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Anais Eletrônicos do X Encontro Internacional da ANPHLAC São Paulo – 2012 ISBN 978-85-66056-00-6

As Campanhas do Deserto de : um projeto de Nação

Alessandra Gonzalez de Carvalho Seixlack1

La orla de bárbaros que ha inundado por espacio de siglos las dilatadas y fértiles llanuras de las y que nos tenía como oprimidos en estrechos límites, imponiéndonos vergonzosos y humillantes tributos, ha sido por fin destruida o replegado a sus primitivos lugares allende las montañas. Julio Argentino Roca, 1883.

Em fins do século XIX, o Estado nacional argentino não havia instituído a soberania plena sobre o território pampeano e patagônico, de modo que a fronteira estatal restringia-se às Províncias de , Santa Fé, Córdoba, San Luis e Mendoza. As regiões a serem territorializadas pelo Estado argentino, além de objeto de disputas limítrofes com o Chile, encontravam-se sob o domínio efetivo de grandes caciques soberanos2 pertencentes às etnias Ranquel, Tehuelche, e Pehuenche, dentre os quais se destacavam Manuel Namuncurá, Valentín Sayhueque, Manuel Baigorrita, Epumer e Pincén. Na visão dos criollos, tais grupos indígenas, que haviam atingido um alto nível de poderio militar e centralização política desde o processo de araucanização dos pampas,3 representavam uma ameaça à segurança nacional devido à prática dos malones, invasões armadas às estâncias visando ao roubo de gados e ao rapto de crianças/mulheres; além disso, dificultavam o crescimento econômico do país, pois habitavam as terras que interessavam aos grupos vinculados à expansão agropecuária e controlavam as rastrilladas – importantes rotas comerciais através da Cordilheira –, abastecendo com os gados capturados o mercado chileno. Nesse contexto, instituir a soberania sobre o território sul apresentava-se como a condição para a definitiva consolidação do Estado nacional argentino. A incorporação produtiva de novos territórios e a unificação territorial do país possibilitariam ao Estado frear os desejos expansionistas do Chile sobre a Patagônia e executar o projeto de Nação defendido pelos criollos, assentado sobre a ideia de Civilização. Partidários do liberalismo, interessados na expansão agropecuária e utilizando-se do discurso de superioridade racial e cultural, os 2

criollos associavam a Barbárie à afirmação das tradições autóctones e ao vazio de progresso e de civilização existente nos territórios indígenas livres.

As expedições militares contra os indígenas comandadas por Julio Argentino Roca entre os anos de 1878 e 1879 retomam em certos aspectos as “Campanhas do Deserto”, orquestradas por em 1833. Movidas pelo desejo de avanço da fronteira interior, visando ao controle efetivo dos territórios até as Salinas Grandes4, as campanhas de Rosas caracterizaram-se pela destruição das tolderias, locais habitados pelos indígenas, e pela violência que contabilizou cerca de três mil nativos mortos. Alimentado por décadas de sucessivos malones e potencializado pelas teorias raciais, o imaginário portenho, historicamente hostil aos indígenas, serviria como base ideológica para o ataque final coordenado contra as tribos do Pampa e da Patagônia, realizado em fins do século XIX na Argentina. Em 13 de agosto 1867, o Congresso Nacional argentino promulgou a Lei no 215, que regulamentava a atuação dos militares na ocupação dos rios Negro e Neuquén como linha de fronteira sul contra os índios. Marco nas relações entre indígenas e criollos na Argentina, a lei determinava a concessão às tribos que se submetessem voluntariamente de “todo lo que sea necesario para su existência fija e pacífica”; quanto às tribos resistentes, planejava-se a organização de “una expedición general hasta someterlas y arrojarlas al sud de los rios ‘Negro’ y ‘Neuquén’”. A aplicação prática do conteúdo da lei, prevista para após o término da Guerra do Paraguai, destinava aos indígenas duas alternativas de sobrevivência – a submissão pacífica e a sedentarização ou a transferência forçada para as terras frias e secas ao sul da fronteira natural –, ao mesmo tempo em que atribuía a jurisdição sobre o território em questão à República Argentina, desassociando-o da posse indígena. Cientes do projeto nacional que os excluía física e politicamente e do escasso efetivo militar nas áreas fronteiriças durante o conflito contra o Paraguai, os grupos indígenas marcariam sua posição frente aos planos expansionistas dos liberais unitários e buscariam explorar a situação a seu favor, sobretudo através da realização de malones de proporções até então desconhecidas, que reuniram alguns milhares de guerreiros. Segundo Gabriel Passetti5, tais ataques representaram uma resistência indígena unificada à Lei no 215, pois eram pautados não apenas por interesses econômicos, mas principalmente pela intenção política e estratégica de erradicação da presença criolla na região, de garantia do controle efetivo do território e de luta pela sobrevivência física e cultural. Tendo como prioridade a vitória nas batalhas contra Solano López, o presidente Bartolomé Mitre e seu Ministro da Guerra e 3

Marinha Juan Andrés Gelly y Obes não tiveram outra saída a não ser ceder à mobilização indígena, o que possibilitou o sucesso dos malones realizados. Todavia, essa conjuntura se modificaria radicalmente a partir da década de 1870, quando os conflitos políticos internos e externos que tornavam necessárias as alianças circunstanciais entre criollos e índios soberanos e impediam a ocupação militar do território indígena, prejudicando assim os intentos da classe dominante de combater diretamente os nativos, foram solucionadas. A supressão das rebeliões de Bartolomé Mitre e de López Jordán6 e o término da Guerra do Paraguai permitiriam ao governo argentino encarar e concentrar esforços sobre o projeto de avanço das fronteiras nacionais até os rios Negro e Neuquén, cumprindo assim os dispositivos previstos pela Lei no 215. Munidos de novas tecnologias que revolucionariam a arte de guerrear – o navio a vapor, os fuzis Remington, o telégrafo, as ferrovias –, os militares que retornavam da guerra para ocupar as linhas de fronteira não possuíam mais o interesse em negociar com as autoridades nativas; buscavam, enfim, elaborar uma “solução final” para o problema indígena, solução essa que deveria expressar a superioridade política, militar e civilizacional criolla e assegurar a vitória da “civilização” sobre a “barbárie” na Argentina. Ao ser eleito em 1874, Nicolás Avellaneda nomeou para o cargo de Ministro de Guerra e Marinha o ex-Vice Presidente e civil Adolfo Alsina, o qual estabeleceu uma orientação defensiva e, portanto, “mais pacifista” para a política de fronteiras. Segundo Enrique Mases7, Alsina teria elaborado uma nova chave de interpretação sobre o indígena na Argentina, a partir do momento em que o desnaturalizou e questionou sua tradicional simbiose com o conceito de Deserto. Assim sendo, enquanto o deserto permanecia uma categoria negativa da natureza a ser conquistada, a figura do indígena era humanizada e transformada em um ser produtivo em potencial. Nas palavras de Alsina, o índio deixava de ser o inimigo principal e tinha seu tradicional lugar ocupado pelo deserto enquanto espaço físico: “el plan del Poder Executivo es contra el desierto para poblarlo y no contra los indios para destruirlos”8. Restrito à Província de Buenos Aires, o projeto de Alsina calcava-se no avanço paulatino sobre a fronteira indígena mediante a construção de uma linha de fortins móveis – isto é, postos militares cuja função era assegurar as comunicações e o envio de subsistência e correspondências entre a linha de fronteira antiga e a nova a ser traçada. Tais fortins seriam interligados pela escavação de uma profunda trincheira entre Bahia Blanca e o sul de Córdoba – vulgarmente conhecida como zanja –, que demarcaria a nova linha de fronteira fundando povoados em Carhué, Guaminí, Puán, e Italó.9 Dessa forma, a fronteira, até 4

então uma linha aberta e pouco rígida, facilmente transposta tanto por índios como pela população branca, começava a adquirir um contorno físico que denotava uma divisão claramente definida entre os lados opostos que a compunham: a civilização e a barbárie.10 Além de separar o “mundo da civilização e do progresso” do “mundo do atraso e da barbárie”, a zanja de Alsina objetivava impedir a ocorrência de novos malones, de modo a sufocar economicamente os grupos indígenas e desestabilizar sua organização política, combatendo, sobretudo, o poder da Confederação de Salinas Grandes. O Ministro da Guerra e da Marinha questionava em determinados momentos o resultado efetivo e a validade das expedições ofensivas contra as tolderias, pois parecia acreditar na possibilidade de submissão das tribos à civilização pela via da negociação:

Si se consigue que las tribus hoy alzadas se rocen con la civilización que va a buscarla; si se les cumple con lo tratado; en una palabra, si ellos, que sólo aspiran a la satisfacción de las necesidades físicas, palpan la mejora en su modo de vivir puramente material, puede asegurarse que el sometimiento es inevitable. El Poder Ejecutivo, aleccionado por una larga experiencia, nada espera de las expediciones a las tolderías de los salvajes para quemarlas y arrebatarles sus familias, como ellos queman las poblaciones cristianas y cautivan a sus moradores. Estas expediciones destructoras, para regresar a las fronteras de donde partieron con botines que rechaza hasta el espíritu de la civilización moderna, solo conduce a irritar a los salvajes, a hacer más crueles en sus instintos, y a levantar la barrera que separa al indio de los cristianos.11

Todavia, o projeto de Alsina seria bastante criticado por seus contemporâneos. Muitos condenavam o sistema de guerra defensiva por sua extrema “bondade, passividade e covardia”, embora seja possível encontrar na documentação indícios de um provável caráter contraditório do projeto de Alsina, já que o Ministro parecia pretender primeiramente garantir a segurança das tropas e evitar os sucessivos malones, mediante a ocupação e consolidação das fronteiras de Buenos Aires, para posteriormente realizar expedições contra as tribos hostis. Em uma de suas memórias, Alsina chega a afirmar que os fortins e a trincheira eram um meio que permitiria alcançar a guerra ofensiva:

Si las tribus hostiles se conservan de este lado del Colorado, he de organizar expediciones lijeras que vayan á buscarlas á sus toldos, pero esto mismo no he de hacerlo hasta que se encuentren bien adelantadas las obras de seguridad en la línea avanzada. Espero que, á fines de Octubre, podré desprender columnas lijeras sobre Catriel y sobre Pincen, con órden terminante para que los persigan con vigor y sin descanso.12

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Mesmo que consistisse em um estágio transitório, a guerra defensiva não era vista com bons olhos por aqueles que defendiam o imediato avanço das fronteiras, a ofensiva militar contra as tribos indígenas e o cessar das negociações entre índios e criollos. Julio Argentino Roca, neste momento comandante-chefe das fronteiras do sul, afirmava que o sistema de fortins interligados pela zanja, longe de contribuir para a dominação do “deserto” e de impedir a organização dos malones, impossibilitava a ocupação definitiva do território e a eliminação dos inimigos índios:

!Que disparate la zanja de Alsina! Y Avellaneda lo deja hacer […] Es lo que se le ocurre a un pueblo débil y en la infancia: atajar con murallas a sus enemigos […] Así pensaran los chinos, y no se libraron de ser conquistados por un puñado de tártaros, insignificante, comparado con la población china […] Si no se ocupa la pampa, previa destrucción de los nidos de indios, es inútil toda precaución y plan para impedir las invasiones.13

Estanislao Zeballos, jovem advogado e fundador da “Sociedade Científica Argentina”14, considerava o projeto de Alsina lento, custoso e fantasioso, pois requeria grandes efetivos militares para a fiscalização da extensa linha de fronteira, impossíveis de serem mantidos com as precárias finanças estatais. Além disso, julgava ser necessária a organização de uma ofensiva visando à dispersão e à desmoralização dos indígenas, o que permitiria empreender a conquista dos territórios previstos pela Lei no 215:

El Dr. Alsina daba al indio mayor importancia y temía al desierto mas de lo que en realidad era razonable, y de ahí esa negativa constante á marchar al río Negro, como primer y principal objetivo; y su resolución de gastar ingentes caudales en preparar líneas paralelas y sucesivas, prosiguiendo el sistema trazado por el conquistador español.15

Com a morte de Adolfo Alsina em fins de 1877, Julio Argentino Roca assume o Ministério da Guerra e da Marinha. Durante sua experiência como comandante-chefe das fronteiras de Córdoba, San Luís e Mendoza, Roca adquirira grande conhecimento sobre a dinâmica da luta no “deserto”. A sua ascensão política espelhava o crescente poder e prestígio adquiridos pelos oficiais do Exército, que compreendiam a si mesmos como agentes de transformação da Nação argentina. Ao colocarem em prática o seu projeto nacional, de características conservadoras e autoritárias, militares e liberais unitários implementaram um plano de “conquista do deserto” que, baseado na postura ofensiva sem concessões e na negação radical da alteridade indígenas, visava fecundar zonas agrestes e estéreis com o progresso e a civilização. Executar-se-ia a partir de então a transposição da fronteira ao Rio 6

Negro, convertida em lei nacional em 1867, mas cuja aplicação efetiva havia sido retardada por incidentes de ordem interna e externa. Tal empreitada contava com amplo apoio do presidente Avellaneda, para o qual o “deserto” constituía o principal inimigo do progresso da Argentina e sua ocupação, a condição básica para a supressão dos indígenas:

No suprimiremos el indio sino suprimiendo el desierto que lo engendra. No se extirpa el fruto sino extirpando de raíz el árbol que lo produce. De lo contrario se emprende una obra que necesita recomenzarse en cada estación. Las fronteras habrán desaparecido cuando dejemos de ser dueños del suelo por herencia del rey de España, y lo seamos por la población que lo fecunda y por el trabajo que lo apropia […] Somos pocos y necesitamos ser muchos, sufrimos el mal del desierto y debemos aprender a sojuzgarlo.16

Superando os ideais defendidos por Alsina, associados à convivência, à negociação, à postura defensiva e ao avanço lento e contínuo da fronteira, o projeto neste momento passava a ser a colonização da barbárie na Argentina, mediante o enfrentamento direto e a eliminação dos nativos dos territórios ao sul de Buenos Aires. Compreendido enquanto um obstáculo à civilização, o índio era considerado o “outro”, externo à Nação, mas interno ao território que o Estado reclamava como nacional17; portanto, fazia-se necessário aplicar imediatamente a Lei no 215, amparo jurídico para o uso da força bélica e para o extermínio das tribos pampeanas e patagônicas.18 Assim sendo, as operações militares ofensivas lideradas por Roca colocariam em prática uma nova forma de relação entre criollos e indígenas na Argentina, pois além de negarem a via da interlocução, elaboravam e aplicaram estratégias aniquiladoras. Assinalando as falhas que a seu juízo apresentava o programa formulado por Adolfo Alsina19, Roca determinou a suspensão da construção da zanja e o avanço imediato da fronteira até os rios Negro e Neuquén, promovendo simultaneamente uma “limpeza” do território. Visando erigir as bases para as campanhas militares contra os indígenas, o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional, em 14 de agosto de 1878, uma mensagem e um projeto de lei sobre a transposição da fronteira sul aos rios citados, “en ejecucion de la ley de 23 de Agosto de 1867, que resuelve de uma manera definitiva el problema de la defensa de nuestras fronteras por el oeste y por el sur”20. Nicolás Avellaneda e Julio Roca fundamentavam da seguinte maneira a importância da empreitada contra as tribos indígenas:

Podría vacilarse, con estos elementos y facilidades, en realizar hoy una operación que estuvieron dispuestos á llevar á cabo los virreyes, varios gobiernos patrios y el Congreso de 1867? Hasta nuestro propio decoro como pueblo viril á someter cuanto antes, por la razón ó por la fuerza, á 7

un puñado de salvajes que destruyen nuestra principal riqueza y nos impiden ocupar definitivamente, en nombre de la ley del progreso y de nuestra propia seguridad, los territorios mas ricos y fértiles de la República.21

O trecho elucida como o “povo viril” – a comunidade nacional argentina – considerava uma questão de honra submeter as demais nações habitantes do “deserto” – os “selvagens indígenas” –, superando assim os obstáculos à ocupação produtiva dos ricos e férteis territórios da República e ao progresso da Nação argentina. Portanto, “estirpar el mal de raiz y destruir esos nidos de bandoleros que incuba y mantiene el desierto” tornaria possível ao Estado argentino

asegurar la vida y propiedad de millares de argentinos, conquistar quince mil leguas de territorio, disminuir el gasto anual en el ramo de la guerra en $1.666.804 y por fin cauterizar esta llaga que se extiende por todo el costado de la República y que tanto debilita su existencia.22

Assim sendo, as campanhas militares contra os indígenas resultariam em vantagens econômicas para a República argentina, já que possibilitariam a incorporação ao território nacional de quinze mil léguas a serem ocupadas produtivamente pela civilização. Além disso, tais campanhas adquiriam um papel político fundamental, a partir do momento em que garantiriam a consolidação da soberania argentina sobre os territórios patagônicos em disputa com o Chile.23 Logo, para a concretização dessa conquista, o Poder Executivo considerava indispensável

abandonarlo [el viejo sistema de las ocupaciones sucesivas] e ir directamente á buscar al indio en su guarida, para someterlo ó expulsarlo, oponiendo enseguida, no una zanja abierta en la tierra por la mano del hombre, sino la grande e insuperable barrera del rio Negro, profundo y navegable en toda su extensión, desde el océano hasta los Andes.24

A utilização de um elemento natural como demarcação fronteiriça apresentava-se como a solução mais adequada para a consolidação da soberania estatal sobre os territórios ao sul de Buenos Aires, já que não apenas dificultava a realização dos malones indígenas, como também reduzia a extensão territorial a ser ocupada e vigiada pelo Exército, consistindo, assim, em um sistema de defesa seguro e econômico.25 Minuciosamente calculados todos os detalhes das campanhas militares a serem executadas, a vitória da Nação argentina contra os indígenas parecia estar garantida. A superioridade bélica (e racial) dos oficiais do Exército diante dos nativos era inegável.26 A Civilização enfim triunfaria sobre a Barbárie no país: 8

Su número [tribus salvajes] es insignificante, en relación al poder y á los medios de que dispone la Nación. Tenemos seis mil soldados armados con los últimos inventos modernos de la guerra, para oponerlos á dos mil indios que no tienen otra defensa que la dispersión, ni otras armas que la lanza primitiva, y, sin embargo, les abandonamos toda la iniciativa de la guerra permaneciendo nosotros en la más absoluta defensiva, ideando fortificaciones, como si fuéramos un pueblo pusilánime, contra un puñado de bárbaros.27

Foi nesse clima de entusiasmo e convicção que Estanislao Zeballos publicou o livro “La conquista de quince mil léguas”, verdadeiro manifesto para a ocupação dos pampas pelos criollos. Escrito em poucas semanas, o livro tinha a finalidade de justificar a importância da transposição da fronteira ao sul do rio Negro, incentivando assim o Congresso Nacional a disponibilizar a verba necessária para a execução das campanhas militares planejadas por Julio Roca. Os argumentos apresentados por Zeballos tiveram grande poder de convencimento, pois em outubro de 1878 o Congresso sancionou a Lei no 947, destinando a quantia de 1.600.000 pesos para a execução imediata da Lei no 215. Criavam-se assim condições para que Roca desse prosseguimento ao seu projeto de “limpeza” do território, realizando expedições militares que obrigariam os indígenas a se submeterem voluntariamente ou a emigrarem para os inóspitos territórios ao sul dos rios Negro e Neuquén, sendo qualquer forma de resistência punida com o extermínio. A lei em questão declarava o rio Negro e a margem esquerda do rio Colorado como o limite oficial das terras nacionais situadas além das Províncias de Buenos Aires, Santa Fé, Córdoba, San Luis e Mendoza,28 demarcando assim que territorialização a ser empreendida pelo Estado argentino se estenderia até os territórios pampeanos.

Potencializando a violência contra os nativos, a “conquista do deserto” na Argentina seria realizada em duas etapas. O primeiro momento, entre fins de 1878 e o início de 1879, consistiu tanto na preparação administrativa, científica e militar da operação a ser executada, como na batida geral do território compreendido entre a fronteira estatal e os rios Negro e Neuquén.29 Isto é, enquanto organizava-se logisticamente o avanço definitivo e reuniam-se os comandos militares, os chefes de fronteira operariam em suas respectivas frentes, com pequenas colunas de grande mobilidade que efetuariam o reconhecimento do território e realizariam ataques-surpresa aos caciques, visando desestruturar o poder indígena antes do embate final. O êxito obtido por estas expedições preliminares levou Nicolás Avellaneda a transmitir uma mensagem de congratulações às tropas, em janeiro de 1879: 9

Estáis llevando a cabo con vuestros esfuerzos una grande obra de civilización a la que se asignaban todavía largos plazos. La pericia y la abnegación militar se adelantan al tiempo. Cada una de vuestras jornadas marca una conquista para la humanidad y para las armas . El país agradecido os reconoce esta doble gloria. Después de muchos años, la guerra contra el indio sale del terreno de las hazañas obscuras, y hay a vuestras espaldas todo un pueblo que victorea a los vencedores. No se perderá la ruta que habéis trazado sobre el desierto desconocido. Por los rastros de las expediciones, se encaminará en breve el trabajo a recoger el fruto de vuestras victorias, abriendo nuevas fuentes de riqueza nacional al amparo de vuestras armas. Nunca habrá sido más fecunda la misión del ejército argentino. Soldados del Ejército Expedicionario: el gobierno está satisfecho de vuestra conducta, y pronto quedará asegurado el éxito final. Mientras tanto, os envío mis felicitaciones y os anuncio que en el próximo periodo legislativo solicitaré del Honorable Congreso una condecoración conmemorable de este grande hecho que se llamará en la historia: La conquista de la Pampa hasta los Andes. 30

Conhecida como malón cristão, dado o alto nível de violência empregado contra os indígenas, a “grande obra de civilização” do Exército resultou no reconhecimento do território mediante a abertura de rotas ao longo do “deserto desconhecido”, na prisão de cerca de 4000 indígenas e na captura dos grandes caciques Pincén, Epumer e Catriel, enfraquecendo a capacidade das tribos de organizarem fortes resistências e servindo de base para o êxito final da “Conquista de la Pampa hasta los Andes”. A segunda etapa, iniciada em abril de 1879, correspondeu ao início oficial das ações militares que ficaram conhecidas como as “Campanhas do Deserto” de Julio Argentino Roca. Organizado em cinco Divisões31, o Exército promoveu o avanço simultâneo das colunas e o ataque final coordenado contra os indígenas, visando ocupar definitivamente o território até o rio Negro e eliminar a presença nativa no Pampa e nas passagens andinas ao Chile. Apenas seis meses foram necessários para que fosse instituída a soberania nacional sobre o território pampeano. Portanto, o processo de avanço da fronteira resultou, sobretudo, na territorialização de espaços que antes se encontravam sob o domínio efetivo da “barbárie” indígena. É nesse sentido que, em maio de 1879, ao atingir com sua coluna as margens do Rio Negro, próximo à ilha de Choele Choel, Roca afirma:

Este día de Choele-Choel es digno día siguiente de aquel [gran día de 1810]; porque inaugurar el dominio de la civilización aquí donde la barbarie ha reinado tres siglos, es lo que verdaderamente puede llamarse ‘continuación de la tarea principiada el 25 de Mayo de 1810’. Fuimos entonces libres e independientes; damos ahora el paso más trascendental de nuestra soberanía adquirida.32

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Entusiasmado com o fim exitoso de suas campanhas militares, Roca considera que a instituição da soberania nacional sobre o rio Negro, além de incorporar à civilização territórios até então regidos pela selvageria nativa, concretizaria o processo revolucionário iniciado em Maio de 1810, quando as Províncias do Rio da Prata conquistaram a autonomia em relação ao domínio colonial espanhol e elaboraram uma nova forma de organização estatal sob a liderança de Buenos Aires. Ocupados produtivamente, tais territórios gerariam riquezas para a Nação argentina e afastariam o perigo e o atraso representados pela presença indígena. Diante do sucesso da expedição, o presidente Avellaneda enviaria um telégrafo de agradecimento ao acampamento de Roca em Choele Choel:

Mis felicitaciones son las de toda la Nación. Lo saludo en las márgenes del río Negro y Neuquén, donde su presencia realiza los votos de muchas generaciones y en que se presenta la bandera argentina sostenida por brazos gloriosos, haciendo un llamamiento a la civilización, al inmigrante, al genio de la Patria, para que desciendan y derramen sus beneficios.33

Se por um lado, o estabelecimento da fronteira estatal na margem norte dos rios Negro e Neuquén satisfez os desejos e anseios de longa data da Nação argentina, por outro selou a triste história das comunidades indígenas no país. Aqueles índios que até então não haviam sido mortos ou capturados se refugiaram nas serras pré-andinas ou nos inóspitos territórios ao sul do rio Negro, sem saber do destino que lhes aguardava a partir do ano de 1881, quando da realização de novas expedições ao lago Nahuel Huapi e ao sul do rio Limay visando à conquista definitiva da região patagônica.34

1 Mestranda, PUC-RJ. 2 Martha Bechis elabora uma distinção entre os indígenas soberanos e os indígenas amigos na Argentina do século XIX. A categoria de indígenas soberanos engloba os grupos autônomos, que possuíam um forte sentimento de pertença/posse do território e buscavam a legitimação divina da liderança do cacique ao qual estavam subordinados. Os índios soberanos tinham uma longa tradição de tratados e negociações com os criollos, transformando-se em inimigos ou aliados de acordo com as circunstâncias políticas e com seus interesses específicos. Já os indígenas amigos eram aqueles que, reduzidos ou submetidos, habitavam espaços cedidos pelo Estado e localizados no interior das fronteiras criollas. Invejavam as agrupações indígenas soberanas por servirem às tropas recrutadas pelo governo e por terem abandonado sua condição de índios livres. Dentre os indígenas amigos destacava-se o cacique Catriel, atrelado à Província de Buenos Aires. Cf. BECHIS, Martha. La ‘organización nacional’ y las tribus pampeanas en Argentina durante el siglo XIX. Pueblos, comunidades y municipios frente a los proyectos modernizadores en América Latina, siglo XIX. CEDLA Latin American Studies (CLAS), Series, n. 88, 2002. 3 Segundo Raúl Mandrini e Sara Ortelli, o processo de araucanização dos pampas, ocorrido em inícios do século XIX, compreendeu tanto a incorporação de influências e elementos culturais de origem chilena pelas populações indígenas do lado oriental da Cordilheira quanto o assentamento na região pampeana de grupos chilenos. Gabriel Passetti explica que avanço do Estado chileno sobre 11

os territórios praticamente intocados da Araucania levou uma grande parcela populacional de grupos indígenas a migrar para o território pampeano, miscigenando-se com as etnias ali existentes, introduzindo a centralização política do cacicado, o modo de vida guerreiro e a tradição de resistência. Cf. MANDRINI, Raúl; ORTELLI, Sara. Volver al país de los araucanos. Buenos Aires: Sudamericana, 2005; PASSETTI, Gabriel. Participação política, guerra e alianças entre índios e brancos na Argentina. [S.l.]. Disponível em: . 4 Localizada ao sudoeste das províncias de Buenos Aires e La Pampa, as Salinas Grandes consistem em um conjunto de salares de dimensões medianas que, desde o século XVIII ao final do século XIX, forneceram sal aos saladeiros localizados em Buenos Aires. Com o fim das expedições de 1833, o cacique Juan Calfucurá, oriundo da Araucania, ocupou violentamente a região e fundou a Confederação de Salinas Grandes. Temida pelos criollos, a Confederação exerceria um papel fundamental na resistência indígena contra os avanços militares sobre a região pampeana em fins do século XIX, sendo fiel testamento oral de Calfucurá de “no abandonar Carhué al huinca”. Proveniente do idioma mapuche, o termo huinca significava originalmente “novo Inca” e era utilizado pelos indígenas para designar os brancos que usurpavam suas terras. 5 PASSSETTI, Gabriel. O mundo interligado: poder, guerra e território nas lutas na Argentina e Nova Zelândia (1826-1885). Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, SP, 2010. 6 Em abril de 1870 a rebelião de López Jordán abalou Entre Rios, com o assassinato de Justo José de Urquiza pelo seu lugar-tenente Ricardo López Jordán. Já no ano de 1874, a eleição de Nicolás Avellaneda para a presidência da Argentina não foi aceita pelo partido político opositor liderado pelo general Bartolomé Mitre, sob a alegação de ocorrência de fraudes eleitorais. Julio Argentino Roca, neste momento chefe da fronteira sul e sudeste de Córdoba, exerceu importante papel na repressão à sublevação de Mitre. Juntamente com a Guerra do Paraguai, tais rebeliões foram responsáveis pelo enfraquecimento das guarnições de fronteira, possibilitando a intensificação dos malones coordenados pelos indígenas. Cf. WALTHER, Juan Carlos. La conquista del desierto: síntesis histórica de los principales sucesos ocurridos y operaciones militares realizadas en la pampa y , contra los indios (años 1527-1885). Tomo II. Buenos Aires: Círculo Militar, 1948. 7 MASES, Enrique. Estado y cuestión indígena: el destino final de los indios sometidos en el sur del territorio (1878-1910). Buenos Aires: Prometeo, 2002. 8 Adolfo Alsina apud SARASOLA, Carlos Martínez. Nuestros paisanos los indios: vida, historia y destino de las comunidades indígenas en la Argentina. Buenos Aires: Emecé Editores, 1992, p. 268. 9 Projetada pelo engenheiro Alfredo Ebelot, a zanja possuía 3,5 metros de largura e 2,6 metros de profundidade e aspirava cobrir um total de 730 km entre Bahia Blanca e o sul de Córdoba (embora tenha atingido apenas a extensão de 374 km entre Carhué e Laguna del Monte). Circunscrita à Província de Buenos Aires, a zanja funcionava como obstáculo para os ataques indígenas ocorridos entre Bahia Blanca e Córdoba, não constituindo um sistema defensivo para o restante da fronteira sul do país, que permanecia desguarnecida desde o sul de Santa Fé até Mendoza. Cf. WALTHER, op.cit. 10 Segundo Gabriel Passetti, a linha de fronteira caracterizava-se, até meados do século XIX, por um grande fluxo comercial, demográfico e cultural entre os lados dos brancos e dos índios. Os interesses estratégicos de ambos os lados levavam à superação das rivalidades e ao estabelecimento de relações mútuas. Os caciques soberanos tinham sua força política e militar reconhecida pelos criollos, sendo mobilizados como aliados em momentos de conflitos entre grupos políticos. Assim sendo, os indígenas poderiam elaborar planos para a defesa de sua soberania, para a garantia ao acesso a suas terras e para a aquisição de técnicas de trabalho ocidentais. Cf. PASSETTI, Participação..., op. cit. 11 Adolfo Alsina apud MASES, op. cit., p. 37-38. 12 Adolfo Alsina apud WALTHER, op.cit., p. 208. 13 Julio Roca apud MUSEO ROCA, Julio Argentino Roca. Iconografia Militar. Instituto de Investigaciones Históricas. Buenos Aires, 2006, p. 27, grifo meu. 14 A Sociedade Científica Argentina, criada em 1872, representou o primeiro esforço para coordenar o desenvolvimento científico e tinha como principais funções fomentar o estudo das ciências matemáticas, físicas e naturais, garantindo sua aplicação prática para o progresso do país. 15 Estanislao Zeballos apud WALTHER, op.cit., p. 216. 16 Nicolás Avellaneda apud MASES, op.cit., p. 40-41, grifo meu. 12

17 Cf. DELRIO, Walter Mario. Memorias de expropiación: sometimiento e incorporación indígena en la Patagonia (1872-1943). Bernal: Universidad Nacional de Quilmes, 2005. 18 Segundo Gabriel Passetti, a Lei no 215 oferecia aos indígenas uma proposta de paz inviável na realidade, pois pressupunha a abdicação da posse de territórios ancestrais. Nesse caso, a aguardada resistência indígena transformava-se em uma justificativa legal para o uso da força bélica e para o seu extermínio. Cf. PASSETTI, O mundo..., op.cit. 19 Como vimos, Julio Argentino Roca foi um dos principais críticos do aparelho militar elaborado por Adolfo Alsina para a defesa das fronteiras sul, chegando a afirmar que “los fuertes fijos en medio del desierto matan la disciplina, diezman las tropas y poco o ningún espacio dominan”. ROCA Apud WALTHER, op. cit., p.188-190. 20 Nicolás Avellaneda apud WALTHER, op.cit., p. 445. 21 Ibid., p. 448, grifo meu. 22 Ibid., p. 454. 23 Os limites dos territórios argentinos e chilenos sobre a cadeia andina eram até então incertos, pois demarcados por uma linha imaginária ou por elementos naturais. Assim sendo, o governo chileno reclamava direitos territoriais sobre regiões patagônicas, ameaçando a soberania argentina. Todavia, é interessante ressaltar que, apesar de envolvidos em disputas limítrofes, Argentina e Chile engajaram-se no processo de avanço sobre a fronteira indígena, de modo que Julio Roca e o Ministro da Guerra chileno chegaram a desenvolver medidas conjuntas para desalojar os indígenas do território austral. Um exemplo que comprova como as questões limítrofes figuravam em segundo plano diante da perseguição ao inimigo indígena foi a aceitação, por parte de ambos os países, da transposição de territórios quando realizada em nome da “campanha civilizadora dos Andes”. Em 1883, Francisco J. Oyarzun, integrante da 2ª Divisão do Exército chileno, escrevia sobre o fato de ter adentrado em território argentino acompanhado por soldados pertencentes ao “Escuadrón Antuco”, que efetuava uma expedição contra os indígenas na Araucania: “Que habiendo en el trayecto hallado fuerzas argentinas, el Gefe de ellos señor Coronel Don Enrique Godoy me ordeno retirarme de la zona argentina com la fuerza que me custodia, haciéndoseme presente que debido á una excesiva atención internacional y á las relaciones conciliatorias que existen entre la República Argentina y la República de Chile por el común ataque á las tribus bárbaras que aquende y Allende las montañas, no se procede por su parte cual corresponde hacerlo, por la transgresión mencionada, ni se toman las medidas represivas en hechos de esta naturaleza”. OYARZUN apud WALTHER, op. cit., p. 472, grifo meu. 24 Nicolás Avellaneda apud WALTHER, op.cit., p. 455, grifo meu. 25 A profundidade do rio Negro e a geografia em seu entorno asseguravam a redução do efetivo militar necessário para a proteção da fronteira, já que a dificuldade de transposição das barreiras naturais praticamente anulava a realização de malones coordenados pelos indígenas. Segundo Avellaneda, “la frontera en el rio Negro estará bien guardada por dos mil hombres, y aun por mil quinientos. Bastará ocupar á Choele-Choel, Chichinal, la confluencia de los ríos Limay y Neuquén y la parte superior de este hasta los Andes, para desaparecer todo peligro futuro. La naturaleza del terreno árido y seco que caracteriza la zona comprendida entre el Colorado y el Negro, hasta la proximidad de las cordilleras, y lo profundo de las aguas de este último río, navegable en toda su extensión, facilitan admirablemente la defensa, con solo ocupar ciertos pasos precisos. El resto estará defendido por si mismo”. Ibid., p. 449. 26 Ideologia de grande influência nesse contexto, o determinismo racial reforçava a ideia de que o índio, integrante de uma raça inferior e produto da barbárie, marchava fatalmente em direção a sua definitiva desaparição, fosse pelo aniquilamento fosse pela assimilação à civilização. Nesse sentido, os nativos só poderiam ascender à vida civilizada quando deixassem de ser “índios”. 27 Nicolás Avellaneda apud WALTHER, op.cit., p. 453, grifo meu. 28 Segundo o artigo 3º da Lei no 947, “Decláranse límites de las tierras nacionales situadas al exterior de las fronteras de las Provincias de Buenos Aires, Santa-Fé, Córdoba, San Luis y Mendoza, las siguientes líneas generales, tomando por base el plano oficial de la nueva línea de fronteras sobre la pampa, de 1877: 1ª – La línea del rio Negro desde su desembocadura en el Océano, remontando su corriente hasta encontrar el grado 5º de longitud Occidental del meridiano de Buenos Aires; 2ª – La del mencionado grado 5º de longitud en su prolongación norte, hasta su intercepción con grado 35º 13

de latitud; 3ª – La del mencionado grado 35º de longitud, hasta su intercepción con el grado 10º de longitud occidental de Buenos Aires; 4ª La del grado 10º de longitud occidental de Buenos Aires en su prolongación sur, desde su intercepción en el grado 35º de latitud, y desde allí hasta la margen izquierda del rio Colorado, remontando la corriente de este rio hasta sus nacientes y continuando por el rio Barrancas hasta la Cordillera de los Andes”. 29 Ao passo que as tropas destruíam as tolderias, engenheiros, topógrafos e fotógrafos produziam mapas e relatórios e efetuavam estudos científicos, planejando a futura ocupação do território pampeano. 30 Nicolás Avellaneda apud WALTHER, op.cit., p. 244, grifo meu. 31 A 1ª Divisão, comandada pelo general Roca e por Conrado Villegas, partiu de Carhué e teve como destino a ilha de Choele Choel, no rio Negro. A 2ª Divisão, comandada por Nicolás Lavalle, alcançou a região de Salinas Grandes; a 3ª Divisão, liderada por D.Eduardo Racedo, atingiu as proximidades da Lagoa Leuvucó, ocupada pelos índios ranqueles; a 4ª Divisão, a cargo de Napoleón Uriburu, alcançou o rio Neuquén e bloqueou a fuga indígena para o Chile; e a 5ª Divisão, comandada por D. Hilarios Lagos, vagou pelos pampas buscando descobrir esconderijos e localizar grupos fugitivos. É interessante destacar que, enquanto as colunas laterais assumiram a função de “limpeza do território”, a coluna comandada por Roca não se deparou com indígenas ao longo de seu trajeto, possuindo mais a função de uma “parada militar” a transmitir a ideia de uma “posse espetacular” do deserto. Cf. ALIMONDA, Héctor; FERGUSON, Juan. Imagens, ‘deserto’ e memória nacional – As fotografias da campanha do Exército argentino contra os índios – 1879. In: De sertões, desertos e espaços incivilizados. Rio de Janeiro: FAPERJ: MAUAD, 2001. 32 Julio Roca apud WALTHER, op.cit., p. 257, grifo meu. 33 Nicolás Avellaneda apud MUSEO ROCA, op. cit., p. 40. 34 Finalizada a conquista da margem norte dos rios Negro e Neuquén, Julio Roca – eleito presidente da República Argentina em 1880 – ordenou a realização de novas expedições militares que consolidariam a soberania estatal sobre a Cordilheira dos Andes e as zonas austrais da Terra do Fogo. Segundo Roca, “el territorio argentino no acaba en el río Negro: al Sud de nuestra línea de ocupación actual la Patagonia nos brinda todavía territorios fértiles […] Es preciso […] suprimirlo (el desierto) o dominarlo hata el último confín, pero si la tarea es grande, los resultados que reportará a la patria son inmensos”. ROCA apud WALTHER, op. cit., p. 314. Conrado Villegas e Lorenzo Vintter, comandantes da 2ª Divisão do Exército (rios Negro e Neuquén), foram responsáveis pelo avanço da fronteira até a região patagônica, executado entre os anos de 1881 e 1885. Como resultado, foi promulgada em outubro de 1884 a Lei no 1532, que estabelecia a organização e os limites do território nacional argentino, originando as Províncias de La Pampa, Neuquén, Rio Negro, Chubut, Santa Cruz e Terra do Fogo. Após o fim das expedições, Villegas informava que “en el territorio comprendido entre los Ríos Neuquén, Limay, Cordillera de los Andes y Lago Nahuel Huapi; no há quedado um solo indio, todos han sido arrojados al Occidente”. VILLEGAS apud SARASOLA, op. cit., p. 284.