COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR MERIDIONAL S.A – IMED CURSO DE DIREITO

TASSIA NUNES PAIZ

QUEM REGISTRA É DONO? A VALIDADE JURÍDICA DO TÍTULO DE PROPRIEDADE EM ÁREAS DE COLONIZAÇÃO DECLARADAS COMO TERRA DE OCUPAÇÃO TRADICIONAL INDÍGENA

Passo Fundo 2017 1

TASSIA NUNES PAIZ

QUEM REGISTRA É DONO? A VALIDADE JURÍDICA DO TÍTULO DE PROPRIEDADE EM ÁREAS DE COLONIZAÇÃO DECLARADAS COMO TERRA DE OCUPAÇÃO TRADICIONAL INDÍGENA

Monografia apresentada ao Curso de Direito do Complexo de Ensino Superior Meridional - IMED, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Henrique Aniceto Kujawa

Passo Fundo 2017

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TASSIA NUNES PAIZ

QUEM REGISTRA É DONO? A VALIDADE JURÍDICA DO TÍTULO DE PROPRIEDADE EM ÁREAS DE COLONIZAÇÃO DECLARADAS COMO TERRA DE OCUPAÇÃO TRADICIONAL INDÍGENA

Monografia apresentada ao curso de Direito, da Faculdade Meridional – IMED, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor Prof. Dr. Henrique Aniceto Kujawa.

Aprovado em 04 de dezembro de 2017.

BANCA EXAMINADORA:

______Prof. Dr. Henrique Kujawa - Orientador

______Profa. Dra. Daniela Gomes

______Prof. Guilherme Pavan Machado

Passo Fundo 2017

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Ao meu pai Mauro, minha mãe Sandra e meu irmão Lucas, pelo carinho e apoio incondicionais.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus pelo dom da vida, pela fé e pela coragem que me concede, me fazendo lutar e perseverar a cada dia. Ao meu pai, minha mãe e meu irmão, pois sem vocês eu nada seria. Muito obrigada pelo amor e dedicação e por tudo o que vocês representam em minha vida. Ao Professor Dr. Henrique Aniceto Kujawa um agradecimento mais do que especial por tudo o que fez por mim ao longo dessa jornada, sendo mais do que um orientador, mas sim um mentor e amigo, indicando caminhos e fazendo com que eu me desafiasse a cada nova situação. Agradeço imensamente as ideias e conhecimentos compartilhados. Não poderia deixar de agradecer o Sr. Moacir Paulo Broch, oficial do Cartório de Registro de Imóveis de Sananduva, pela presteza e compreensão durante o desenvolvimento deste estudo. Igualmente, um agradecimento especial ao Sr. Sidimar Lavandoski pela disponibilidade em compartilhar seu conhecimento e pelas informações prestadas acerca do tema desta pesquisa. Agradeço também à Sra. Cássia Smaniotto Dal Molin, oficial do Cartório de Registro de Imóveis de , pela simpatia e empenho em me auxiliar na coleta de informações e documentos para o estudo. Aos professores do Curso de Direito da IMED, por todo o conhecimento e experiências compartilhadas que me auxiliaram ao longo de meu processo de formação acadêmica. Aos amigos e colegas, pela cumplicidade, companheirismo e amizade, agradeço por vocês fazerem parte da minha vida, enriquecendo meu dia-a-dia e me fazendo .

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“O sonho começa, a maior parte das vezes, com um professor que acredita em você, que o puxa, empurra para o próximo estágio, às vezes até o aguilhoando com um bastão profundo chamado verdade.”

Sergio Pinto Martins

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RESUMO

Este estudo busca fazer uma análise acerca da validade do ato jurídico da concessão de terras aos agricultores no município de Sananduva, Estado do , frente à alegação de ocupação tradicional indígena kaingang e a criação da TI Passo Grande do Forquilha. Com base no método de abordagem dialético, a partir de pesquisa bibliográfica e documental, faz- se uma incursão teórica, história e jurídica acerca das características do processo de demarcatório de terras indígenas no Estado, analisando os aspectos da colonização pelos imigrantes e os atos envolvendo a concessão e escrituração de terras. A base legal a ser discutida ao longo do estudo está estabelecida no art. 231, § 1º da Constituição Federal, que trata da ocupação tradicional como princípio do direito indígena, bem como o direito à propriedade disposto no artigo 5º, XXII da Constituição e artigo 1.128 do Código Civil. Além disso, faz-se uma avaliação acerca da Lei de Terras – Lei nº 801, de 18 de outubro de 1850 e leis e decretos estaduais (Lei nº 28, de 5 de outubro de 1899, Decreto nº 313, de 4 de julho de 1900 e Decreto nº 3004, de 10 de agosto de 1922). A falta de critérios para estabelecer a questão da ocupação tradicional, em regiões de colonização, de que trata a Constituição é o principal elemento conflitante e que tem ampliando interpretações diferenciadas na doutrina e jurisprudência. Assim, no caso dos agricultores de Sananduva, a partir das discussões levantadas, aponta-se para a validação do ato jurídico referentes aos títulos de propriedade, sendo os mesmos legítimos atos de domínio e posse, não sendo possível sua nulidade.

Palavras-chave: Direito de Propriedade. Direitos Originários dos Índios. Colonização. Ato Jurídico. Título da Terra.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias AGU – Advocacia Geral da União Art. – Artigo CF – Constituição Federal CGU – Controladoria Geral da União FUNAI – Fundação Nacional do Índio GAB – Gabinete Nº – Número PET – Petição PRES – Presidência RS – Rio Grande Sul SPI – Serviço de Proteção ao Índio SPILTN – Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais STF – Supremo Tribunal Federal TI – Terra Indígena

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LISTA DE FIGURAS E QUADROS

Figura 1 – A) Testamento que comprova a compra dos lotes; B) Autos de medição que resultou na divisão dos lotes...... 28 Figura 2 – Localização da área de Passo Grande do Forquilha nos municípios de Sananduva e Cacique Doble ...... 34 Figura 3 – Mapas das seções de colonização pública – TI Passo Grande do Forquilha ...... 35 Figura 4 – Secção Tingó / colonização pública – TI Passo Grande do Forquilha ...... 49 Figura 5 – Mapa Colônia Forquilha – Passo Grande do Forquilha...... 50 Quadro 1 – Síntese dos principais argumentos de índios e agricultores ...... 38 Quadro 2 – Cadeia dominial pública ...... 48 Quadro 3 – Cadeia dominial privada ...... 51

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 10 1 SOBRE O DIREITO INDÍGENA ...... 13 1.1 Evolução da matéria no direito brasileiro ...... 13 1.2 O Marco Constitucional de 1988 e as interpretações acerca da ocupação tradicional ...... 17 2 A POLÍTICA TERRITORIAL INDÍGENA E O PROCESSO DE IMIGRAÇÃO E COLONIZAÇÃO NA REGIÃO NORTE DO RIO GRANDE DO SUL ...... 22 2.1 Elementos que marcaram o processo histórico da política territorial indígena no Estado . 22 2.2 A imigração na região Norte do RS, especificamente no município de Sananduva/RS .... 26 3 TERRA INDÍGENA PASSO GRANDE DO FORQUILHA: UMA ANÁLISE DO CONFLITO ...... 31 3.1 O processo de restituição das terras indígenas na década de 1990 ...... 31 3.2 O conflito agrário envolvendo indígenas e agricultores ...... 33 4 DISCUSSÕES ACERCA DO DIREITO DE PROPRIEDADE DA TERRA ...... 42 4.1 Sobre o direito de propriedade...... 42 4.2 A ocupação tradicional e a propriedade privada ...... 44 4.3 Validação ou nulidade dos títulos de terra dos agricultores ...... 46 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 56 REFERÊNCIAS ...... 59 ANEXOS ...... 64

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INTRODUÇÃO

O objeto de análise do presente estudo é a identificação da validade jurídica do título das propriedades rurais, considerando a demarcação de terras indígenas e os processos administrativos relativos à ocupação tradicional desenvolvidos no Estado do Rio Grande do Sul. A discussão principal centra-se no debate acerca da validade jurídica das ações onde os indígenas reivindicam a demarcação, alegando ocupação tradicional, sendo que foram concedidas aos agricultores mediante escrituração pública final do século XIX e início do século XX. O contexto de pesquisa é a área conhecida como Terra Indígena (TI) do Passo Grande do Forquilha, localizada no município de Sananduva e Cacique Doble, Estado do Rio Grande do Sul, região típica de colonização ocorrida no início do século XX. Cumpre salientar que a propriedade faz parte dos direitos reais, sendo um dos mais importantes direitos subjetivos materiais. Conforme o art. 5º, inciso XXII da Constituição de 1988, é garantido o direito de propriedade, consistindo num direito que se instrumentaliza pelo domínio e possibilita ao seu titular atributos consubstanciados nas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa que lhe serve de objeto (GOMES, 2008). Nesta senda, o título de propriedade é o instrumento legal que confere o domínio do titular sobre a propriedade. A TI Passo Grande do Forquilha abrange os municípios de Sananduva e Cacique Doble, no norte do Rio Grande do Sul. No caso específico discutido neste estudo, sobre o impasse entre índios e agricultores no município de Sananduva/RS, com relação à ocupação tradicional indígena e a criação dessa TI, cabe destacar que há uma discussão acerca da validade dos títulos de domínio da terra, uma vez que ocorre uma luta por direitos a partir de diferentes posicionamentos e interpretações do marco normativo da política indigenista e do processo de colonização desenvolvido pelo Estado do Rio Grande do Sul. O fato dos agricultores possuírem o título da terra gera efeito de direito, pois o registro do domínio torna público o título a que ele se refere e, presumivelmente, autêntico, não quanto à sua essência, mas seguro e eficaz quanto à sua forma e exterioridade (PORTO, 2016). Contudo, a interpretação do direito indígena e do conceito de ocupação tradicional tem suscitado uma série de ações acerca da nulidade desses títulos, buscando avaliar a validade ou não do ato jurídico. Desse modo, este estudo amplia a discussão sobre a validade e segurança conferida aos títulos de propriedade de terra dos agricultores do Passo do Forquilha, município de Sananduva/RS no que diz respeito à terras reivindicadas pelos povos indígenas e declaradas

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pelo Ministério da Justiça. Justifica-se a pesquisa tendo em vista que o conflito não foi totalmente dirimido na esfera jurídica. Essa discussão é presente uma vez que a tensão social gerada entre indígenas e agricultores em algumas localidades do Estado do Rio Grande do Sul precisa ser analisada de forma relevante, deixando de lado o imediatismo das interpretações. Isso porque existe um processo de polarização e culpabilização ora dos indígenas ora dos agricultores, esquecendo que esta questão é resultado e continuidade de políticas territoriais e atos administrativos desenvolvidos ao longo do processo histórico (KUJAWA, 2014a). A pretensão é esclarecer como o título de posse e legitimação de posse torna-se válido para determinar a aquisição da propriedade por parte dos agricultores, em contrapartida ao direito indígena, caracterizado como originário. Nesta senda, justifica-se a análise do processo histórico envolvendo as ações da esfera pública (Federal e Estadual) ao longo do período de colonização, buscando, a partir disso, relacionar os preceitos constitucionais relacionados ao direito indígena, ao direito de propriedade e da validade dos atos e títulos jurídicos. A problemática da pesquisa encontra-se no caráter contraditório das políticas territoriais indígenas que foram construídas ao longo do tempo no Estado do Rio Grande do Sul e de que forma podem interferir na validação ou nulidade dos títulos de posse de terras de agricultores. Toda a trajetória da colonização levantou inúmeros conflitos, principalmente relacionados à questão do direito de propriedade e da validação jurídica das ações de concessão até então firmadas. Essas considerações corroboram para a formulação da problemática de pesquisa, tendo em vista que apesar do indigenato ser doutrina primária na questão agrária, não pode se confundir apenas com ocupação ou com mera posse (SANTOS, 2014). Ademais, no caso do norte do Rio Grande do Sul, onde se inclui o município de Sananduva e Cacique Doble, a realidade territorial dos agricultores e índios está debruçada em uma série de questões ímpares que envolvem a ordem administrativa e jurídica. Assim o centro do problema de pesquisa encontra-se na questão da nulidade dos títulos decorrente da demarcação de terras indígenas. A maioria dos títulos de propriedade é centenária, fruto de um processo de imigração pautado em uma política oficial do Estado do Rio Grande do Sul. Desse modo, busca-se avaliar se o reconhecimento de ocupação tradicional indígena resultará na nulidade destes títulos por parte dos agricultores. Portanto, a discussão em torno do tema centra-se na questão do conflito de legitimidade e legalidade do ato jurídico de validade das escrituras públicas que concederam o título de propriedade aos agricultores, e assim demonstrar que a segurança do ato precisa ser observada e ter grande relevância neste debate. Por isso, tem-se como problema a ser

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respondido: em que medida fica estabelecida a validade do ato jurídico da concessão de terras aos agricultores no município de Sananduva/RS, frente à alegação de ocupação tradicional indígena e a criação da TI Passo Grande do Forquilha? A partir do método de abordagem dialético, que busca confrontar teorias e verdades em busca de uma conclusão, e de pesquisa bibliográfica e documental, este estudo tem como objetivo principal analisar a validade do ato jurídico da concessão de terras aos agricultores no município de Sananduva/RS, frente à alegação de ocupação tradicional indígena e a criação da TI Passo Grande do Forquilha. Os objetivos específicos versam em identificar as peculiaridades do processo de demarcação de terras indígenas no Rio Grande do Sul; analisar o processo histórico e as bases/fundamentos jurídicos que envolveram os contratos de concessão de terras e a escrituração das mesmas para os agricultores; determinar os elementos que implicam na validação do ato jurídico referentes aos títulos de propriedade de terras por parte dos agricultores; e analisar as repercussões jurídicas, sociais e culturais frente à nulidade dos títulos. Para atender a esses objetivos o estudo está dividido em quatro capítulos. No primeiro, faz-se uma análise acerca do direito indígena, considerando especialmente a evolução constitucional e o debate sobre as terras indígenas. O segundo capítulo traz os principais aspectos da política territorial indígena no Estado do Rio Grande do Sul, relacionando com os elementos históricos presentes no processo de imigração e colonização. No terceiro capítulo, o foco de discussão é a TI Passo Grande do Forquilha e o conflito acerca da posse das terras que se estabeleceu entre indígenas e agricultores de Sananduva e Cacique Doble a partir da Constituição de 1988. Por fim, no quarto capítulo busca-se apresentar a análise da validade do ato jurídico da concessão de terras aos agricultores, com o objetivo de reiterar os aspectos do direito de propriedade e comprovar a impossibilidade de nulidade dos títulos.

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1 SOBRE O DIREITO INDÍGENA

Neste capítulo busca-se analisar o direito indígena, discutindo o processo de evolução histórica da matéria. A finalidade é compreender de que forma a legislação constitucional foi sendo transformada a partir da necessidade de reavaliar os direitos dos índios, incluindo, especialmente, a questão das terras.

1.1 Evolução da matéria no direito brasileiro

As relações entre os povos indígenas e a população não indígena no Brasil sempre foram marcadas por conflitos. Nesse sentido, a questão indígena parece ter sido relegada a um plano inferior, igualmente a tendência predominante de menosprezo pelos índios, sua história e seus direitos (STEFANINI, 2012). Desde os primeiros relatos da presença dos portugueses no Brasil, os povos indígenas aparecem sem um Direito interno, estando dispostos ao direito da Corte (SIQUEIRA; MACHADO, 2009). A evolução da legislação indigenista está intimamente relacionada à história do Brasil, sendo que houve uma inclinação em defesa dos interesses dos colonizadores, rompida somente com a promulgação da Constituição vigente (SANTOS FILHO, 2012). Inicialmente cabe diferenciar o conceito de “direito indígena” e de “direito indigenista”. O direito indígena é considerado como um direito social, sendo referido pela Constituição. Segundo Stefanini (2012, p. 25):

O direito indígena é um autêntico direito transformador no organismo da dinâmica social e que vivifica este tecido axiológico razão pela qual poderia ser concebido como um direito social próprio. [...] é um direito que desborda dos matizes exclusivamente econômicos ou de representação social distributiva em face dos grupos que compõem o todo comunitário para alcançar a própria essência do direito dinâmico a conduzir a uma meta social.

Considera-se o direito indígena como um conjunto de normas e procedimentos internos a uma comunidade indígena, voltado a regulação das relações e modos de vida desses povos. Diferentemente, o direito indigenista faz parte do direito positivo estando presente no contexto social nacional, tendo como objetivo organizar e regular a convivência entre as sociedades indígenas e não indígenas, sendo considerado um direito ocidental criado para orientar as relações de ambos na sociedade (SANTOS FILHO, 2012).

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Na mesma perspectiva Feijó (2014) conceitua o direito indígena como relativo às normas de conduta interna, construídos de forma histórica pelos grupos indígenas. O direito indigenista, por sua vez, corresponde ao ramo do direito positivo que busca regular as relações entre o Estado e os povos índios e demais povos e membros da sociedade. A compreensão da política indigenista passa pela análise do processo histórico da legislação brasileira. No século XIX o Brasil viveu três regimes políticos: Colônia, Império e República, desde o tráfico de escravos até o início do processo de imigração. Constituiu-se um período de tensões entre oligarquias e centralização do poder, sendo que a política indigenista do período deixou de ser uma questão essencialmente relacionada à mão-de-obra para se tornar uma questão de terras (CUNHA, 1992). A primeira Constituição do Estado Brasileiro (1824), Imperial, tratava a questão indígena de forma inexpressiva, sendo que não continha nenhuma disposição relativa aos índios, ficando sujeitos à legislação geral (SANTOS FILHO, 2012). Em 1831, ocorreu a promulgação de uma lei que revogava as cartas régias, colocando fim à servidão os índios, sendo este o primeiro ato do Império voltado a favor desses povos que passaram para a tutela do Estado. Em 1845 um decreto regulamentou as missões de catequese e aspectos legais relativos à civilização dos índios. Somente em 1850 iniciou-se a preocupação com as terras indígenas, sendo a Lei nº 601 (Lei das Terras) a responsável pela diretriz de ocupação territorial brasileira, revogando a legislação portuguesa e estabelecendo novos conceitos jurídicos acerca de terras devolutas1, registro de imóveis e reservas indígenas (SOUZA FILHO, 1998). A Lei das Terras foi considerada a política indigenista mais importante do Brasil Império. Tal instrumento regulamentou o regime de propriedade territorial, passando o território nacional a ser dividido em terras públicas, de domínio do Estado, terras particulares, provenientes de títulos de propriedade legítimos ou posse legalizada e fez-se a reserva de terras devolutas: as pertencentes ao Estado, das extensões necessárias à colonização dos índios (SANTOS FILHO, 2012). Numa mesma perspectiva, Santos Filho (2012, p. 33) fala sobre a primeira Constituição, da seguinte forma:

1 Art. 3º. São terras devolutas: § 1º. As que não se acharem aplicadas a algum uso público nacional, provincial ou municipal; § 2º. As que não se acharem no domínio particular por qualquer título legítimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em comisso por falta de cumprimento das condições de medições, confirmação e cultura. § 3º. As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apesar de incursas em comisso, forem revalidadas por esta lei. § 4º. As que não se acharem ocupadas por posses, que, apesar de não se fundarem em título legal, forem legitimadas por esta lei (Lei nº 601/1850 – Lei das Terras).

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As normas postas durante o Império representaram grande prejuízo aos índios. O silêncio da primeira Constituição brasileira e o rigor da exigência de titulação de posse para reconhecimento da propriedade das terras contida na Lei das Terras (1850) tiveram o efeito de legitimar e incrementar o processo de espoliação das terras dos índios, levado a efeito pelas companhias colonizadoras e pelos próprios colonos (SANTOS FILHO, 2012, p. 33).

Depois da proclamação da República (1889), surgiu a primeira Constituição Republicana, promulgada em 1891. Nela não constou nenhuma menção aos índios. Essa Constituição, em seu art. 64, transferiu as terras devolutas para os Estados federados, sendo que a falta de regulamentação fez que com a interpretação desse dispositivo gerasse confusão acerca do sentido de que as terras indígenas se encontravam sob o domínio dos Estados, o que gerou um espólio abusivo e fraudulento de terras de índios em diversas partes do país (SANTOS FILHO, 2012). Em 1910, a criação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN), buscou afastar a atuação missionária do clero, responsabilizando o Estado pelo atendimento das necessidades de proteção e integração indígena. Esse instrumento representou uma importante transformação no modo como o Estado tratava a questão indígena (KUJAWA, 2014a). Contudo, grupos conservadores dirigiam críticas ao Serviço e patrocinavam ações junto ao governo com a finalidade de diminuir a influência de sua atuação (KUJAWA, 2015a). Ainda conforme esse autor, em 1916, o Código Civil colocou a questão indígena sob tutela do Estado, enquanto o Decreto nº 5.484/1928 revogou a tutela orfanológica à qual os índios estavam submetidos. Na década de 1930, com o crescimento do governo de Getúlio Vargas, desenvolveu-se uma nova configuração do Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Em 1934 a promulgação da primeira Constituição tratou especificamente do direito a terra pelos indígenas, consagrando o domínio pleno da União sobre as terras ocupadas pelos índios, declarando nulos os títulos de propriedade incidentes sobre as áreas indígenas concedidos pelos estados (art. 129)2. Em 1937 o novo texto constitucional permaneceu quase inalterado3 no trecho relativo à posse das terras indígenas (SANTOS FILHO, 2012). Com a deflagração do processo de redemocratização do país em 1945, iniciou-se a formação de nova Constituinte, formalizada em 1946. Essa nova lei manteve a previsão de competência da União no art. 5º, passando a dispor no art. 34 sobre os bens da união e, no art.

2 Art. 129. Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las (Constituição Federal/1934). 3 Art. 154. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que achem localizados em caráter permanentemente, sendo-lhes, porém, vedada à alienação das mesmas (Constituição Federal/1937).

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2164 compilou o mesmo dispositivo das duas constituições anteriores, apenas substituindo o trecho “vedado aliená-las” por “com condição de não a transferirem” (GOMES, 2014, p. 46). No ano de 1967 a nova Constituição assegurou aos índios a posse permanente das terras que habitam, e reconhecer seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades neles existentes (art. 186)5. Além disso, na vigência desta Constituição, foi editada a Lei 5.371/1967 que em substituição ao Serviço de Proteção aos índios - SPI, criou a Fundação Nacional do Índio - FUNAI (SANTOS FILHO, 2012). Assim, as décadas de 1960 e 1970 culminaram com a extinção do SPI, criação da FUNAI (1967) e do Estatuto do Índio (1973), sendo que neste período intensificou-se a produção acadêmica sobre a questão indígena, orientando para a necessidade de reconhecer a pluralidade cultural e o direito indígena, incluído suas características sociais, políticas econômicas e culturais. Stefanini (2012, p. 132-133) destaca os três estágios distintos sobre a questão de terras indígenas no Brasil:

1º) Da incorporação da América aos domínios de Portugal até a Constituição de 1824 quando as terras concedidas aos índios eram de domínio pleno destas comunidades sem restrição; 2º) Da Constituição de 1824 até a Constituição de 1934 quando se reconhecia a posse dos índios (direito particular) sobre suas terras (observada a capacidade), sem o respectivo ius abutendi; 3º) Daquela Constituição até a de 1967 quando as terras foram formalmente revertidas à União remanescendo a eles apenas o usufruto restrito - restrição entendida segundo as normas de ordem pública que sobre este direito incide.

Em 1969 a Emenda Constitucional nº 01 manteve as terras dos índios incorporadas ao patrimônio da União (art. 4º, inciso IV), e a competência do mesmo ente público para legislar sobre nacionalidade, cidadania e naturalização, incorporando os índios à comunidade nacional (art. 8º, inc. XVIII, alínea “o”). Especialmente com relação às terras o art. 198 reconhecia o direito de posse dos índios6. Já em 1973 a edição da Lei nº 6.001 criou o Estatuto do Índio, com a finalidade de disciplinar as relações do Estado e da sociedade brasileira com os índios (SANTOS FILHO, 2012).

4 Art. 216. Será respeitada aos Silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente localizados, com a condição de não a transferirem (Constituição Federal/1946). 5 Art. 186. É assegurada aos Silvícolas a posse permanente das terras que habitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes (Constituição Federal/1967). 6 Art. 198. – as terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos termos que a lei federal determina a eles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades nelas existentes. Parágrafo 1° - ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenha por objetivo o domínio, a posse ou ocupação de terras habitadas pelos silvícolas (Constituição Federal/1969).

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O que se destaca nos textos constitucionais de 1937, 1946 e 1969 a respeito da posse das terras pelos índios é a forma como foi delineada a questão da permanência sobre a terra. No art. 154 da Carta Magna de 1937 observa-se a expressão “caráter permanente”. Já no art. 216 da Constituição de 1946 a expressão usada é “achem permanentemente”. E, no Texto de 1969, em seu art. 198, observa-se o termo “posse permanente”. Somente com a promulgação da Constituição de 1988 iniciou-se um novo processo histórico acerca das relações entre o Estado e os povos indígenas, reconhecendo o direito dessa população, sua importância e reconhecimento, bem como ampliando a atenção sobre sua forma de organização social, seus costumes e tradições, e sobre as terras por ele ocupadas (SOUZA FILHO, 1998). Na próxima seção faz-se uma análise mais aprofundada a respeito dessa matéria.

1.2 O Marco Constitucional de 1988 e as interpretações acerca da ocupação tradicional

A Constituição Federal de 1988 tornou-se o marco legal mais importante sobre a questão do direito dos povos indígenas, tendo em vista que, ao constitucionalizar entre outros artigos um capítulo exclusivo ao direito desses povos, preocupou-se em determinar os aspectos referentes à preservação cultural e normatização de questões referentes à exploração das terras e reconhecimento de direitos garantidos (MATOS, 2015). Ao estabelecer uma nova forma de pensar a relação entre os índios e o território brasileiro, a Constituição de 1988, reconheceu a coletividade cultural distinta e o fato desses povos terem sido os primeiros a habitarem o solo brasileiro, garantindo a eles direitos especiais (ARAÚJO et al., 2006). A Constituição de 1988, no art. 2317, conferiu expressamente aos índios a proteção a sua cultura e direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas. Com base nos

7 Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem- estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

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fundamentos dispostos na Constituição de 1988, são reconhecidos aos índios os seguintes direitos:

- Direito à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. - Direitos originários e imprescritíveis sobre as terras que tradicionalmente ocupam, consideradas inalienáveis e indisponíveis. - Obrigação da União de demarcar as Terras Indígenas, proteger e fazer respeitar todos os bens nelas existentes. - Direito à posse permanente sobre essas terras. - Proibição de remoção dos povos indígenas de suas terras, salvo em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população ou no interesse da soberania do país, após deliberação do Congresso Nacional, garantido o direito de retorno tão logo cesse o risco. - Usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. - Uso de suas línguas maternas e dos processos próprios de aprendizagem; e proteção e valorização das manifestações culturais indígenas, que passam a integrar o patrimônio cultural brasileiro (ARAÚJO et al., 2006, p. 44-45).

Venturi e Bokany (2013) entendem que essas determinações constitucionais asseguram a esses povos o direito de serem reconhecidos não apenas como culturas diferenciadas, mas como povos originários e especiais no contexto do Estado nacional; constituindo-se como sujeitos políticos coletivos com direitos. Sobre isso cabe considerar:

A Constituição de 1988 trouxe uma série de inovações no tratamento da questão indígena. Foi a primeira a trazer um capítulo específico à proteção dos direitos indígenas, além de reconhecer a diferença deste povo. Os povos indígenas não podiam ser vistos, antes da Constituição, como titulares de direitos, como indivíduos, mas como povos que só teriam direitos individuais uma vez integrados ao sistema jurídico, ou seja, para que pudessem reivindicar seus direitos individuais, teriam que deixar de ser índios. Só agora, após a Constituição de 1988, os direitos indígenas saíram da grande lacuna e vazio jurídico para se tornarem direitos visíveis, coletivos (SIQUEIRA; MACHADO, 2009, p. 27).

Nessa perspectiva, a Constituição de 1988 é vista como “o novo parâmetro maior que deve pautar a futura legislação indigenista brasileira” (SOUZA FILHO, 1998, p. 107). Assim, se as Constituições anteriores mantinham como ponto fundamental a preocupação com as terras, relegando a um segundo plano a pessoa do índio, o marco constitucional de 1988 abrangeu todas as questões, evoluindo ao reconhecer os direitos dos povos indígenas e sua necessária proteção (GOMES, 2014).

§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. § 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.

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A questão da terra recebeu grande atenção por parte da Carta Magna, sendo que entre os direitos fundamentais mencionados, destaca-se o direito fundamental às terras indígenas, disposto no art. 231, caput, pois considera-se a terra como um fator essencial para a sobrevivência da sociedade indígena, sendo o espaço físico fundamental para satisfazer suas necessidades (LOPES; MATTOS, 2006). A discussão acerca da ocupação tradicional8 é um dos principais aspectos de divergência acerca da questão das terras indígenas e aquelas utilizadas para a colonização. Araújo et al. (2006) destacam que esse debate é presente nos casos em que a demarcação de terras para os índios esbarra em questões como dificuldade de caracterização da ocupação tradicional pelo fato de grande período de tempo ter se passado e também pelos conflitos acerca de questões de posse. Contudo, a partir do preceito de ocupação tradicional, a demarcação de terra indígena pode ser vista como ato secundário, sendo aquela suficiente para que as terras sejam protegidas pela União, conforme orienta a CF em seu artigo 231 (MATOS, 2015). A consolidação do direito originário, ou seja, do direito dos índios sobre as terras, está expresso na Constituição de 1988. Chaves (2013) destaca que esse é um direito primário, pois é reconhecido como anterior ao Estado brasileiro e sua legitimidade não provém de um ato de reconhecimento formal da parte daquele. A garantia constitucional da ocupação tradicional está relacionada às terras que os indígenas ocupassem apenas no momento em que ficou estabelecido pela Constituição de 1988 tal direito e não àquelas que tivessem ocupado no passado. Sobre a questão da tradicionalidade pode-se avaliar o aspecto histórico, que pode gerar uma análise que leva a conceber todo o território brasileiro pertencente aos índios, bem como numa perspectiva de continuidade, que pressupõe a efetiva ocupação dos indígenas ao longo do tempo, descaracterizando a tradicionalidade se ocorrer interrupção de uso da terra por determinado período (STEFANINI, 2012). Chaves (2013) destaca que há uma confusão conceitual do que seja terras tradicionalmente ocupadas por índios. Contudo, a tradicionalidade prevista na Constituição Federal de 1988 não afastou o pressuposto da ocupação permanente, apenas deu enfoque para o modus vivendi indígena, que é uma modalidade de vida enraizada pela tradição, reforçada

8 Não confundir as terras de tradicional ocupação indígena, previstas na Constituição Federal, com as Reservas Indígenas previstas no Estatuto do Índio. Com efeito, as terras de ocupação tradicional são aquelas de ocupação histórica pelo grupo tribal, onde a comunidade estabeleceu, através de gerações, seus laços culturais e tradicionais, são as terras cuja posse lhes pertence em caráter originário, fruto do indigenato. Já as Reservas indígenas são qualquer porção do Território Nacional que a União destina aos indígenas, para que lá vivam e reproduzam seus costumes sem, contudo, possuir uma ocupação tradicional e imemorial (FEIJÓ, 2014, p. 12).

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pela forma de trabalhar e viver na área. Assim, a tradicionalidade da posse indígena exige continuidade viva, não apenas histórica. Esse argumento é considerado o principal elemento presente no art. 231 por Stefanini (2012). A expressão “sobre as terras que tradicionalmente ocupam” destaca a relação espaço – tempo, ou seja, a norma constitucional apenas ampara e garante aos índios as terras por eles ocupadas no momento da incidência da lei maior, e não aquelas que ocuparam em tempo passado. Com base nessa corrente, destaca-se:

Interpretar o substantivo terra como realidade de entes ideais (ancestrais), por uma paralela, e a locução tradicionalmente ocupam como pertencente ao passado com a sombra voltada para o presente, por outra, é operar raciocínio anticientífico, rebelde ao sistema e a ratio de direito que sempre vigeu e com morada na insegurança jurídica (STEFANINI, 2012, p. 135).

Ao se estabelecer que os direitos dos índios são originários, destaca-se a possibilidade de nulidade e a extinção dos atos supervenientes que tenha por objeto a ocupação, o domínio ou a posse de terra indígena. Com base numa interpretação simplista acerca dos direitos originários, em alguns casos, acaba-se por violar outro direito de índole constitucional, que é o direito de propriedade (CHAVES, 2013). Desse modo, torna-se fundamental a análise da ocupação tradicional, ou seja, deve haver a forma peculiar e tradicional da comunidade indígena ocupar a terra para defini-la como de ocupação tradicional indígena e, assim, garantir-se o seu direito de posse sobre ela, nos termos da Constituição (FREITAS JUNIOR, 2010). “A tradicionalidade não pode transmutar-se em confisco de terras particulares, especialmente quando inexistente o pressuposto da ocupação permanente” (BORGES, 1991 apud CHAVES, 2013, p. 59). É nesse sentido que grande parte dos conflitos entre agricultores e indígenas, especialmente no norte do Rio Grande do Sul onde se situa a TI Passo Grande do Forquilha no município de Sananduva e Cacique Doble, vem sendo travados ao longo de várias décadas. Conforme Kujawa (2015b), a reivindicação que ocorre nessas terras, onde os indígenas destacam como sendo de ocupação tradicional, não consideradas devolutas e foram destinadas pelo Estado para o processo de colonização que ocorreu a mais de cem anos. Essas propriedades são ocupadas por descendentes dos primeiros imigrantes, nas quais desenvolve- se a agricultura familiar. Os interesses são conflitantes, tendo em vista que os indígenas dizem que o território era ocupado pelos ancestrais, exaltando o sentido da imemoralidade. Já os agricultores apresentam uma ocupação e posse centenária das propriedades tendo em vista

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que a política de colonização foi o principal estímulo que receberam para a aquisição legal das terras. Portanto, a interpretação acerca da ocupação tradicional referida na Constituição está relacionada à questão de uso e permanência na terra a partir do marco temporal (1988), excluindo àquelas ocupadas no passado. Nessa perspectiva, destaca-se que não há como sustentar juridicamente o direito à terra com base na tradicionalidade histórica. Assim, no próximo capítulo dá-se ênfase a essa questão, buscando levantar os argumentos acerca das terras devolutas e a relação com o processo de colonização no município de Sananduva buscando analisar o direito dos agricultores e encaminhar a discussão sobre a validade dos títulos de propriedade.

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2 A POLÍTICA TERRITORIAL INDÍGENA E O PROCESSO DE IMIGRAÇÃO E COLONIZAÇÃO NA REGIÃO NORTE DO RIO GRANDE DO SUL

Neste capítulo faz-se uma retomada histórica acerca da política territorial indígena no Estado do Rio Grande do Sul, considerando também os aspectos relativos à colonização da região de Sananduva, com o objetivo de compreender o processo de posse das terras por parte dos primeiros colonizadores.

2.1 Elementos que marcaram o processo histórico da política territorial indígena no Estado

No Rio Grande do Sul, a política territorial indígena e o processo de colonização trazem marcas históricas que estão na origem dos conflitos que atualmente ocorrem entre agricultores e índios. Conforme Kujawa (2014a) na segunda metade do século XIX tem-se a intensificação da ocupação do solo na região Sul Brasil e também se estabelece um novo marco legal para a legalização da posse e propriedade da terra, a Lei de Terras nº 601/1850. Além disso, “a ocupação oficial do espaço caracterizou-se, em seu início, pelo aspecto militar e principalmente pela fundação de grandes propriedades” (TEDESCO; CARON, 2014, p. 60). No Estado, o debate acerca da política indígena foi fortemente influenciado por ideais positivistas. Além disso, manteve características próprias no seu processo de colonização, cuja finalidade Província era a promoção da expansão da população buscando o desenvolvimento. Também havia o interesse de ampliar a povoação do território, devido, principalmente, as constantes lutas que ocorriam entre o império brasileiro e os países platinos, assegurando-se assim a posse do mesmo (RODRIGUES, 2008).

O incentivo às migrações era parte da proposta positivista de governo para implantação de um projeto modernizador, que inserisse o Rio Grande do Sul num modelo de produção capitalista na agricultura, baseado na pequena propriedade, em particular, colonizada por imigrantes e/ou descendentes europeus, ambos símbolos da modernização agrícola e também de um novo etos camponês que deveria ser impresso e difundido no meio rural/agrícola da região (TEDESCO; CARON, 2013, p. 147).

No início da República e nas primeiras décadas do século XX, o Rio Grande do Sul assumiu o controle sobre terras devolutas, utilizando-as para fins de colonização, abrindo “a possibilidade de arrecadação de recursos advindos desses territórios devolutos quer fosse pela venda – feita em hasta pública – quer fosse pela cobranças de impostos devidos ao Estado”

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(TEDESCO; CARON, 2013, p. 150). Contudo, simultaneamente manteve preocupação com os nacionaes, desenvolvendo projetos de colonização mista e mecanismos de incorporação nas vendas dos lotes medidos e com posso efetiva, e com a população indígena, demarcando entre 1910 a 1918 onze áreas indígenas, a maioria na região Norte do Estado, onde havia a maior concentração de caingangues (KUJAWA, 2015a). A criação da SPI em 1910 trouxe influências na política indigenista gaúcha, sendo que na segunda metade do século XIX amplia-se a ocupação do solo no oeste do Paraná, de Santa Catarina e norte do Rio Grande do Sul, intensificando também a política demarcatória de terras indígenas (KUJAWA, 2015a). Conforme Silva (2014), o propósito principal do governo gaúcho ao demarcar os onze toldos indígenas não estava associado ao ideário da preservação da cultura indígena ou sobrevivência dessas comunidades. Na verdade, a definição dos espaços estava relacionada com a necessidade de minimizar conflitos entre os índios e os colonizadores legais oriundos das Colônias Velhas (São Leopoldo, com predomínio alemão, e , com predomínio italiano). Desse modo, o governo acredita que o aldeamento dos índios e sua pacificação ampliariam as possibilidades para o processo de colonização. Os Toldos demarcados foram: Faxinal/Cacique Doble – 1910; Carreteiro/Água Santa - 1911; / - 1911; Inhacorá/São Valério do Sul – 1911; Ligeiro/Charrua – 1911; /Nonoai – 1911; Serrinha//Três Palmeiras/Constantina – 1911, Ventarra/ – 1911; Guarita/ – 1917; Votouro Kaingang/ – 1918 e Votouro Guarani/São Valentim – 1918 (KUJAWA, 2015a). Os elementos contraditórios da política territorial indígena desenvolvida pelo governo gaúcho estão no fato de que:

[...] ao demarcar os toldos Indígenas, positiva-se o direito sobre eles dentro de uma lógica preservacionista e assimilacionista, ao mesmo tempo em que se restringe o direito praticado pelos indígenas de circularem, dentro de sua lógica social e cultural, nas vastas áreas que passaram a ser destinadas para colonização, construindo-se, a partir do marco jurídico da época, o direito à propriedade privada aos colonos. Além disso, a definição do território não garantiu que seu usufruto fosse revertido em benefício das comunidades indígenas, prosperando, em grande medida, a compreensão de que a forma de ocupação do solo praticada pelos indígenas mantinha-o devoluto e improdutivo e, portanto, poderia ser transformado em local de arrendamento, de extração de madeira, de intrusão e de assentamento de agricultores (KUJAWA, 2015, “a”, p. 75).

Entre a década de 1940 e 1960 o Estado realizou diversos atos administrativos e seus efeitos provocaram redução das terras indígenas historicamente demarcadas no Rio Grande do

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Sul9. Kujawa (2015a, p. 33) ressalta que a política territorial indigenista gaúcha manteve “um caráter oscilante e contraditório”, considerando que os problemas relacionados às terras indígenas afetavam a forma como esses povos se desenvolveram. A trajetória da política territorial indígena do Estado do Rio Grande do Sul está alicerçada no seguinte pressuposto:

[...] as ações de expropriação das terras indígenas através do loteamento e venda formal para os agricultores foi a continuidade e a culminância de políticas territoriais contraditórias que tinham como perspectiva o processo de integração dos indígenas na sociedade nacional civilizada. Estas políticas tinham como pressuposto a lógica desenvolvimentista da época: os índios eram vistos como futuros agricultores, por isso a incompreensão da necessidade de “tanta terra para pouco índio” que resultou num recadastramento indígena e na redução das terras historicamente demarcadas (KUJAWA, 2014a, p. 28).

Assim, apesar da legislação avançar no processo de proteção dos direitos dos índios sobre as terras que ocupavam, o Estado trabalhava contra (SOUZA FILHO, 1998). Contudo, na década de 1970 foi iniciado um movimento da igreja, de intelectuais e de outros setores da sociedade contrapondo-se à perspectiva proposta aos índios pelo Estado, contribuindo para sua organização e a exigência de uma nova política indigenista (KUJAWA, 2015a). Na década de 1980, todo esse movimento em prol dos direitos indígenas também fez parte das ações que fortaleceram a contraposição ao autoritarismo da ditadura militar e ampliaram o debate acerca da democratização do Estado. Sendo que a promulgação da Constituição de 1988 trouxe essa nova perspectiva acerca dos direitos indígenas (art. 231 e 232), incluindo a questão territorial. A restituição das terras indígenas foi um movimento iniciado na década de 1990, tendo em vista a garantia constitucional do direito à terra que tradicionalmente ocupavam, fazendo com que os índios lutassem para garantir a efetiva posse das terras demarcadas recuperando os limites daquelas que tinham sido reduzidas em meados do século XX e, simultaneamente demarcar novas Terras Indígenas (KUJAWA, 2015a).

9 1) Despacho do interventor federal no Rio Grande do Sul, Cordeiro de Farias (28/03/1941): Redução das terras indígenas Guarita, Nonoai e Serrinha e criação de reservas florestais. 2) Decreto nº 658 do Governador Walter Jobim (10/03/1949): Declara um conjunto de reservas florestais, incluindo terras indígenas de Serrinha, Nonoai e Cacique Doble. 3) Lei nº 3381 da Assembleia Legislativa do RS (06/01/1958): Autoriza o governo estadual a lotear e vender a área florestal de 6.623 hectares orienta da TI de Serrinha. 4) Decreto do Governador nº 13.795 (10/07/1962): Restabelece os limites da reserva florestal de Nonoai, oriunda da TI de Nonoai, criando a secção Planalto para colonização. 5) Despacho do Governador (16/02/1962): Restabelece os limites das terras indígenas administradas pelo estado destinando parcelas para o processo de loteamento e venda para os agricultores. 6) Processo 15.703/61 da Secretaria da Agricultura (1961): Redução da TI de Inhacorá. (KUJAWA, 2014a, p. 25).

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O custo social, cultural e econômico da restituição da terra aos indígenas é expressivo. Os atos equivocados do Estado no momento em que reduziu as terras indígenas e vendeu aos agricultores, sem dúvida, feriram o direito dos índios com relação à questão territorial. Ademais, essa questão tem gerado um grande ônus ao Estado, bem como suscitando discussões e demandas políticas, jurídicas e legais envolvendo os agricultores e o fato de terem que abandonar suas terras (KUJAWA, 2015a). Por isso, “não é possível analisar os conflitos agrários no estado sem ter presentes os processos que configurar as múltiplas formas de acesso, inserção, aldeamento e apropriação da terra” (TEDESCO; KUJAWA, 2014, p. 75). Desse modo, com base nas orientações de Kujawa (2015a), pode-se sintetizar quatro momentos podem ser considerados fundamentais no processo de construção da colonização no Estado do Rio Grande do Sul. Primeiramente desenvolveu-se um processo de aldeamento na segunda metade do século XIX e também a demarcação dos Toldos Indígenas em 1910- 1918, delimitando o território dos índios com vistas ao projeto de colonização realizado, principalmente, pelos imigrantes europeus. Depois, ao longo da década de 1960, o governo gaúcho, com conivência da União, por ato administrativo, reduziu ou até extinguiu áreas demarcadas como indígenas, promovendo a venda e o assentamento de agricultores, gerando uma reterritorialização dos colonos e também dos índios. Contudo, a partir da Constituição de 1988, o Estado volta a reconhecer o direito indígena sobre terras historicamente demarcadas no período de 1910-1918, o que provocou a declaração de nulidade dos títulos de propriedade que os agricultores obtiveram do Estado nas décadas de 1950-60 e o consequente desalojamento dos mesmos das terras adquiridas e ocupadas há três ou quatro décadas. Nos primeiros anos do século XXI, surge um novo movimento organizado pelos próprios índios, com a finalidade de reivindicar terras que nunca foram demarcadas como indígenas, mas são por eles consideradas de ocupação tradicional, mesmo que estão ocupadas por agricultores e escrituradas desde o final do XIX. A reivindicação do Passo Grande do Forquilha não é a mesma da década de 1990, na qual estava se restabelecendo os limites das TIs historicamente demarcadas. Ao contrário, a proposta que se mantém é de transformar as áreas agrícolas dos pequenos agricultores que desenvolvem a agricultura familiar em áreas indígenas (TEDESCO; KUJAWA, 2016). Esse movimento organizado, especialmente pelos Kaingangs, denominado “retomada”, busca promover um processo de recuperação de territórios que eles dizem ser de ocupação tradicional, mas que desde o início do século XX faziam parte do rol de áreas destinadas à colonização pelo Estado do Rio Grande do Sul (KUJAWA, 2015b).

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2.2 A imigração na região Norte do RS, especificamente no município de Sananduva/RS

O processo de colonização no Rio Grande do Sul somente foi iniciada no século XIX, após o fim das diversas guerras que aconteceram em território gaúcho, bem como a intervenção da Coroa portuguesa acerca dos grandes latifúndios que compunham a Província Riograndense, fazendo com que grandes extensões de terra ficassem despovoadas. Desse modo, foram iniciadas as primeiras tentativas de instalar pequenos agricultores, fazendo com que terras fossem distribuídas para imigrantes (TEDESCO; CARON, 2014). Os reflexos atuais acerca do processo de ocupação de terras podem estar relacionado ao fato de no período de 1864 a 1889, ainda no Império, uma conflituosa situação administrativa ocorria no Estado. Além disso, a promulgação da Lei de Terras em 1850, e a abolição da escravatura, foram alguns dos fatores que fizeram da imigração uma alternativa importante para adequar o território gaúcho às diretrizes econômicas do país, bem como formar força de trabalho em substituição aos escravos (TEDESCO; CARON, 2014). Ainda sobre os reflexos da Lei de Terras, Iotti (2003, p. 7) destaca:

A Lei de Terras, regulamentada em 1854 através do Decreto n. 1318 de 30 de janeiro, definiu a significação de terras devolutas, aboliu a gratuidade de lotes aos colonos, estabelecendo como único título de posse a compra. Criou a Repartição Geral das Terras Públicas que teria a seu cargo a delimitação, divisão e proteção das terras devolutas e a promoção da colonização nacional e estrangeira. Conferiu aos colonos estrangeiros, proprietários de terras, a naturalização de direito, após certo tempo de residência e a dispensa do serviço militar.

Uma adaptação gaúcha da Lei de Terras foi promulgada em 1854 (Lei Estadual nº 304), podendo ser considerada como instrumento inicial do processo de colonização no Estado. Além disso, no período de 1882 até 1889 (Proclamação da República), o governo da Província Riograndense promulgou vários atos que beneficiaram particulares e sociedades de colonização, com a venda de terras devolutas que pertenciam à província, mas com a contrapartida de que fossem colonizadas (IOTTI, 2003). Sobre as colônias, cabe considerar:

No decorrer do século XIX, a iniciativa privada, subsidiada pelo governo imperial, lançou os primeiros ensaios de colonização com imigrantes europeus, em pequena escala, ocupando os espaços deixados pela colonização pública, localizando-se no Rio Grande do Sul, nas cercanias da capital e das colônias públicas. Já no final do século e primeiras décadas do século XX, na região Norte, Noroeste e Missões, formou-se uma nova zona de colonização, onde predominavam colônias particulares, instaladas por sociedades de colonização, empresas, indivíduos, estrangeiros ou nacionais [...] Essa região transformou-se em escoadouro do excedente populacional das colônias velhas [...] (NEUMANN, 2013, p. 171).

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Na região Norte do Estado do Rio Grande do Sul, as primeiras propostas de demarcação para povoamento ocorreram em 1890, sob amparo da legislação da época que autorizava desapropriações e transferia aos Estados a responsabilidade pela colonização (art. 64 da Constituição de 1891). Assim, após a Proclamação da República e a partir da Constituição de 1891, os Estados se tornaram gestores das terras públicas e privadas. Desse modo, governo republicano gaúcho passou a tratar o processo de colonização como uma fonte de renda, sendo que a legitimação da posse de terra aos colonos e imigrantes, assim como a sua venda pelo Estado e o imposto territorial (Lei n. 42/1902) tinham como finalidade garantir fundos para o orçamento estadual. Além disso, no período de 1890 a 1914, quando se encerrou a imigração oficinal no Estado, a cobrança da dívida colonial foi uma das principais ações no âmbito da legislação sobre imigração e colonização (IOTTI, 2003). Nesse contexto foram identificadas áreas devolutas e que podiam ser ocupadas a partir de diversas alegações, principalmente relacionadas à irregularidades no processo de posse, reavendo o Estado novamente o domínio e, realizando, posteriormente, novas vendas (TEDESCO; CARON, 2014). Cumpre salientar que:

Uma das preocupações centrais dos governos do estado do Rio Grande do Sul, nas primeiras décadas do século XX, era povoar e apropriar privadamente grande parte do território do norte do Estado; nesse intento, políticas colonizatórias (privadas, públicas ou na forma de concessão) viabilizaram a normatização, dificultariam a intrusão (entrada nas colônias e nas reservas de quem não havia previamente adquirido ou não estava contemplado nos programas públicos de inclusão em determinados territórios), trariam bons dividendos financeiros aos cofres públicos, permitiriam processos produtivos e a inclusão de contingentes migratórios que exerciam pressão pela demanda de terra (TEDESCO; KUJAWA, 2014, p. 75).

Na região norte do estado, especificamente nas áreas da Encosta da Serra e do Alto Uruguai, a colonização se ampliou a partir da Proclamação da República, ainda nas primeiras décadas do século XX, quando os primeiros imigrantes, principalmente italianos, começaram a chegar, atraídos pela política de colonização promovida pelo governo. No entanto, a grande ocupação indígena na região era visível, especialmente da etnia caingangues, que viviam nas matas e eram presentes até a parte oeste de Santa Catarina (KUJAWA; TEDESCO, 2014). É essa condição de ocupação que veio contribuir para a reivindicação dos índios pela posse de terras que foram cedidas ou vendidas aos agricultores no processo de colonização. Em Sananduva, o processo de colonização foi semelhante ao de outros municípios da região Norte do Estado, sendo que a área, a priori, pertencia a um grande latifúndio - a Fazenda Invernada da Serra, que se localizava entre os Rios Apuaê (Ligeiro) e Inhandava (Forquilha). Parte dela pertencia a Francisco Alves Ribeiro do Amaral, Major da Guarda

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Nacional e proprietário de outra grande fazenda a Três Pinheiros, de 158 milhões de metros quadrados (LOVATTO, 1986). Lovatto (1986) relata que a instalação da Invernada da Serra, ocorreu por volta de 1800-1830, quando se iniciou o povoamento da região de , especialmente por colonizadores vindos dos Campos de Vacaria. Contudo, foi a partir da Fazenda São João do Forquilha, também parte da Invernada da Serra, e que localizava-se na área do atual município de Sananduva e Ibiaçá, que iniciou-se o processo de colonização, sendo o Coronel Heleodoro de Moraes Branco, motivado pelo incentivo do governo, o responsável pela nova colônia e pelo seu loteamento.

(A) (B) Figura 1 – A) Testamento que comprova a compra dos lotes; B) Autos de medição que resultou na divisão dos lotes. Fonte: Kujawa e Tedesco (2014, p. 74)

Conforme Kujawa e Tedesco (2014), na região de Sananduva evidencia-se dois contextos que delinearam a colonização territorial. O primeiro, com a inserção dos campos de Lagoa Vermelha e de Vacaria na rota do tropeirismo (XVIII e XIX), vinculando-se ao crescimento econômico, especialmente da mineração no século XVIII, que exigiu a melhoria dos acessos e a criação de novas rotas de tropeiros o que, consequentemente, ampliou o interesse pelas terras. Um exemplo que pode ser observado diz respeito à Sesmaria1011

10 Sesmaria – (de sesma, derivada do latim sexĭma, ou seja, sexta parte) foi um instituto jurídico português que normatizava a distribuição de terras destinadas à produção agrícola. Caracterizava-se como áreas de terra inculta ou abandonada, que na época do Brasil Colônia a Coroa Portuguesa cedia aos novos povoadores. O objetivo do

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recebida por Francisco Alves Ribeiro do Amaral no então município de Lagoa Vermelha, que, após a sua morte, fora adquirida por José Bueno de Oliveira (1852) (Figura 1) e, no início do século XX, foi destinada ao projeto de colonização, que resultou no atual município de Sananduva. O segundo contexto, refere-se já ao período republicano, com o desenvolvimento de ações para a ocupação minifundiária por meio de colonização pública e privada, intensificando a colonização a partir da divisão das propriedades legitimadas com direito de posse ou oriundas de Sesmarias (como foi da fazenda Sananduva) ou da apropriação das terras que passaram a ser consideradas devolutas. Nesse processo, o Estado, realizou o loteamento e vendeu aos colonos. Os primeiros imigrantes chegaram ao município de Sananduva no período de 1890 a 1910, vindos especialmente da serra gaúcha. Contudo, já viviam na região descendentes lusos, oriundos de Santa Catarina, Paraná e São Paulo, negros (ex-escravos), índios caingangues e grandes fazendeiros (LOVATTO, 1986). A Colônia Particular Sananduva se desenvolveu a partir do interesse político partidário (Partido Republicano), particularmente de Heleodoro de Moraes Branco, bem como de representantes do governo que tratavam da venda dos lotes que foi iniciada em 1901 (ZAMBONIN, 1975). Criada na antiga fazenda de José Bueno de Oliveira e sua mulher Constança Bueno de Oliveira (Anexo A), a área com dimensão de 15.924,92 hectares foi desmembrada em 90 colônias (equivalente a 22 a 25 hectares), sendo negociadas por procuração pelo Intendente Municipal de Lagoa Vermelha Coronel Heleodoro de Moraes Branco, a partir de 1901 (RUCKERT; KUJAWA, 2008). As áreas públicas, compostas por terras devolutas eram divididas pelo governo, cujas dimensões variavam segundo as circunstâncias e lugares, sendo que as com direito à pose, eram registradas. Já em 1907 a Colônia foi elevada à categoria de Distrito de Lagoa Vermelha, sendo emancipada somente em 1954 (LOVATTO, 1986). A existência de terras públicas está relacionada com a Lei de Terras de 1850, que estabelece que todas as terras que não tinham título de concessão ou não tivessem legitimação de posse passavam a ser consideradas devolutas e de propriedade da União, que poderia repassa-las através da venda (KUJAWA, 2015a). Cabe salientar que a expansão da

sistema era estimular a produção, sendo que o titular da propriedade tinha obrigações para com o Estado e também poderia perder o direito de posse quando não produzia na terra. 11 As concessões de sesmarias, na maioria dos casos, restringiam-se, aos candidatos a latifúndios, que, afeitos ao poder, ou ávidos por domínios territoriais, não poderiam apoderar-se materialmente das terras que desejavam para si. [...] traço de uma influência dominialista [...] a concessão de sesmarias não mais é a distribuição compulsória, em benefício da agricultura, revestido de uma verdadeira doação de domínios régios (LIMA, 1954).

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colonização representou uma reconfiguração do território da região norte do Estado, incluindo os espaços a serem ocupados por indígenas e por colonos (KUJAWA; TEDESCO, 2014). A chegada dos imigrantes europeus ou de seus descendentes nas primeiras décadas do século XX promoveram a construção de uma nova territorialidade produtiva naquela região, sendo que a comercialização das colônias também foi baseada na exploração do capital especulativo, e cuja configuração desse território contava com a presença do posseiro, do intruso, do nacional, dos agricultores europeus e dos indígenas, caracterizando essa ocupação e apropriação de terra na região como uma trajetória complexa (TEDESCO; CARON, 2014). Desse modo, a política de colonização, tanto a oficial quanto a privada eram mediadas pelo Estado do Rio Grande do Sul, sendo que a de origem privada, mesmo sendo menos incentivada, tornou-se a mais praticada, especialmente na região norte (TEDESCO; CARON, 2013). Nesse contexto, a dinâmica histórica da colonização de Sananduva, aponta para o fato e que as terras reivindicadas pelos indígenas constituem-se terras que tiveram a legitimação de posse no século XIX e depois foram subdivididas e vendidas para os agricultores, a partir do processo de colonização privada e também de origem pública, considerando os preceitos da legislação e de atos administrativos do Estado. Portanto, as políticas públicas desenvolvidas na época para gerenciar o processo de ocupação das terras da região norte, os processos acerca da regulação da questão indígena, bem como a maneira como foi gerenciada a colonização com imigrantes europeus e seus descendentes, foram marcados pelo positivismo, justificando ações governamentais na garantia da unidade política (SILVA, 2013). Além disso, o histórico das políticas indigenistas no Brasil evidencia um grande descompasso entre a previsão legal e as ações do governo, ampliando os conflitos acerca do descaso com o qual a garantia do direito originário a terra vem sendo tratado (GOMES, 2017). Desse modo, as considerações trazidas até aqui promovem um entendimento acerca das consequências do processo de colonização desenvolvido no Estado, auxiliando na compreensão do conflito que envolve indígenas e agricultores acerca da TI Passo Grande do Forquilha, nos municípios de Sananduva e Cacique Doble, que será discutido no capítulo seguinte.

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3 TERRA INDÍGENA PASSO GRANDE DO FORQUILHA: UMA ANÁLISE DO CONFLITO

Neste capítulo faz-se uma análise da disputa dos índios pela restituição de terras com agricultores, destacando especialmente o conflito que ocorre no Passo Grande do Forquilha, nos municípios de Sananduva e Cacique Doble. Destaca-se a abertura trazida pela Constituição de 1988 acerca das demarcações de terras indígenas, bem como as causas do conflito agrário que tem como escopo o direito dos agricultores com relação à posse e título de suas terras.

3.1 O processo de restituição das terras indígenas na década de 1990

A partir da Constituição de 1988, intensificou-se o movimento indígena pela retomada de ocupação de terras. Gomes (2017, p. 91) orienta que “a demanda pela demarcação de terras indígenas aflorou devido ao diferenciado e notório reconhecimento dos direitos indígenas na CF/88”, sendo que desse momento em diante, diversas regiões do país passaram a conviver com conflitos entre o interesse dos índios pela posse de terras em contraponto com a manutenção da propriedade privada. Conforme Kujawa (2015b), no Rio Grande do Sul, desde a década de 1990, a partir do ideário constitucional, foi se estabelecendo um processo para recuperar territórios originalmente demarcados no período de 1910 a 1918 como terras indígenas. A partir de um Grupo de Trabalho criado em 1996 (Decreto 37.188) promoveu-se um estudo sobre os perímetros de áreas indígenas, principalmente aquelas que haviam sido reduzidas e que fizeram parte de processos de colonização, formação de reservas florestais, etc. As discussões e resultados gerados apontaram para a possibilidade de grupos indígenas reaver áreas de terra. Uma segunda situação é o movimento de retomada intensificado a partir de 2004, pelo qual os indígenas reivindicavam novas áreas, ou seja, para além das 11 demarcadas entre 1910 e 1918, bem como pela retomada de áreas reduzidas dentro daquelas comprovadamente e originalmente demarcadas nos Toldos Indígenas (KUJAWA, 2014a). Gomes (2014) destaca que a primeira situação, que pode ser chamada de recuperação dos limites territoriais de áreas indígenas demarcadas pelo estado do Rio Grande do Sul, se deu devido o art. 64 da Constituição de 1891 que transferiu aos estados o domínio e a atribuição para o gerenciamento das terras devolutas, da mesma forma que já orientava a Lei de Terras de 1850. Ademais, a Constituição Estadual de 1989 estabeleceu o prazo de quatro

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anos, a partir de sua promulgação, para que o estado promovesse o “reassentamento dos pequenos produtores assentados em áreas colonizadas ilegalmente pelo estado, situadas em terras indígenas” (art. 32, ADCT), passando o estado a reconhecer a ilegalidade de seus atos e a garantir o direito que assiste aos indígenas de reaver seus territórios. A segunda situação também possibilitada pela Carta Magna de 1988 é a chamada ampliação e constituição de novas áreas indígenas. Esta situação tem se ampliado desde 2004, gerando grandes conflitos sociais, econômicos e jurídicos, pois está relacionada ao direito de propriedade em contraponto ao direito indígena. Conforme a autora, este conflito ocorre em razão de que o texto constitucional não traz um marco regulatório capaz de indicar o período de tempo para as ocupações que podem ser demarcadas. É com base nas situações que se tem ampliada a tensão entre agricultores e índios, sendo que o conflito no Passo Grande do Forquilha é fruto desse período pós Constituição de 1988. Sobre isso Gomes (2017, p. 71) destaca muito bem a contradição evidenciada a partir da Carta Magna:

Se por um lado a CF/88, por não ter trazido expressamente um marco regulatório para a questão das demarcações posteriores a sua entrada em vigor, sugestiona, em uma interpretação extensiva, a possibilidade de reconhecimento de um direito imemorial indígena, a partir dos termos “direitos originários sobre as terras”, por outro lado, também cabe a interpretação de que tais direitos originários só cabe reconhecimento quando houver terras tradicionalmente ocupadas destinadas a “posse permanente” de indígenas.

Desse modo, a reivindicação de demarcação de terras indígenas em locais colonizados, como é o caso do TI Passo Grande do Forquilha, tem gerado uma série de processos jurídicos e administrativos, além de culminar em invasões e conflitos violentos, pois a maioria desses novos territórios ameaça as terras de agricultores familiares, que as compraram nas primeiras décadas do século XX (TEDESCO; KUJAWA, 2016). A principal razão para esse embate está focalizado na imprecisão do texto constitucional “quanto à existência de um marco regulatório explícito”, bem como a inexistência de um “posicionamento do STF no sentido de instaurar claramente um lapso temporal para as ocupações que podem ser demarcadas” (GOMES, 2017, p. 96). Na sequência apresentam-se os principais elementos que tem caracterizado o conflito entre índios e agricultores no TI Passo Grande do Forquilha, considerado como um caso que envolve a busca de restituição de terras indígenas em contrapartida com a proteção da propriedade privada, a partir da falta de um marco regulatório constitucional.

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3.2 O conflito agrário envolvendo indígenas e agricultores

No conflito agrário envolvendo índios e agricultores no TI Passo Grande do Forquilha, como em tantos outros que acontecem no Brasil, o primeiro argumento das disputas sobre as terras é quanto à propriedade privada versus o direito territorial indígena. Conforme Gomes (2017), a Constituição assegura o direito à posse de terras aos índios, mas também protege o direito à propriedade privada. Contudo, os embates sociais surgidos, exigem um equilíbrio acerca da garantia de direitos, sendo que esse diálogo deve envolver valores e virtudes políticas fundamentais, baseadas na tolerância, respeito e questionamento sobre a legislação e suas limitações. As divergências relacionadas a esses conflitos trazem à tona questões acerca do princípio da igualdade, do direito à propriedade, do título de posse, entre outros. Além disso, é relevante o fato de que pairam dúvidas sobre aspectos da ocupação tradicional dos índios, bem como sobre os procedimentos históricos de criação dos Toldos, especialmente nos períodos de colonização, que também envolviam questões administrativas muitas vezes divergentes (ARAÚJO et al., 2006). A discussão envolvendo o conflito no TI Passo Grande do Forquilha, nos municípios de Sananduva e Cacique Doble (Figura 2), exemplifica a disputa entre índios e agricultores, compreendendo uma porção de terra de 1.916 ha, sendo 500 ha em Cacique Doble e 1.416 ha em Sananduva (TEDESCO; KUJAWA, 2014).

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Figura 2 – Localização da área de Passo Grande do Forquilha nos municípios de Sananduva e Cacique Doble Fonte: Rückert e Kujawa (2008)

A demanda principal da FUNAI incide sobre uma gleba colonial Forquilha e o lote 5 da Seção Guabiroba, no lado esquerdo do rio Forquilha, no município de Sananduva. No lado direito do rio, no município de Cacique Doble, a demanda incide sobre algumas glebas das seções de colonização Tingó e Três Paus, totalizando a área de 1.916 ha aproximadamente e com 29 km de perímetro, atingindo cinco comunidades organizadas nos municípios de Sananduva e Cacique Doble (Figura 3). Nas atuais cinco comunidades (Bom Conselho, Lajeado Bonito, São Caetano no município de Sananduva; São Luiz Rei e Consoladora no município de Cacique Doble), há 162 pequenas propriedades, totalizando 1.914,84 hectares.

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O número de famílias que reside no perímetro é 74 e atualmente encontram-se residindo nesta área 259 pessoas (RÜCKERT; KUJAWA, 2008).

Figura 3 – Mapas das seções de colonização pública – TI Passo Grande do Forquilha Fonte: Kujawa (2014b, p. 174-175)

Esse conflito se insere na questão já levantada ao longo deste estudo, considerando que a Constituição de 1988 permitiu reivindicar aspectos relativos ao direito originário, incluindo a questão das terras. Os argumentos que movem os dois grupos são semelhantes: um que envolve presença e exclusão em determinado território, outro que adentra pelo âmbito legal da compra legítima e amparada pela esfera pública; além de elementos do campo cultural e da memória, envolvendo elementos históricos e antropológicos de ambos os lados (RÜCKERT; KUJAWA, 2008). O processo de colonização por agricultores na área reivindicada como sendo uma Terra Indígena ocorreu tanto por colonização particular como por secções de colonização

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pública, tratando-se de ocupação regular, em áreas adquiridas por Sesmarias, ocorrida no bojo da política pública de assentamento de descendentes de imigrantes oriundos das velhas colônias da região da serra gaúcha (KUJAWA, 2015). Contudo, dentre os argumentos dos indígenas destacam-se que a área é definida como de ocupação tradicional pelo grupo de caingangues desde o século XVII, sendo que há registro do aldeamento de Forquilha através do Relatório do Direito-Geral dos Índios, que datam de abril de 1889. Além disso, os índios ressaltam que sofreram expropriação da posse da terra pelo homem branco, bem como privatização da terra indígena por não índios e esbulho promovido pelo Estado, por meio de companhias de colonização e de agricultores (TEDESCO; KUJAWA, 2014). Cabe considerar:

Por outro lado, os conflitos no norte do Rio Grande do Sul, possuem duas especificidades relevantes, a primeira delas refere-se ao fato do estado rio-grandense ter, durante o século XX, desenvolvido uma política contraditória de definição, em momentos diferentes, das mesmas áreas, ora para indígenas e ora para agricultores provocando processos de (des)territorialização e reterritorialização forçados, tanto de indígenas, quanto de agricultores; a segunda especificidade é que os atuais conflitos ocorrem em locais densamente povoados por agricultores familiares, que migraram para a referida região motivados por uma política de colonização nas primeiras décadas do século XX, portanto, são proprietários e que vivem nelas centenariamente (KUJAWA; TEDESCO, 2014, p. 68).

O processo administrativo de demarcação da TI Passo Grande do Forquilha, em consonância com o Decreto 1.775/96, teve origem com uma demanda por parte dos indígenas à FUNAI, a qual se instaurou em 2004, quando se realizaram estudos antropológicos prévios (Portaria 1.136/PRES/2005) concluindo pela pertinência da demanda, identificando a área como de ocupação tradicional e apontando para a necessidade de organização de Grupo de Trabalho para a realização do Laudo de identificação, Delimitação e Demarcação (KUJAWA, 2015a). O Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação das Terras Indígenas Passo Grande do Rio Forquilha municípios de Sananduva e Cacique Doble destaca com grande ênfase a questão da territorialidade como fundamento para a reivindicação dos indígenas. Ressalta também que tradicionalmente a terra pleiteada é de ocupação coletiva, desde o acesso à terra, fortalecimento das relações familiares e de parentesco, e organização do trabalho. Além disso, considera-se o foco da ocupação imemorial manifestado no pioneirismo dos grupos humanos do Alto Uruguai, antes do processo de colonização da região (VEIGA, 2006).

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Ainda conforme Veiga (2006), na TI Passo Grande do Forquilha a interferência do Estado gerou a perda de território pelos índios e, por consequência, perda de área de perambulação e recursos naturais. Além disso, os levantamentos afirmam que há comprovação da ocupação tradicional, considerando que ainda eram ocupadas pelos índios na década de 1970, além de que não se pode considerar as terras como devolutas, pois não houve abandono por parte dos indígenas. É por isso que a discussão acerca da validade ou não dos títulos de terra dos agricultores na TI Passo Grande do Forquilha levanta questões controversas. Ambo os lados tem seus argumentos, sendo que segundo Yamada (2006) os índios, aparados pela Constituição, possuem direitos originários que ampliam a discussão acerca da ocupação tradicional. Já os agricultores estão amparados pela força dos títulos de propriedade, que consolidam o domínio sobre os bens imóveis. Observa-se que os índios procuram afirmar seu direito sobre as terras a partir do aspecto da tradicionalidade e imemoralidade, elencando argumentos históricos, elementos presentes no processo de colonização, registros, presença de cemitérios no local, documentos e depoimentos. Já os agricultores destacam os fatores envolvidos durante a colonização e a forma de obtenção das terras, considerando especialmente o fato de serem provenientes de Sesmarias e negando a ocupação tradicional e uso por parte dos índios. As ações desenvolvidas pelo Grupo de Trabalho da FUNAI, conforme passos previstos no Decreto nº 1.775/96, foram ocorrendo ao longo do tempo. Lideranças dos agricultores iniciaram também um movimento em prol da não demarcação, em defesa do direito dos colonos. Apesar dos esforços das lideranças locais e dos agricultores com o envio de documentação contestando o relatório da FUNAI, a mesma conseguiu, junto ao Ministério da Justiça, a assinatura da Portaria Declaratória nº 498/2011, reiterando a área como tradicionalmente ocupada por indígenas, sendo que, “a partir desse momento resta a demarcação física e a desintrusão dos não indígenas, ou seja, não há mais espaço para, no âmbito administrativo, discutir o mérito do direito indígena sobre a terra” (KUJAWA, 2015a, p. 121). Os índios apresentam um rol de argumentos acerca da legitimidade da demarcação e em contrapartida, os agricultores destacam os pressupostos que norteiam e legitimam a posse das terras. No quadro 1, elaborado por Kujawa e Tedesco (2014), tem-se uma síntese dos principais argumentos:

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Síntese dos argumentos dos indígenas ▪ Área definida como de ocupação tradicional pelo grupo caingangue, desde o século XVII, com grande intensidade no século XIX. ▪ No Relatório do Diretor-Geral dos Índios registram-se os aldeamentos de Forquilha, Bueno e Barracão (Relatório de Evaristo Teixeira do Amaral ao Presidente da Província, abril/1889). ▪ Expropriação da posse da terra pelo branco. ▪ Muitos depoimentos de indígenas e de alguns agricultores (na sua maioria, caboclos) da região atestando a presença de índios no local. ▪ Privatização da terra indígena por não índio e esbulho promovido pelo estado, companhias de colonização e agricultores. ▪ Registro de memória material e locais sagrados. ▪ Registro histórico de ocupação no local até o final da década de 1970, ou seja, o estabelecimento de uma aldeia beirando o rio Forquilha, numa área que separa Cacique Doble de Sananduva, entre 1928-1978. ▪ Documentos, mapas, literatura regional e sobre os caingangues no RS demonstram a presença indígena e política de estado na região, bem como a informação da demarcação de uma área de 226 ha, em 1910, em Passo Grande do Forquilha pela Comissão de Terras do Estado. ▪ Documentação e narrativas orais da existência do Toldo 5 (Toldo dos Índios), constituído em 1927 pelo governo do estado, de posse dos caingangues. ▪ No censo da FUNAI de 1970, declaravam-se 37 indígenas que moravam na área do Forquilha. Síntese dos argumentos dos agricultores ▪ Caminho dos aldeamentos entre Cacique Doble e o Toldo Ligeiro – Charrua. ▪ A constituição da Colônia Particular Sananduva, em 1904, parte dela feita por descendentes da família Bueno; a Secção Guabiroba, de 1915, atuais municípios de Sananduva e ; em 1914-1921 a colonização pública no município de Cacique Doble, seções Tingó e Três Paus. ▪ Onde hoje é Sananduva era propriedade de Francisco Alves Ribeiro do Amaral, conhecia como Invernada da Serra, recebida por Carta Sesmarias em 1852, devido a morte de Francisco a mesma foi adquirida por José Bueno de Oliveira, natural de Castro; esse, em 1870, 1878 e 1880 requer outras áreas na região, chegando a ter, em 1886 a 15.924 hectares, a maioria dessas como terras devolutas, ou seja, legitimadas para a venda pelo estado. ▪ Em 1889 registra-se a migração na região de moradores provenientes de colônias de imigração no RS. ▪ Na Fazenda São João de Forquilha, local que abarca as comunidades hoje demandadas pelo movimento indígena, descendentes de italianos adquiriram as terras nos primeiros anos do século XX; a referida fazenda abrangia 79.886 ha. ▪ Não há registro da presença indígena nesse período (início do século XX), configurado como presença contínua; há registros de índios que circulavam por alguns dias pela região, acampando nas margens do referido rio, principalmente em períodos de cheia, portanto, sem produzir tradicionalidade. A ocupação do lote 5 a década de 1970 foi por ato de invasão liderada pelo indígena Pedro Silveira e que o proprietário Luis Calderan conseguiu reintegração de posse em 1977. ▪ Presença antiga de agricultores na área demandada pela FUNAI, alguns há mais de 100 anos, a maioria deles com área média de 13,2 ha, portanto, com perfil de pequena produção de base familiar. ▪ A demarcação pública da Gleba do Toldo Cacique Doble foi a forma criada pelo estado, no início do século XX, para garantir o direito indígena. Dessa forma foi ajustado quais seriam as terras indígenas e terras dos agricultores. Desde esse momento a Gleba Forquilha não é mais dos índios. ▪ Enfim, a comprovação da existência de alguma demarcação oficial de terra indígena no local. Quadro 1 – Síntese dos principais argumentos de índios e agricultores Fonte: Tedesco e Kujawa (2014)

A partir dessa decisão ampliou-se ainda mais a tensão na região. Os agricultores alegam não terem conseguido construir efetivamente de um estudo prévio acerca da questão, e que as ações do Grupo de Trabalho da FUNAI foram impositivas. Houve a criação de uma associação dos agricultores, visando a atuação no processo por meio de estratégias que viessem atuar diretamente frente às ações da FUNAI. Essas mudanças no percurso do processo criaram uma nova agenda de discussão, envolvendo representantes dos índios e dos agricultores junto às autoridades (KUJAWA, 2015a).

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Desde a assinatura da Portaria Declaratória em 2011 os índios tem buscado exercer, geralmente com abusos, o que acham ser de direito. Já em 2011 acamparam próximo à rodovia RS 343. Em julho de 2013 um grupo de indígenas ocupou uma propriedade na capela São Caetano, em Sananduva. De imediato ocorreu uma grande mobilização local, com caminhadas, celebrações religiosas, bloqueios de rodovias, protestos contra violência entre outros, buscando os agricultores e a sociedade local chamar atenção acerca do problema. Infelizmente, esse episódio gerou um confronto direito entre indígenas e agricultores, deixando três agricultores e um indígena ferido, dos quais dois agricultores gravemente (TEDESCO; KUJAWA, 2014). A falta de segurança gerou ainda mais conflitos que culminaram com o apedrejamento do salão e da igreja da comunidade e diversos carros destruídos. Em julho de 2013 um dos episódios mais violentos ocorreu na comunidade, com uma batalha campal entre indígenas e agricultores, culminando com danos físicos, onde um indígena e três agricultores ficaram feridos, sendo um dos agricultores apresentando traumatismo craniano. Em setembro de 2013 ocorreram novamente invasões, em mais duas propriedades, onde os índios exigiram a desocupação e retirada dos proprietários. Neste episódio, realizaram a demarcação da área definida pela FUNAI e acatada pelo Ministério Público com base na Portaria 498/2011, colocando placas de identificação de Terra Indígena (TEDESCO; KUJAWA, 2014). Este foi o estopim para a intensificação da tensão e maior mobilização por parte dos agricultores. Ações de reintegração de posse, audiências com a FUNAI, Ministério Público Federal, Governo do Estado, Ministro da Justiça e até com a presidência da República foram implementadas para a discussão da questão. Em contrapartida a mobilização indígena e do Ministério Público buscou agilizar o processo de demarcação da área já declarada. O conflito ganhou visibilidade na imprensa nacional, sendo que a presidente Dilma considerou uma injustiça retirar os agricultores das áreas que eles ocupam hoje, disse ainda ser necessário estabelecer uma negociação com os índios e FUNAI para que o governo possa comprar terras para assentar os índios, mantendo os agricultores onde estão (TEDESCO; KUJAWA, 2014). Apesar do processo estar ainda em discussão, a tensão é permanente nas comunidades afetadas. Em 20 de novembro de 2016 uma nova ocorrência foi registrada, ampliando o conflito. Agora o alvo foram lavouras de trigo e pastagens da comunidade de Bom Conselho, Sananduva, que foram queimadas pelos índios (SACHETTI, 2016). Desse episódio, após investigação da Polícia Federal, oito indígenas e três agricultores foram presos em cumprimento de mandados. Outros dois índios foram presos, um em flagrante por posse ilegal de arma de fogo, e outro foragido da justiça. Além disso, houve apreensão de veículos e

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máquinas agrícolas dos índios, bem como facões, foices, facas, lanças, flechas e uma motosserra. Os detidos irão responder por crimes como organização criminosa com fins de extorsão e incêndio criminoso (LEHMEN, 2016). Sem dúvida o conflito acerca da TI Passo Grande do Forquilha tem suscitado problemas sociais e econômicos que afetam a dinâmica local, baseados em violência. De um lado, mobilizações e discussões em torno da nova agenda política tem arrastado o processo. Do outro, FUNAI e Ministério Público buscam dar seguimento à demarcação e restituição das terras, retirando dos agricultores a posse (KUJAWA, 2015a). Sobre esses embates, é importante ressaltar:

[...] a polarização não contribui para a solução de demandas territoriais na medida em que atende paliativamente a um grupo. Assim, torna-se necessário repensar a forma como vem ocorrendo a condução de alguns procedimentos, processos e decisões, que de modo atropelado vem a legitimar políticas públicas que não refletem os anseios e necessidades de indígenas e tampouco de agricultores, em decorrência da ausência de mobilização e negociação e pela dificuldade de perceber e tolerar os interesses do outro (GOMES, 2017, p. 90).

Toda essa discussão está centrada na interpretação constitucional acerca da recepção ou não do indigenato pela Carta de 1988, tendo como base duas possíveis interpretações. De um lado aquela corrente que diz que a Constituição recepcionou o indigenato como direito congênito dos índios sobre a terra, sendo que mesmo que existam títulos de propriedade centenários eles são nulos. Esta compreensão está associada a ocupação imemorial, onde a comprovação de terra tradicionalmente ocupadas não requer comprovação física nem temporal. E, do outro lado, a corrente que entende que a Constituição não recepcionou a questão da tradicionalidade com base na imemorialidade, mas sim na ocupação efetiva no tempo e no espaço, não sendo possível a nulidade os títulos de terras pertencentes aos agricultores. Com base na primeira corrente, Freitas Júnior (2007, p. 309) destaca:

Não se perquire, aqui, o título registrado, para legitimar a propriedade, nem se investiga a posse por meio da natureza da utilização da terra. Ao contrário, parte da concepção geral de que, nos primórdios, se determinada terra já era ocupada pelos índios, então esta lhe pertencia. Assim, torna-se sem valia a existência de registros civis em nome de não-índios, pois muitos deles foram conseguidos por meio de violência, quer seja física, quer seja moral.

Essa interpretação reconhece que no caso de terras indígenas há um título imediato de domínio aos índios, não havendo posse a legitimar, pois o domínio é reconhecido a partir do

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direito originário. Além disso, “quando a questão envolve títulos de posse sobre áreas onde há controvérsia sobre posse indígena, desde que tais títulos não sejam anteriores a 1680, devem ser admitidos com reservas” (SANTOS FILHO, 2012, p. 97). Portanto, no meio de tudo isso elementos polêmicos e argumentos de ambos os lados levantam uma questão jurídica relevante: a nulidade dos títulos dos agricultores. Este é o principal tema de discussão deste estudo, colocando à guisa de discussão a validação do ato jurídico de propriedade da terra, conforme será debatido no último capítulo.

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4 DISCUSSÕES ACERCA DO DIREITO DE PROPRIEDADE DA TERRA

Neste capítulo faz-se uma discussão acerca do direito de propriedade considerando especialmente a questão da nulidade dos títulos dos agricultores atingidos pelo processo de demarcação da TI Passo Grande do Forquilha, em Sananduva. Assim, o debate se orienta a partir de dois pressupostos. O primeiro o reconhecimento do direito originário dos índios, passando a ocupação da terra de geração em geração. Nesse contexto o título é imediato de domínio, não havendo posse a legitimar, pois existe domínio a reconhecer e direito originário preliminarmente reservado (SANTOS FILHO, 2012). E o segundo, que reza pela validação dos títulos de propriedade dos agricultores tendo em vista a legalidade do processo de posse das terras devolutas (Sesmarias) por meio de escritura pública reconhecida pelo Estado do Rio Grande do Sul, desde a época do processo de imigração dos primeiros moradores em 1889 (TEDESCO; KUJAWA, 2014). A partir dessas duas hipóteses busca-se discutir a validade do ato jurídico da concessão e posse das terras pelos agricultores, considerando ou não sua nulidade tendo em vista o preceito constitucional explícito no art. 231.

4.1 Sobre o direito de propriedade

Inicialmente faz-se um percurso acerca do conceito da propriedade e do direito fundamental do qual ela faz parte. A propriedade é amparada pela Constituição de 1988 (art. 5º)12:

Há sólidos argumentos que mantêm o caráter fundamental do direito de propriedade. Para além de seu reconhecimento constitucional expresso, são inegáveis a sua imutabilidade formal e material e a judicialidade plena. O reconhecimento da propriedade como direito humano se prende à sua função de proteção pessoal de seu titular. Há uma função individual da propriedade que consiste na garantia da autonomia privada do ser humano e no desenvolvimento de sua personalidade, pois os direitos reais são outorgados a uma pessoa para a realização pessoal da posição de vantagem que exerce sobre a coisa (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 176).

A propriedade consiste num direito complexo, cujos direitos estão relacionados a ação de usar, gozar, dispor e reivindicar o objeto. A propriedade diz respeito ao aspecto real de poder direto sobre uma coisa, gerando e diferenciando-se de outras relações jurídicas

12 CF/88 - Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; [...].

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(GOMES, 2008). Nessa ordem de ideias, o direito de propriedade se instrumentaliza pelo domínio e possibilita ao seu titular atributos consubstanciados nas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa que lhe serve de objeto conforme disposto no artigo 1.128 do Código Civil13. Consoante o entendimento externado por Farias e Rosenvald (2008, p. 181), o direito de usar é a “faculdade do proprietário de servir-se da coisa de acordo com a sua destinação econômica. O uso será direto ou indireto, conforme o proprietário conceda utilização pessoal do bem, ou em prol de terceiro, ou deixe-o em poder de alguém que esteja sob suas ordens”. Nessa perspectiva, observa-se que o direito de usar implica a utilização do objeto de acordo com a vontade exclusiva do proprietário, afastando esse direito a outros indivíduos. Já o direito de gozar a propriedade:

Consiste na exploração econômica da coisa, mediante a extração de frutos e produtos, que ultrapassem a percepção dos simples frutos naturais. Quando o proprietário colhe frutos naturais (percebidos diretamente da natureza) está exercitando somente a faculdade de usar. Mas estará verdadeiramente fruindo ao obter os frutos industriais (resultantes da transformação do homem sobre a natureza) e os frutos civis (rendas oriundas da utilização da coisa por outrem) (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 182).

O Código Civil também possibilita o direito de dispor da propriedade:

Entende-se como dispor a faculdade que tem o proprietário de alterar a própria substância da coisa. É a mais ampla forma de concessão de destinação econômica à coisa. A disposição pode ser material ou jurídica. Realmente, ao usar e fruir o proprietário não se priva da substância da coisa, pois aqueles poderes podem ser destacados em favor de terceiros, sem que seja atingida a condição jurídica do proprietário (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 183).

Assim, é importante destacar também o direito de reivindicar. No dizer de Farias e Rosenvald (2008), esse direito relaciona-se ao elemento jurídico da propriedade, representando a intensão do titular de excluir terceiros de atuar sobre o bem, permitindo que somente ele exerça ação socioeconômica. Ao contrário, as faculdades de usar, gozar e dispor estão relacionadas a proteção do domínio, oportunizando o exercício da posse sobre o bem. Portanto, a ação de reivindicar é resultado da titularidade da propriedade como forma de

13 CC - Artigo 1.128. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Parágrafo 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

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recuperação da posse, tornando efetivo o direito de usar, gozar e dispor da coisa, e assegurando ao proprietário o direito de reivindicá-lo de quem quer que injustamente a detenha. Conforme Porto (2016), baseado nos ensinamentos de Pontes de Miranda, a propriedade pode ser considerada como domínio e direito sobre algum patrimônio. Contudo, só o domínio sem a posse não fundamenta o direito de propriedade, mas apenas gera um direito real de domínio. Por isso, o titular do direito de propriedade possui domínio e posse, exercendo os direitos inerentes à essa condição como uso, fruição e garantia. Contudo, o domínio pode possuir certas limitações a partir do disposto na legislação ou também relacionado às restrições acerca dos negócios jurídicos. Nessa perspectiva, a propriedade como direito instrumentaliza o domínio, sendo a posse uma externalização das faculdades de uso, gozo ou disposição da propriedade. O entendimento desse instituto é importante para compreender as questões relacionadas à validação ou não dos títulos que envolvem a propriedade e como eles podem comprovar ou anular tal direito.

4.2 A ocupação tradicional e a propriedade privada

As considerações sobre o direito de propriedade contribuem para o debate necessário acerca do direito pleiteado por índios e agricultores no TI Passo Grande do Forquilha, destacando os argumentos legais e jurídicos que ambos alegam. De um lado os índios reivindicam as terras, consideradas de ocupação tradicional e, de outro, os agricultores, possuindo o título de propriedade, muitos centenários, comprovam ter a posse e o domínio sobre as terras. O instituto da ocupação tradicional trazido pela CF de 1988 fez nascer duas vertentes interpretatórias, uma moral, relacionada à ligação do índio com a terra, e outra mais legalista, considerando o termo tradicionalidade como algo relacionado à cultura indígena, relativa necessariamente à questão da posse permanente. De acordo com Freitas Júnior (2007), a relação de posse que os índios têm com a terra onde vivem é explicada pelo indigenato, sendo este considerado um direito originário, protegido pela Constituição. Para este autor, o indigenato não pode ser comparado apenas com a questão da ocupação territorial e, que pode ser derivada da propriedade. Ao contrário, a relação indígena com a terra é algo que diz respeito à sua essência e existência.

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Mendes Júnior (1912) escreveu que o indigenato é questão legítima por si só, sendo independente de processo legitimador. Já a ocupação depende de legitimidade, ou seja, de fatores que a tornem legal. Ainda sobre essa questão cabe ressaltar que:

O indigenato consiste no reconhecimento do direito congênito dos índios sobre suas terras, um direito anterior e histórico, preexistente ao próprio sistema jurídico português e brasileiro e que, portanto, prevalecerá sobre qualquer outro direito que se pretenda sobre esses territórios tradicionais. É com base no indigenato, reafirmado pelo ordenamento jurídico nacional desde a época colonial, que se justifica a nulidade de todos os títulos existentes sobre as terras indígenas e a consequente retirada dos não-índios da região após a demarcação. É também com base neste instituto que o ato da demarcação possui feição meramente declaratória, não constituindo o direito dos índios sobre suas terras, mas apenas o declarando a fim de delimitar seus “domínios” (FEIJÓ, 2014, p. 5).

Essas considerações buscam afirmar que o direito congênito dos índios sobre a terra não depende de reconhecimento legalmente formalizado (YAMADA, 2006), sendo que sua proteção se revela através da tradicionalidade da ocupação da terra pelos índios, conforme o art. 231, §1º, da CF. Contudo, essa ocupação tradicional não pode ser confundida com a simples ideia de ocupação ou posse imemorial, no sentido meramente temporal, tendo em vista que a Constituição não menciona qualquer fator relativo ao tempo, mas apenas condiciona a expressão à noção de habitat (FREITAS JÚNIOR, 2010). A questão da tradicionalidade expressa na Constituição Federal pode ser considerada sob a ótica das terras ocupadas por indígenas ao longo das gerações, sem interrupção, ou seja, habitadas em caráter permanente, sendo usadas para o desenvolvimento de atividades de produção e que fazem parte do processo de reprodução de suas tradições, cultura e costumes. Dois importantes instrumentos que consideram a questão do marco temporal, e que sustentam a necessidade de que a ocupação tradicional dos indígenas na terra deve ser igual a da Constituição, 1988, são relevantes quando se discute a posse. Na decisão do Supremo Tribunal Federal (PET nº 3.388-RR), envolvendo a Reserva Raposa Serra do Sol de Roraima, são fixadas diversas salvaguardas institucionais acerca das terras indígenas, as quais constituem normas decorrentes da interpretação da Constituição e que devem ser consideradas em todos os processos de demarcação de terras indígenas. Destaque para a transcrição do seguinte trecho:

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No voto condutor deste julgamento, do ministro Carlos Ayres Britto, está consignado ser o marco temporal da ocupação a data em que a Carta de 1988 veio à baila: I – o marco temporal da ocupação. Aqui é preciso ver que a nossa Lei Maior trabalhou com data certa: a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) como insubstituível referencial para o reconhecimento, aos índios, “dos direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Terras que tradicionalmente ocupam, atente-se, e não aquelas que venham a ocupar. Tampouco as terras já ocupadas em outras épocas, mas sem continuidade suficiente para alcançar o marco objetivo do dia 5 de outubro de 1988. Marco objetivo que reflete o decidido propósito constitucional de colocar uma pá de cal nas intermináveis discussões sobre qualquer outra referência temporal de ocupação da área indígena. Mesmo que essa referência estivesse grafada em Constituição anterior. É exprimir: a data de verificação do fato em si da ocupação fundiária é o dia 5 de outubro de 1988, e nenhum outro [...] (STF, Petição nº 3.388-RR, p. 111).

Seguindo as orientações dessa decisão do STF, o Parecer nº 0001/2017/GAB/CGU/AGU, também evidencia a questão do marco temporal, considerando que só são terras indígenas as ocupadas por índios na data da promulgação da Constituição de 1988. Assim, a propriedade privada que também é tutelada pela CF (art. 5º, XXII), é considerado instituto do qual flui o aspecto da titularidade. De forma contrária do que o indigenato, a posse e a propriedade privada situam-se dentre daqueles direitos adquiridos ao longo da vida. A posse é exercício inerente ao proprietário, adquirida através da prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício desse direito (FREITAS JUNIOR, 2010). Gomes (2017) destaca que o debate que envolve o direito indígena à posse das terras tradicionalmente ocupadas, em contrapondo ao direito à propriedade privada pelos agricultores amplia as questões relacionadas ao utilitarismo. Dessa discussão é fundamental considerar todos os aspectos jurídicos envolvidos, como forma de proteger direitos legalmente efetivados ao longo do tempo.

4.3 Validação ou nulidade dos títulos de terra dos agricultores

A discussão acerca da nulidade ou não dos títulos dos agricultores é um dos principais elementos do conflito na TI Passo Grande do Forquilha. O entendimento da questão passa pela análise da política governamental praticada na época da colonização como forma de compreender os atos administrativos e as leis que orientaram o processo. No Brasil, a Lei de Terras (Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850) e seu regulamento (Decreto nº 1318, de 30 de janeiro de 1854) tornaram-se os instrumentos que permitiam o acesso legal a propriedade da terra, consistindo nos marcos iniciais para o desenvolvimento

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das ações de colonização, dispondo sobre as terras devolutas do Império e sobre aquelas possuídas por títulos de sesmaria. O art. 22 do referido decreto destaca o aspecto de revalidação e legitimação das terras e da formação do domínio público e particular:

Art. 22 – Todo o possuidor de terras que tiver título legítimo da aquisição do seu domínio, quer as terras que fizeram parte dele tenham sido originariamente adquiridas por posse dos seus antecessores, quer por concessões de sesmarias não medidas, ou não confirmadas, nem cultivadas, se acha garantido em seu domínio, qualquer que for a sua extensão, por virtude do disposto no § 2º do art. 3º da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, que exclui do domínio público e considera como não devolutas todas as terras que se acharem no domínio particular por qualquer título legítimo (DECRETO nº 1318/1854).

A Lei de Terras instituiu a formalidade da legitimação das terras originadas de sesmarias, reduzindo a extensão dos domínios (LIMA, 1954). O Estado do Rio Grande do Sul tinha legitimação para transferir e vender as terras, conforme orientação da Lei nº 28, de 5 de outubro de 1899 e seu Decreto regulamentador nº 313, de 4 de julho de 1900 e posterior Decreto nº 3004, de 10 de agosto de 1922. Esse instrumento tratava das terras devolutas14, atos de legitimação de posse, processo de discriminação e medição, e também da venda das terras e regime colonial por parte do governo do Estado (RIO GRANDE DO SUL, 1961). O regulamento estadual das terras públicas e seu povoamento (Decreto nº 3004/1922) considerava as terras públicas como destinadas a um serviço gradual de colonização e a constituição de reservas para a exploração industrial de madeira e outros produtos florestais, bem como para interesses à climatologia e regime de águas (art. 1º). Já as terras de domínio particular eram consideradas como aquelas áreas de posse legitimada e das sesmarias e outras concessões revalidadas nos termos da Lei de Terras, com garantia de título legítimo (art. 2º). No caso de Sananduva, a colonização, a priori, teve seu desenvolvimento por interesse político com venda de lotes por seções tanto particulares como públicas, tendo sua ocupação regular em áreas adquiridas por Sesmarias com legitimação de posse, no início do século XIX. No capítulo IV – Dos títulos de propriedade dos lotes rurais e urbanos (Decreto nº 3004/1922), evidencia-se a possibilidade de duas espécies de títulos de propriedade: a)

14 Art. 1º - São terras devolutas: a) as que não estiverem aplicadas a algum uso público da União, do Estado ou do município, compreendidos no domínio deste os terrenos devolutos das cidades e vilas em virtude de leis anteriores, salvo os de que carecer o Estado para serviços de utilidade geral; b) as que estiverem dadas por sesmarias e outras concessões que tenham incorrido em comisso por não haverem sido reavaliadas na forma de lei nº 601, de 18 de setembro de 1850; c) as que não se acharem ocupadas por posses legitimadas nos termos da referida lei e respectivo regulamento; d) as que se acharem ocupadas por posse que, embora processados de acordo com a mencionada lei, ainda não estiverem julgados e não se basearem em título geral; e) as que não estiverem ocupadas por posses sujeitas à legitimação pela presente lei; f) as que não se acharem no domínio particular por qualquer título legítimo (LEI ESTADUAL, nº 28/1899).

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provisórios (expedidos por ocasião das concessões); e definitivos (expedidos depois que os concessionários houverem satisfeito todas as condições das concessões inclusive o pagamento integral da dívida contraída para com o Estado, do qual terão plena e geral quitação nesse título, pelo qual lhes ficará também garantida a propriedade). Para buscar justificar que os títulos envolvidos no conflito entre os índios e os agricultores de Sananduva não te vício de origem e são legítimos foram descritas as cadeias dominiais, apresentando um caso de área pública e outro de área privada. A pesquisa foi realizada a partir de escolha de duas áreas de terra e da análise da cadeia dominial, ou seja, a análise da relação dos proprietários de determinado imóvel, desde a titulação original até o último dono (atual proprietário). A pesquisa foi realizada junto aos Cartórios de Registro de Imóveis dos municípios de Sananduva, Cacique Doble e Lagoa Vermelha, analisando cada processo de transmissão e aquisição das áreas, com base em datas, registros e forma de registro. Os dois exemplos apresentados podem comprovar a legalidade dos títulos da TI Passo Grande do Forquilha. Observa-se no Quadro 2 a cadeia dominial pública (Anexo B), cujo primeiro registro data de 29 de novembro de 1963, localizada na Secção Tingó (Figura 3). A forma de aquisição da área foi inicialmente por título de propriedade e, após por escritura pública de compra e venda.

Quadro 2 – Cadeia dominial pública Data Transmitente Adquirente Forma Área Secção Registro Transferido para: 29.11.1963 Estado do Rio Hilário Título de 12,5 ha Tingó/ 52.463 67.051 Lv. Grande do Sul Se(ilegível) propriedade Lv. 3/BA 3/BA Fls. 300 Fls. 266 13.11.1972 Hilário Secco Valdemar Escritura 125.000 Tingó/ 67.051 Matrícula e sua mulher Vieira dos pública de m² Cacique Lv. 3/BA 47 Irma Tonietto Reis compra e Doble Fls. 266 Secco venda ATUAL PROPRIETÁRIOS ATUAIS: Valdemar 125.000 Tingó/ Matrícula Vieira dos Reis, Valdir Gubert e sua mulher m² Cacique 47 Jaira Inês Gubert, Bonfilho Vieira dos Reis Doble e sua mulher Marlei Lorenzo dos Reis e Lúcia Hirt Fonte: Cartório de Registro de Imóveis de Sananduva (2017)

A cadeia dominial apresentada no Quadro 2 está vinculada há um dos lotes apresentados na Figura 4.

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Figura 4 – Secção Tingó / colonização pública – TI Passo Grande do Forquilha Fonte: Kujawa (2014, b, p. 174-175)

Apesar de dificuldades de acesso aos registros cartoriais, especialmente no município de Lagoa Vermelha, o que gerou uma lacuna na cadeia, destaca-se que os dados coletados comprovam a legalidade dos registros, confirmando o direito de propriedade. Cumpre salientar que se for realizada pesquisa e análise da cadeia dominial de qualquer outro título desta e das outras secções (Figura 5) verificar-se-á a mesma origem do título de concessão pública. Além disso, apesar desse exemplo ser datado de meados do século XX, existem outros com datas relacionadas às primeiras décadas do século XX, sendo os títulos caracterizados como centenários, além de comprovação histórica e de registros sobre a chegada e instalação das famílias dos agricultores ao longo do processo de colonização. Essas evidências garantem aos agricultores a posse e domínio sobre as terras, descaracterizando a pretensão dos indígenas.

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Figura 5 – Mapa Colônia Forquilha – Passo Grande do Forquilha Fonte: Ruckert e Kujawa (2008)

Já no exemplo apresentado no Quadro 3, referente à cadeia dominial privada (Anexo C), mesmo com uma lacuna cartorial observa-se que a origem de toda a região está vinculada a legitimação de posse e o loteamento feito por iniciativa privada. Se tivesse sido concluída toda a cadeia dominial provavelmente a mesma remeteria ao inventário de José Boeno de Oliveira (Anexo A), considerado o marco da colonização do município de Sananduva.

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Nesse ínterim, destaque para o inventário datado de 07 de dezembro de 1923 que marca o início da cadeia, originada a partir de colonização privada, localizada na Secção Lajeado Bonito, Sananduva.

Quadro 3 – Cadeia dominial privada Data Transmitente Adquirente Forma Área Secção Registro Transferido para: 07.12.1923 O espólio de José Alves Escritura 16 ha Lajeado 2311 Lv. 4.209 Lv.3/J João Decarli dos Santos pública de Bonito/ 3/C Fls 9 e 4.412 Lv 3- e Albina partilha Sananduva 3/J.O Decarli Ilegível José Alves Caneto Carta de 37 ha Lajeado 4.412 Lv. 4.458 e dos Santos Centenaro adjudicação Bonito/ 3/J Fls 109 4.459 Lv. 3/J Sananduva 27.10.1937 Caneto Attilio Escritura 18,5 ha Lajeado 4.458 Lv. 11.174 Lv. Centenaro sua Benetti pública de Bonito/ 3/J Fls 119 3P mulher Ida compra e Sananduva Deboni venda 13.11.1937 Attilio Benetti Miguel Escritura 18,5 ha Lajeado 11.174 Lv. 12.390 Lv. Benetti e pública de Bonito/ 3/P Fls 3/Q sua mulher permuta Sananduva 153 Constantina Colla 23.09.1943 Miguel Avelino Escritura 18,5 ha Lajeado 12.390 Lv. 28.542 Lv. Benetti e sua Santini pública de Bonito/ 3/Q Fls. 3/AD mulher compra e Sananduva 153 Constantina venda Colla 10.10.1949 Avelino José Comel Escritura 18,5 ha Lajeado 28.542 Lv. 69.128 Santini pública de Bonito/ 3/AD Fls. Lv.3/BC e compra e Sananduva 57 31.572 Lv. venda 3/AF 08.04.1953 Maria Comel José Comel Formal de 18,5 ha Lajeado 31.572 Lv. 443 Lv. 3 partilha Bonito/ 3/AF Sananduva 07.05.1955 José Comel Gino Escritura 18,5 ha Lajeado 443 Lv.3 7.857 Lv. Stefano pública de Bonito/ Fls. 68 3/F Comanduli compra e Sananduva venda 30.11.1970 Gino Stefano Nelson Escritura 185.000m² Lajeado 7.857 Lv. Registro Comanduli e Luiz Ródio pública de Bonito/ 3/F Fls. 31 9.825 Lv.3/G sua mulher compra e Sananduva Josefa venda Szopsak 21.08.1973 Nelson Luiz Luiz Escritura 185.000m² Lajeado 9.825 Matrícula Ródio e sua Paloschi pública de Bonito/ Lv.3/G 316 mulher compra e Sananduva Fls. 82 Santina Basso venda Ródio 12.09.1996 Luiz Paloschi Jaime Escritura 185.000m² Lajeado Matrícula e sua mulher Fincatto pública de Bonito/ 316 Marizete compra e Sananduva Terezinha venda Paloschi Fonte: Cartório de Registro de Imóveis de Sananduva (2017)

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O exemplo retratado na cadeia dominial pode ser observado também nas demais áreas reivindicadas pela TI Passo Grande do Forquilha, nas localidades de Guabiroba, Bom Conselho, São Caetano e Lajeado Bonito, sendo que a data de origem (1923) está associado ao fato de que na época da colonização os primeiros núcleos colonizados ficavam distante da sede, tendo em vista o menor preço. Somente mais tarde é que as terras em torno da sede viriam a ser vendidas por preços mais altos, o que inclui a área analisada e as demais reivindicadas pelos índios, mostrando mais um ponto que destaca a improcedência da proposta (RÜCKERT; KUJAWA, 2008). Cumpre salientar que os cartórios tem poder jurídico no contexto dos atos administrativos, pois:

O exercício da atividade notarial é função pública exercida por delegação em caráter privado, nos termos do art. 236 da Constituição Federal [...] atividade notarial e registral tem relevante caráter social, já que está presente na vida dos cidadãos, em vários atos jurídicos, sendo prestados os serviços por meio dos tipos de cartórios existentes, tais como de Registro Civil da Pessoa Natural e Jurídica, de Notas, de Protesto, de Títulos e Documentos e Imóveis [...] a evolução da atividade está totalmente atrelada à evolução da própria sociedade, que sempre teve a necessidade de registrar, transferir, perpetuar suas origens, propriedades, posses, bens (LUCCHESI; TEOTONIO; CARLUCCI, 2013, p. 89).

Assim, não se pode negar que a atividade notarial está relacionada às necessidades da sociedade, baseada na instrumentalização como meio de efetivar e perpetuar o negócio jurídico. Ademais, cumpre salientar que o título de terras é o verdadeiro modo de aquisição da propriedade imóvel, produzindo efeitos porque é a mais alta prova de domínio, presumindo o cumprimento de todas as formalidades legais exigidas para a sua expedição, bem como o efeito de sua publicidade é decorrente da própria organização administrativa (LIMA, 1954). Importante salientar que “o registro torna público o título a que ele se refere e, presumivelmente, autêntico, não quanto à sua essência, mas seguro e eficaz quanto à forma e à exterioridade do título” (PORTO, 2016, p. 3). Outra questão é que “o devido processo legal estabelecido no art. 5º, LIV da CF faz referência à absoluta impossibilidade de que alguém seja privado de seus bens sem a observação do devido processo” (STEFANINI, 2012, p. 156). Não há como se referir à nulidade das escrituras públicas referentes a TI Passo Grande do Forquilha, sob pena de criar insegurança jurídica acerca do valor e poder dos títulos, rompendo com a máxima de que “quem registra é dono”. Sobre essa questão, Aranha (1997) considera a segurança jurídica a tradução da a superação das contingências de momento, estando vinculado ao princípio da legalidade. Ou seja, a aplicação da segurança jurídica está perfeitamente inserida na conformação sistêmica da legalidade, como princípio, sendo que o

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rompimento desse vínculo gera desprezo por outro valor básico do ordenamento, qual seja, o da confiança dos particulares na possibilidade de o Estado proporcionar-lhes um ambiente de estabilidade. Assim, no caso dos agricultores da TI Passo Grande do Forquilha, não há como se aplicar o princípio da nulidade dos títulos de terra ou a extinção de atos jurídicos, alegando aspectos de ocupação tradicional pelos índios e suas comunidades, conforme determina o Estatuto do Índio em seu art. 62, § 2º. Além disso, o mesmo não se pode dizer do explicitado no art. 231, § 6º, da Constituição da República de 198815. Contudo, não se pode proibir que o Poder Judiciário avalie os atos realizados e que são matéria de processo devidamente formalizado, pois conforme destaca o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. No entanto, defende-se a hipótese da legalidade dos títulos, da inexistência de vícios de origem e da insegurança jurídica que geraria caso seja demarcada a TI e anulados os títulos dos agricultores. A segurança jurídica é considerada reflexo e garantia da boa-fé ou confiança do particular frente aos atos emanados do Poder Público. “Preenchidas as condições de boa-fé do particular e do razoável transcurso de tempo, torna-se imperativa a preservação do ato administrativo para salvaguarda da segurança jurídica” (ARANHA, 1997, p. 66). Stefanini (2012) evidencia que cabe ao julgador considerar o esbulho possessório envolvendo a questão indígena não a partir de presunção, mas sim assentado em prova segura e incontroversa porque trata de direitos patrimoniais consolidados tanto em relação aos Estados-membros em face da União, considerando a distribuição territorial firmada pela Primeira Constituição Republicana, como também em esferas privadas. Assim: “não se pode afastar a sinalização orbital de que o direito de propriedade é de estatura soberana inserido que está como cláusula pétrea de garantia dos direitos fundamentais do Homem e do Estado” (p. 150). Com base nesse direcionamento, cabe a seguinte reflexão:

15 São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.

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Quem errou? O comprador que se aventurou no novo mundo, que trabalhou e pagou a terra e que continua trabalhando e pagando impostos, ITR e outros desde sua chegada ou errou o Estado, que vendeu, deu garantias e que tinha e tem o dever de proteger e dar proteção, inclusive jurídica ao cidadão. Ao descendente de colono não pode sobrar o ônus de politicas e avaliações equivocadas dos governos do passado que achavam que os índios, seriam uma etnia transitória que iria desaparecer e em função desta mesma perspectiva se realizou ações desconsiderando a existência indígena. Cabe, diante desta situação, um debate sobre até onde pode ir, ou qual seria o limite dos direitos fundamentais, para que possamos tomar decisões a cerca deles sem comprometer direitos e com equilíbrio das decisões. (PEREIRA; KUJAWA, 2014, p. 8).

Essa questão avança para a legitimação da propriedade àqueles agricultores que detém o título de posse em Sananduva e que pleiteiam questões acerca da TI Passo Grande do Forquilha. Neste caso, as terras formam pequenas propriedades de cunho familiar e não grandes latifúndios, não podendo se tratar os agricultores como intrusos ou ilegítimos no processo de aquisição da propriedade (KUJAWA; TEDESCO, 2014), e por consequência, nulos os títulos que possuem. Sem dúvida a resposta para esse conflito passa pela análise dos direitos fundamentais, entendendo-se “que não há respostas corretas ou incorretas; há respostas coerentes para cada momento histórico vivido, desde que estas levem em consideração a pluralidade de interesses em jogo e visem à equidade como elemento fundamental” (GOMES, 2014, p. 57). No caso em análise neste estudo, não existem elementos que confirmem a nulidade dos títulos, além do que essa anulação poderia gerar grande insegurança jurídica acerca da possibilidade de abrir precedentes para outros processos, desconsiderando o poder do título de propriedade. Assim, evidencia-se que não há nulidade dos títulos de propriedade dos agricultores em Sananduva tendo em vista a legalidade do processo de posse das terras por meio de escritura pública reconhecida pelo Estado do Rio Grande do Sul, desde a época do processo de imigração (TEDESCO; KUJAWA, 2014). Os títulos de propriedade apresentados pelos agricultores são legítimos, comprovando legalmente os processos de aquisição, compra e registro das áreas. Contudo, a falta de um marco temporal que oriente o disposto constitucional levanta a tese de que as terras pertenciam aos índios. Contudo, a orientação do STF, baseada na PET nº 3.388-RR é de que “não se pode desconhecer os títulos de propriedade compreendidos em cadeia iniciada há mais de cinquenta anos, viabilizando-se o retorno dos índios a terra ocupadas em período anterior”. Assim, o reconhecimento de direitos contido no artigo 231 está ligado, no particular, às “terras que tradicionalmente ocupam” no sentido presente, ou seja, a partir da promulgação da Constituição. “A retroação aos idos de 1938, com a declaração de ineficácia dos títulos formalizados e despejo sumário daqueles que nelas estão alojados, é passo

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demasiadamente largo, que não atende aos ditames constitucionais, especialmente quando estes também albergam o direito de propriedade” (BRASIL, 2013, p. 114-115). Este posicionamento mostra a importância de se estabelecer o lapso temporal. Se faz necessária uma adaptação ao referido artigo, porque não há marco explícito, gerando diferentes interpretações, o que prejudica em uma decisão judicial precisa. Por outro lado, o art. 5º da CF, expressa em seu inciso XXII o direito a propriedade, não havendo lacunas a preencher e nem interpretações diversas. Da mesma forma, o Código Civil complementa a questão da propriedade em seu artigo 1.128, dando o direito ao proprietário de usar, gozar e dispor da mesma. Este pensamento mostra o quanto a falta de uma determinação relativa ao tempo no art. 231 tem gerado uma série de interpretações inequívocas que culminaram com violência física e patrimonial, bem como disputas jurídicas entre índios e agricultores no município de Sananduva/RS. É por isso que para virar essa página da história é necessário reavaliar a escrita da Carta Magna relacionada à matéria em questão, dirimindo quais dúvidas relacionadas à ocupação tradicional.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo buscou levantar um debate baseado em aspectos teóricos, históricos e jurídicos sobre a validade dos títulos das propriedades rurais na área conhecida como Terra Indígena do Passo Grande do Forquilha, localizada nos municípios de Sananduva e Cacique Doble. Ao longo do texto procurou-se atender os objetivos previamente delineados como forma de compreender o processo histórico envolvido, bem como os atos administrativos e legais que orientaram as ações de colonização da área, a concessão e compra de terras e as relações acerca da presença da população indígena kaingang. O estudo identifica as peculiaridades do processo de demarcação de terras indígenas no Rio Grande do Sul, bem como analisa aspectos da colonização pelos imigrantes. Nesta senda, verificou-se que a colonização se deu para fins de desenvolvimento e ampliação da Província, sendo que o Estado tinha poder sobre as terras devolutas, inclusive algumas que pertenciam aos índios, vendendo-as com o intuito de arrecadar dinheiro. O reconhecimento da ilegalidade dos atos administrativos do governo gaúcho (art. 32 ADCT da Constituição Estadual de 1989) foi reconhecido, reavendo terras aos indígenas a partir da demarcação dos toldos. Contudo, o grande impasse que se levanta na questão da TI Passo Grande do Forquilha amplia a discussão acerca do direito indígena e do direito à propriedade privada, ambos amparados por diferentes interpretações da Constituição Federal de 1988. O instituto do indigenato é considerado um direito congênito, que prevalecerá acima de qualquer direito sobre territórios tradicionais, tornando-se eficaz com a tradicionalidade da ocupação pelos índios. Porém, há de se observar que o art. 231 que dá direito as terras aos indígenas não faz referência à questão temporal, abrindo-se uma lacuna interpretativa e que amplia as demandas e reivindicações dos indígenas, considerando terras tradicionalmente ocupadas por essa população. A questão levantada sobre a área Passo Grande do Forquilha é pós-Constituição de 1988, que permitiu reivindicar tal direito, seja pela interpretação unívoca relacionada à tradicionalidade, seja por alegações de que ao longo do século os índios sofreram expropriação do homem branco, sendo obrigados a abandoná-las. Ao determinar os elementos que implicam na validação do ato jurídico referentes aos títulos de propriedade de terras por parte dos agricultores, destaca-se o peso dos atos administrativos derivados da Lei de Terras e também da legislação das terras públicas do Rio Grande do Sul, tendo em vista que os conflitos observados nos municípios de Sananduva e

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Cacique Doble tem peculiaridades diferentes de outros que envolvem a retomada de terras pelos índios. Analisando as repercussões jurídicas, sociais e culturais frente à nulidade dos títulos, observa-se que dentre os argumentos dos agricultores, uma das principais teses é a alegação de que não houve posse permanente por parte dos índios e de que os títulos são centenários, legalmente constituídos. Contudo, desde 2004, o conflito se intensificou, após o relatório da FUNAI, dando parecer favorável aos indígenas e ingressando na esfera jurídica para reaver a dita área. A partir daí se intensificou o movimento, gerando invasões, além de inúmeros conflitos violentos entre índios e agricultores, assim como a queima de lavouras. Salienta-se que a área pretendida pela TI Passo Grande do Forquilha não é um grande latifúndio, são pequenas propriedades de cunho familiar. Esses agricultores possuem o direito a propriedade e tem título de posse, existem escrituras públicas, registradas, há mais de um século. Por mais que os indígenas, durante muitos anos, tenham tido seus direitos relegados em constituições anteriores, nesse conflito em questão há inúmeros aspectos que devem ser levados em consideração. Se a decisão for proferida pela invalidação dos títulos dos agricultores, a consequência será incalculável, pois a partir dessa decisão se abrirão precedentes para mais ações nesse sentido, com repercussões sociais e econômicas incalculáveis para diversas regiões. Assim, ao responder o objetivo geral e o problema de pesquisa, destaca que a validade do ato jurídico da concessão de terras aos agricultores no município de Sananduva/RS, frente à alegação de ocupação tradicional indígena e a criação da TI Passo Grande do Forquilha está embasada na legitimidade dos atos administrativos do Governo do Rio Grande do Sul (Lei nº 28/1899 e decretos regulamentadores) que foram pautados na Lei de Terras (1850). A concessão de terras aos agricultores foi válida, sendo que eles têm direito a propriedade, assim como título de posse. Acima de todas as injustiças que os índios passaram ao longo dos anos, e também com as políticas equívocas do Estado, os agricultores compraram, pagaram e registraram suas áreas de boa fé, ficando estabelecida a validade do ato jurídico. Uma alternativa para as injustiças feitas aos indígenas poderiam ser corrigidas de outra forma como a criação de reservas conforme prevê o Estatuto do Índio. Enfim, o direito a propriedade privada é incontestável, sendo que no plano dos conflitos entre índios e agricultores, a falta da definição de critérios mais objetivos para definição do que caracteriza uma terra como sendo de ocupação tradicional indígena é o principal empasse. Por isso, a necessidade de alteração da Carta Magna ou da pacificação do entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca dessa questão é fundamental para evitar

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violência, disputas e confrontos que possam atingir as pessoas e seus direitos fundamentais, incluindo o direito de propriedade. Ademais, a nulidade das escrituras públicas pode gerar insegurança jurídica abrindo precedentes incalculáveis, capazes de criar situações tão ou mais preocupantes acerca do direito de propriedade e da eficácia dos títulos.

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REFERÊNCIAS

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ANEXOS

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ANEXO A – Inventário de José Boeno de Oliveira

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ANEXO B – Matrícula Área Pública

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ANEXO C – Matrícula Área Privada

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