Tiragem: 95150 Pág: 9

País: Cores: Cor

Period.: Semanal Área: 28,20 x 44,50 cm²

ID: 64037685 16-04-2016 Âmbito: Informação Geral Corte: 8 de 9 Debate Que fazer com os paraísos fiscais? OS COMENDADORES Manuel Tarré Fernandes Ouvimos Miguel Cadilhe, José Miguel Júdice, Lobo (à direita), José António Silva e Sousa e Hélder Bataglia Xavier, Jorge Armindo, António Saraiva, Ângelo (ao fundo à esquerda Correia, Francisco van Zeller e Mário Ferreira. e direita, respetivamente) receberam comendas Há respostas desconcertantes e surpreendentes de Cavaco Silva. Ilídio Pinho (à esquerda) e Luís Portela (no meio) também foram ACABAR COM agraciados mas por anteriores chefes de Estado. Todos têm os seus nomes OS OFFSHORES? “É nos “” COMO ACABAR COM A PROSTITUIÇÃO”

Ângelo Correia deixa uma pergun- Ângela Silva ta: porque é que o “Panamá Papers” e Abílio Ferreira aconteceu agora? Sem assumir uma ex- plicação, o empresário não acredita no À pergunta “E não se pode exterminá- fim dos offshores e só vê uma forma de -los?”, a resposta “Pode!” está cada vez se minorar os seus efeitos nocivos: com menos monopolizada pela esquerda legislação e um sistema de verificação das esquerdas. Se, há uns anos, o fim internacional. Embora reconheça que dos offshores era uma bandeira quase “há algo de novo no ar”, Ângelo alerta exclusiva do Bloco de Esquerda, hoje o que, seja o offshore “da lista negra, preta coro alarga e até Miguel Cadilhe, ex-mi- ou cinzenta”, o difícil é sempre saber “o nistro das Finanças de Cavaco Silva, de- último nome”. fende a solução radical. “É cortar o mal pela raiz. Separar o trigo do joio e banir Intermediários o joio”, afirmou Cadilhe ao Expresso. Mas o ex-ministro descarta entrar em O tema é sensível e vários advogados, detalhes, e o Diabo, é sabido, está mais gestores e empresários contactados nos detalhes do que nos grandes planos. pelo Expresso declinaram partilhar ou Nos antípodas de Cadilhe está o advo- assumir a sua visão. Um deles, ex-ges- gado José Miguel Júdice, que diz “nunca tor do BCP, alegou a “complexidade do ter constituído um offshore”, por não tema que combina conceitos de risco, ser essa a “área de negócio do [seu] es- capital e sigilo”, criticando que as soci- critório”, mas nem por isso alinha em edades “se escandalizam com as conse- teses “idílicas” (“eu também gostava de quências, ignorando as causas que as ter 20 anos”) sobre o fim dos paraísos provocam”. Um outro regista que, após que encobrem ilícitos. Júdice diz que esta investigação, “cada vez se tornará ACABAR COM AS OFFSHORES PERMITIRIA SEPARAR O TRIGO “querer acabar com os offshores é como mais vulgar a fuga gigantescas de infor- querer acabar com a prostituição”. E mações através de ataques cibernéticos, DO JOIO, DEFENDE O ANTIGO MINISTRO MIGUEL CADILHE acrescenta que “muitas vezes os offsho- o que levará ao reforço da segurança res têm uma lógica que não tem nada de informática e a um menor recurso deste ilícito, da mesma forma que pode haver tipo de veículos”. As firmas offshores prostituição por amor”. De uma coisa “não vão desaparecer, porque são ins- o advogado não tem dúvidas: “Isto não trumentos de competitividade fiscal”. se resolve nos Panamás. Resolve-se cá. Mas a pressão da opinião pública levará Se quem sofre com os que não pagam a que, como se verifica já no Reino Uni- impostos são os que pagam, como eu, o do, “se adote legislação que criminalize melhor é rever-se a moldura penal para os intermediários, como sociedades de os crimes financeiros e aplicar-lhes a advogados ou bancárias que facilitem pena máxima — 25 anos.” Não se pode, ou ajudem a evasão fiscal”. segundo ele, é andar a dizer que é muito O industrial Francisco van Zeller, ex- grave e não agir em conformidade. -presidente da CIP, partilha uma visão O fiscalista António Lobo Xavier tam- desalentada e pessimista: “O que me bém não acredita no fim dos offshores parece é que não há vontade nem in- — “Isso é impossível. Estamos a falar de teresse dos responsáveis políticos em países soberanos. Quem é que os man- acabar com estas praças que funcionam da acabar?” —, mas sugere um maior como válvula de escape das obrigações controlo da saída de capitais, feito pelos fiscais.” E receia que, esquecida a con- bancos centrais. Xavier deixa um alerta: trovérsia, esta realidade permaneça “É preciso cautela para não dinamitar o inalterada. Van Zeller nunca teve contas investimento estrangeiro. Não me apete- em paraísos fiscais, mas houve um tem- ce nada ganhar o estatuto de país onde é po em que teve atividade nos Estados mais difícil a entrada e saída de capitais.” Unidos que contou com uma exígua O gestor e empresário Jorge Armin- conta no país. Só lhe deu incómodos e do (Amorim Turismo) entra a matar: chatices e fechou-a há muito. “Não há nenhuma razão de carácter Por último, o Expresso ouviu o ar- económico que justifique a existência de mador Mário Ferreira (Douro Azul). tais jurisdições [os offshores].” E chega a Antes da sociedade se afirmar que, se há países que dependem tornar uma referência em conversas de desses movimentos financeiros, “la- café, no imaginário português Panamá mento, mas é a vida”, “reciclem a econo- era o país das bandeiras de conveniên- mia e dediquem-se a outras atividades”. cia dos navios. E depois do escândalo Mas logo a seguir suaviza a narrativa: dos papéis? “Não vai mudar nada, é podem existir boas razões, ligadas a natural que as empresas que operem fatores de financiamento ou comerciais, no comércio internacional recorram que justifiquem a tentação de empresas a esses veículos, seja no Panamá, Gi- ou cidadãos pelos paraísos fiscais. O que braltar ou Singapura”, responde. Mário acha inaceitável é que “se mantenha o Ferreira acredita que a indignação dos manto de opacidade e o circuito oculto “perseguidos e sacrificados pelo Fisco” do dinheiro que hoje se verifica”. face à evasão consagrada nos offshores Transparência é também a palavra- conduza a uma medida muito simples -chave da narrativa de António Saraiva, e de fácil execução. “As pessoas que presidente da CIP — Confederação Em- comprem bens de luxo e ostentem um presarial de Portugal: “Numa economia nível de vida dissonante dos recursos e global, o fenómeno da evasão fiscal exi- rendimentos que declaram em Portugal ge legislação e atuação à escala global.” devem ser obrigados a explicar a origem E defende que se deve caminhar “no do dinheiro”, sugere o empresário, que sentido de forçar as declarações de ren- garante não ter contas em offshores dimentos nos países de origem e adotar nem navios registados no Panamá. Por- medidas que injetem transparência em que opera no negócio dos cruzeiros e todos os movimentos”. não no comércio internacional.

"NÃO HÁ NENHUMA RAZÃO ECONÓMICA QUE JUSTIFIQUE A EXISTÊNCIA DE TAIS JURISDIÇÕES", ADMITE JORGE ARMINDO PARA O PRESIDENTE DA CIP, ANTÓNIO SARAIVA, A EVASÃO FISCAL "EXIGE UMA ATUAÇÃO À ESCALA GLOBAL"