ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DA

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DL-01 Ses. Esp. 04/12/13

O Sr. PRESIDENTE (Marcelo Nilo):- Invocando a proteção de Deus, declaro aberta a presente sessão especial com a finalidade de fazer a entrega do Título de Cidadão Baiano ao Exmº Sr. Senador Cristovam Buarque, proposta pelo nobre deputado Euclides Fernandes. Convido para compor a Mesa o Sr. Deputado Euclides Fernandes, proponente da sessão; o Sr. João Durval Carneiro, senador da República pelo Estado da Bahia; o Sr. Paulo Pontes, chefe de gabinete da Secretaria da Educação, representante do governo do Estado; o Sr. Professor José Carlos Almeida Silva, Magnífico Reitor da Universidade Católica do Salvador; o Sr. Alexandre Brust, diretor-presidente da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral e presidente estadual do PDT; e o Sr. Eduardo Rodrigues de Souza, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e representante da OAB. Solicito ao Cerimonial da Assembleia Legislativa da Bahia para conduzir a este recinto o senador Cristovam Buarque. (O Cerimonial da Assembleia Legislativa da Bahia conduz o homenageado, o Sr. Cristovam Buarque, ao Plenário.) (Palmas.) Convido todos os presentes a ouvirem a execução do Hino Nacional. (Execução do Hino Nacional.) (Palmas.)

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7784-III Ses. Esp. 04/12/13 Or. Euclides Fernandes Entrega do Título de Cidadão Baiano ao senador Cristovam Buarque.

O Sr. PRESIDENTE (Marcelo Nilo):- Concedo a palavra ao deputado Euclides Fernandes, proponente desta sessão. O Sr. EUCLIDES FERNANDES:- Sr. Presidente da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, deputado Marcelo Nilo; Sr. Chefe de Gabinete da Secretaria da Educação, Paulo Pontes, aqui representando S.Exª o governador ; Sr. Secretário de Ciência e Tecnologia, deputado Paulo Câmera; Sr. Diretor-Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa, Inovação e Tecnologia, professor e doutor Roberto Paulo Lopes; Sr. Senador da República Federativa do Brasil, ex-governador do Estado da Bahia, Dr. João Durval Carneiro; Sr. Magnífico Reitor da Universidade Católica do Salvador, professor José Carlos Almeida Silva; Sr. Diretor-Presidente da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral, CBPM, Hari Alexandre Brust, também presidente do diretório estadual do PDT da Bahia; Sr. Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos e representante da OAB, Dr. Eduardo Rodrigues de Souza; Sr. Senador da República Federativa do Brasil, pelo Distrito Federal, mas natural de e homenageado desta manhã, Cristovam Buarque; ex-deputado federal Severiano Alves, que tem um serviço relevante prestado à educação do Estado brasileiro. Srs. Deputados, meus senhores, minhas senhoras, (lê) “meu dileto amigo professor, engenheiro, escritor, ex-governador de Brasília e senador Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque, é com imenso prazer e satisfação que estamos aqui para saudá-lo e fraternalmente recebê-lo como o mais novo baiano. A Bahia, através de seus legítimos representantes, os parlamentares desta Casa, se sente honrada em recebê-lo como um ilustre filho, principalmente por tudo que fez durante sua vida em prol da melhoria da qualidade do ensino em nosso País, a começar pela criação do Bolsa Escola, quando governador de Brasília. A história do senador Cristovam Buarque é rica, movimentada e de um brilhantismo invejável.

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Durante seu período universitário, quando cursou Engenharia pela Universidade Federal de Pernambuco, até 1966, em plena efervescência do regime militar, integrou o grupo político Ação Popular, que, embora de esquerda, tinha estreitas ligações com a linha progressista da Igreja Católica. Após perseguições, conseguiu, a duras penas, deixar o Brasil e seguir para a França onde ficou até 1979, tendo se doutorado em Economia pela Universidade de Sorbonne e integrado o quadro do Banco Interamericano de Desenvolvimento, com atividades nos Estados Unidos, e Equador, tendo ainda presidido o Conselho da Universidade para a Paz da ONU e participado da Comissão Presidencial para a Alimentação. É autor de mais de duas dezenas de livros, a maioria voltada para a educação. (Lê) “Tem no seu currículo o orgulho de ter sido o primeiro reitor da Universidade de Brasília eleito pelo voto direto. Onde o excelente trabalho realizado o alavancou para disputar e vencer as eleições para governador de Brasília. Responsável, na época, pela criação do programa Bolsa-Escola. Fora do governo, a partir de 1999, criou a organização não-governamental Missão Criança, que manteve viva a Bolsa-Escola em um momento em que o governo federal ainda não havia implantado programa semelhante. Graças à Missão Criança e à pregação incansável de Cristovam, o Bolsa-Escola foi adotado em países da América Latina e da África. Graças a ele, também, uma proposta ousada começou a ser encarada seriamente nos fóruns econômicos mundiais: a da troca de parte da dívida externa dos países do Terceiro Mundo por investimentos em educação. Em busca de apoios para isso, Cristovam cruzou o mundo todo, de Wall Street ao Vaticano. Graças a isso, o governo argentino obteve da Espanha o perdão de parte de sua dívida em troca de investimentos em educação. No primeiro governo de Lula foi ministro da Educação; atualmente exerce o segundo mandato de senador. Em 2006, candidatou-se à presidência da República, pelo PDT, defendendo a federalização da educação pública de qualidade para o nível básico. Propunha, também, a federalização de alguns aspectos da área como a definição de padrões mínimos para a infraestrutura educacional, currículos dos cursos e formação de professores.

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Como já citamos anteriormente, a história do nosso irmão homenageado é bastante rica e versátil. A sua preocupação com a criação de oportunidades para os menos aquinhoados remonta da sua adolescência, por ter sido ele o primeiro de sua família a ingressar em uma universidade. Na sua trajetória deixou como marcas: Bolsa-escola: que assegura um salário mínimo a cada família carente que tenha todas as suas crianças entre 7 e 14 anos matriculadas na escola pública. O programa atingiu, em 1997, 44.382 crianças de 22.493 famílias, com um gasto de R$ 32 milhões, ou seja, menos de 1% do orçamento do Distrito Federal. Com esse programa, a evasão escolar, que era de cerca de 10% em 1994, caiu para 0,4%. Poupança-Escola: Funciona como um programa complementar à Bolsa-Escola, visando diminuir a evasão escolar e a repetência. O aluno bolsista, a cada ano em que é aprovado, tem depositado em uma conta especial o valor de um salário minimo, que será aplicado no Fundo de Solidariedade do Distrito Federal. (Funsol). Após completar a 4ª e a 8ª séries do 1º grau, o aluno poderá sacar metade do valor depositado na poupança. Na conclusão do 2º grau, o saldo é liberado integralmente. Se o aluno for reprovado por 2 anos consecutivos, será eliminado do programa e o saldo revertido para o governo. O programa custa 10% do custo médio anual de um aluno na rede pública, o que faz com que, ao reduzir significativamente a repetência (caiu de 29,8% em 94 para 16,45% em 97), represente uma economia considerável para o governo, além do ganho social e educacional. Saúde em casa: As famílias beneficiadas por esse programa recebem regularmente a visita de equipes de saúde, treinadas para prestar serviços básicos na área a todos os membros da família, diminuindo sua necessidade de deslocamento aos hospitais e centros de saúde. Cada equipe, sediada numa Unidade de Saúde em Casa, é composta por um médico, um enfermeiro, três auxiliares de enfermagem, quatro agentes comunitários de saúde e um auxiliar de serviços gerais. E cobre uma região com cerca de mil famílias. Esse programa já está implantado em onze regiões atingindo, através das 101 equipes da Secretaria da Saúde, cerca de 800 mil pessoas.

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Mala do Livro: consiste em minibibliotecas (caixas-estantes), instaladas em residências de agentes comunitários de leitura, para empréstimo de livros à vizinhança. Cada biblioteca domiciliar tem um acervo de cerca de 150 volumes, composto de livros didáticos e de apoio escolar e das literaturas infantil, brasileira e estrangeira. Os livros são emprestados por sete dias. A cada dois meses, as caixas-estantes são trocadas, dando novas opções de leitura. O programa já tem quinhentas 'malas do livro', atingindo um universo de cerca de 50 mil pessoas. BRB-Trabalho: seu principal objetivo é democratizar o acesso ao crédito e aos serviços bancários, beneficiando microprodutores rurais e urbanos, como artesãos, feirantes, pequenos prestadores de serviços e trabalhadores do setor informal, bem como cooperativas e microempresas. O teto do valor financiável é de R$ 5 mil por pessoa e de R$ 25 mil no caso de formas coletivas de produção e trabalho. Estes recursos são destinados à compra de máquinas e equipamentos, bem como ao financiamento de capital de giro. O programa presta também assessoria empresarial e promove cursos para a capacitação técnica e gerencial dos beneficiados. Para se candidatar ao crédito, o interessado precisa residir no Distrito Federal há pelo menos cinco anos, ter experiência na profissão ou no empreendimento a que se candidatou, não ter nenhum tipo de restrição cadastral e apresentar um avalista nas mesmas condições. Quando o cadastro é preenchido, um agente de crédito da Secretaria do Trabalho vai visitar o candidato para verificar as condições de produção, a qualidade do produto/serviço e as expectativas de geração de emprego. Após a visita, o Comitê de Crédito aprova ou não a solicitação, com base no laudo apresentado pela Secretaria do Trabalho. Nas datas previstas, o beneficiado deposita, em qualquer agencia do BRB, o valor da parcela do empréstimo. Ao quitar um financiamento, todo aquele que pagou em dia poderá obter um novo crédito. Mas, minhas senhoras, meus senhores, embora o professor Cristovam Buarque tenha uma rotina de vida bastante cheia, como nós acabamos de descrever, ele encontra no seu dia a dia tempo para escrever, colocando suas idéias no palco das discussões. A sua produção literária inclui publicações em Inglês, Francês e Espanhol, monografias

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DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA independentes abordando temas da economia nacional e mais de 20 livros de cunho social, educacional, econômico e filosófico. Poucos políticos no Brasil podem ser tão associados a uma bandeira como o senador Cristovam Buarque à da educação. Pela melhoria da educação tem enfrentado os maiores desafios. Atitudes que merecem sempre os nossos aplausos. Suas preocupações se voltam mesmo para as mínimas atitudes, desde que estejam ligadas à educação. É de sua iniciativa a instituição do Dia Nacional da Educação Infantil e, em seguida, da Semana Nacional da Educação Infantil, sempre comemorada na última semana de agosto. E, finalmente, para coroar essas palavras que procuraram, dentro do tempo permitido, mostrar um pouco da vida desse grande brasileiro, lembro que a presidenta Dilma Rousseff sancionou lei, de sua iniciativa, estabelecendo que a cada período de 12 horas de estudo o detento tenha reduzido um dia de sua pena. A educação sempre em primeiro lugar. Muito obrigado”. (Palmas.) (Não foi revisto pelo orador.)

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DL-02 Ses. Esp. 04/12/13

O Sr. PRESIDENTE (Marcelo Nilo):- Gostaria de convidar para compor a Mesa o ex-ministro, ex-governador e vereador Waldir Pires. (Palmas) Agora convido o deputado João Carlos Bacelar, representando a Oposição, o deputado Rosemberg Pinto, representando a base do governo, e o proponente desta sessão, deputado Euclides Fernandes, para, juntos, entregarmos o Título de Cidadão Baiano ao senador Cristovam Buarque. (Palmas.) (O Sr. Senador Cristovam Buarque recebe o Título de Cidadão Baiano.) (Palmas.)

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7785-III Ses. Esp.04/12/13 Or. Cristovam Buarque Entrega do Título de Cidadão Baiano ao senador Cristovam Buarque.

O Sr. PRESIDENTE (Marcelo Nilo):- Tenho a a satisfação de passar a palavra ao agora nosso conterrâneo, o baiano, o senador Cristovam Buarque. (Palmas.) O Sr. CRISTOVAM BUARQUE:- Em primeiro lugar, um bom-dia a cada um e a cada uma dos meus conterrâneos baianos; também a cada um e a cada uma, se aqui estiverem, dos meus conterrâneos pernambucanos. Quero, depois disso, iniciar cumprimentando com muita emoção o presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, deputado Marcelo Nilo, a quem agradecerei ao longo do meu discurso essa gentileza. Ao deputado Euclides Fernandes, com quem passo a ter uma grande dívida por me dar esta honra que carregarei – espero, merecendo – de cidadão baiano. Cumprimento o chefe de gabinete da Secretaria da Educação, Paulo Pontes, que representa o governo do Estado; o senador, meu colega de Senado e, ao mesmo tempo, meu correligionário do PDT, João Durval Carneiro; o meu amigo, por quem tenho uma grande admiração, o ex-governador da Bahia Waldir Pires. (Palmas) Também saúdo esse outro grande amigo de algumas boas décadas, companheiro de muitas lutas, o professor José Carlos Almeida Silva (palmas); o diretor presidente da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral e presidente estadual do PDT, nosso querido companheiro Brust (palmas); o vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Eduardo Rodrigues de Souza. (Palmas.) Quero cumprimentar, também, alguns amigos aqui presentes, não estão à Mesa, mas estão, igualmente, em meu coração. Cito, em primeiro lugar, o Mário Nélson (palmas). Mário, eu o considero, aqui, como o representante de minha família, pois a minha esposa e os meus irmãos não puderam comparecer a esta homenagem. Quero cumprimentar Severiano Alves (palmas), a quem devo a iniciativa de um artigo na Constituição que permitiu ter uma lei com o meu nome: a lei do piso salarial do professor. Na verdade, é a “lei Severiano e Cristovam”. (Palmas.)

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Saúdo, também, os deputados estaduais Rosemberg Pinto, Damasceno, João Carlos e Álvaro Gomes. Cumprimento o desembargador substituto Ivanilton Silva. Há um velho e conhecido amigo que não via há muito tempo: Domingos Leonelli. Saúdo o Sr. Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, Paulo Câmera. Há outros nomes que, talvez, eu tenha deixado de me lembrar neste momento. Quero dizer a vocês que é uma honra um pernambucano ser, também, baiano. Tal honra quase se complementa com algo igual: igual porque somos nordestinos e nós nos complementamos pelas diferenças que temos. Devo dizer a vocês que esta “pernambucalidade” e esta baianidade se complementam. Isso, vou mostrar para vocês na formação de minha cabeça. A cabeça de cada um tem um pouco da natureza que vem de nossos pais. Mas é sobretudo na vida que a cabeça vai sendo feita. A concepção, a mágica do início da vida, tem uma contribuição pequena, ajudando, de certa forma, através dos genes. Mas, muito mais do que esses componentes da concepção, somos produtos de uma fábrica por milhares de operários que, ao longo da vida, vão nos influenciando com ideias e exemplos, com teorias e comportamentos. Nossos pais, que nos deram a base da cabeça por serem pais biológicos ou mesmo adotivos, são os primeiros que nos passam a educação, algumas ideias do mundo, o idioma que falamos e também do comportamento que seguimos. Mesmo assim, são eles que iniciaram a formação de cada um, apenas iniciaram. Depois, vêm os professores, os amigos, os vizinhos, os parentes, os servidores de alguns dos serviços que usamos, os autores dos livros que lemos, os compositores das músicas que escutamos, as ações de políticos que ouvimos, os jornalistas que nos passam notícias, os diretores e os atores das peças e filmes a que assistimos. São eles os operários da cabeça de cada um. São milhares que, imperceptivelmente, sem saber cada um deles, vão construindo a nossa cabeça. A minha lista pessoal dos operários que fizeram e continuam fazendo a minha cabeça, desde aquele longínquo domingo de Carnaval em que nasci, é muito grande. Não é aqui que vou recordar desses operários com a injustiça de muitos que eu me esqueceria.

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Quero, apenas, citar dois nomes que foram os mais determinantes em minha história intelectual. O primeiro foi um conterrâneo natural de nome Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo. E o outro foi um conterrâneo honorário, de nome Antônio Frederico de Castro Alves, que, a partir de hoje, é meu conterrâneo. Foram essas duas pessoas que me deram como sendo autores da minha cabeça em algumas das características mais fundamentais da maneira como eu penso, como eu vejo, como eu entendo o mundo e como eu ajo para transformar. Foram eles que me despertaram para a indignidade, a brutalidade, a desumanidade, a estupidez da escravidão. Foram eles que me despertaram para a necessidade de agir para extinguir essa brutalidade, essa desumanidade, essa estupidez que é a escravidão com seus livros e exemplos. E que ainda permanecem na estupidez, na brutalidade sob a forma da desigualdade, especialmente na educação.(Palmas.) Há muitos autores que formam a cabeça de cada pessoa, e muitos ativistas que formam o comportamento. Mas raros somam a autoria intelectual com a autoria comportamental. O sentimento errado com o desejo de corrigi-lo. Joaquim Nabuco e Castro Alves são os dois pilares, ao lado de outros milhares de autores, que levaram minha vida a seguir como professor, querendo entender as injustiças e a estupidez da estrutura social. Ao mesmo tempo, com o sentimento de indignação com elas e a vontade de agir para corrigir esse defeitos da vida nacional. Muitos devem ter ajudado a entender sem trazer o sentimento da indignidade. Muitos até podem trazer o sentimento, mas sem trazer a vontade de agir. Esses dois foram fundamentais para eu entender, para indignar-me e agir. Meu entendimento, meu sentimento de vontade de agir certamente seriam diferentes sem essas duas bases fundamentais da minha vida, desses meus dois conterrâneos, graças à generosidade de vocês, que fizeram com que eu me tornasse conterrâneo deles. Um, um conterrâneo natural; o outro, pela generosidade de um grupo de parlamentares, por sugestão do deputado Euclides Fernandes e sob a coordenação do presidente desta Casa, o deputado Marcelo Nilo, a quem volto a gradecer. Foram eles, aqueles dois, que me fizeram entender a estupidez de um País que incinera todos os anos cérebros, por não oferecer escola de qualidade aos portadores desses

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DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA cérebros. Milhões de jovens brasileiros que ficam sem educação necessária para construir um país que no século XXI só será potente e forte se for educado. Eu não pensaria essa ideia da incineração do cérebro por falta de educação se não tivesse lido Joaquim Nabuco e Castro Alves. Se os escravocratas eram estúpidos por limitar a energia humana do escravo apenas a seus braços, sem aproveitar todos os demais dotes, potencialidades, talentos que eles tinham para a economia e a cultura, nós hoje somos muito mais estúpidos, neste século que estamos, em que o grande fator da produção é o conhecimento. Se os escravocratas eram estúpidos por não aproveitar a potencialidade completa de cada escravo neste País, nós somos ainda mais por não aproveitarmos cada cérebro que nasce e vive neste País. Foram eles, Castro Alves e Joaquim Nabuco, que me despertaram não apenas para a burrice antipatriótica de incinerar a inteligência do povo. Também foram eles que me passaram a indignação com esse ato imoral. Sem eles, certamente, não teria despertado para o fato de que oferecer escola desigual às crianças é um ato imoral, um ato indecente e não apenas estúpido, do ponto de vista nacional. O mundo está cheio de desigualdades. Os que estão lá fora, por exemplo, sem usufruir desse agradável ar condicionado, estão em desigualdade conosco, mas é uma simples desigualdade. Há muitos que têm roupas bonitas, outros roupas feias, é uma simples desigualdade. Há, inclusive, alguns que usam o conforto de um automóvel, e outros o desconforto de um ônibus, mas isso é desigualdade. Acesso à escola desigual é imoralidade, não é desigualdade. (Palmas!) Desigualdade no acesso à educação e à saúde são desigualdades indecentes, imorais. E esse sentimento de indignação com essa desigualdade indecente eu devo, certamente, a muitas influências, começando por minha mãe e meu pai, meus irmãos, meus professores, meus amigos, mas, sobretudo, por essas duas grandes figuras da história que eu tive a sorte de encontrar pelos seus livros, seus pensamentos e pela história que eles ajudaram a fazer. Alguém ter mais saúde é natural. Alguém ter mais talento que outro é natural, mas alguém viver mais tempo do que outro porque tem dinheiro não é natural. Ou ser mais

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DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA educado apenas porque tem mais dinheiro no bolso e na conta dos seus pais igualmente não é natural. É natural a saúde desigual, mas não o acesso à saúde. Este sentimento que tenho com a imoralidade da desigualdade de como a educação é distribuída no Brasil, e não apenas esse desconforto com a estupidez de que ela é sem qualidade no Brasil, este sentimento, esta raiva eu devo às minhas leituras dos meus dois conterrâneos Castro Alves e Joaquim Nabuco. O grande abolicionista inglês Wilberforce só começou a vencer a luta quando percebeu que, mais do que apelar para a inteligência humana dos brancos, era preciso despertar neles a indignação cristã contra a venda, compra e exploração de escravos africanos. Foi aí, quando ele começou a passar essa indignação moral, que a Abolição começou a vencer. Ele começou a dizer com clareza que não era cristão plenamente quem tolerasse a escravidão. Eu creio que dizer, com todo o respeito às demais religiões - também elas, mas falo daquela que de certa maneira está mais presente entre os brasileiros - que não é cristão plenamente, no Século XXI, o do conhecimento, aquele que não se indignar e não lutar para que ofereçamos educação igual a todos. Não é cristão aquele que convive e aceita o fato de que uma criança vai ter uma boa escola ou uma má escola por conta do dinheiro que ele tem. Precisamos passar o sentimento de indignação diante da oferta de escolas com qualidades desiguais. Escola com qualidade, escola sem qualidade é uma contradição ética. Escola é escola. Se é sem qualidade, ela não é escola. Escola é o oxigênio da alma, do cérebro. Ninguém fala em oxigênio bom e oxigênio ruim. Oxigênio é oxigênio. Tem gente que pode morrer por falta de oxigênio, mas não podemos dar oxigênio ruim porque não existe. Assim é a escola, assim é a educação! É esse sentimento que a gente precisa passar, um sentimento de indignação diante da oferta de escolas com qualidades e de escolas ditas sem qualidade. Adotarmos um sentimento de que a economia, a lógica, precisa de educação com qualidade e a decência precisa que essa qualidade seja distribuída igualmente para todos.

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De vez em quando ouço dizer que a educação melhorou. Para poucos! Até pode ser bom para o Brasil, mas não é decente. Não seremos uma nação potente enquanto as escolas não forem de qualidade e não seremos uma nação decente enquanto essa qualidade não chegar a todos aqueles que nasceram no Brasil. Nem todos serão doutores, depende do talento, da vocação, da persistência. Mas não podemos deixar que isso seja uma consequência do dinheiro de cada um. Outros não terminarão o Ensino Fundamental, mas não podemos deixar que seja por falta de uma escola de qualidade que lhes deem a chance. Nós não seremos um país decente enquanto não tivermos alguns mais educados e outros menos educados em consequência do talento, da persistência, da vocação, até porque há maneira de usar o talento para outras coisas, uma educação que não seja aquela da escola, mas a escola tem de chegar a todos igualmente. Nós no Brasil precisamos acabar com a ideia de que a educação é uma coisa herdada e não construída, herdada pela compra e não construída pelo estudo. Acabar com a ideia de que você adquire o conhecimento da mesma maneira que se apropria por um pedaço de terra por uma certidão, que é a conta bancária de quem paga a boa escola. Antes os escravocratas compravam os braços dos escravos, agora os ricos compram as bases para o desenvolvimento dos cérebros de seus filhos. Aprendi com esses dois conterrâneos a entender e a indignar-me com essa estupidez e esta maldade. Mas com eles aprendi também que não bastava entender e indignar-se, era preciso agir, é preciso fazer, através da política, a mudança nessa realidade escravocrata dos tempos de hoje, que oferece escola desigual. E que oferece escola desigual com um conteúdo racial ainda, que é os seres pobres, os negros deste País recebem menos educação que do que os brancos. (Palmas.) Nós precisamos despertar, como Joaquim Nabuco e Castro Alves, que é a nação que vamos mudar. E venho aqui modestamente dizer que esse título, talvez no momento é a minha indignação que já é suficientemente grande, talvez não aumente o meu entendimento da estupidez dessa realidade social, porque já cheguei no tempo de ter aprendido. Mas ela, certamente, vai aumentar a minha vontade de continuar lutando, como Joaquim Nabuco e Castro Alves, contra a escravidão dos tempos de hoje, que é a escola desigual. (Palmas.)

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Recebo aqui um título, mas que tudo um compromisso. Recebo um título, mas em troca dou uma promissória a vocês, de que continuarei os anos que me restam ainda de vida para seguindo o exemplo do meu conterrâneo natural e do do meu conterrâneo de honra, graças a vocês, usar esse resto de vida para luta por aquilo que eles começaram e que não foi completado ainda: o fim de todas as formas de escravidão que ainda existem no Brasil. Muito obrigado, contem comigo e aqui fica a palavra de um baiano: eu vou continuar lutando. Um grande abraço para cada uma e cada um de vocês. (Palmas.) (O Sr. Cristovam Buarque é aplaudido de pé.) (Não foi revisto pelo orador.)

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DL-03 Ses.Esp. 04/12/13

O Sr. PRESIDENTE (Marcelo Nilo):- Meu querido amigo proponente desta sessão, Líder do PDT nesta Casa, deputado Euclides Fernandes; meu querido senador da República, o baiano Cristovam Buarque; Sr. Chefe de Gabinete da Secretaria da Educação, professor Paulo Pontes, representante do governo do Estado; ex-vereador, ex-prefeito, ex- deputado federal, ex-secretário, ex-governador e senador da República, João Durval Carneiro, do nosso Partido, PDT; meu querido amigo ex-ministro, ex-governador, vereador Waldir Pires; Sr. Magnífico Reitor da Universidade Católica do Salvador, professor José Carlos Almeida Silva; presidente do nosso Partido, companheiro, amigo, Alexandre Brust; ex-deputado federal, ex-presidente da Comissão da Educação da Câmara dos Deputados, Severiano Alves; ex-presidente da Câmara de Vereadores de Salvador Gilberto José; diretor da Fapesb Roberto Paulo; vereador de Salvador, Odioslvado Vigas; deputados, aqui presentes, João Carlos Bacelar, Roberto Carlos, Reinaldo Braga, Adolfo Menezes, Aderbal Fulco Caldas, saúdo a todos. Minhas amigas e meus amigos, o deputado Euclides Fernandes, Líder do PDT, nesta Casa, apresentou um projeto de resolução, concedendo o Título de Cidadão Baiano ao senador Cristovam Buarque e anexou o currículo dele. O deputado Roberto Carlos propôs a dispensa de todas as formalidades, vez que o professor, senador Cristovam Buarque é um homem conhecido pela sua história, seu trabalho e sua seriedade. Esta Casa, diga-se de passagem, é muito rígida na aprovação desses Títulos. Foi aprovado, à unanimidade, a dispensa dessas formalidades para que pudéssemos levar à votação secreta a proposta do deputado Euclides Fernandes. Numa votação secreta, senador, à unanimidade, V.Exª teve a aprovação desta Casa, que é a Casa do Povo, a verdadeira representação popular. Ficamos felizes, neste momento, por saber que V.Exª nasceu num Estado co-irmão, Pernambuco, e está sendo adotado pelos baianos. Porque nascer na Bahia é uma dádiva de Deus. A Bahia de tantas belezas naturais, a Bahia da Chapada, a Bahia da Cidade Alta e Baixa, a Bahia do São Francisco, a Bahia do Vale do Jequiriçá, a Bahia do Pelourinho, a

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Bahia do povo trabalhador, a Bahia do Carnaval é também a Bahia de Jorge Amado, de Anísio Teixeira, de Castro Alves, de Caetano Veloso, de Ivete Sangalo, de Waldir Pires, de Antonio Carlos Magalhães, de Jaques Wagner, e, a partir de hoje, passa a ser a Bahia de Cristovam Buarque. (Palmas.) Está encerrada a sessão.

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