblia, com o seu lado sagrado. Já no ano de 2013 o projeto foi retomado discretamente nos bastidores e em 2014 foi exibida a telenovela “Meu pedacinho de chão” (2014) escrita por Benedito Ruy Barbosa e dirigida por Luiz Fernando Carvalho. De acordo com o diretor, o cenário e as locações seriam aproveitados em outra trama prevista para 2015, mas não ocorreu.

1.4. Projeto de nação

Não se pode deixar de destacar que muitas emissoras de televisão também criaram obras de época, como é o caso da extinta TV Manchete com a obra a “Marquesa de Santos” (1984), que retrata a história de Domitila de Castro Canto e Melo, a mais famosa das amantes de D. Pedro I, imperador do Brasil. Escrita por Wilson Aguiar Filho com a colaboração de Carlos Heitor Cony e foi dirigida por Ary Coslov. A Rede Bandeirante inaugurou sua produção de telenovelas com “Os Miseráveis” (1967) adaptado do livro de Victor Hugo (1862). Criada por Walther Negrão, a trama relata a vida de Jean Valjean, ao lado de sua filha adotiva, a jovem Cosette.

5 Informações retiradas do site Encena. Disponível em: http://encenasaudemental.net/cinema-tv-e-literatura/luiz-fernando- carvalho-o-publico-nao-e-burro/. Acesso em: 10 de set de 2016.

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O SBT também se aventurou nessas produções e produziu um grande sucesso da literatura, a adaptação do romance homônimo de Maria José Dupré, “Éramos seis” (1994). A novela era protagonizada por Irene Ravache, que interpretava a bondosa Dona Lola e sua luta na criação de seus quatro filhos. Foi escrita por Sílvio de Abreu e dirigida por Nilton Travesso. A regravação da novela homônima produzida pela Rede Tupi e levada ao ar em 1977. A Rede Record também investe pesado nessa área, principalmente nas produções de séries bíblicas como “Os Dez Mandamentos” (2015) que também teve sua versão adaptada ao cinema, “José do Egito” (2013), “Rei Davi” (2012), entre outras que tem uma boa recepção do público. A Rede Tupi e TV Excelsior foram as pioneiras em produzir obras de época, entretanto, a Rede Globo foi a que conseguiu se consolidar no ramo com a produção de novelas e minisséries históricas. No período da ditadura civil-militar (1964-1985) havia o incentivo à produção de filmes históricos, com o objetivo de construir um projeto de nação pelas vias do ufanismo. O “épico histórico” foi o gênero mais incentivado pelos governos, pois poderia aliar arte, história e educação em massa (PINTO, 2013). Observa-se um forte protagonismo do Estado nas obras de ficção.

A ideia de inserir temas nacionais na programação ficcional da Rede Globo foi baseada em obras de Jorge Amado, Machado de Assis e Érico Veríssimo, entre outros. Essa reorientação temática de resgate da nacionalidade coincidiu com um movimento análogo do cinema, a partir de determinações da política nacional de cultura que estimulou o financiamento pela Embrafilme – criada em 1969 – de filmes literários históricos (KORNIS, 2011, p. 103).

O contexto do Brasil nessa época era marcado pela ditadura militar, que vai imperar até 1985. O governo dá incentivos à emissora com o intuito de despertar o nacionalismo, que adotou a postura de integração nacional, com um governo forte central para defender a segurança nacional, e a de desenvolvimento nacional, baseada na industrialização e no crescimento econômico. Neste cenário, “os meios de comunicação de massa se transformaram no veículo através do qual o regime poderia persuadir, impor e difundir seus posicionamentos, além de ser a forma de manter o status quo após o golpe” (MATTOS, 2002, p. 34).

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A primeira minissérie histórica da Rede Globo foi “Lampião e Maria Bonita” (1982) de Aguinaldo Silva e Doc Comparato. Foi a primeira experiência no formato feita pela Rede Globo. A trama que mostrou a história do cangaço brasileiro foi premiada com a medalha de ouro no Festival Internacional de Cinema e Televisão de Nova York. O ano de 1982 marcou o começo da redemocratização com a primeira eleição depois de dezessete anos, a primeira eleição pluripartidária da história. Em vinte e dois estados brasileiros houve eleição para governador e a oposição fez governadores em Minas Gerais com Tancredo Neves, em São Paulo com Franco Montoro e no Rio de Janeiro com Leonel Brizola. Só que a vitória esteve ameaçada devido ao escândalo das urnas. Havia suspeita de fraude na contagem dos votos pela empresa Proconsult. A fraude foi denunciada pelo Jornal do Brasil por conta da participação de Roberto Marinho das Organizações Globo através do jornal O Globo, concorrente do JB. A partir de 1985 a Rede Globo encena, representa e dá sua visão por meio das minisséries, para os fatos da história do Brasil contemporâneo. Inaugura-se aí uma produção diferenciada tanto do ponto de vista da narrativa, quanto da produção técnica, dos cenários, figurinos e tudo mais que garante às minisséries o status de superproduções. A Rede Globo já produziu mais de oitenta minisséries, sendo que dessas, vinte e quatro podem ser consideradas como minisséries históricas. Entre elas estão “O Tempo e o Vento” (1985) de Doc Comparato, onde mais de cem anos estão retratados nesse romance, de 1777 a 1895, período de transformações sociais, políticas e culturais - essenciais para a formação do estado do Rio Grande do Sul. Por meio das diversas gerações da família Terra Cambará, sob os olhos da personagem Bibiana interpretada pelas atrizes Louise Cardoso, Lilian Lemmertz e Lélia Abramo é que se observa as origens, o desenvolvimento e a consolidação da região gaúcha. A inspiração no livro “O Continente” (1949) de Érico Veríssimo merece destaque, seja pelo apuro estilístico do autor, seja pela temática desenvolvida. “Um Certo Capitão Rodrigo”, também está presente na primeira parte da trilogia. A minissérie retrata a imagem do homem gaúcho como forte, bravo, destemido, na figura do personagem principal: capitão Rodrigo Cambará. Há nesta

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produção, o retrato do homem gaúcho, relembrando a figura histórica do ex- presidente Getúlio Vargas. Segundo Mungioli, as chamadas “séries brasileiras” entram no ar no momento em que o país vive um processo de redemocratização. Assim, a história brasileira e a formação do povo brasileiro passam a ser representadas através das minisséries num contexto distinto daquele em que a empresa foi criada, enriquecida e teve consolidado seu poder. As três primeiras minisséries dessa fase foram adaptações de obras clássicas da literatura brasileira (MUNGIOLI, 2006, p. 117) que versam sobre a formação do povo e da nação. Um novo começo do Brasil com a nova republica e o novo começo da Rede Globo na democracia. Um dos maiores sucessos que retratou a disputa pela terra e os laços afetivos entre os jagunços foi a minissérie “Grande Sertão: Veredas” (1985) dirigida por Walter Avancini, baseada no clássico homônimo (1956) do escritor Guimaraes Rosa. Quem narra a história é Riobaldo (Tony Ramos) que, por meio de suas andanças, personifica a aspereza sertaneja e se transforma em uma espécie de intérprete do sertão. Riobaldo e o bravo Reinaldo (Bruna Lombardi) – ou Diadorim, como também é chamado – são amigos há muito tempo e compartilham o fascínio pelas aventuras no sertão de Minas Gerais. Os fortes laços entre os dois perturbam Riobaldo, que, mesmo assim, cultiva a relação, cuja pureza contrasta com a aridez sertaneja. Mas existe um segredo que Riobaldo ignora: Reinaldo é, na verdade, Maria Deodorina da Fé Bittencourt Marins. Valente e destemida, Diadorim finge ser homem e se mistura aos jagunços para fugir do destino da mulher sertaneja, sempre infeliz e marginalizada. A obra destaca a luta pela terra e tem como pano de fundo o amor entre Riobaldo e Diadorim. São os grandes escritores de lugares diferentes do Brasil que contam sua história, a história da sua região, seus costumes, mas também que é parte da história brasileira. A minissérie “Tenda dos Milagres” (1985) de Aguinaldo Silva também é baseada na literatura, na obra de Jorge Amado (1969) que leva o mesmo nome. O cenário é a Bahia, as culturas negra e mestiça. A história começa em 1930, quando Pedro Arcanjo (Nelson Xavier) sente-se mal e, desmaiado, é levado às pressas para a casa de Cesarina (Ângela Leal). Com fortes dores no peito, ele revive seu passado, fazendo com que a narrativa retorne ao ano de 1913. Nessa

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época, quando os negros eram discriminados e perseguidos em Salvador, a mãe de santo Magé Bassã (Chica Xavier) revela a Pedro Arcanjo sua missão: ser “a luz de seu povo”. O principal antagonista de Arcanjo é o racista Nilo Argolo (Oswaldo Loureiro), um médico legista influente que tenta provar a superioridade da raça branca por meio de pesquisas científicas e com a ajuda do inescrupuloso delegado Francisco Mata Negros (Francisco Milani). A minissérie apresenta a luta do velho ogã Pedro Arcanjo pela preservação e difusão da cultura negra. É por meio de obras como essas que o passado aparece. Todas as estratégias midiáticas e os recursos que o audiovisual oferece faz com que a televisão seja mediadora entre o passado e o presente. “Os efeitos de realidade, de tempo real e de horizonte são as fascinantes características dos mundos televisivos” (KILPP, 2006, p.141). Consideramos que esse passado que a TV traz para a tela tem uma grande influencia no projeto de nação que se constrói desde o regime militar. Os discursos construídos para a TV estão intrinsicamente ligados a ideologia da emissora e também do governo que incentiva as produções. Não obstante, é uma forma de o país construir sua identidade através das diversas culturas mostradas por meio da ficção. As minisséries representam a imagem do Brasil internacionalmente, ou seja, é por meio delas que outras nações farão seu reconhecimento histórico do povo brasileiro. Sandra Reimão, em sua obra “Livros e televisão: correlações” (2004) traça um paralelo entre ficção e literatura, estudando as novelas que se transformaram em livros e as obras literárias que foram adaptadas para televisão, em forma de telenovelas. “Cada vez mais eu me convenço de que a TV pode agir junto com a literatura, de forma simultânea e em prol de muitas coisas, inclusive de valores culturais” (REIMÃO, p. 138). Vale observar que quando a TV se propõe a adaptar uma obra literária ela não tem o compromisso com a verdade, pois uma minissérie é um produto de ficção, fabricado para o entretenimento. Contudo, ela assume um papel importante de disseminação do conhecimento e com isso uma grande responsabilidade que muitas vezes não reverbera, como se pode ver com os esforços de Luiz Fernando Carvalho em sua adaptação de Dom Casmurro.

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A produção e exibição de forma quase contínua dessas minisséries com fortes características históricas que abordavam os temas da luta pela terra, da luta pela cidadania e da luta política por intermédio da emoção e da ficção, formaram, segundo Mungioli (2006), uma espécie de painel da história e da cultura brasileira. Acreditamos que este painel histórico é um quadro de temas que de alguma forma estão sendo veiculados com alguma razão em face do momento histórico em que o país vivencia, ou seja, cada obra adaptada tem sua relevância para ser produzida e exibida em determinado momento, as temáticas das minisséries não são escolhidas aleatoriamente. Pode-se dizer que as encenações da história contribuem para a formação da identidade nacional e o despertar em conhecer a História. O público se identifica, pois as minisséries trazem fatos históricos com conflitos ficcionais. Mas há também uma série de contradições históricas e ideologias impregnadas nos conteúdos, por isso a preocupação em observar onde a TV quer chegar.

1.5 O Brasil nas minisséries - Pós Regime Militar (1992)

Por meio das representações traçadas nas minisséries, a Rede Globo constrói uma versão do que entende por história do Brasil atual. A decisão de produzir minisséries abordando fases da história recente nacional nasceu em discussões na Casa de Criação Janete Clair, criada em 1984, com o objetivo de expandir e aperfeiçoar os produtos ficcionais da Rede Globo através da descoberta de novos autores e da discussão entre os próprios dramaturgos ligados à empresa.

[...] a conjuntura de final do regime militar e de instauração de uma nova ordem tem sua expressão na produção ficcional da emissora, e a reconstrução da história recente se configura como um dos campos no qual se afirma a possibilidade de imprimir um diagnóstico do país, com vistas a um projeto de reinstauração democrática, no qual o universo da moral \ privilegiado pela narrativa melodramática \ e da política assume um papel fundamental (KORNIS, 2001, p. 5).

É possível pensar que a produção de uma obra sobre a história recente do Brasil em produtos de teledramaturgia é parte de uma estratégia de readequação da

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emissora que teve sua criação e estruturação no âmbito do período ditatorial. Em um novo cenário político, o da redemocratização, a empresa necessitava então se reinventar ou mudar sua identidade colada ao regime militar. É neste contexto histórico que entra no ar a minissérie “Anos Rebeldes” (1992). Inspirada nos livros “1968 – o Ano que Não Acabou” (1989) de Zuenir Ventura, e “Os Carbonários” (1980) de Alfredo Sirkis. A trama foi exibida no horário nobre da emissora e teve vinte episódios. A trama, escrita por Gilberto Braga e dirigida por Dennis Carvalho, apresenta como cenário a luta contra o regime militar brasileiro. Malu Mader é a jovem Maria Lúcia e Cassio Gabus Mendes, o militante João Alfredo. Os dois interpretam o casal protagonista. Já Cláudia Abreu interpreta Heloísa, filha de um banqueiro. A minissérie tem como pano de fundo o Rio de Janeiro no conturbado período de 1964 à 1979. Avessa à militância política, Maria Lúcia (Malu Mader) se apaixona por João Alfredo (Cássio Gabus Mendes), jovem que se sensibiliza com as questões sociais e que atua no movimento estudantil. Ambos são estudantes do Colégio Pedro II, porém com perfis e objetivos distintos. “Anos Rebeldes” (1992) aborda a luta contra o regime militar brasileiro a partir do romance entre dois jovens com projetos de vida diferentes. Naquele momento histórico no Brasil, a população brasileira foi às ruas, mas vestida de preto em sinal de luto. Surge também os cara-pintadas, jovens que saem às ruas pintados com as cores do Brasil, protestando e pedindo a saída do presidente Fernando Collor. É nesse contexto que a minissérie é produzida. O relatório da CPI apontava o envolvimento de Collor no esquema PC Farias. A partir daí até aqueles que o apoiavam se viram contra ele. No dia 29 de setembro de 1992, a Câmara dos Deputados autoriza a abertura do processo de impeachment por 441 votos a favor e 38 contra. Assim terminava a era Collor. Era a primeira vez que um presidente eleito democraticamente sofreu processo de impeachment. A narrativa foi construída com discursos e diálogos que refletiam o que o país vivia sob o regime militar, por isso que a emissora escolheu falar sobre o período autoritário. O objetivo é fazer o público se identificar com as questões que o Brasil havia enfrentado, mas sem deixar de propagar a ideologia da emissora. Na década de 1990 há outras obras sobre temas históricos e também baseados na literatura com temas sobre mulheres como é o caso das obras

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“Memorial de Maria Moura” (1994) baseada na obra de Raquel de Queiroz, que apresenta a saga de uma mulher contra a submissão feminina na sociedade patriarcal do século XIX e “Chiquinha Gonzaga” (1999), escrita por Lauro César Muniz e Marcílio Moraes, baseada na vida da maestrina e compositora Francisca Edwiges Neves Gonzaga. Observa-se que há um protagonismo grande das mulheres em diversas obras da emissora. Há indícios de que a questão feminina esteja chegando à TV com o objetivo de conquistar ainda mais este público, que é o que mais assiste as produções. No novo milênio os velhos problemas políticos e sociais continuam. A política brasileira assistiu a momentos que envergonharam mais uma vez a nação. O Brasil assiste na tela da TV Senado a um embate histórico entre dois inimigos políticos: Jader Barbalho e Antônio Carlos Magalhães que trocavam ofensas entre si, ambos se chamados de mau caráter, safado, ladrão, entre outros termos chulos. Em São Paulo, Nicéa Camargo denuncia o esquema de corrupção envolvendo o ex-marido, o então prefeito Celso Pitta. Também houve o escândalo do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) que envolveu o juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau e o senador Luiz Estevão, que na época era do PMDB. Eles foram os principais acusados de desviar R$ 169 milhões das obras do TRT. O Brasil e sua história foram muito visados, e as origens indígenas muito exploradas em filmes e mesmo nas minisséries. A tão aguardada chegada do ano 2000 trouxe alegria, mas o tal bug do milênio não aconteceu. E foi também o ano em que o Brasil comemorou seus 500 anos. No ano 2000 as minisséries históricas destacaram alguns períodos mais antigos do Brasil. A minissérie “A Muralha” (2000) de Maria Adelaide Amaral exibida em comemoração aos 500 anos do Descobrimento do Brasil explorou a saga dos bandeirantes, a formação de São Paulo, a presença do indígena na cultura brasileira rumo ao interior do país. A obra se destacou entre outras coisas, pela boa releitura e interpretação histórica. A trama também teve sua versão em formato novela, na antiga TV Excelsior exibida em 1968. A trama se passa no sertão paulista, fins do século XVI. Por meio da família de Dom Braz Olinto narram-se os fatos que levaram à Guerra dos Emboabas.

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O enredo mostra o choque dos paulistas que conquistaram terras e minas e os forasteiros de diversas procedências, principalmente baianos e portugueses, que queriam se apossar delas. A muralha significa a serra como obstáculo às incursões dos bandeirantes, nas suas buscas de novas terras e riquezas. Em seguida, mesclando ficção e documentário em tom cômico, “Invenção do Brasil” (2000), a microssérie de autoria de Guel Arraes e Jorge Furtado se reportava à época das Grandes Navegações evocando viagens, partia das caravelas, mas passava também pelos foguetes, pelos índios e pelos negros. Exibida no momento da comemoração, no dia 22 de abril. A trama também ganhou sua versão para o cinema com o filme “Caramuru - A invenção do Brasil” (2001). Misturando ficção e realidade é contada a história do degredado português Diogo Álvares, o Caramuru, que chega ao Brasil em 1500, se apaixona pela índia Paraguaçú, se torna chefe dos tupinambás e ajuda a fundar Salvador. De forma bem-humorada, são mostradas as diferenças culturais entre portugueses e índios da época, bem como os primeiros dias da colonização. Também no mesmo ano foi exibida “Aquarela do Brasil” (2000) de Lauro César Muniz, a minissérie retratou o período do rádio e as tensões políticas da Segunda Guerra Mundial. A obra retratou o período vanguardista, o ufanismo e seu reverso. A história romantizada tinha como cenário o Rio de Janeiro da década de 1940. A trama narra a ascensão de uma cantora de música popular durante o período áureo do rádio. Uma época conturbada, no qual grandes acontecimentos políticos se mesclam ao glamour do mundo do rádio e de suas estrelas. O contexto da minissérie é o governo da ditadura de Getúlio Vargas (1930- 1945), o Estado Novo (1937-1945), que aliado às elites oligárquica e agroindustrial, ele inicia o processo de modernização econômica e de industrialização do Brasil, cujo ápice é a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, no sul do estado do Rio de Janeiro; e no plano externo, a ocorrência da Segunda Guerra Mundial. No grande festejo nacional, o período republicano comemorado é o de Getúlio Vargas, com sua imagem simpática. Não foi o Juscelino Kubitschek o presidente escolhido, mas sim Vargas e o rádio, que é uma mídia importante e que foi central na época. É uma forma da Rede Globo também mostrar sua importância.

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Considerada como uma das melhores minisséries da década juntamente com “A casa das Sete Mulheres” e “A Muralha”, a minissérie “Um só Coração” (2004) homenageou os 450 anos de São Paulo, a história se passa entre 1922 e 1954, período em que a cidade se torna um grande centro econômico e cultural do país. A Semana de Arte Moderna, em 1922, a Revolução de 1924, a crise de 1929, a Revolução de 1932, a Era Vargas, os ecos do nazismo e do fascismo: esse é o contexto histórico da narrativa. “Um só Coração” (2004) teve como pano de fundo a cidade de São Paulo entre os anos de 1922 aos anos de 1954 fazendo um painel da vida da cidade. A minissérie foi exibida no aniversário de 450 anos da cidade. Também abordava a relação de Yolanda Penteado e Cecillo Matarazzo, ou seja, a relação de amor entre a moça quatrocentona e o imigrante riquíssimo que marcavam o que era então o Café Society da elite brasileira – a mistura entre a antiga riqueza e poder dos cafeicultores com imigrantes que se tornavam os novos detentores dos capitais da indústria brasileira. Os Matarazzo passam a designar em São Paulo, sinônimo de riqueza. Outras minisséries também baseadas na literatura ganharam destaque na programação como a minissérie “Os Maias” (2001), adaptada do romance homônimo (1888) de Eça de Queiroz; foi escrita por Maria Adelaide Amaral, João Emanuel Carneiro e Vincent Villari. A minissérie também reuniu tramas e elementos de outro romance de Eça, “A Relíquia” (1887) tendo direção geral e núcleo de Luiz Fernando Carvalho, a trama é o retrato da decadente aristocracia portuguesa, na segunda metade do século XIX, através da trágica história de uma tradicional família lisboeta. Pedro da Maia, filho do patriarca e viúvo Dom Afonso da Maia, vive enclausurado em sua melancolia. Inseguro, Pedro conhece a felicidade ao se apaixonar pela bela Maria Monforte. Este romance, porém, é rejeitado por Afonso por conta do passado nebuloso do pai da moça, Manuel Monforte, um negreiro que não pertence à alta roda da sociedade lisboeta, como Maria da Cunha, Maria da Gama e Dom Diogo Coutinho, amigos aristocratas do patriarca Maia. Apesar do desgosto de Afonso, Pedro se casa com Maria, tem dois filhos, Carlos Eduardo e Maria Eduarda. Para reconstituir os bastidores políticos da independência do Brasil, com muito humor, ação e sensualidade a Rede Globo produziu a minissérie “O Quinto

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dos Infernos” (2002) de Carlos Lombardi. A trama vai desde a vinda da família real, passa por suas impressões ao se deparar com o “quinto dos infernos”, como chamaram o Brasil, até o retorno de D. Pedro I a Portugal. A história é sobre os bastidores da Independência do Brasil (1822), a fundação do Império do Brasil (1822-1889) contada de maneira cômica e com muita aventura. A narrativa se inicia em 1785, com a chegada da pequena infanta espanhola Dona Carlota Joaquina de Bourbon a Portugal para casar-se com D. João VI, que à época atendia por Infante Dom João de Bragança. Já em 1808, após muita indecisão, D. João VI resolve transferir a corte para o Brasil, para fugir dos ataques e do poderio bélico de Napoleão Bonaparte. Em paralelo à história dos monarcas, se desenvolve o romance da donzela Manoela com Francisco Gomes, o Chalaça - um dos melhores amigos de Dom Pedro de Bragança (Dom Pedro I). A chanchada/pastelão de Lombardi atingiu 37 pontos de audiência, media maior do que da minissérie anterior “Presença de Anita” (2001) que mesmo com seu enredo erótico não ultrapassou os 30 pontos. A chacota histórica funcionou. Esse é o momento pós Collor / Itamar Franco. Carregada de muita descrença no Brasil, de muita crítica ácida, há muito menosprezo em “Quinto dos Infernos”. Como se vê também no filme “Carlota Joaquina” de Carla Camurati de 1995. Essas obras desfaziam da herança portuguesa como se os problemas nacionais derivassem deles, que seriam então essas figuras lamentáveis representadas nas obras. Uma forma de eximir os brasileiros de sua própria responsabilidade, uma execração das origens: a minissérie fez isso. Poucas minisséries tiveram como cenário a região sul do Brasil. Baseada no romance homônimo (2002) da escritora gaúcha Letícia Wierzchowski, a minissérie “A Casa das Sete Mulheres” (2003) foi escrita por Maria Adelaide Amaral e Walther Negrão. Com status de grande produção foi a única produzida naquele ano e teve cinquenta e três episódios. A trama tinha como cenário o papel das mulheres nos bastidores da Guerra dos Farrapos. Em meados da década de 1830, a situação política se agita no Brasil. Com a abdicação de dom Pedro I, os regentes que assumem o governo não conseguem pacificar a nação e rebeliões explodem em algumas províncias. No Sul, em 1835, eclode a Revolução Farroupilha, de caráter republicano, conhecida também como Guerra dos Farrapos.

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A trama desenvolve-se a partir da ótica das mulheres da família do líder dos farrapos, Bento Gonçalves (Werner Schünemann), tendo como pano de fundo as batalhas contra as tropas do Império. Durante dez anos, tempo que durou o conflito, Ana Joaquina (Bete Mendes), Maria (Nívea Maria), Manuela (Camila Morgado), Rosário (Mariana Ximenes), Mariana (Samara Felippo), Caetana (Eliane Giardini) e Perpétua (Daniela Escobar) refugiam-se em uma estância para esperar a volta dos homens da família. As anotações de Manuela em seu diário conduzem a narrativa, mostrando o convívio dessas mulheres, de idades e temperamentos diferentes, e compondo um histórico da época, por meio de relatos de amores, amizades, frustrações e esperança. Não só a ficção retratava a guerra como o mundo na mesma época acompanhava os ataques da segunda Guerra do Golfo liderada pelos Estados Unidos que teve rápido desfecho. O principal motivo para a guerra foi a alegação de que o Iraque tinha armas químicas e que eles tinham ligação com a rede terrorista al Qaeda de Osama Bin Laden. Em 20 de março de 2003 a cidade de Bagdá foi bombardeada e depois de três semanas o regime de Saddam Hussein caía. No Brasil, 2003 era um período histórico marcado pelo primeiro ano de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o primeiro presidente metalúrgico do Brasil. Depois de quatro tentativas, Lula venceu as eleições com 53 milhões de votos. Também no mesmo ano morria Roberto Marinho fundador das organizações Globo. Muitas regiões do país foram representadas nas obras de ficção entre elas o nordeste brasileiro em “Padre Cícero” (1984) / “Guerra de Canudos” (1997). As tramas além de encenar a história do Brasil também enfocaram diversos personagens históricos como o ex-presidente Getúlio Vargas na minissérie “Agosto” (1993), Carlota Joaquina em “O Quinto dos infernos” (2002) escritores como Mário de Andrade e Oswald de Andrade na obra “Em um só Coração” (2004). Também a minissérie “JK” (2006) com a história da construção de Brasília e a saga do ex- presidente Juscelino Kubitschek. Por meio de obras como essas é possível conhecer personagens históricos.

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1.6. A Amazônia chega às minisséries da Globo

A região do centro do Brasil é pouco retratada nas minisséries, assim como o Rio Grande do Sul e a Amazônia, outro lugar do Brasil pouco utilizado como cenário e tema. Um estudo feito pelo pesquisador Narciso Júlio Freire Lobo (2003) constatou que entre 1982 e 2003, num total de setenta e quatro, nas produções exibidas em rede nacional, incluindo as da Rede Globo, não utilizaram a Amazônia como cenário. Quem inaugura o tema amazônico na emissora é a minissérie “Mad Maria” (2005) escrita por Benedito Ruy Barbosa, baseada no romance homônimo (1980) de Márcio Souza, que retrata a incrível construção da impossível Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), entre 1907 e 1912. A história da construção da ferrovia, no norte do Brasil, um dos maiores desafios da tecnologia do início do século XX é dividida em dois grandes núcleos principais, separados geograficamente: enquanto uma parte da história se passa no interior da Floresta Amazônica, durante a construção da estrada de ferro, a outra trama tem como pano de fundo o Rio de Janeiro do início do século XX, então capital federal. Nesse período havia fortes discussões sobre as questões do meio ambiente, a derrubada de florestas e a ineficiência da justiça, principalmente na região norte do Brasil. No ano de 2005 a missionária americana Dorothy Stang foi assassinada com seis tiros no município de Anapu no estado do Pará. Os assassinos, a mando do fazendeiro Vitalmiro Moura, o Vida, executaram a sangue frio e Bida foi condenado a 30 anos de prisão, mas cumpre em liberdade. Irmã Doroty, como era conhecida foi naturalizada brasileira e estava na região amazônica desde a década de 1970 trabalhando pela educação e meio ambiente. Consideramos que cada minissérie histórica tem suas peculiaridades e algo relacionado ou não com o seu período de exibição. O assunto abordado em cada obra e a respectiva construção dos discursos estão ligados a fatos políticos e sociais vividos no país. Esse é um dos processos - a relação entre o momento vivido e a ficção. A ficção que fala do que se está vivendo. A relação entre o histórico-social e a mídia, a comunicação, as obras, entre outros que iremos estudar através ao objeto de estudo.

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“Amazônia – de Galvez a Chico Mendes” (2007), minissérie produzida em 2007, escrita por Glória Perez, é o objeto de estudo deste trabalho. Pela primeira vez, o Acre, Luiz Galvez de Arias, Plácido de Castro e Chico Mendes - personagens quase ignorados da história do Brasil foram retratados na ficção. Muito preconceito sempre acompanhou o Acre, por que tanto silencio? Escolhemos essa minissérie para estudo, pois se entende que há uma elevada relevância nos temas abordados na obra, como fatores históricos, políticos e sociais. Além de mostrar a exploração do trabalho nos seringais, o desmatamento desordenado da floresta amazônica, desigualdades sociais, a noção de que tal região é “terra onde a lei não é cumprida”, os conflitos com coronéis, entre outros aspectos. Ao falar de um produto televisivo que reconstitui eventos da história da nação, será preciso observar que há uma série de mecanismos inerentes à produção da narrativa que transita entre a representação do real e a ficção, dentre eles o do melodrama, formato recorrente nas ficções televisivas e também presente na construção das representações históricas. Ao se deparar com um herói nacional retratado na ficção, pode-se pensar que aquele personagem foi retratado tal qual ocorreu na história. Entretanto, se observarmos os dados históricos percebe-se que um “herói nacional” como Plácido de Castro, por exemplo, pode ser considerado para alguns, não um herói e sim um oportunista que se beneficiou com a expulsão dos bolivianos do território. Já que o mesmo, também era dono de seringal, como a própria minissérie mostra, mas não enfatiza. Ocorre que a trama necessita de personagens no qual o público torça e se identifique. É necessário haver a figura do herói, vilão, mocinho, entre outros, elementos essenciais do bom funcionamento do melodrama. Essa é a forma da minissérie brasileira: drama e folhetim como elementos intrínsecos do processo de produzir e exibir seriados na televisão herdados da telenovela. Todas as tramas fazem uso da conjunção história e ficção, dramas particulares e história da nação, constituindo um processo de sentimentalização da história. Alguns assuntos são mais explorados a fim de marcar uma personagem. Na minissérie Amazônia, Chico Mendes (1944- 1988) é retratado como um ambientalista protetor das florestas, sendo que ele apenas visava defender o direito dos seringueiros sendo líder sindical. No entanto, como quase ninguém, naquele

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contexto – desmatamento da Amazônia pela produção agrícola, expulsão dos seringueiros na década de 1980 - conhecia o ofício de um seringueiro, pesquisadores e jornalistas o incentivaram a falar do significado ambiental da Amazônia, pois sendo um assunto global ele seria ouvido com mais atenção. Assim, parece se estabelecer um paradoxo que fundamenta a realidade histórica nessas tramas, já que são as personagens ficcionais que legitimam a dimensão factual dos relatos das testemunhas oculares, transformados em ficção. Ressalta-se que por se tratar de um produto para entretenimento, a minissérie deve ser passível de pesquisa e análise crítica. Não se pode aprender sobre a História do Brasil e conhecer literatura apenas através das telas. O produto midiático apenas mostra a história que o meio constrói.

2. A MINISSÉRIE AMAZÔNIA

Nesse segundo capítulo trataremos do objeto de estudo. De que forma ela, a minissérie6 “Amazônia – de Galvez a Chico Mendes” (2007) representa a história do Acre entre os períodos de 1898 e 1988, tendo por personagens importantes figuras históricas como Luiz Galvez de Arias, Plácido de Castro e Chico Mendes. Baseada nos romances “O Seringal” (1972), de Miguel Ferrante e “Terra Caída” (1972), de José Potyguara, escrita por Glória Perez, a trama narra a história do Acre, a última região a ser anexada ao território brasileiro, o ciclo da borracha e o desmatamento da Amazônia. A minissérie aborda o Acre do ano de 1898, ano em que o Acre ainda pertencia à Bolívia e sua reintegração como território brasileiro em novembro de 1903, com o Tratado de Petrópolis e o reconhecimento do Acre como estado brasileiro em 1904. Ainda assim, narrou momentos históricos da política do país até o ano de 1988 e a morte de Chico Mendes.

6 Sinopse. Memória Globo. Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/amazonia-de- galvez-a-chico-mendes/trama-principal.htm

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São contemplados 100 anos da história do Acre. Foram três fases em diferentes períodos da história. A primeira fase (1898) representou o período em que o Acre pertencia a Bolívia, a riqueza gerada pela extração do látex que enriqueceu os coronéis seringalistas. Em contrapartida, também destacou os conflitos com os seringueiros vindos das regiões do norte e nordeste para trabalhar na colheita da seringa. Trabalho que acabou virando escravidão em uma terra onde a lei parecia não existir. Durante muitos anos, o estado, antes boliviano, atraiu nordestinos e estrangeiros que deixavam suas cidades em busca de uma vida melhor, através da extração do látex. Por meio de três personagens centrais os diferentes períodos históricos são retratados: Luiz Galvez de Arias (José Wilker), Plácido de Castro (Alexandre Borges) e Chico Mendes (Cássio Gabus Mendes). Foram retratados personagens antes esquecidos da história. Em 1898, ao chegar com sua comitiva de zarzuelas7 em uma embarcação que navegava pelos rios amazônicos, Galvez se transformou em um grande orador que alertava os pobres seringueiros e os ambiciosos seringalistas de que o Acre precisava ser salvo das mãos dos invasores bolivianos. A música, a dança e principalmente as belas dançarinas conquistaram os trabalhadores sedentos de mulheres, pois no seringal as mulheres eram raras, nos bailes que os seringueiros costumavam promover era costume dançar homem com homem, de uma forma bizarra e mantendo distância, ou seja, não se podia encostar os corpos para não comprometer a masculinidade. Os acreanos estavam preocupados com o futuro da extração da borracha. No ano de 1898 tal atividade havia trazido muita riqueza, por ser o látex um produto, até então, exclusivo da floresta amazônica e indispensável para a fabricação de pneus de automóveis, sendo assim se apoiaram no político Luiz Galvez que tinha a missão de ajuda-los. Luiz Galvez Rodríguez de Arias nasceu na Espanha, em San Fernando no ano de 1864 e faleceu em Madrid no ano de 1935. Galvez foi jornalista, diplomata e aventureiro (muitas vezes erroneamente apontado como boliviano) que proclamou a República do Acre em 1899.

7 Zarzuela é uma forma de arte que combina música e teatro. Ele nasceu na Espanha e é lá onde ele se desenvolve principalmente. Em suas apresentações combinando diálogos, canções, danças e coros que é alternativa para criar uma maravilhosa expressão artística.

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Quando a Bolívia decide retomar seu território, de olho no lucro obtido com o látex extraído das seringueiras, o governo brasileiro não se opõe, pois a região, de acordo com o Tratado de Ayacuchi, pertencia ao país vizinho. O povo acreano se revolta com a situação, e seringueiros, liderados por Galvez, resistem à ocupação boliviana. Em 14 de julho de 1899, concretizam a criação do Estado Independente do Acre, com capital na cidade do Acre, antes chamada Puerto Alonso. Galvez é aclamado presidente do novo país, com bandeira e hino próprios. Todos esses feitos ele conseguiu com o apoio e o financiamento dos coronéis da borracha que eram os maiores interessados em não devolver os seus seringais e prestar contas ao governo boliviano.

Figura 1: Luiz Galvez Fonte: Memória Globo.

O espanhol governou o Acre entre 14 de julho de 1899 e 1 de janeiro de 1900 pela primeira vez, e entre 30 de janeiro e 15 de março de 1900, pela segunda e última vez. Com o tempo, Galvez acaba despertando o descontentamento de muitos seringalistas, que se revoltam com os impostos cobrados pelo novo governo.

Galvez acaba sendo deposto pelo seringalista Antônio de Souza Braga (Kadu Moliterno), que não consegue manter-se no poder e devolve o comando ao espanhol.

O governo federal brasileiro, porém, sabendo que o não cumprimento do tratado colocava em risco suas relações internacionais, ameaça entrar em guerra

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com o novo país. Sem saída, Galvez é destituído, e o Brasil devolve a região do Acre à Bolívia. Galvez, com malária, parte para Belém, onde fica durante um tempo, até retornar à Espanha.

Nessa primeira fase da trama, os conflitos giram em torno do seringal Santa Rita que pertence ao coronel Firmino (José de Abreu), lugar onde os trabalhadores do norte e nordeste do país, fugindo da seca, vão tentar uma vida melhor. Alguns abandonam suas famílias, outros as levam, não imaginam, no entanto, que jamais poderão retornar à sua pátria.

Quando recebem as suas colocações (nome dado ao local demarcado para cada família extrair a seringa) descobrem que para se iniciar na profissão de seringueiro precisam pagar a passagem de ida para o coronel, comprar equipamentos, comida, entre outros. Eles são proibidos de plantar e só podem comprar alimento na mercearia do seringal. Com isso, contraem muitas dívidas e mal conseguem sobreviver.

Os seringueiros só podem vender a borracha para o coronel. Há uma passagem onde Bastião (Jackson Antunes) questiona o coronel dizendo que não informaram a eles que as coisas seriam dessa forma. O coronel com uma espingarda na mão grita que no seringal ele é o juiz, delegado, imperador, papa, rei e na lei dele só tem um artigo: o quarenta e quatro, onde ele engatilha a arma fazendo referência de ameaça.

2.1 O Inferno Verde

Ainda em 1899, o militar Plácido de Castro trabalhava no Acre como agrimensor demarcando seringais. É nesse momento que o ex-governador do Acre, Ramalho Jr. (Cláudio Marzo), financia a Expedição dos Poetas, sem o conhecimento do governo central, liderada por Orlando Lopes (Tarcísio Filho), com o apoio de Rodrigo de Carvalho (Werner Schünemann)8.

8 Fonte: PROJETO MEMÓRIA GLOBO. Guia ilustrado TV Globo: novelas e minisséries.

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A intenção dessa expedição é expulsar os bolivianos e retomar o Acre. O levante intelectual, no entanto, é derrotado. Amigo de Plácido, Orlando o convoca para liderar um novo embate. Plácido aceita e tem a missão de transformar seringueiros em soldados que, armados com facões, conseguem derrotar o exército formal boliviano. Ao alcançar Xapury e obter a adesão de toda população local, Plácido proclama a independência do estado do Acre e é aclamado governador do estado independente. A Bolívia reage novamente, mas é derrotada. O governo brasileiro interfere e envia tropas à região, com o intuito de tomar o poder. Plácido recusa-se a lutar contra o Exército brasileiro e dissolve o Exército acreano. O militar decide se mudar para o Rio de Janeiro para noivar com Ilka (Milena Toscano). Quando volta ao Acre, algum tempo depois, é nomeado prefeito, mas por pouco tempo. Em agosto de 1908, Plácido de Castro sofre uma emboscada e morre nos braços de seu irmão Genesco (Eriberto Leão) que posteriormente se casa com a noiva do irmão morto. Apesar da luta de sua família por justiça, seus assassinos nunca foram punidos. Diante desse cenário várias tramas paralelas se desenrolam e inicia-se a segunda fase da trama. O elenco se modifica, alguns atores permanecem na segunda fase, outros personagens são substituídos por atores na fase adulta. O cenário ainda é o seringal Santa Rita, a capital do Acre, Rio Branco e em alguns momentos é mostrada a cidade de Manaus, capital do estado do Amazonas, onde a elite se deleita nos cabarés, teatro Amazonas e acompanham as principais tendências europeias. Há uma passagem de tempo de quatro décadas, e a segunda parte da minissérie tem início na década de 1940. A fase retrata o período de decadência da borracha onde muitos seringais são transformados em pastos e também área de extração de madeira, o que é contado através de tramas ficcionais. Com a plantação organizada das seringueiras na Malásia, o Brasil perde a liderança na produção e vê o preço do látex cair no mercado. Nessa segunda fase, que vai de 1940 ao início da década de 1980, toda a riqueza decorrente do ciclo da borracha estava distribuída desigualmente, o que acentuava ainda mais a diferença entre as classes dominantes e os seringueiros.

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O coronel Firmino morre e como seu filho Tavinho (Paulo Nigro) mora na Europa, cabe a Augusto (Humberto Martins) a tarefa de cuidar dos negócios do pai. E ele se torna um patrão tão injusto quanto Firmino. Augusto está de casamento marcado com a doce Risoleta (Julia Lemertz), mas ele é amante de Anália (Letícia Spiller), mulher de Tiburtino (Ernani Moraes) funcionário de confiança do seringal Santa Rita. Leandro (Dan Stulbach), filho de Firmino com uma amante, Justine (Leona Cavalli / Zezé Polessa), não gosta do jeito que Augusto trata Risoleta, por quem é apaixonado. Além disso, como Leandro é um homem digno e honesto, discorda da maneira como seu irmão trata os seringueiros. Ao longo da trama, Leandro declara seu amor a Risoleta. No início, ela resiste, mas, aos poucos, acaba cedendo às investidas do cunhado. Com medo da perseguição de Augusto, os dois decidem fugir juntos. Quem não gosta nada da aproximação de Leandro e Risoleta é Beatriz (Irene Ravache), irmã de Julia (Malu Valle), falecida esposa de Firmino. Ela acha que o filho bastardo de Firmino pode atrapalhar o casamento de Augusto, assim como Justine o fez com o casamento de Julia. Beatriz e Justine vivem trocando farpas e não escondem a raiva que sentem uma da outra. Em meio a esses conflitos, nos anos de 1943 até 1945, muitos brasileiros foram para o Acre, em sua maioria, nordestinos. Os chamados “soldados da borracha” eram convocados para trabalhar na extração do látex para abastecer os Estados Unidos durante a guerra. Mais de cinquenta e cinco mil homens foram trabalhar nos seringais com a promessa de terem os mesmos benefícios dos pracinhas, mas o governo não cumpriu a promessa e a maioria morreu de malária ou por influência das atrocidades da floresta. Alguns ficaram presos a dívidas com os seringalistas e permaneceram por lá até a morte. Só em 1988 que eles foram reconhecidos pelo governo como soldados e passaram a receber pensão.

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2.2. Política e meio ambiente

É na terceira e última fase da minissérie, passada na década de 1980, que as questões políticas e ambientais são destacadas, com diversas imagens aéreas documentais da floresta, mostrando o avanço do desmatamento da Amazônia, as queimadas, a derrubada para o comércio ilegal de madeiras e a construção de pastos. A narrativa apresenta Chico Mendes (Cássio Gabus Mendes) ainda menino aprendendo o ofício de seringueiro e sendo alfabetizado com dezenove anos de idade. Já adulto, é a terceira figura emblemática na história do Acre. Preocupado com a exploração desenfreada da floresta amazônica e a precária situação dos seringueiros, Chico Mendes decide se organizar para lutar por mudanças. O grande amigo de Chico Mendes é Bento (Lima Duarte), personagem que acompanha toda a história do seringal. Seu amigo de infância Augusto (Humberto Martins), também esteve presente nas três fases da minissérie e ilustrou a trajetória dos coronéis da borracha, desde o auge da exportação do látex, no final do século XIX, até a decadência dos seringais, vendidos a agropecuaristas e transformados em pasto para gados. O doce e honesto Bento é casado com Carminha (Cristiana Oliveira), mas nunca esqueceu Ritinha, seu único e verdadeiro amor. Com o apoio de outros líderes seringueiros, Bento e Chico Mendes lutam contra os interesses de Tavares (Paulo Goulart), Darly Alves (Ricardo Petráglia) e Brito (Tato Gabus Mendes), poderosos fazendeiros da região. Os três decidem neutralizar as ações de Chico Mendes e, para aterrorizar os seringueiros, mandam matar um deles, Wilson Pinheiro (Leonardo Medeiros) que era o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasileia. Wilson Pinheiro (1933-1980) é um personagem real e foi morto em 21 de junho de 1980 com um tiro na nuca, pelas costas, a mando de latifundiários. O líder sindical estava reunido numa sala, com outros dirigentes do Sindicato. Além de presidente do sindicato, também presidia a Comissão Municipal do Partido dos Trabalhadores no Acre. Os seringueiros ficam arrasados com a morte do companheiro, mas Chico Mendes não desiste de sua luta. Ele conta com o apoio de dois amigos influentes: a

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antropóloga Mary Allegretti (Sílvia Buarque) e o cineasta inglês Adrian (Leopoldo Pacheco), também personagens reais da história. Mary vai para o Acre por conta de sua dissertação de mestrado sobre seringais e acaba se tornando participante ativa na luta dos seringueiros. Ao lado de Chico Mendes, realiza o Projeto Seringueiro, que inclui o levantamento de escolas nos seringais e a formação de uma cooperativa. Depois de assistir a um discurso de Chico Mendes em Brasília, Adrian decide fazer um filme sobre ele e passa a segui-lo dia e noite. O cineasta se tornou amigo íntimo de Chico e o acompanhou por mais de uma década. Através do apoio dos dois amigos, Chico Mendes consegue expor suas ideias para os membros de uma instituição financeira internacional em uma reunião nos Estados Unidos. O seringueiro vai a Washington, nos Estados Unidos e sensibiliza as autoridades estrangeiras para a causa da Amazônia. A repercussão do discurso de Chico Mendes é grande, e ele chega a ser entrevistado pelo jornal The New York Times dos Estados Unidos. O financiamento aos fazendeiros no Acre é suspenso, o que gera revolta entre eles. Tavares, Brito e Darly não veem alternativa a não ser acabar com a vida de Chico Mendes. Ameaçado, o seringueiro pede ajuda à polícia, à imprensa, mas não é ouvido; isto o obriga a andar com seguranças. Chico Mendes recebe diversos prêmios internacionais pelo serviço prestado à causa do meio ambiente e seu nome torna-se cada vez mais conhecido no mundo todo. Sua causa também era apoiada pelo padre Cláudio (Bertrand Duarte) e pelo jornalista Elson Martins (Alexandre Liuzzi), entre outros. O padre Cláudio defendia as ações de Chico Mendes em suas missas e também se tornou inimigo dos fazendeiros locais, que o obrigaram a deixar a cidade. Cláudio decide largar a batina em nome da luta pela preservação da Amazônia e ao apoio a Chico Mendes. O jornalista Elson Martins acompanhou de perto toda a saga de Chico Mendes, de 1975 até a sua morte, em dezembro de 1988. A situação se agrava quando Chico Mendes impede que Darly compre as terras dos seringueiros e o fazendeiro tem suas terras desapropriadas pelo governo. Ciente dos inimigos que conquistou devido à sua luta, Chico dá uma entrevista à imprensa e afirma que será assassinado. Em 22 de dezembro de 1988, o seringueiro é baleado em sua própria casa, em Xapury, e morre nos braços de sua mulher, Ilzamar (Vanessa Giácomo), que

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assiste, sem poder fazer nada, à omissão dos policiais responsáveis pela segurança de seu marido. Os seguranças, ao escutarem os tiros, fogem pelos fundos deixando o sindicalista ser alvejado e morto. A minissérie ilustra com imagens reais do funeral de Chico Mendes, depoimentos reais da esposa, da militância e toda a movimentação mundial da época. Destaca também o discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que pertencia ao mesmo partido de Chico Mendes e finaliza com a carta que o ambientalista escreveu entes de morrer chamando a atenção para as questões do Acre e da floresta.

2.3 Contando a história

É pelo olhar do personagem Bento, interpretado pelos atores Tiago Oliveira, Emílio Orciollo Netto e Lima Duarte, que a história aparece. O personagem Chico Bento inspirado no livro “O Seringal” (1972) é um seringueiro nordestino, à semelhança da centena de outros que impelidos pela seca e motivados pela ilusão de enriquecimento rápido, vão tentar a sorte na Amazônia, sobretudo, no Acre.

O contexto em que “O Seringal” foi escrito retrata bem a situação do país em 1972, quando se enfrentava uma censura muito forte por conta do regime militar. O Brasil viu seu Produto Interno Bruto (PIB) crescer 13% com o grande volume de investimentos estrangeiros associados à baixa inflação. Contudo, nesse período, os povos do norte e nordeste não viam nem de longe esse progresso.

Tanto o livro como a minissérie retratam fatos repulsivos e o homem como presa de instintos, como ocorre em uma cena de tensão na narrativa. O filho de um político protegido pelo coronel da borracha e motivado pelo capataz do seringal estupra uma garota de 12 anos de idade na frente da sua mãe entrevada.

A construção da trama gira em torno do seringal Santa Rita que manteve o mesmo nome na versão literária e na produção audiovisual. A vivência na floresta cujos habitantes sobrevivem não do labor da terra, mas da luta pela sobrevivência na mata selvagem, onde a arma de fogo é símbolo de justiça, proteção e

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instrumento de comunicação. É através de disparos de espingarda que se tem conhecimento de quando alguém nasce ou morre. É costume dos habitantes da floresta avisar com um tiro quando alguém morre e com dois tiros ou mais quando um bebê chega.

O personagem Bento atravessa as três fases da construção da trama. Desde menino ao ver Galvez chegar ao Acre, a sua participação na revolução acreana com Plácido de Castro até o seu envolvimento com a luta pela preservação da floresta ao lado de Chico Mendes. Três atores representam o seringueiro em cada fase da trama.

Figura 2: Personagem Bento nas três fases. Fonte: Memória Globo.

Na primeira fase entre 1889 e 1945 é mostrada a vida nos seringais no período áureo da borracha, quando apenas a região era produtora do material e despertava o interesse do mundo inteiro. De um lado, a família do seringueiro Bastião (Jackson Antunes). De outro, a do seringalista Firmino (José de Abreu).

Nessa mesma época fugindo da seca nordestina, Bastião chega ao Acre com a esperança de conseguir um futuro melhor para sua família. Ele é casado com Angelina (Magdale Alves), com quem tem dois filhos: Delzuíte (Daniela Pinto) e Bento (Thiago Oliveira). Bastião se decepciona quando chega ao seringal Santa Rita, propriedade de Firmino, e percebe que a prosperidade que esperava ter não passa de ilusão.

Assim como os demais seringueiros, Bastião e sua família estão nas mãos do coronel, que controla todos os seus gastos, monopolizando os produtos à venda no armazém e estabelecendo preços abusivos. Além disso, os seringueiros são

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obrigados a vender para o dono do seringal onde trabalham o látex que conseguiram.

Figura 3: Primeiro dia no Seringal. Fonte: Memória Globo.

Figura 4: Delzuíte e o boto. Fonte: Memória Globo.

Figura 5: Delzuíte e Tavinho. Fonte: Memória Globo.

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Há uma cena na trama que mostra a personagem Delzuíte (Giovana Antonelli), a filha do seringueiro Bastião (Jackson Antunes) tendo um relacionamento com Tavinho, o filho do coronel, que a engravida, mas é abandonada por ele. Com medo de seu pai, Deuzuíte diz a ele que engravidou do boto. O folclore brasileiro é repleto de histórias e criaturas fantásticas de toda sorte. Um desses seres é o boto, golfinho amazônico que, na mitologia da região, tem o poder de se transformar em um homem sedutor.

Figura 6: Boto cor-de-rosa. Fonte: Regiane BASSANI, 2007.

Muitas passagens destacaram a cultura brasileira por meio de cenas que mostraram Chico Mendes apanhando do caboclinho da mata, que na mitologia popular amazônica significa que um dos protetores da floresta não está contente com o desperdício que está sendo feito da caça, ou seja, na natureza só se deve tirar o que vai consumir e não se pode caçar além do que vai comer.

O canto do uirapuru é utilizado como trilha em muitas passagens, além de sinalizar quando algo bom irá acontecer. O personagem Bento (Lima Duarte) relata que toda vez que escuta o canto do pássaro é sinal de que a sua Ritinha (Brendha Haddad) já falecida irá aparecer para ele. Ele a vê em outras meninas que fazem parte da descendência familiar de seu grande amor. Nas três fases da trama a mesma atriz representa a própria Ritinha, sua a filha e sua neta.

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A minissérie destacou a cultura brasileira através do folclore, crenças e a relação próxima que os habitantes da região tinham com a natureza. Por meio dos diálogos entre os personagens o telespectador conhece histórias da floresta, os costumes dos seringueiros, o convívio com os animais, os dialetos da comunidade que vive entre índios e animais selvagens. Há passagens muito fortes onde são mostradas as doenças, a miséria e a injustiça de um povo que o Brasil parece não conhecer, não se identificar e que para alguns nem existe.

Com tomadas aéreas e enquadramentos de plongeé, mostrando o pé direito alto, destacando a grandeza da floresta e sua imensidão, a minissérie retrata as dificuldades e os perigos que os habitantes da floresta vivenciam, como a morte de um bebê, que deixado no cesto enquanto a mãe cuidava dos serviços domésticos foi comido por uma onça. Para a maioria, um inferno verde, onde cada dia a luta pela sobrevivência ficava mais difícil. Muitos personagens foram baseados no livro “O Seringal” (1972), como o capataz Raimundão, Carlinhos (filho do prefeito), Paula (a garota estuprada que na minissérie se chama Ritinha, que é o amor de Bento), Coronel Fábio (que na minissérie se chama Firmino), entre outros.

Figura 7: Padre José. Fonte: Memória Globo.

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Um dos personagens de destaque é o Padre José, interpretado pelo ator Antonio Caloni. O sacerdote é inspirado numa figura que não se sabe ao certo se é real ou faz parte da mitologia acreana. Muito humano, faz partos, distribui remédios e conselhos. Adora caçar, pescar e é conhecido pelo excesso de imaginação que o leva a contar histórias mirabolantes para deleite dos seringueiros e de quem o escuta. Tem discursos esquerdistas que propaga nas missas e já foi afastado da

Igreja por isso Em meio a uma enorme floresta onde não há acesso a médicos, remédios e muito menos hospitais há personagens como Padre José que levam acalento e um pouco de esperança as pessoas. Na região há uma forte presença de mitos, crenças e rezas que ajudam o povo da floresta a sobreviver. Dona Ninfa tem papel fundamental na comunidade. Ela sempre é chamada para rezar e fazer o seu ritual quando há alguém doente. Para construir a parteira Maria Ninfa, a atriz Regina Casé baseou-se em personagens que integraram o programa “Um Pé de Quê?” (2001) apresentado pela própria atriz. A personagem, inspirada em uma pessoal real, é uma espécie de parteira e benzedeira. Muito querida e madrinha de todas as crianças, a curandeira faz rezas que curam as pessoas e atraem energias positivas.

Figura 8: A parteira Maria Ninfa. Fonte: Memória Globo.

O antagonista da história é o coronel Firmino, o dono do seringal Santa Rita, uma das maiores fortunas da região. É um coronel da borracha, daqueles que, nas noites dos cabarés de Manaus, acende charuto com nota de cem mil réis. É casado

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com Júlia e pai de Tavinho e Augusto. Vai ter um caso com a dançarina Justine, com quem tem um filho. Divide-se entre seu seringal, no Acre, e sua casa, em Manaus.

Figura 9: Coronel Firmino. Fonte: Memória Globo.

Para auxiliar na composição de seus personagens, alguns atores visitaram o Seringal Chico Mendes, uma área de preservação em Xapury, no Acre, para se familiarizarem com o cotidiano desse universo. Thiago Oliveira, Anderson Muller, Márcio Vito, Val Perre, Paulo Nigro, Antônio Pitanga, Humberto Martins, entre outros atores, passaram três noites no local, absorvendo um pouco do linguajar e das tarefas desempenhadas pelos seringueiros.

Letícia Spiller, Giovanna Antonelli, Magdale Alves, Cacau Melo, Tânia Alves e Suyanne Moreira ficaram no alojamento, acompanhando a rotina das mulheres dos seringueiros. Elas aprenderam sobre culinária local e conheceram histórias reais de quem vivenciou a época retratada pela minissérie.

2.4 As representações na minissérie

Para entender as representações da minissérie Amazônia é preciso lembrar que o tema amazônico é muito grandioso, a floresta é um assunto global e seu território ocupa diferentes países da América do Sul. Representar o território

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amazônico é falar da floresta, da biodiversidade, dos índios, dos rios e de toda sua representação como o pulmão do mundo. É o eldorado desbravado pelo escritor Euclides da Cunha que teve a missão de chefiar a Comissão Mista Brasileiro-Peruana de Reconhecimento do Alto Purus, que percorreu mais de 3.210 Km entre os dias 05 de abril e 21 de agosto de 1905. Esta experiência resultou a Euclides sua obra póstuma “À Margem da História” (1909), onde denunciou a exploração dos seringueiros na floresta. Euclides partiu de Manaus para as nascentes do Purus, chegando adoentado em agosto de 1905. Prosseguindo os estudos de limites, escreveu o ensaio “Peru versus Bolívia”, publicado em 1907. Escreveu, também durante esta viagem, o texto Judas-Ahsverus (1907) considerado um dos textos mais filosóficos e poeticamente aprofundados de sua autoria (LEANDRO TOCANTINS, 1978). Viajar para lugares remotos não era fato inédito para o autor de “Os Sertões” (1902), que havia estado em Canudos entre abril e outubro de 1897, cobrindo a guerra para o jornal O Estado de S. Paulo. As impressões da viagem à Amazônia estão registradas em diversos artigos e em volumosa correspondência. A obra de Euclides traz a possibilidade de aprofundar a discussão da concepção do que é “natureza”, “território”, “região”, “ciência”, “conhecimento cientifico”. Trata-se de uma obra de extrema importância para compreender a realidade social, política, econômica e cultural do final do século XIX e início do século XX, para se entender a produção de “ciência” e como se dava a atuação dos “homens da ciência”. A autora e também historiadora Glória Perez se inspirou nas pesquisas e relatos feitos por Euclides. Sua obra comunicou com objetividade questões quase que esquecidas pelo público. Por meio da minissérie foi possível conhecer o território amazônico, sua beleza, seu valor ambiental mundialmente reconhecido, além de denunciar suas mazelas. A luta pela emancipação do Acre, o reconhecimento como estado brasileiro, o ciclo da borracha retratando a saga dos imigrantes do norte e nordeste do Brasil que foram ao Acre em busca de trabalho e melhores condições de vida e o crescente desmatamento da Amazônia são o cerne da disputa de memória da minissérie. Por meio de enquadramentos plongeé, mostrando a grandiosidade das árvores, da mata fechada e a insignificância do homem diante dela, a minissérie construiu discursos que possibilitaram ter a ideia de um território pouco conhecido

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pelos brasileiros. As imagens da natureza, dos rios e sua biodiversidade serviram de cenário para a construção das tramas ficcionais.

2.5 Produção

Com direção de Marcelo Travesso, Pedro Vasconcellos, Carlo Milani, Roberto Carminatti e Emilio Di Biasi e direção-geral de Marcos Schechtman, a minissérie “Amazônia - de Galvéz a Chico Mendes” (2007), escrita por Glória Perez foi exibida de 02/01/2007 à 06/04/2007 no horário das 23 horas de segunda à sexta-feira. Ao todo foram cinquenta e cinco episódios e um orçamento de quase R$ 30 milhões – em torno de R$ 500 mil por episódio. Foram mais de 150 profissionais envolvidos na produção (engenheiros, artistas, técnicos, entre outros). A realização da minissérie contou com atores brasileiros reconhecidos pelo público, mas não teve uma audiência tão expressiva quanto à minissérie “JK” (2006) de Maria Adelaide Amaral, exibida no ano anterior. Acreditamos que pelo fato de o personagem JK ser muito mais popular do que os retratados da minissérie Amazônia. A Rede Globo exportou o produto para diversos países e exibiu também pela Globo Internacional. Ganhou o Prêmio Qualidade Brasil (2007) pelo Melhor Projeto Especial de Teledramaturgia e também o Prêmio da revista Top Of Business (2007) Atriz - Leona Cavalli. Entre agosto e outubro de 2006, durante 72 dias, a equipe de produção da minissérie gravou cenas na região Norte, em locações no Acre e no Amazonas. Ao todo, 150 profissionais, entre as equipes de direção, produção, cenografia, figurino, produção de arte, caracterização, efeitos especiais, técnicos e elenco gravaram em florestas, rios, praias e centros históricos. Foram enviadas às locações cerca de vinte toneladas de equipamento e mais de dezesseis mil peças de figurino confeccionadas especialmente para a minissérie. No Acre, a locação para a construção da cidade cenográfica foi escolhida em função da paisagem: no meio da floresta, em Porto Acre. Às margens do rio Acre, a equipe da TV Globo construiu duas cidades cenográficas que reproduziam o mesmo local, porém em épocas distintas do final do século XIX. Uma delas é Puerto Alonso, após a chegada de Luiz Galvez (José Wilker), que depois passou a se chamar Porto

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Acre. As cidades foram levantadas em uma área de mais de dois mil metros quadrados em apenas um mês. Foram contratados cerca de 300 profissionais para auxiliar a equipe da TV Globo nesse trabalho. Todas as edificações foram produzidas com material da região. Em Manaus, foram gravadas as cenas que retratavam o glamour da belle époque. No início do século XX, a capital amazonense era a cidade mais desenvolvida e uma das mais prósperas do mundo, pois todo o lucro obtido com a venda do látex era investido na cidade, que se transformou também em um atraente polo cultural. São desse período o Teatro Amazonas, o Palácio da Justiça, o Palácio Rio Negro e o prédio da Alfândega, cenários que serviram locação para as gravações da minissérie.

2.6 A autora

Gloria Maria Rebelo Ferrante nasceu no dia 25 de setembro de 1948, no Rio de Janeiro. Seu pai era o advogado Miguel Jerônimo Ferrante, autor do livro “Terra Caída” (1972), obra que foi utilizada como fonte para sua terceira minissérie. Sua mãe, era a professora Maria Augusta Rebelo Ferrante. Os dois nasceram e moravam em Rio Branco, no Acre, para onde a filha retornou logo após seu nascimento e onde permaneceu até os dezesseis anos de idade. Em seguida, mudou-se com a família para Brasília, depois para São Paulo e, finalmente, para o Rio de Janeiro, onde se casou. Cursou direito e filosofia na Universidade de Brasília e formou-se em história na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A autora que iniciou sua carreira na Globo, ao escrever a sinopse para um episódio do seriado “Malu Mulher”(1979) não teve seu episódio gravado, mas, anos depois, chamou a atenção de Janete Clair, que convidou Gloria Perez para trabalhar como sua assistente na novela “Eu Prometo” (1983) – o último trabalho da autora. (GLOBO, pg. 422 – 481)

Com o afastamento da principal autora de telenovelas da Globo, que morreu no final daquele ano vítima de câncer, Gloria Perez teve que terminar de escrever sozinha a trama, sob a supervisão de Dias Gomes. No ano seguinte, dividiu com

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Aguinaldo Silva a autoria de “Partido Alto” (1984), cuja trama, ambientada no Rio de Janeiro, girava em torno de personagens femininos que moravam na Zona Sul e no subúrbio carioca do Encantado.

Contratada pela TV Manchete em 1987, escreveu a novela “Carmem” (1987), outro trabalho cuja trama era ambientada no Rio de Janeiro. Estrelada por Lucélia Santos, Paulo Betti, entre outros, Carmem teve a direção-geral de José Wilker.

De volta à Globo, Gloria Perez escreveu sua primeira minissérie, “Desejo” (1990), que contava a história de Anna de Assis e o triângulo amoroso que protagonizou com seu marido, o escritor Euclides da Cunha, e o jovem Dilermando de Assis. No elenco, estavam Vera Fischer, Tarcísio Meira e Guilherme Fontes, entre outros.

Glória já escreveu mais de doze novelas e cinco minisséries. Ganhou diversos prêmios incluindo um Gammy Internacional de melhor novela “Caminhos das Índias” (2009), prêmio APCA 1998 com a minissérie “Hilda Furacão” (1998), prêmio Qualidade Brasil 2009 com o melhor projeto especial de teledramaturgia: “Amazônia, de Galvez a Chico Mendes”, entre outros.

2.7 Mitologia acreana

A obra propiciou o resgate de muitas informações históricas, ainda mais em se tratando de assuntos relacionados ao Acre, que é pouco abordado pela mídia e pela comunidade acadêmica. O enfoque nas questões políticas, sociais e ambientais foi fator predominante para a construção dos discursos e, consequentemente, um meio de intervir na sociedade.

Um levantamento ficcional que analisou mais de 400 telenovelas, entre 1963 e 1995, percebeu que a Amazônia estava ausente de suas tramas, conforme Busato (2000). Fazendo o mesmo percurso percebeu-se que isso ocorreu também nas minisséries, entre 1982 e 2003 a Amazônia não foi utilizada como cenário em nenhuma produção audiovisual.

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A situação é complexa, pois a minissérie, tradicionalmente, é um gênero ficcional fortemente marcado como crônica das origens, com acento na historia e na saga, enquanto a telenovela caracteriza-se bem mais pelo aspecto melodramático e forte acento no cotidiano.

O tema amazônico deixou de ser uma invenção simbólica sem utilidade na gondola do comercio da cultura. Dentro dos limites da representação midiática da cultura, aos poucos, o fundo mitológico amazônico ganha espaço na mídia como aconteceu com a novela “Amazônia” (1999) da extinta Manchete, “Mad Maria” (2005) e o nosso objeto de estudo, a minissérie “Amazônia de Galvez a Chico Mendes” (2007). Por meio dessas obras, os telespectadores puderam conhecer um pouco da história e os costumes desse território longínquo.

Entendemos que a pouca exploração do tema se deve à falta de identificação do público, pois se trata de um território pouco conhecido. Pode-se dizer que na grande maioria dos casos, o cenário desses teledramas estão localizados nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. O Sul tem presença forte, assim como o Nordeste.

Ao estudar o rico temário das sinopses, o que chamou a atenção foi o caráter predominantemente metropolitano delas, com a liderança do Rio de Janeiro como cidade cenográfica principal, seguida por São Paulo. Destaque especial, no conjunto, mereceu o litoral, tanto do Sul como do Nordeste, com como as ilhas desertas e colônias de pescadores, entre outros.

O mar, ou o litoral, como chamam outros, é um forte aspecto do imaginário urbano, já destacada por Euclides da Cunha, na sua principal obra, quando dividia o país entre o litoral civilizado, capaz de estabelecer sintonia com os avanços da modernidade, e o sertão, isolado pela fé e pelo atraso. O Brasil viável e o Brasil inviável (Lobo, 2000).

Se na lógica econômica da oferta e da demanda, a Amazônia ainda não rende o suficiente, como sublinha Busato, no inicio, não nos contenta sua afirmação de que se isso acontecer, um dia, será́ porque ela terá́ chegado a tornar-se familiar para o vasto público nacional, ou então porque ela muito se terá́ desenvolvido e transformado, a ponto de ter desaparecido tal como hoje a conhecemos.

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3. A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA NA FICÇÃO SERIADA: O MELODRAMA E O DISCURSO HISTÓRICO

Nessa parte do trabalho é onde se observa como a história é “romanceada”, tratada pela mídia com os recursos que foram apontados na pesquisa. Nesse terceiro e último capítulo analisamos os processos midiáticos e como a autora Glória Perez se apropriou da história e a transformou em um produto midiático. Procuramos ainda mostrar quais os recursos audiovisuais utilizados para a construção dos discursos para envolver o telespectador, e ao final, que visão da história esse produto midiático produz. Quando o público acompanha uma obra histórica ou de época é necessário levar em conta diversos fatores sobre o que é história real e ficção. A ideia de real é algo muito discutido. Muitos autores embora tenham colaboração de historiadores e pesquisadores sérios para escreverem suas obras, não têm o compromisso com a verdade, pois se trata de um produto feito para entretenimento. Assim, observa-se a relação entre a obra midiática e o seu contexto, respectivamente a sua relação com a história. Stephen Bann em seu livro as “Invenções da História: ensaios sobre a representação do passado” (1994) trabalha sobre a visão da “meta-história” de Hayden White e sobre outras concepções sobre a escrita da história com um víeis voltado para a imaginação na História, o que ele denomina de “invenções”. Para o autor, a História só existe quando é transformada em texto, narrativa ou intenção retórica. E nisso interfere justamente a imaginação no sentido de dar ao relato histórico sua coerência. Daí a ideia de que a história é narrativa, mas é também invenção, construção. O crescente uso do termo invenção pelos historiadores fez com que o pesquisador Durval Muniz Albuquerque Jr (2007) abordasse o conceito indicando uma ruptura, que nos leva a uma cisão, a um descortinar de um novo possível paradigma, pois inventar, segundo Durval, nos remete a descontinuidades, ao heterogêneo, a singularidades e a afirmação do caráter subjetivista da produção histórica. Os acontecimentos são ou pelo menos deveriam ser tratados como indícios, pelos quais se tenta identificar o momento da invenção. Com isso, surgiriam os

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agentes dessa invenção, os interesses, conflitos e contradições inerentes ao processo de emergência dos eventos. O fato histórico é um misto de matéria e memória, de ação e representação, fruto de uma pragmática que articula a natureza, a sociedade e o discurso. (ALBUQUERQUE Jr, 2007). Assim, o discurso histórico, é uma construção no qual incidem esses vários processos, conflitos e contradições. Um processo incessante de escrita, critica, reescrita. Esquenazi (2011) nos mostra como as séries televisivas invadiram as telas e como isso influencia todas as classes sociais; o autor procura compreender o fenômeno cultural e artístico, apresentando as raízes econômicas e culturais. Sendo assim, os processos de midiatização da história no audiovisual são um fenômeno do qual iremos tratar, e através da midiatização, a visão histórica sobre o objeto em apreço. Na primeira fase da minissérie “Amazônia – de Galvez a Chico Mendes” (2007), as estratégias midiáticas procuram destacar sobretudo, o início da criação do estado do Acre como território brasileiro. As cenas aéreas da floresta, as tomadas feitas dentro da mata intocada destacando a fauna, a flora e a biodiversidade da floresta amazônica contribuiu para que o público pudesse se envolver com as imagens cinematográficas da natureza. As belas paisagens de mata fechada e os refrescantes banhos nos rios amazônicos serviram de cenário para o romance de Delzuíte (Giovana Antonelli) e Tavinho (Paulo Nigro). Além de mostrar cenas sobre o folclore brasileiro, com a personagem nadando em meio aos botos rosa e os alimentando como se fossem animais de estimação. Essas cenas mostram muito da pureza e do amor que se constrói ao longo da trama. O público torce para que a simples filha de um seringueiro fique com o filho do coronel e vá viver uma vida feliz na requintada Manaus. O sonho da personagem em sair do seringal e viver seu amor em um lugar cheio de luxo e felicidade é destruído quando Tavinho a abandona grávida. Diversas cenas de tensão entre os seringueiros e o coronel seringalista são mostradas. Já no primeiro episódio da trama destaca-se uma cena onde o funcionamento do seringal é explicado pelo guarda livros, espécie de gerente que é a maior autoridade depois do coronel. Com enquadramentos de plongé colocando o guarda livros em uma posição de superioridade perante os trabalhadores do norte e

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nordeste que se tornarão seringueiros, ele explica como são as regras do seringal Santa Rita e como passarão a viver dali em diante. Na próxima tomada há um diálogo onde o coronel aparece no topo de uma escada olhando para baixo e com sua postura austera ele dá instruções ao capataz da fazenda. Ele determina que o jagunço ateie fogo nos índios para que eles saiam de suas terras. Enquanto isso o seringueiro Bastião (Jackson Antunes) revoltado com a nova situação vai interpelar o coronel sobre o funcionamento do seringal. Irado e com o capataz armado do lado, o coronel deixa claro que ali ele é o Juiz. Nesse momento fica claro para o público a luta de classes que se inicia e que o seringalista está disposto a tudo para prosperar com a venda da borracha. São cenas como essa que dão pistas para o público de que os seringueiros irão passar por muitos momentos de aflição e terão que lutar contra as injustiças. Assim deve ficar claro para o público que os detentores do poder e dos seringais são os antagonistas da história. Por meio de personagens simples e ingênuos como Bento (Lima Duarte), Delzuíte (Giovana Antonelli), podemos perceber que a autora Glória Perez se apropriou do estilo literário de Miguel Ferrante e José Potyguara, cujas obras foram utilizadas como fonte de inspiração. A trama reproduz as tendências naturalistas, mantendo o vínculo com o real sensível quando faz a representação das misérias do homem que subjugado às leis naturais e sociais, conforma-se ao sofrimento da vida. A vida no seringal que está localizado no centro da floresta é repleta de perigos que despertam nos homens seus instintos mais primitivos. Há diversas cenas mostrando a luta pela sobrevivência, nas quais os personagens agem por meio de comportamentos patológicos, desejos e taras sexuais, mostrando seu lado animalesco. Há cenas de estupro, onde era escassa a presença de mulheres; homens que para lavar sua honra matavam seus rivais a facadas e tiros. Assim como na cena em que Bastião (Jackson Antunes) ameaça de facão Viriato (Ilya São Paulo) por acreditar que ele havia engravidado sua filha antes de se casar. Ao mesmo tempo a minissérie mostra a simplicidade e a alegria das festas no seringal. Os casamentos coletivos feitos por Padre José (Antonio Caloni) eram frequentes, já que ele demorava a passar na região. Muita música regional, principalmente o forró e a música popular brasileira que foi utilizada na trilha sonora.

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Os contrastes sociais na narrativa são evidentes ao mostrarem cenas da requintada e boêmia Manaus e a simplicidade do povo da floresta. A capital do Amazonas é palco da burguesia da época. É onde os coronéis vãos aos cabarés acender os charutos com notas de 500 mil réis. Os diamantes que na época tornaram a cidade capital da venda da pedra, a música, a dança e o figurino impecável, regados a champanhe, transportaram o telespectador para a belle époque brasileira. É nesse contexto que vive o personagem principal da primeira fase, o espanhol Luiz Galvez de Arias, que foi retratado como herói na trama. Com seu jeito galanteador, conquistou diversas mulheres e enfrentou perigos, participando de duelos com os maridos traídos. O típico Don Juan, que conquista facilmente o público com sua beleza e persuasão. Assim, observa-se a escolha de um ator carismático como José Wilker, que teve muito sucesso na minissérie anterior sendo o protagonista de “JK” (2006), para viver o personagem, além de incluir uma série de histórias de romance e aventura para apimentar a trama. Mesmo sabendo que os livros de história mostram um Galvez bem diferente do que o retratado na minissérie, entendemos que a ficção se utilizou de ferramentas que o audiovisual e a teledramaturgia proporcionam para atrair a empatia do público para um personagem histórico pouco lembrado. Na segunda fase da minissérie é mostrada a revolução acreana que ocorreu de 1899 á 1903, quando a região vivia o ápice da exploração da borracha e também sobre forte ameaça dos bolivianos. Os seringueiros que eram explorados pelo coronel na primeira fase, agora devem se tornar seus soldados. Nessa parte há um enfoque maior nas cenas da revolução acreana, ao mostrar diálogos onde há a representação do herói nacional Plácido de Castro (Alexandre Borges). Por meio dos diálogos percebe-se os ideais patrióticos do militar, que tem a missão de transformar seringueiros em bravos soldados. Plácido de Castro foi contratado pelos seringalistas para comandar a revolução acreana, que ocorreu entre 6 de agosto de 1902 e 24 de janeiro de 1903, tendo como marca principal a disputa pelo controle dos negócios pela borracha. A missão dele era treinar os soldados para libertar o Acre. A própria minissérie mostra que depois da guerra ele também se tornou dono de seringal, mas com ideais

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diferentes dos seringalistas, ou seja, ele tinha um comportamento mais humanitário com os trabalhadores de suas propriedades. A autora também se valeu de diversos personagens fictícios, mas que abordaram temas de pessoas reais, como o caso de Delzuíte (Giovana Antonelli) que representa tantas meninas que em busca de seus sonhos e de uma vida melhor na cidade grande, abandonam suas famílias para trabalhar nos cabarés, pois não queriam voltar para a vida difícil do seringal. Há também a figura de médicos, padres, curandeiras, índios que com seus conhecimentos aliviam um pouco as dores do povo da floresta. Diversas cenas das mazelas da floresta são mostradas, onde a presença de doenças como a malária, picadas de cobras e ataques de onça convivem com os precários recursos médicos. Com o objetivo de enfatizar as questões sobre como era triste e difícil a vida dos seringueiros, na cena da morte de Bastião (Jackson Antunes) na qual ele é alvejado por soldados bolivianos é que se percebe o quanto aquelas pessoas são frágeis. Ressalta-se também a encenação dramática da personagem Angelina (Magdale Alves) se vingando do assassinato do marido: ela pega a arma dele e atira no soldado, mas é contida e depois admirada pela tropa por sua bravura. A viúva chora desesperadamente segurando as mãos do marido. A câmera faz um close das mãos juntas e suas alianças. Um flashback da família de nordestinos é mostrado com toda sua trajetória na trama. O sonho de ter um pedaço de chão é ilustrado através das mãos sujas de terra da mulher forte que enterra seu marido e cava sua cova com as próprias mãos: é a representação da luta pela terra. Com um pequeno resumo das duas fases da trama, se inicia a terceira e última fase da minissérie. A época é a década de 1980, período em que questões políticas e sociais ganham destaque. Nesse momento a minissérie trata de personagens que um público mais amplo pode conhecer, pois foram homens que tiveram ações conhecidas e muitos deles ainda estão vivos e atuantes, como o ex- presidente Luís Inácio Lula da Silva, por exemplo. Muito do que foi construído através das imagens e dos discursos refletem até os dias atuais. Ao assistir a trama pode-se reconhecer a trajetória de personagens da vida real que estão no poder e tiveram influencia política.

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As imagens mostram a infância do ativista ambiental Chico Mendes (Cássio Gabus Mendes) aprendendo o ofício de seringueiro e aprendendo a ler com o militante Euclides Távora (Julio Adrião), que participou do levante comunista de 1935 em Fortaleza e na Revolução de 1952 na Bolívia. Após retornar ao Brasil, Távora fixou residência em Xapuri - Acre, onde alfabetizou Chico Mendes. Mais à frente já na fase adulta, Chico inicia sua trajetória como sindicalista e começa a ser um porta-voz dos seringueiros. Depois do assassinato do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, Wilson Pinheiro (Leonardo Medeiros), Chico torna-se a principal liderança do movimento contra o desmatamento da região. Continua então a luta entre o bem e o mal. De um lado, os seringueiros que vivem na floresta e de outro, os ruralistas que compram os seringais para desapropriar as terras e desmatar a floresta. Com isso, constroem-se pastos para a criação de gado e a extração de madeira ilegal que são muito mais lucrativos do que a venda da borracha. O povo acreano enfrenta mais uma batalha contra os ricos. Os seringueiros são expulsos de suas casas, situadas em áreas dentro dos antigos seringais, que irão se tornar pastos para a criação de gado. Muitas famílias são retiradas à força de suas casas. Há cenas chocantes de crianças chorando, casas sendo demolidas e a população indefesa indo em busca de ajuda das autoridades; mas percebe-se que a polícia é corrupta e que na cidade não há um juiz intitulado. Essas cenas naturalistas causam um efeito dramático nas pessoas. O objetivo é despertar a consciência do público sobre o problema social e também mostrar como a televisão também participa de uma nova realidade do país que agora se volta mais para as preocupações e dificuldades não da elite que sempre governou e escreveu a história do qual a Rede Globo é parte atuante e criou heróis, mas para outra camada que agora chegava também ao poder. Diversas cenas dos movimentos dos moradores e sindicalistas são repetidas. A autora fez questão de destacar em vários diálogos que a luta pela floresta era feita de forma pacífica, ou seja, os pobres são corretos, bonzinhos e pacíficos, já os ricos e poderosos são violentos. Há muitas passagens com discursos de Chico Mendes buscando comover a população e o espectador para que toda a população que participasse dos “empates” - o nome que ele deu ao ativismo contra as derrubadas. Ele pedia que

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levassem as crianças e fizessem uma corrente humana envolta das árvores para barrar as motosserras. Ainda durante o governo militar, em 1977, Chico Mendes participou da fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, sendo eleito vereador pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) local. Recebe, então, as primeiras ameaças de morte por parte dos fazendeiros. Começam nesse momento os vários assassinatos de integrantes do sindicato e trabalhadores rurais. Os ruralistas não queriam perder o incentivo financeiro recebido dos bancos internacionais para levar o que eles chamavam de desenvolvimento para a região, mas que não passavam de obras feitas sem nenhuma preocupação com o impacto ambiental. Em 1979, o sindicalista usa seu mandato para promover um foro de discussões entre lideranças sindicais, populares e religiosas na Câmara Municipal de Xapuri. Acusado de subversão, é preso e torturado. Sem apoio algum das lideranças políticas locais, não consegue registrar na Polícia a ocorrência da tortura da qual fora vítima. Há muitas cenas fortes na minissérie e uma exploração dramática dos fatos. Cenas da sua prisão de Chico são mostradas, com apelos dramáticos relacionados à tortura ocorrida no período da ditadura militar. Além disso, na fala do personagem Chico Mendes, é enfatizado que o companheiro Lula também esteve preso. Ambos foram enquadrados na lei de Segurança Nacional em 1980, por causa de um discurso inflamado sobre a morte de Wilson Pinheiro. A minissérie constrói a cena em que mostra Lula discursando num palanque em cima da carroceria de um caminhão. Em primeiro plano, uma faixa com a marca: Partido dos Trabalhadores. Além de policiais armados encarando o povo que ovacionava o militante.

Figura 10: Militantes ovacionam Lula. Fonte: fotos extraídas da minissérie.

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As imagens mostram a representação de Lula como um líder ideal, o representante dos trabalhadores que são oprimidos pela elite ruralista. Ao mesmo tempo em que as imagens mostram a expressão do povo que o ovaciona, um travelling destaca a polícia armada e mal encarada.

Figura 11: José Dirceu e José Genoino protestam contra prisão. Fonte: Gazeta do Povo.

Percebe-se que através da linguagem corporal dos atores há expressões típicas da militância petista, como o fechar de punhos ao alto, onde foi resgatado um antigo gestual da Internacional Socialista – organização mundial que luta pelas causas da esquerda. Assim como fizeram o ex-ministro José Dirceu e o ex- presidente do PT José Genoino, quando foram presos em 2012, condenados pelo mensalão (MARÉS, 2013). Observa se que em cenas como essas carregadas de discursos considerados de esquerda, que historicamente, não fazem parte da ideologia da Rede Globo, mostram outro lado da emissora. A minissérie mostra a tortura, e a ditadura militar que eles concordavam e apoiavam ativamente em outros tempos.

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Não obstante, no final da cena do discurso de Lula onde ele diz que a “onça vai beber água”, há também uma fala dele enfatizando que “não há povo mais pacífico do que os trabalhadores”. Ele repete a frase mais de uma vez e a câmera corta para as cenas comoventes do velório de Wilson Pinheiro. Entende-se que é necessário “partir da imagem, das imagens”. Não buscar nelas somente ilustração, confirmação ou o desmentido do outro saber que é o da tradição escrita: “Considerar as imagens como tais, com o risco de apelar para outros saberes para melhor compreendê-las” (FERRO, 1992). A minissérie dramatiza a morte do líder sindical. Por meio dos diálogos na cena do velório percebe-se que uma grande injustiça foi feita, mas o sangue que brota do peito do defunto é um sinal de que o assassino não ficará impune, e como diz o personagem Bento (Lima Duarte), “a castanha dele está assando”. Os companheiros de Wilson Pinheiro vão á polícia em busca de justiça, pois todos sabem quem o matou. Entretanto, a polícia não se interessa em prender o assassino. Então os seringueiros vão fazer justiça com as próprias mãos, alvejando a tiros o assassino de seu líder. É nesse momento que a minissérie mostra, através da construção dos discursos e a manipulação das imagens, que o povo não é tão pacífico assim e que Lula incitou o crime. Nesse sentido, a minissérie atinge o mesmo objetivo do cinema, analisado pelo historiador Marc Ferro.

[o cinema] destrói a imagem do duplo que cada instituição, cada indivíduo se tinha constituído diante da sociedade. A câmara revela o funcionamento real daquela, diz mais sobre cada um do que queria mostrar. Ela descobre o segredo, ela ilude os feiticeiros, tira as máscaras, mostra o inverso de uma sociedade, seus “lapsus”. É mais do que preciso para que, após a hora do desprezo venha a da desconfiança, a do temor (...). A ideia de que um gesto poderia ser uma frase, esse olhar, um longo discurso é totalmente insuportável: significaria que a imagem, as imagens (...) constituem a matéria de uma outra história que não a História, uma contra-análise da sociedade (FERRO, 1992, p.202-203).

Através de Chico Mendes percebe-se uma preocupação da trama em apontar a partir de 2007 - ano da realização da minissérie e ano da reeleição de Lula à presidente - a luta de trabalhadores pelos seus direitos, em que justamente um líder seringueiro – Chico Mendes – na ação ainda e um ex-sindicalista – Lula - em 1980, estão tentando montar um partido que representasse as aspirações dos

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trabalhadores. Falar das lutas da Amazônia foi a forma possível em 2007 de abordar também o Partido dos Trabalhadores (PT) e o então presidente da República. Está cada vez mais evidente que a Rede Globo faz um discurso conforme seu tempo. Ocorre que ela muda seu posicionamento apenas para fazer uma política de boa vizinhança com o governo que está no poder. A minissérie exibe que em outubro de 1985, Chico Mendes liderou o 1º Encontro Nacional de Seringueiros, durante o qual foi criado o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), que se tornou a principal referência da categoria. Sob sua liderança, a luta dos seringueiros pela preservação do seu modo de vida adquiriu grande repercussão nacional e internacional. Do encontro saiu a proposta de criar uma "União dos Povos da Floresta", que buscava unir os interesses de indígenas, seringueiros, castanheiros, pequenos pescadores, quebradeiras de coco e populações ribeirinhas, através da criação de reservas extrativistas. A minissérie detalha a trajetória de Chico Mendes como um grande líder que conseguiu levar as questões do meio ambiente, mas o sucesso de sua causa está diretamente relacionado a dois intelectuais que o acompanharam ao longo de anos. A antropóloga Mary Allegretti (Silvia Buarque) foi quem orientou e ajudou Chico Mendes a implantar diversos projetos sociais. Por meio de suas pesquisas conseguiu bolsas de financiamento para que eles pudessem viajar a Brasília e para os Estados Unidos. A pesquisadora conheceu o ambientalista na época em que desenvolvia seu projeto de mestrado sobre seringais.

Figura 12: Mary Allegretti e Chico Mendes. Fonte: arquivo pessoal Mary Allegretti.

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Até a escolha da atriz Silvia Buarque, que viveu Mary Allegretti, parece ter sido feita a dedo, pois ela além de ser neta do historiador Sérgio Buarque de Hollanda e filha do compositor Chico Buarque com a atriz Marieta Severo, nasceu na Itália, época em que seus pais se auto-exilaram por conta do regime militar no Brasil. Além disso, é ligada ao Movimento Humanos Direitos, uma organização não- governamental formada sobretudo por artistas brasileiros. Na cena onde ela se apresenta a Chico Mendes ela diz a ele que

A minha geração foi criada com modelo revolucionário na cabeça. Achando que a missão dos intelectuais era se infiltrar entre os oprimidos, conscientizar os oprimidos. Ledo engano. Na hora que bate a repressão, os intelectuais mal ou bem, tem uma saída, um exílio. Os oprimidos ficam e eu entendi que não poderia falar em nome de setores da sociedade que eu nem sequer conhecia. O certo era escutar o que eles tinha a dizer. (AMAZÔNIA, 2007).

Assim fica claro que ela iria ouvir Chico e utilizar de seus conhecimentos e sua influência para ajuda-lo a melhorar a vida daquelas pessoas oprimidas. Sendo assim, ela abraçou a causa e continua com suas pesquisas até hoje. Como o ofício de seringueiro era pouco conhecido internacionalmente, tanto Mary Allegretti como o cineasta inglês Adrian Cowell (Leopoldo Pacheco), orientaram Chico Mendes a mudar o foco de sua luta. Ao invés de defender os direitos dos seringueiros ele deveria lutar pela preservação da Amazônia, já que se tratava de um assunto global. A autora buscou informações diretamente com antropóloga para compor a personagem. A pesquisadora que atua na causa ambiental até hoje aceitou ser retratada na trama. Os diálogos construídos na narrativa deixam claro que sem o apoio e orientação dos intelectuais (Távora, Mary e Adrian), Chico Mendes não teria alcançado tamanho sucesso. (ALLEGRETTI, 2006). Não obstante, ele mudou seu discurso e se tornou o homem da floresta e uma referência na causa ambiental no Brasil. Chico convenceu o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) a suspender o financiamento da construção do trecho da BR-364, que ligava Porto Velho (RO) a Rio Branco. Aqui também se evidencia que a emissora quer deixar claro que por trás de Chico Mendes havia intelectuais que o ajudaram a se tornar um ativista ambiental internacionalmente conhecido. O discurso constrói uma imagem de um Chico Mendes ignorante e atribui seu sucesso ao seu alfabetizador Euclides Távora, a

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pesquisadora Mary Allegretti que o imergiu para a causa ambiental e o cineasta Adrian Cowell, que eternizou sua imagem para o mundo. A partir daí, a minissérie vai mostrando que o movimento começou a ganhar força e em 1987, Chico Mendes recebeu a visita de alguns membros da Organização das Nações Unidas (ONU) em Xapuri. O sindicalista denunciou-lhes que projetos financiados por bancos estrangeiros estavam levando à devastação da floresta e à expulsão dos seringueiros. Dois meses depois, levou estas denúncias ao Senado dos Estados Unidos e à reunião de um dos bancos financiadores do projeto, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Idealizada pelo cineasta Adrian Cowell e o antropólogo Steve Schwartzman, a ida de Chico Mendes à reunião do banco em Miami, tinha como meta fazer chegar aos banqueiros um relato local de que as regras de controle ambiental para estabelecimento da estrada não estavam sendo respeitadas. Para enfatizar ainda mais que Chico era uma pessoa pobre e simples, antes da viajem aos Estados Unidos, a minissérie mostra uma cena na qual o ambientalista conseguiu um terno vindo de doações da igreja católica. Com a barriga saliente e um pouco desajeitado, Chico embarcou com seu terno azul, conseguido através de doação. A minissérie constrói a cena em que Chico esteve em Nova Iorque e para chamar a atenção das pessoas pra ele, o cineasta Adrian que o acompanhava enquadrou o seringueiro o tempo todo. O objetivo era despertar interesse das pessoas importantes que estavam no evento. Deu certo e várias pessoas se aproximaram deles. Adrian tornou-se intérprete de seus relatos. O fato repercutiu ainda mais porque o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) escolheu o nome de Chico Mendes – indicado pelo cineasta inglês – para ser o premiado ao “Global 500” daquele ano, uma espécie de Nobel da (ONU) promovido na época. Um resumo com imagens reais de Chico trabalhando pela causa, com recortes de notícias da época são utilizadas para situar o telespectador. A trama se valeu o tempo inteiro de recursos gráficos para editar as imagens reais da época que interagiram com as da ficção. Tudo para tornar a trama mais verossímil e com tons de documentário. Em consequência da repercussão de que obras estavam sendo realizadas sem os devidos estudos sobre o impacto ambiental, os financiamentos a tais

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projetos acabaram sendo suspensos e Chico Mendes foi acusado por fazendeiros e políticos locais de prejudicar o progresso local, acusações que não convenceram a opinião pública internacional. Ao longo do ano de 1988, Chico Mendes participou da implantação das primeiras reservas extrativistas do Estado do Acre. Ameaçado e perseguido pelos membros da então recém-criada União Democrática Ruralista (UDR), percorreu o Brasil participando de seminários, palestras e congressos onde denunciava as intimidações que os seringueiros estavam sofrendo. A trama também retratou a vida pessoal do ambientalista e seu romance com a esposa Ilzamar Mendes (Vanessa Giácomo). Destacou as dificuldades e a pobreza pela qual o seringueiro passou para manter a família. Também deixou claro que a sua luta pela floresta muitas vezes se sobrepunha as questões de familiares. E uma das cenas finais da trama, a autora Glória Perez abordou um tema que está fortemente inserido na cultura amazônica, o ritual do Santo Daime. Criada pelo seringueiro Mestre Irineu no início do século XX, a doutrina defende que sua bebida sagrada, a ayahuasca, pode levar à iluminação. Um resumo completo de toda a minissérie é feito pelo olhar do personagem Bento (Lima Duarte) que percorreu toda a narrativa, desde sua chegada ainda criança quando brincava com o filho do coronel em uma embarcação cheia de nordestinos. Ao participar do ritual do Santo Daime, Bento tem visões e um filme se passa em sua cabeça. Diversas imagens de flash back de Galvez discursando à beira do rio; a revolução acreana que ajudou a ganhar ao lado de Plácido; a morte violenta do pai Bastião e o sofrimento de sua mãe Angelina, que teve de assumir a colocação como seringueira e criar os filhos sozinha. Diante disso, ele vê Ritinha, com a mesma imagem de menina, aquela que conheceu ainda menino no seringal e se apaixonou. Ele ouve o som do canto do uirapuru, a ave faz parte do folclore brasileiro. O Uirapuru é a lenda de um pássaro especial, pois dizem que ele é mágico, quem o encontra pode ter um desejo realizado. A trama tem seus momentos finais e após a desapropriação do Seringal Cachoeira, de Darly Alves da Silva (Ricardo Petraglia), o posseiro contratado pela UDR, agravaram-se as ameaças de morte a Chico Mendes. Por várias vezes, o sindicalista veio a público denunciar seus intimidadores, inclusive pediu que as

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autoridades prendessem Darly, que era um foragido da justiça, acusado de homicídio. Há uma cena onde é mostrado Chico sendo entrevistado, mas não menciona para quais veículos de comunicação. Entretanto, poucos dias antes de sua morte, Chico Mendes deu uma entrevista ao jornalista Edilson Martins.

Figura 13: Última entrevista de Chico Mendes. Fonte: Jornal do Brasil. Ele deixou claro às autoridades policiais e governamentais que estava correndo risco de morte e que precisava de proteção, mas seus alertas não foram levados a sério pelas autoridades e muito menos pela imprensa. Em 22 de dezembro de 1988, exatamente uma semana após completar 44 anos, Chico Mendes foi assassinado com tiros de escopeta no peito, na porta dos fundos de sua casa, quando saía para tomar banho. Dois seguranças que estavam fazendo sua escolta fugiram na hora dos tiros. A cena do atentado foi baseada nos relatos da própria viúva de Chico Mendes, Ilzamar Mendes (Vanessa Giácomo). A tomada mostra ele em sua casa simples, na hora do jantar, brincando com os filhos e jogando cartas com os seguranças (MACHADO, 2012). Ilzamar apressava Chico para tomar banho, pois ela iria por a mesa para o jantar. Ela não via a hora de assistir a novela “Vale Tudo” (1988) e acompanhar os desfechos para descobrir quem matou a personagem Odete Roitman (Beatriz Segall).

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Assim, Chico foi até o banheiro que ficava na parte externa de sua casa e foi alvejado por tiros de escopeta, acertando seu peito. O ativista agonizou em cima de uma poça de sangue e morreu em frente aos filhos, enquanto sua esposa gritava por socorro. Por meio de diálogos dos personagens Tavares (Paulo Goulart) e Brito (Tato Gabus Mendes) que representaram os ruralistas, ficou claro que a responsabilidade pelo aumento da violência no campo e a morte de Chico Mendes era dos membros da UDR. Os assassinos dele, Darly Alves da Silva e seu filho Darcy Alves Ferreira eram posseiros contratados pela instituição.

Figura 14: Darci e Darly, os assassinos de Chico Mendes. Fonte: divulgação.

Nas últimas cenas da minissérie são mostradas imagens reais misturadas com imagens fictícias do velório e de toda repercussão mundial sobre o fato. Na última cena o personagem Chico Mendes (Cássio Gabus Mendes) narra a carta escrita pelo ambientalista pouco antes de morrer: Não quero flores no meu enterro, porque sei que elas serão arrancadas da floresta! Quero apenas que meu assassinato sirva para acabar com a impunidade dos jagunços no Acre, que sob a proteção da polícia de 75 pra cá já mataram mais de 50 pessoas como eu, líderes seringueiros, empenhados em defender a Floresta Amazônica e fazer dela um exemplo de que é possível progredir sem destruir. Vou para Xapury ao encontro da morte (MENDES, 1988).

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A minissérie não mostra o legado deixado pelo ativista e nem como a região ficou depois do atentado. Somente finalizou com imagens aéreas da floresta construídas graficamente e com grande plano geral vai fechando a imagem no musgo verde de uma seringueira da floresta.

3.1 Construção de personagens históricos

Nas tramas de época costuma haver construções históricas que retratam a figura do herói nacional, aquele que contribuiu fortemente para o país. Quem determina quem contribui para o país é quem tem o poder de escrever e impor sua visão da história. Sendo assim, a concepção de herói nacional não é um dado objetivo, pois se trata de uma fabricação da história. Na minissérie Amazônia há três heróis nacionais, um para cada fase da trama. São três personagens da história representados como heróis que utilizam discursos inspirados no passado. Não obstante, utilizam estratégias do melodrama com o máximo de verossimilhança. Assim, a partir da construção da personagem, de uma diegese construída entre a história e a ficção e do uso da imagem como suporte de memória identifica- se formas específicas de um discurso sobre a história contada. O enredo é construído pela instância narrativa, embora a ficção melodramática tenha como principal estratégia o uso de elementos das tradições estéticas realistas e naturalista, por isso utiliza-se de vários mecanismos para atribuir verossimilhança à trama, mas também de atribuir-lhe um sentido de efeito de verdade (CHARAUDEAU, 2007, p.122). Observa-se em Amazônia que a autora Glória Perez se preocupa em apresentar encenações e reconstituições com valores de verdade, daí utilizar a historiografia como a base da construção do discurso; além do uso de técnicas narrativas, como a utilização de imagens documentais. Os filmes, minisséries, documentários, docuficções e docudramas históricos de grande bilheteria são gêneros cada vez mais importantes em nossa relação. Quando pensamos o sentido do passado, significa nos condenar a ignorar a maneira

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como um segmento enorme da população passou a entender os acontecimentos e as pessoas que constituem a história (ROSENSTONE, 2010, p. 17). Mesmo se tratando apenas de entretenimento, a minissérie adquiriu a função de mostrar um conteúdo a mais, ou seja, mostrar a história do Brasil que o Brasil não conhecia e encenar acontecimentos dos quais a população não se identifica. Sendo assim, procurou retratar os personagens através de documentos reais, como quando mostra imagens de arquivo antigas misturados aos da ficção. Outra importante ferramenta do audiovisual são as legendas e intertítulos que foram utilizadas na minissérie. A técnica que veio do cinema mudo tem o objetivo de ajudar o público a se situar quando a narrativa se passava em outros lugares e período diferentes da história. Havia sempre imagens documentais explicando o que viria mais adiante. Percebe-se que quanto mais a construção de um personagem histórico é baseada em documentos, mais consistência ele tem para o público. Os heróis retratados na minissérie trazem elementos muito parecidos com as figuras históricas, embora haja a preocupação da narrativa em destacar a estética física, ou seja, os artistas que interpretam os heróis em geral são mais atraentes do que os reais. Também se verifica que todos eles possuem um envolvimento amoroso com mulheres bonitas (ROSENSTONE, 2010). Há os antagonistas, o relacionamento difícil, situações de perigo e a constante reiteração do casal. Esses são os chamados processos midiáticos da dramaturgia, nos quais o fator histórico não predomina. A trama histórica em geral é construída em meio ao melodrama – o gênero por excelência utilizado nas novelas e ficções seriadas. O núcleo da ação pode se passar em diferentes tempos históricos, mas a trama, em geral, é conduzida a partir de encontros e dos vários desencontros e dificuldades que a trama histórica ou não impõem aos pares amorosos mediados por vilões, por grandes acontecimentos e por um sentido de luta do bem contra o mal (FADUL, 2000). Essas são algumas das ferramentas que a teledramaturgia utiliza para envolver o telespectador. A beleza dos atores, os romances, os embates, entre outros fazem parte destas estratégias de envolvimento. Mas o que se destaca mais no objeto de estudo são as disputas pela terra. O que a trama quer mostrar a todo tempo são as lutas entre os oprimidos e opressores em busca de um país mais igualitário.

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Assim, a narrativa busca impregnar nos diálogos que construirão os discursos, uma mistura de melodrama e questões ideológicas que estão intrinsicamente reverberando a cada cena.

3.2 O momento histórico e a exibição da minissérie

Para que uma obra seja produzida e levada ao ar há uma série de processos que antecedem sua produção. A Rede Globo mantém uma equipe de estrategistas que buscam transformar dados diversos sobre a audiência em bons resultados, além da Casa de Criação Janete Claire, criada em 1984, ela possui uma equipe de conselheiros composta por autores como Silvio de Abreu, Gilberto Braga, entre outros para decidir em qual obra investir (SOUZA, 2004, p. 153). Observa-se que o momento histórico em que o país vive também influencia na produção das obras. O tipo de governo, problemas políticos, questões sociais, ambientais que estão em evidencia no momento podem contribuir para a criação de um produto audiovisual. Considerando que o formato minissérie é um produto diferenciado da emissora, que pode levar mais tempo para ser produzida e ainda recebe mais investimento para a sua produção, é um produto que se torna interessante do ponto de vista discursivo9. O produto nobre, além de ser exibido para milhões de brasileiros, será vendido para o mundo e servirá como vitrine de uma identidade criada para o Brasil. A minissérie Amazônia abriu espaços para muitas discussões pouco abordadas na TV. O tema amazônico por si só já era pouco explorado pela mídia e pelos livros. Destacar a cultura de uma parte do Brasil que pouco se conhece e se identifica foi um grande risco para a emissora, que já havia inaugurado o tema com a minissérie “Mad Maria” (2005), dois anos antes. A obra baseada no livro Márcio Souza derrubou a audiência da emissora. Iniciou com média de trinta e um pontos e depois caiu para vinte e três pontos (LIMA, 2005).

9 Entrevista de Glória Perez no Encontro do Obitel 2015

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Diferentemente da minissérie antecessora “JK” (2006) de Maria Adelaide Amaral, que teve média de trinta e um pontos de audiência, Amazônia, embora tenha tido um alto investimento e divulgação nas chamadas, não obteve tantos pontos na audiência. A minissérie estreou bem com trinta e quatro pontos, manteve a média de vinte e quatro pontos, mas acabou caindo para quinze pontos, pontuação considerada baixa para os padrões da emissora. Muitos fatores estão relacionados com a falta de interesse do público: o tema sobre o Acre, a falta de identificação com os personagens históricos – considerando que Juscelino Kubitschek foi um presidente muito popular e carismático, diferente de Chico Mendes, Plácido de Castro e Galvez, que boa parte da população desconhecia. Os assuntos abordados na TV repercutem de forma tão forte sobre determinado assunto que podem contribuir com a criação de leis, a popularização de assuntos desconhecidos do público e aquecer debates sobre questões sociais, isso também vale para o horário em que são exibidas e o tipo de público. Todavia, exige cada vez mais a responsabilidade social dos meios de comunicação no horário e com a audiência das minisséries também. A autora Glória Perez falou no encontro de 2015 do Observatório Ibero- Americano da Ficção Televisiva (OBITEL) sobre a intenção de escrever suas primeiras novelas e como ela peregrinou pelas ruas de um subúrbio carioca antes de redigir “Partido Alto” (1984), com Aguinaldo Silva. A autora defendeu que o fato de falar com moradores locais e perguntar sobre deficiências da região, não assumiu um caráter apenas informativo em sua trama. “O informativo não envolve o público e não te leva a se colocar no lugar da pessoa. É preciso criar empatia”. Foi a partir desse trabalho inicial que Gloria Perez se condicionou a querer jogar assuntos na mesa do país para a discussão. Entretanto, ciente de que apenas colocar questões em voga não solucionaria problemas sociais complexos, a autora acredita que é preciso um esforço maior de autoridades para provocar legítimas mudanças. A autora defende a importância de se registrar dramas humanos, representados em todas as classes. No ano de 2007, época em que a minissérie Amazônia foi exibida havia grande repercussão sobre a preservação do meio ambiente e projetos de políticas públicas para a prevenção e o controle do desmatamento da Amazônia Legal. A Amazônia sempre foi um assunto global devido a sua importância para o meio

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ambiente e desde o projeto Agenda 2110 promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992 no Rio de Janeiro, as questões ambientais ganharam destaque no cenário brasileiro e mundial. Em 2007 haviam projetos governamentais encabeçados pela então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva e o presidente Lula; ambos foram parceiros da vida política do sindicalista Chico Mendes. Nesse período foi aprovada a Lei de Reserva extrativista Chico Mendes que garante legalmente a preservação de recursos naturais e ao mesmo tempo, a manutenção da atividade econômica. Há também o fato de que no mesmo período da minissérie, um ano depois de sua exibição em 2008, completava-se vinte anos da morte de Chico Mendes, um dos protagonistas da trama. Isso certamente deve ter sido um dos fatores que desencadearam a escolha da temática. Quando a minissérie estava em período de gravações, no ano de 2006 houve também a prisão do assassino foragido, o fazendeiro Darly Alves da Silva. Em 1990 ele e seu filho Darci Alves Pereira foram condenados a dezenove anos de prisão pelo assassinato de Chico Mendes ocorrido em 22 de dezembro de 1988, mas ficaram anos foragidos. Ainda no mesmo ano, no mês de dezembro, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça aprovou, em Rio Branco, capital do Acre, a condição de anistiado político pós-morte a Chico Mendes. A viúva Ilzamar Mendes protocolou o pedido de anistia três anos antes e, a partir daquele momento, a família do seringueiro obteve o direito de receber indenização pelo fato de ele ter sido perseguido pela ditadura militar. Em vista disso, incide o alerta de Douglas Kellner para a importância de aprender a interpretar a cultura da mídia politicamente, a fim de decodificar suas mensagens e os efeitos ideológicos ganham sentido. “Os produtos da cultura da mídia, portanto, não são entretenimento inocente, mas têm cunho perfeitamente ideológico e vinculam-se a retórica, as lutas, a programas e a ações políticas” (KELLNER, 2001, p. 123). Outro fato que chama a atenção é que no ano de 2006 a Rede Globo construiu uma cidade cenográfica no Acre para as gravações da minissérie. A autora

10 A Agenda 21 é um documento assinado em 14 de junho de 1992, no Rio de Janeiro, por 179 países, resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio 92, podendo ser definida como um instrumento de planejamento participativo visando o desenvolvimento sustentável.

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Glória Perez se reuniu com o governador do Acre Jorge Viana (PT), a ministra do meio ambiente Marina Silva e o presidente Lula. Em entrevista ao site da Folha de S. Paulo, a novelista informou que os políticos contribuíram para a produção da minissérie Amazônia, mas não deixou claro de que forma (MATTOS, 2007). Um levantamento feito pela revista Carta Capital 11mostra que a Rede Globo foi a emissora de TV que mais recebeu verbas do governo Lula e Dilma. Cerca de R$ 6,2 bilhões destinados a publicidade. Além disso, a emissora devia bilhões em impostos, de acordo com a Receita Federal. A cultura da mídia, segundo Kellner (2011) é industrial e comercial (capitalista), segmentada, almeja audiência e é high-tech ao explorar a tecnologia avançada. Procura, ainda, inovar a cada momento, ao mesmo tempo em que busca preservar tradições. Se no âmbito histórico do advento da indústria cultural, a cultura de massa vinculou o receptor à condição de consumidor, na cultura da mídia o receptor é encarado também como produtor de sentidos. O público consome esse produto midiático não apenas como um simples entretenimento que o fez conhecer um pouco da história do país. Ele vai processar o que viu e formar seu repertório político e social, mesmo que inconscientemente. Acredita-se que essas obras de ficção têm papel fundamental na vida das pessoas e estão conectadas com o momento atual. Todos esses fatores parecem indicar interesses, oportunidades, uma entrada para o tema e o enaltecimento do então presidente da república de uma forma sutil, indireta, ao mesmo tempo em que constrói um discurso simpático aos trabalhadores que vai no sentido oposto à própria história que a emissora havia construído quando apoiara o Golpe Militar e teve o seu crescimento azeitado também pelas verbas governamentais. Ao longo da minissérie e, sobretudo, no último segmento dedicado a Chico Mendes, personagem da grande atualidade e levando-se em conta o partido então no poder e as políticas que ele levava a efeito, há uma atenção à políticas de esquerda, ou seja, políticas que levam em conta preocupações com a justiça social e políticas de reparação para os mais frágeis ao invés da concorrência e da meritocracia.

11 Fonte: site Carta Capital. Disponível em: . Acesso em: 05 de set. 2016.

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Uma política mais voltada à concessão de direitos sociais aos mais pobres no sentido de diminuir as desigualdades históricas do país e que a minissérie mostrou desde 1989 quando mostrou a situação de exploração dos seringueiros pelos riquíssimos coronéis que queimavam seu dinheiro. O público pode acompanhar as mazelas do povo da floresta, as diferenças sociais, as lutas de uma classe esquecida e o surgimento de líderes como Chico Mendes que é contemporâneo do ex-presidente Lula, da ex-ministra do meio ambiente Marina Silva, do atual senador Jorge Viana, entre outros. Ambos com os mesmos ideais políticos e fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT). A narrativa destaca a trajetória de Chico Mendes mais pelo lado ambiental do que pela sua trajetória como político. A trama o mostra fazendo campanha eleitoral, mas omite que em 1986 ele tenha concorrido ao cargo de deputado estadual pelo PT e que seus companheiros de chapa eram Marina Silva (deputada federal), José Marques de Sousa, o Matias (senador) e Hélio Pimenta (governador). Nenhum deles foi eleito e nem tiveram participação na narrativa.

Figura 15: Marina Silva e Chico Mendes fazem campanha juntos. Fonte: divulgação.

A igreja também assume um papel importante na trama. É ela quem financia a viagem dos seringueiros para o Encontro Nacional em Brasília e as publicações do jornal Viradouro para divulgar as questões dos trabalhadores. Os padres deixam claro seu apoio a causa nos sermões das missas. Os religiosos da vida real Dom Moacir Grek e padre Cláudio são retratados na trama.

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Com o apoio de outros líderes seringueiros, Chico Mendes luta contra os interesses de Tavares (Paulo Goulart), Darly Alves (Ricardo Petráglia) e Brito (Tato Gabus Mendes), poderosos fazendeiros da região. Os dois fazendeiros, que confabulam contra o ativista e sua causa são personagens fictícios, mas há na vida real políticos com características bem semelhantes. Como o senador Ronaldo Caiado (DEM), que se destacou pela defesa do processo de impeachment da ex-presidente Dilma (PT), ocorrido em 31 de agosto. Ele é um dos fundadores (UDR), criada na década de 1980 e que foi responsável por grande número de assassinatos no campo. (CAMARGO, 2014). Nesta época, Caiado era presidente nacional da UDR, apenas entre 1985 e 1989, período de maior atividade da entidade, ocorreram 640 mortes, devido ao incentivo que ela dava a criação de milícias contra camponeses e sem-terra (CASTILHO, 2012, p. 125). A minissérie não retratou a figura de Caiado, mas deixou claro por meio da construção de seus discursos que é simpatizante das causas ambientais e contra o regime militar. Não obstante, sabe-se que a Rede Globo nunca foi uma empresa com ideologias esquerdistas, mas sempre deu seu apoio aos poderosos, ou seja, ao governo que estivesse com a máquina na mão. Naquele momento em que a minissérie foi exibida a Rede Globo mostrou a luta dos trabalhadores e a trajetória dos companheiros de partido do atual presidente e candidato à reeleição. Além disso, nessa época se desenvolviam investigações sobre o regime militar no Brasil. A Comissão de Anistia implicava negativamente a participação da emissora no período ditatorial, mais um motivo para a empresa desviar o foco de seu passado obscuro. Não podemos atribuir somente à autora a responsabilidade das representações históricas na minissérie, pois a trama também foi construída pelo diretor Marcos Shechtman, que em 1991 também dirigiu a novela “Amazônia” (1991) de Denise Bandeira e Jorge Duran, exibida pela extinta Rede Manchete. A emissora investiu nesta história com o objetivo de repetir o sucesso de “Pantanal”. Duas cidades cenográficas de Manaus foram feitas, uma reproduzia o século XIX e a outra, o século XXI. Os custos para gravar a novela na “Amazônia” (1991) foram milionários (FRANCFORT, 2008, p.2). A novela não trouxe retorno financeiro e a emissora já estava em crise devido ao plano Collor e dívidas acumuladas. A baixa audiência

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agravou a crise e a obra firmou-se como um dos maiores fracassos da dramaturgia da Rede Manchete e contribuiu consideravelmente para a sua extinção. Sendo assim, Shechtman já tinha experiência em direção com o tema amazônico. Por meio da Globo Universidade tentamos um contato com o diretor para conceder uma entrevista para esta pesquisa, mas ele não se interessou em responder os e-mails e nem a solicitação da equipe da Globo Universidade, assim como a autora Glória Perez também não se disponibilizou. Diante do exposto, fica cada vez mais evidente que a Globo faz um discurso conforme os interesses do tempo. Ao analisar as representações históricas como um todo - e isso contém ao mesmo tempo a volta ao passado mediando as realidades do presente - fica claro a ideologia política construída na trama.

3.3 O legado de Chico Mendes

O objeto de estudo foi produzido em 2006 e exibido em 2007, mas seus personagens estão diretamente ligados a outros que continuam sendo protagonistas do contexto político de 2016, ano desta pesquisa. Ou seja, os discursos construídos na trama continuam reverberando, mesmo que guardados somente na memória de quem assistiu. É indiscutível que o legado deixado por Chico Mendes e pelo PT trouxe muitos avanços ao Acre. Foi com a ajuda do ativista que diversas políticas de preservação do meio ambiente em todo país foram criadas. O nome dele é lembrado em cada canto do Acre. São diversas escolas, ruas e instituições que carregam seu nome. Muitos políticos se utilizam da marca “Chico Mendes” como se fossem herdeiros do ativista, como é o caso de Lula, Marina Silva, Binho Marques e os irmãos Tião e Jorge Viana, que governam o Acre desde o ano de 1998 até hoje. A família de Chico Mendes também se beneficiou com seu legado. A viúva do sindicalista, Ilzamar Mendes, e a filha, Elenira Mendes, criaram o Instituto Chico Mendes. Fundado em 2004, o Instituto tem por objetivo desenvolver ações que contribuam com a conservação e a proteção ambiental, bem como a promoção

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humana e inclusão social, por intermédio de geração de renda, difusão de técnicas e conhecimentos, eventos, pesquisas e projetos de ação. Em 2014 a viúva, a filha de Chico Mendes e seu marido foram condenados por improbidade. Eles são acusados de desvio de recursos de convênios com o governo do Estado do Acre, aplicando-os em desconformidade com a sua destinação, segundo a sentença judicial. A ação revela que pelo menos R$ 685 mil teriam sido aplicados em outra finalidade não prevista nos convênios entre 2007 e 2009. Em 2013, o canal por assinatura Viva, da rede Globo, foi obrigado a interromper a reprise da minissérie Amazônia porque as famílias dos seringueiros citados na trama processaram a emissora por uso indevido das imagens. A minissérie já havia sido anunciada pelo canal Viva, mas o departamento jurídico da Globo só informou sobre o processo e o cancelamento da exibição posteriormente. A Rede Globo foi condenada pela justiça do Acre a indenizar, por danos materiais, a família de Chico Mendes. Os herdeiros do seringueiro serão indenizados em 1% dos lucros que a emissora teve com a minissérie Amazônia. A empresa foi condenada por usar, sem autorização, a imagem do ativista na minissérie. Pelo mesmo motivo, a empresa de comunicação já havia sido punida a indenizar à família do sindicalista Wilson Pinheiro, também pelo uso indevido de imagem na mesma minissérie (SOARES, 2012). A Rede Globo enalteceu Chico Mendes e quem mais o cercava, inclusive o PT. Hoje a visão de tudo isso se inverteu. Atualmente pode-se perceber que o discurso já é outro. Hoje mal se fala em Chico Mendes e o PT. Isso nos remete à discussão sobre a sociedade do espetáculo. O termo foi criado pelo francês Guy Debord, em 1967, e publicado no livro “Sociedade do Espetáculo” (1967). Trata-se de uma crítica severa à sociedade que privilegia a imagem e a representação ao realismo, a ilusão à realidade. O autor critica, sobretudo, as imagens que levam o homem a ser vítima de uma situação, aceitando passivamente os valores estabelecidos pelo capitalismo. A mídia e a TV, principalmente, são alvo das críticas do autor porque misturam realidade e ficção produzindo um “um entendimento parcial, fragmentado, e nunca pleno do mundo dos acontecimentos”. (DEBORD, 1991, p. 31) Isso nos remete também ao conceito de Kellner quando nos alerta sobre a cultura do espetáculo:

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A vida político-social também é cada vez mais moldada pelo espetáculo. Os conflitos sociais e políticos estão cada vez mais presentes nas telas da cultura da mídia, que apresentam os espetáculos de casos sensacionalistas de assassinatos, bombardeios terroristas, escândalos sexuais envolvendo celebridades e políticos, bem como a crescente violência da atualidade. A cultura da mídia não aborda apenas os grandes momentos da vida comum, mas proporciona também material ainda mais farto para as fantasias e sonhos, modelando o pensamento, o comportamento e as identidades. (KELLNER, 2007, p. 5).

Acreditamos que a história mais uma vez se repete como ocorreu em 1992, no caso do impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Melo. A emissora favoreceu o então candidato à Presidência da República, com uma edição manipuladora do último debate eleitoral (EKMAN, 2013). Além disso, esse mesmo ex-presidente deposto pela pressão popular e pela mídia, hoje controla a retransmissora da Globo em Alagoas. Kellner avalia que a política do espetáculo nem sempre é triunfante, que algumas vezes não consegue manipular o público, visto que há passividade, mas também há criticidade; há a tentativa de homogeneização, mas há também contextualizações divergentes; há uma certa visão monolítica ao mesmo tempo em que os múltiplos olhares também são acionados. Considera-se que é neste ponto que devemos nos basear, fornecendo às pessoas instrumentos que os possibilitem analisar e conseguir enxergar nas entrelinhas o que a mídia apresenta, para poder absorver o que há de melhor e amenizar o impacto de sua influência em suas ações.

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CONCLUSÃO

O presente estudo procura demonstrar como é possível conhecer história e representações do passado através dos produtos midiáticos como nas minisséries históricas da Rede Globo, consideradas um produto cultural nobre da emissora. Além de também fazer uma crítica à midiatização. Observa-se na pesquisa a representação do passado e sua relação entre a construção da narrativa histórica e sua representação, fazendo um estudo de caso da minissérie Amazônia. A trama narra a epopeia de 100 anos da história do Acre por meio de três personagens reais, entre eles Luiz Galvez, Plácido de Castro e Chico Mendes. Procurou-se nesta pesquisa observar a representação de fatos históricos nessa minissérie para resgatar personagens esquecidos da história e por conta do tema amazônico que aparece muito pouco nas tramas audiovisuais. O objetivo é sair do eixo “Rio-SP” e cenários de metrópoles carregados de diálogos do cotidiano. Considera-se que a minissérie resgata a cultura amazônica; seu folclore; sua emancipação como último território a ser anexado ao Brasil; o ciclo da borracha; os embates entre os seringueiros e seringalistas e as disputas pela terra. O público teve a oportunidade de conhecer a história sobre o Acre por um olhar heroico e vencedor. A imagem da importância da Amazônia foi destacada e a tornou ainda mais globalizada, destacando-se a representação da região como o pulmão do mundo. A minissérie reforçou as questões ambientais e demonstrou que os brasileiros estão preocupados com sua floresta e possui líderes que até hoje lutam pela causa. Ainda assim, a narrativa contribui ao levantar questões sociais e politicas importantes, pois destacou conflitos que envolvem o meio ambiente, as lutas sindicais, onde tiveram protagonismo figuras políticas que chegaram ao poder no momento da produção da trama e ali seguiram. As minisséries históricas são produções que partem de um acontecimento real para a construção ficcional de suas narrativas. Por meio de fragmentos encontrados em documentos e registros históricos, as obras propõe a midiatização

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de fatos e personagens da história. Mas essa transposição se dá com a perda de elementos, pois se trata de um produto de ficção e feito para entretenimento. Para contar a história nacional, a produção precisa dar nuances e movimentos aos fatos narrados. O contexto político, cultural e social de uma determinada época é destacado no processo de seleção dos acontecimentos, no entanto, não podemos esquecer que alguns aspectos ganham destaque e relevância com a leitura contemporânea. Pela observação dos aspectos analisados percebe-se que a minissérie utiliza ferramentas da teledramaturgia para envolver o telespectador através dos romances, embates e disputas pela terra. Percebe-se que quanto mais o personagem é documentado, mais ele se aproxima da verossimilhança. O recurso melodrama, caro às produções seriadas, altera a compreensão de um fato ou personagem histórico. Os personagens históricos da minissérie foram retratados como heróis trazendo elementos próximos aos da vida real, porém a narrativa se preocupa mais em destacar a estética física, os romances e não mostra em momento algum que os heróis eram também oportunistas, que tinham vícios e diversos defeitos, ou seja, o fator histórico não predomina. Ainda assim, a produção construiu cenas dramáticas de estupros, violência, assassinato, abandono, entre outros. Com isso, proporciona mais ação à trama explorando o espetáculo com o intuito de elevar a audiência. A narrativa enalteceu os pobres, sindicalistas, seringueiros e índios enquanto esmagou os ricos, coronéis, seringalistas, ruralistas e políticos. A minissérie construiu um discurso maniqueísta a partir da visão dos oprimidos, no qual o bem sempre vence e quem é pobre não necessariamente pode ser ruim ou vice-versa. Por todos esses aspectos, identifica-se que a Rede Globo se apropriou da história do Acre e de seus personagens para construir discursos que indicam interesses por parte da emissora, principalmente quando aborda a trajetória de Chico Mendes, que foi companheiro de lutas políticas daqueles que conseguiram chegar ao poder e permanecem até hoje. Destaca-se no estudo que a temática da narrativa está conectada com o momento de exibição da trama – o ano de 2007. Tratava-se de período eleitoral no qual o então presidente Lula era candidato à reeleição. Sendo assim, a construção dos discursos enaltece a luta dos trabalhadores, a bandeira do partido e, sobretudo, destaca a trajetória de Chico Mendes que foi um companheiro de lutas do político.

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Em um mundo onde, sob a influência de uma cultura imagética e multimídia, os espetáculos sedutores fascinam os ingênuos e a sociedade de consumo, envolvendo-os na semiótica de um mundo novo de entretenimento, informação e consumo, que influencia profundamente o pensamento e a ação, é necessário investigar os discursos e processos da mídia (KELLNER, 2007). Por todos esses aspectos, é possível afirmar que o público consome esse produto midiático não apenas como um simples entretenimento que o fez conhecer um pouco da história do país. Ele processa o que viu e forma seu repertório político, cultural e social. Tendo em vista os aspectos apontados, tudo nos leva a crer que as obras de ficção têm papel fundamental na vida das pessoas e estão conectadas com o momento atual. É preciso estudar, discutir e saber interpretar a mídia, a fim de criar a consciência de que a TV é uma instância que se apropria também dos fatos e escreve a sua versão. Cabe a todos observar o resultado, apontando como ela, a TV, faz o uso desses processos. Este estudo sobre as representações históricas nos produtos midiáticos tenta contribuir para esclarecer esses desenvolvimentos e para desenvolver uma teoria crítica sobre o momento atual do país. Percebe-se que diversos personagens da narrativa se beneficiaram com os discursos construídos na minissérie. A trama enalteceu certos personagens que podem ter ganhado com isso a simpatia do público, uma familiaridade e maior proximidade que vem de aspectos biográficos os quais minissérie mostrou até mesmo pelo viés da ficção. Ressalta-se que a Rede Globo, ao contar a história do país por meio de suas obras históricas, assume um compromisso com o desenvolvimento cultural e responsabilidade social do país. Não se pode acreditar que a TV seja uma historiadora, ainda que ela construa efetivamente visões de história, entretanto, ela constrói a história conforme sua visão, sendo assim a história transformada em ficção é sempre passível de investigação. Diante do exposto, é necessário que se façam outros estudos sobre as representações históricas produzidas pela mídia para identificar suas questões ideológicas e o impacto que elas podem trazer para a formação das pessoas. Não obstante, é a construção de uma identidade nacional e também a imagem que o mundo tem do Brasil que estão em jogo.

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