Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

BE AN AIDORU: a indústria da fama no Japão1

Mayara ARAUJO2 Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Resumo

Poucos estudos no Brasil privilegiam a análise da indústria da fama e de celebridades de nações mais distantes. É pensando sobre essa falta de compreensão acerca de outras indústrias que o presente artigo propõe discutir as noções de fama e celebridade sob o prisma do Oriente, representado aqui pelo Japão. Dessa forma, analisa-se brevemente a indústria de entretenimento nipônico, tomando como ponto-chave da discussão a construção e o desenvolvimento de seus aidoru (idols), uma categoria de artistas japoneses que têm conquistado milhares de fãs ao redor do globo.

Palavras-chave

Idols; Indústria da Fama; Celebridades; Japão

Introdução

Em fevereiro de 2013 a atenção da mídia internacional foi aguçada quando Minegishi Minami, uma das cantoras do grupo AKB48, divulgou um vídeo3 onde se desculpava com os fãs com um gesto simbólico: raspando o próprio cabelo. Tal ato traz à luz elementos da cultura tradicional nipônica, quando os samurais cortavam o cabelo após perder uma batalha, representando a perda de sua honra. Para uma mulher japonesa, o ato foi ainda mais expressivo, pois representa o abandono de sua feminilidade, desistindo de ter relacionamentos até o dia em que sair do grupo. O motivo para tamanho escândalo deve-se ao fato da cantora ter sido fotografada por um paparazzi saindo da casa de um rapaz.

1 Trabalho apresentado no GP Comunicação, Música e Entretenimento, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

2 Mestre em Comunicação e Consumo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGCOM-UERJ). pesquisadora efetiva do Laboratório Asian Club (Asian Club/IACS-UFF). Email: [email protected]. 3 Disponível em: http://www.bbc.com/news/world-asia-21299324/

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Lull e Hinerman entendem que um escândalo midiático “occurs when private acts that disgrace or offend the idealized, dominant morality of social community are made public and narrativized by the media, producing a range of effects from ideological and cultural retrenchment to disruption and change.” (LULL; HINERMAN, 1998, p. 3). O comportamento de Minami contradiz a imagem esperada da artista por sua agência. Para se tornar um aidoru (idol, no inglês), o candidato submete-se a uma vida controlada por seus contratantes e devem ater-se a imagem designada para ele. Existe, inclusive, um suposto “contrato contra relacionamentos”, que a maioria das agências nega a existência, entretanto, é fato que os aidoru que se envolvem em escândalos por estarem em relacionamentos amorosos, são punidos por seus contratantes. A razão para a existência dessa regra deve-se ao fato de que as agências constroem uma imagem de disponibilidade e proximidade dos idols para com os fãs. Ao envolver- se amorosamente com alguém, os aidoru perdem a imagem de inocência e pureza que os fãs almejam, assim como os distanciam, uma vez que se tornam inalcançáveis (no sentido amoroso). Inúmeros são os casos de celebridades japonesas que foram obrigadas a “se graduar4” de seus grupos ou que foram rechaçados pela mídia por conduta inadequada. Para citar outros exemplos: Nozomi Tsuji do grupo , que possuía uma imagem brincalhona, surpreendeu o Japão ao anunciar que estava grávida aos 19 anos. Apesar de ter sido “perdoada”, foi obrigada a deixar o grupo. Yaguchi Mari também foi obrigada a deixar o grupo após descobrirem seu namoro com o ator Oguri Shun. Os exemplos não se limitam ao envolvimento amoroso. Kago Ai, do mesmo grupo, foi colocada em prisão domiciliar por ter sido pega fumando duas vezes antes da maior idade. Em seguida, foi esquecida pela mídia e tentou suicídio diversas vezes. Tsuyoshi Kusanagi, da banda SMAP, foi afastado após ser preso ter andado bêbado nu em um parque em Tóquio. “The media in can and often do put celebrities’s careers on hold (if not ruinning them completely) by turning audiences with the way scandals are presented and framed” (PRUSA, 2012, p. 58). Diante desse breve contexto, o presente artigo objetiva uma melhor compreensão acerca da relação entre a indústria japonesa da fama, os aidoru e os fãs. Para tal, o artigo encontra-se ancorado em três partes, além da introdução e das considerações finais. A

4 Diversos grupos de idols japoneses possuem o sistema de admissão e graduação de membros, na qual os integrantes entram e saem dos grupos. As entradas costumam ser feitas anualmente, para manter o grupo jovem. A graduação pode ocorrer por conta de uma falha de conduta de um integrante ou por conta da idade.

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primeira busca apresentar a lógica da indústria japonesa da fama, conhecida como sistema jimusho. A segunda parte procura explicar o que significa ser um aidoru, além de recorrer a um breve contexto histórico para maior compreensão do fenômeno. E, por fim, a última parte do artigo explora a relação entre as agências, os fãs e os aidoru. Pretende-se, dessa forma, oferecer uma introdução ao universo da indústria de celebridades japonesas que ainda carece de interesse por parte dos pesquisadores.

Entendendo a lógica japonesa: o sistema jimusho

A palavra jimusho, em português, poderia ser traduzida como “escritório”. Trata-se das agências de gestão de artistas. Os jimusho, no Japão, possuem profunda influência cultural em todos os campos que requerem performances – televisão (dramas de TV e programas de variedades), propaganda, música, filmes, etc. Diferente das agências norte-americanas, os jimusho contratam os seus artistas como trabalhadores assalariados, normalmente oferecendo salários baixos e renegociando contratos ao passar dos anos. (MARX, 2010, online). Dessa forma, os direitos autorais pertencem 100% aos escritórios e o sucesso das produções não determinam um “bônus” na verba recebida pelo artista. Em contrapartida, as agências investem uma grande quantia na criação de uma nova estrela. Os jimusho são responsáveis não somente por manejar a carreira do artista, mas, também por ensiná-los a dançar, cantar, atuar, se comportar em público, a sua maneira de falar e de vestir. Os jimusho assumem o controle sobre a aparência dos artistas (inclusive recorrendo a cirurgias plásticas) e de sua personalidade. “Idols are products of their jimusho, and the jimusho work to create idols who have the greatest economic potential” (MARX, 2012, p.37). O retorno financeiro ocorre, normalmente, com a estreia oficial da nova estrela. Até esse momento, os jovens artistas costumam aparecer performando no backstage de aidoru mais experientes. A partir da estreia, os aidoru começam a maximizar sua aparição em público, principalmente cedendo sua imagem à propaganda. Como pontua Kaji Yusuke (2001), no Japão, a propaganda na televisão vem sofrendo de uma dependência de celebridades (yuumei tarento izonshoo). Estrelas que aparecem na televisão possuem mais chances de se tornarem um aidoru (MARX, 2012). Diferentemente de outros países, no Japão, ser uma celebridade que se torna “a cara” (image character) de uma companhia de telefone celular, por exemplo, é

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considerado o cúmulo do prestígio e do sucesso (KARLIN, 2012). Porém a aparição dessas celebridades nas propagandas é distante do modelo que países ocidentais costumam oferecer. De forma geral, esses image characters apenas “emprestam” o seu rosto para o produto, sem fazer nenhuma menção direta a ele. Essas celebridades são escolhidas simplesmente porque a sua imagem complementa a imagem da marca, através de uma associação mútua. Essa lógica opera em consonância ao que Morin (1989) explica acerca de quando os atores de Hollywood se libertam de seus papéis para se tornarem estrelas: o intérprete é mais importante do que o personagem. Nesse caso, o intérprete é tão importante que se faz desnecessário criar um personagem. Seu rosto já basta. Além disso, essa ênfase em propaganda pode ser financeiramente interessante para as agências: Appearing in a single ad campaign for a major corporation or retail chain will guarantee a high source of revenue for the jimusho through a relativity small amount of work. Compare this with the hard-to-obtain music hit: promoting singles takes millions of dollars in marketing to the public. (MARX, 2012, ps. 49-50)

Outra característica particular é o fato da maioria das agências preferirem artistas que atuem em vários campos (que possam ser cantores, atores, modelos) por terem uma boa aparência, ao invés de serem verdadeiramente talentosos em alguma dessas áreas. Assim, boa parte dos aidoru podem ser excelentes ferramentas de promoção para os consumidores, que podem consumir produtos com essas imagens mesmo sem se interessar por seus talentos artísticos (MARX, 2012). Aproveitando-se das notícias de paparazzis, as agências também se posicionam para defender sua “marca”. Escândalos envolvendo idols raramente aparecem, mas quando ocorrem, os jimusho imediatamente castigam os seus artistas, afastando-os dos holofotes por algum tempo ou até mesmo encerrando contratos5. Isso ocorre principalmente devido ao fato das empresas (de propaganda) se aproveitarem da imagem “clean” dos idols para representar os seus produtos. Nota-se, portanto, que os jimusho possuem um poder considerável dentro da indústria de entretenimento japonesa, uma vez possuem o controle dos direitos autorais e

5 Cabe ressaltar que uma vez que o aidoru seja desligado ou desligue-se de uma agência, o contrato com as demais torna-se praticamente inacessível, uma vez que os conglomerados empresariais se protegem.

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percebem a dependência dos meios de comunicação de massa por celebridades6. Marx (2010; 2012) e Aoyagi (2005) sugerem que a máfia japonesa (yakuza) também exerce um importante papel na construção desse poder. Entretanto, como os autores pontuam, é impossível de se provar. O que se sabe é que se uma nova agência aparece, ela rapidamente é absorvida pelo keiretsu7 (conglomerado de empresas) em segredo. (MARX, 2012). This secretive stance is under-lined by ‘the tendency of jimusho to keep financial information private, change official firm names on a frequent basis, and splinter into informal groupings creat an industry environment in which improper financial transactions can go easily undetected (MARX, 2012, p. 45).

Tendo em vista essa breve descrição acerca da lógica envolta na indústria da fama japonesa, parte-se agora para uma melhor compreensão acerca dos verdadeiros protagonistas desse sistema: os aidoru.

Aidoru: Viver para (a)parecer

A palavra aidoru (アイドル) remete à leitura japonesa do inglês idols. A aparição da palavra no Japão foi devido ao filme francês Cherchez l’idole em 1963. A partir de então, passou a ser associada majoritariamente à artistas jovens (que iniciam a carreira ao redor dos dez anos de idade e sobrevivem como tal até em torno dos 25) que cantam, posam para fotógrafos e aparecem frequentemente na mídia. “They are popular and project themselves as clean, healthy and energetic” (GALBRAITH, KARLIN, 2012, p. 5). Aidoru são diferentes dos outros artistas japoneses devido ao fato de serem recrutados por agências e possuírem foco em propaganda. Esse tipo de celebridade japonesa pode ser analisada sob o mesmo ponto de vista de Chris Rojek (2008): tratam- se de mercadorias, no sentido de que os consumidores desejam possuí-las.

6 A mídia japonesa depende dos jimusho para ter acesso às celebridades, o que faz com que críticas ao sistema possa resultar em acesso limitado. Por isso, tópicos que abordem essa lógica “intra-industrial” dos jimusho não são debatidos na imprensa e deixado apenas para os tabloides. (MARX, 2012, p.53)

7 O mais famoso e lendário keiretsu é representado pela Johnny’s and Associetes, que são especializados em grupos de idols masculinos. Dentre os quais, pode-se citar os grupos Arashi, SMAP e Kat-kun.

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Os aidoru são criados para serem um espelho para a sociedade, um objeto de fantasia e de desejo que afetam profundamente os seus seguidores (GALBRAITH, KARLIN, 2012, p. 2). Assim, suas imagens são construídas para atenderem alguns ideais: as meninas devem ser puras e angelicais; os meninos são treinados para se tornarem ikemen (cavalheiros ou homens muito bonitos com aura de príncipe encantado). Mas o que vale para ambos é a necessidade de se parecer inocente, o que significa que os aidoru devem parecer sexualmente e romanticamente inexperientes. Idols can be male or female, and tend to be young, or present themselves as such; they appeal to various demographics, and often broad cross sections of society. Idols perform across genres and interconnected media platforms at the same time. They are not expected to be greatly talented at any one thing, for example singing, dancing, or acting; they are interchangeable and disposable commodities that “affiliate with the signifying processes of Japanese consumer capitalism” (GALBRAITH, KARLIN; 2012, p. 2).

Dessa forma, aqui também vale a explicação de Boorstin (1992) sobre celebridades: o ponto-chave para ser um aidoru é o fato de sua imagem e de seu nome possuírem mais valor do que seus talentos.

Figura 01: Grupo de Idols – Arashi (masculino) e Morning Musume (feminino)

A história dos aidoru começa nos anos 1960, mas é somente a partir dos anos 1980 que essa categoria de artistas passa a ser popular no Japão. Nessa década, que ficou conhecida como “A era de ouro dos idols”, a indústria cresceu a ponto de lançar 50 novos idols todos os anos no mercado e explodiu com a aparição de Saiko Matsuda, que se tornou a “eterna idol japonesa”. Outra característica importante para justificar a enorme popularidade desses artistas nessa década foi o aumento da visibilidade dos animês, onde os idols eram convidados para cantar as músicas de abertura e encerramento, além de dublar os personagens. Assim, os idols deixaram de ser apenas cantores que apareciam

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na televisão apresentando suas canções, mas artistas diretamente envolvidos com a indústria de animês. Esses marcos ocorreram por conta de uma política local para proteger o mercado cultural doméstico no Japão, ajudando, inclusive, a combater os fluxos de mídias globais (GALBRAITH, KARLIN, 2012)8. Entretanto, nos anos 1990, a popularidade dos idols diminuiu consideravelmente por conta da ascensão de outros ritmos no mercado fonográfico, como o J-Rock9 e o Visual Kei10, afastando os idols para mercado de nicho. Assim, foi preciso que eles se reinventassem, especializando-se cada vez mais no mercado dos animês e, no caso dos grupos femininos, em se tornarem gravures (idols que tiram fotos de biquíni), além de investir em bairros específicos como Akihabara e Harajuku, regiões de tendências tecnológicas e de moda feminina. A força do J-Rock e do , no entanto, diminui nos anos 200011. Nesse período, grupos de aidorus exponentes continuaram surgindo, dentre eles o Morning Musume, produzido pela agência Hello! Project. Cabe ressaltar que a premissa do Morning Musume era de se tornar o maior grupo feminino da história do Japão. Percebendo o sucesso do grupo, o Hello! Project passou a investir em outras áreas para além da música, juntando diversas artistas agenciadas e criando, por exemplo, um grupo de futsal “Gatas brilhantes HP” (em português mesmo), que consistia em várias meninas jogando futsal juntas. Na ala masculina, Johnny Kitagawa, responsável pela Johnny’s Entertainment, reuniu alguns garotos que eram júniores em sua agência e criou o grupo Arashi, que se tornou o grupo responsável pela retomada dos idols no mercado da música. Esse “novo tempo”, no entanto, foi marcado pelo maior acesso as tecnologias da comunicação e informação, tornando cada vez mais difícil para os aidoru esconder seus “eus”, uma vez que a mídia japonesa se faz ainda mais presente. Aliado ao fato da imagem construída para esses artistas almejarem a “perfeição”, ao não erro, qualquer pequeno deslize de conduta pode se tornar um escândalo. Além disso, os fãs também são

8 É interessante lembrar que nessas décadas o Estados Unidos possuía forte presença no território japonês por conta do pós-guerra. 9 J-Rock é o termo utilizado para se referir a um nicho musical que abriga vários estilos. 10 Dentro do cenário do rock japonês, existe uma vertente denominada de Visual Kei. Trata-se de um movimento musical que mistura diversos estilos e a banda utiliza-se de um visual (roupas e maquiagem) e performance extravagantes. 11 Essa força diminui devido ao encerramento de bandas exponenciais do movimento.

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condicionados a acreditar que essas imagens são reais, causando ainda mais problemas de relacionamento que envolve a tríade idol-agência-fã.

A relação entre audiência, agências e aidoru

Muitas vezes associados à imagem dos otaku12, os fãs japoneses podem se aproximar de suas contrapartes ocidentais mais do que se espera. Altamente engajados nas mídias sociais e dispostos a apoiar seus aidoru, esses fãs recebem parcela de responsabilidade pela audiência da televisão no século XXI e, principalmente, de seus comerciais. “By building a prolonged relationship with a particular idol or celebrity through a process of branding, the consumer/fan seeks greater engagement across media platforms, including the watching of commercials” (KARLIN, 2012, p. 86). Conectados, esses fãs alimentam o diálogo a respeito de um aidoru nas redes, compartilham informação, clamam por mais detalhes e navegam na Internet a fim de conhecê-los melhor. Fiske (1992) ressalta que esse diálogo é responsável por boa parte do prazer da comunidade de fãs. Trata-se do que o autor denomina como “produtividade enunciativa”, que descreve as formas de interação social através do consumo. “A produtividade enunciativa inclui ainda formas prazerosas de comunicação não verbal como a reprodução da imagem de um artista ou o uso de botons para demonstrar afeto (...)” (SANDVOSS, 2013, p. 24). Esse tipo de prática, cabe ressaltar, é bastante recorrente dentro do fandom japonês e, inclusive, é fomentado pelas agências. Para apoiar seus aidoru preferidos, os fãs participam ativamente dentro da comunidade, disponibilizando legendas em inglês para shows, programas de variedades e dramas de TV, uma vez que materiais como DVDs e CDs dificilmente saem do Japão, dificultando a entrada desses artistas no Ocidente. Além disso, a maioria dos aidoru possuem fã-clubes oficiais, onde os fãs também participam ativamente. Fazer parte desses clubes proporcionam, inclusive, algumas facilidades como a compra de ingressos mais baratos para shows ou obter alguns itens especiais, como fotografias autografadas, por exemplo. (JÓNDÓTTIR, 2013).

12 A palavra otaku, literalmente, significa “na sua casa”. O termo, no Japão, é utilizado para se referir a pessoas obcecadas por determinado objeto, a ponto de não conseguirem se relacionar com outras pessoas. Para mais informações, ver Barral (2000)

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The organization of fandom by and around commercial industries in Japan does not lessen the emotional grip among members or invalidate its community of ardent fans. The charisma of a popular singer may (or may not) be individually derived but its maintenance by a profit-seeking music industry forms the basis of fandom in Japan (YANO, 1997).

Figura 02: Handshake Events com Idols

As agências, em parceria com as empresas de mídias japonesas, ao perceber em a movimentação dos fãs, organizam sites e fóruns de discussão oficiais onde compartilham os supostos bastidores da gravação, apelando para uma aproximação maior entre os aidoru e os fãs. Esse sentimento de aproximação e de intimidade vem por conta desse excesso de exposição dos idols na mídia, que passam a imagem de que o conjunto de suas atuações retratam o seu self. Dyer (1980 apud LITTER, 2015) afirma que a mídia possui um papel crucial para essa construção de um “eu privado”. Essa aproximação é a chave que proporciona um “acesso íntimo” a estrela. Estratégias de marketing também são pensadas para contemplar a importância dessa comunidade para a indústria – ocultada pela imagem dos grupos de idols. Um bom exemplo dessa “reverência”, foi um tour realizado pelo Arashi, onde os integrantes da banda pediram aos fãs que votassem nas músicas que queriam ouvir ao vivo. “Giving fans direct opportunities to affect their favorite aidoru, whether it is concerts or handshake events (amongst other things), can give them a certain purpose as well as benefit the aidoru themselves” (JÓNDÓTTIR, 2013, p.15). Assim, a autora explica que os aidoru se apoiam nos fãs e que estes são essenciais para possibilitar a sua existência. Entretanto, entende-se aqui que, na verdade, são, novamente, as agências que se apoiam no fandom para continuar cultivando a indústria de aidoru no Japão. Nesse sentido, as celebridades parecem atuar apenas como porta-vozes desses escritórios, com discursos perfeitamente construídos para atingir maiores níveis de audiência.

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Os aidoru, por sua vez, são os produtos criados por esses escritórios. Treinados para agirem de acordo com os ideais de perfeição, sua única forma de reação contra as normas pregadas pela indústria, seja, talvez, os próprios escândalos, que acabam “humanizando” suas imagens perante o público e rentabilizando, ainda mais, as empresas de mídia que lucram em cima disso. “The media scandal is one proven means to stimulate public outrage and corporate profits” (LULL & HINERMAN, 1998, p. 28). Percebe-se, como aponta Marx (2010), que a audiência possui um papel crucial para a compreensão desse sistema, pois reside nela a força para rejeitar ou aceitar os modelos comercializados pelos jimusho.

Considerações Finais

Buscou-se, nesse artigo, trazer um primeiro olhar acerca da indústria da fama japonesa, tomando as dinâmicas entre jimusho-aidoru-fã como o ponto privilegiado de análise. É importante enfatizar que tal assunto ainda carece de pesquisas que busquem uma melhor compreensão acerca do fenômeno13, tanto por parte de pesquisadores ocidentais quanto orientais. Justamente por conta dessa carência que as análises se tornam difíceis: a bibliografia disponível é escassa e, no que tange a esfera das comunidades de fãs, nem sempre os principais teóricos da área (como Jenkins (2009), por exemplo) dão conta de sua complexidade, que, ainda que possua pontos de convergência, algumas vezes operam com uma lógica diferente da qual estamos acostumados no Ocidente14. Compreende-se aqui que as agências – jimusho – fabricam uma imagem para os seus contratados – aidoru – que seja compatível com as normas e os valores da sociedade nipônica. Para tal, enfatiza-se características que remetam a inocência, a juventude e a um bom comportamento. Mas isso não quer dizer que todos os aidoru sejam iguais. Pelo contrário: desde que atendam esses valores, cada um tem uma imagem devidamente construída para atingir o maior número de público possível. Além disso, percebe-se que as agências possuem forte envolvimento com as empresas de mídia e de propaganda, que também se utilizam da boa performance dessas celebridades a fim de conquistar mais consumidores para os seus produtos. Por essas razões, um erro de conduta por parte dos

13 Refere-se, aqui, ao fenômeno como um todo: faltam pesquisas que discorram acerca das dinâmicas das agências e da lógica do sistema, dos aidoru como objeto de consumo e das próprias dinâmicas dos fãs japoneses e – por que não - brasileiros. 14 Ver, por exemplo, Nagaike (2012).

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aidoru, pode comprometer a boa execução desse sistema e, quando ocorre, esse indivíduo é imediatamente afastado. Apesar do “rosto do sucesso” ser dos aidoru, a relação entre esses artistas com suas agências é desigual, uma vez que os escritórios detêm a maior parte dos direitos sobre eles. Não obstante, entende-se aqui que a relação das celebridades com os fãs japoneses, é, na verdade, uma relação mediada pelas agências, uma vez que são esses quem rigidamente determinam como os aidoru devem se comportar e o que dizer para a audiência. Os fãs, por sua vez, adotam determinadas posturas para demonstrar apoio aos aidoru, seja divulgando sua imagem e produções ou questionando a veracidade da mídia quando escândalos ocorrem. Entretanto, não há estudos disponíveis que ofereçam pistas de que os fãs nipônicos questionem as condutas dos jimusho. Em uma primeira análise, também não há indícios de que os fãs produzam em cima dos elementos culturais provenientes desses aidoru no intuito de sanar possíveis “buracos” deixados pelo mercado, pelo contrário: as produções dos fã japoneses parecem justamente querer reafirmar esse mercado e expandir o seu potencial de alcance, como uma maneira simbólica de demonstrar apoio as suas celebridades favoritas. Por fim, se faz relevante ressaltar que esse artigo apresenta reflexões introdutórias de um campo de pesquisa ainda pouco explorado. Análises mais profundas se fazem necessárias a fim de melhor decifrar a indústria da fama japonesa.

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