, agosto de 2017. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL SUBCOMISSÃO PARA ANÁLISE DA QUESTÃO DA MORADIA NO RS

RELATÓRIO FINAL

2017

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MESA DIRETORA – 2017

Presidente: Deputado Edegar Pretto 1ª Vice-Presidente: Deputada Liziane Bayer 2º Vice-Presidente: Deputado Frederico Antunes 1ª Secretária: Deputada Juliana Brizola 2º Secretário: Deputado Juvir Costella 3º Secretário: Deputado Maurício Dziedricki 4º Secretário: Deputado Adilson Troca 1º Suplente de Secretário: Deputado Valdeci Oliveira 2º Suplente de Secretário: Deputado Juliano Roso 3º Suplente de Secretário: Deputado Bombeiro Bianchini 4º Suplente de Secretário: Deputado Missionário Volnei

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COMPOSIÇÃO DA COMISSÂO DE CIDADANIA DE DIREITOS HUMANOS

Presidente - Jeferson Fernandes - PT Vice-Presidente - Miriam Marroni- PT Titulares: Álvaro Boessio - PMDB Enio Bacci - PDT Marcel van Hattem - PP Lucas Redecker - PSDB Luis Augusto Lara - PTB Manuela d'Ávila - PCdoB Bombeiro Bianchini - PPL João Reinelli - PV Missionário Volnei - PR Pedro Ruas - PSOL Suplentes: Luiz Fernando Mainardi - PT Stela Farias - PT Tiago Simon - PMDB Eduardo Loureiro - PDT João Fischer - PP Aloísio Classmann - PTB Pedro Pereira - PSDB Juliano Roso - PCdoB

COMPOSIÇÃO DA SUBCOMISSÃO PARA ANÁLISE DA QUESTÃO DA MORADIA NO RS

Relatora - Manuela d'Ávila- PCdoB Membros: Pedro Ruas - PSOL Miriam Marroni - PT

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EQUIPE TÉCNICA

Assessoria Técnica Bruna L. da Silva Rodrigues Cristina Bertoni Machado Getulio Vargas Junior Luis Rodrigo Goulart Marianna Lubatchevski Moreira Pedro da Hora Dias Sofia Helena Bonamigo

Assessoria de Comunicação e Jornalística Cristina Ely

Apoio Gabinete da Deputada Manuela d’Ávila Gabinete Deputado Pedro Ruas Gabinete Deputada Miriam Marroni Betina Ahlert Júlio Alt

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SUMÁRIO

1. Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) e Subcomissão para Análise da Questão da 6 Moradia no Rio Grande do Sul...... 2. O direito à moradia...... 7 3. Atividades da Subcomissão para Análise da Questão da Moradia no Rio Grande do Sul – SAQM...... 20 3.1 Reuniões na Assembleia Legislativa...... 21 3.2 Visita às Ocupações...... 24 3.2.1 Vila Gaúcha, no Morro Santa Tereza...... 25 3.2.2 Chácara do Banco, no bairro Restinga...... 25 3.2.3 Novo Horizonte, no bairro Restinga...... 26 3.2.4 Loteamento Romeu Samarani, no Campo Novo...... 27 3.2.5 São Pedro, no bairro Partenon...... 28 3.2.6 Altos da São Guilherme, no bairro Partenon...... 29 3.2.7 Ilha dos Marinheiros...... 30 3.2.8 Ilha das Flores...... 30 3.2.9 Vila Boa Esperança...... 31 3.2.10 Altos da São Guilherme II...... 33 3.2.11 Lanceiros Negros...... 33 3.2.12 Lanceiros Negros Vivem...... 34 3.2.13 Altos da Colina...... 36 3.2.14 Jardim Marabá...... 37 3.2.15 Assentamento Portal dos Pinheiros, em Gravataí...... 38 3.2.16 Ocupação Celita, em Gramado...... 39 3.2.17 Ocupação Resistência e Luta, em Campo Bom...... 40 3.2.18 Ocupação Capela de Santana...... 41 3.2.19 Ocupação Bicho de Pé, em Campo Bom...... 42 3.2.20 Ocupação Kolártica, em Campo Bom...... 43 3.3 Reuniões com órgãos públicos e outras instituições...... 43 3.3.1 Sindicato dos Municipários de Porto Alegre – SIMPA...... 44 3.3.2 Departamento Municipal de Habitação de Porto Alegre – DEMHAB...... 44 3.3.3 Prefeitura Municipal de Gramado...... 45 3.3.4 Agenda com Vereador Toninho, em Pelotas...... 46 3.3.5 Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte – DNIT...... 46 3.3.6 Prefeitura de Campo Bom...... 47 3.3.7 Agenda com Vereador Tiago Souza da Silva, de Campo Bom...... 47 3.3.8 Defensoria Pública do Estado...... 48 3.3.9 Secretaria Estadual de Obras, Habitação e Saneamento...... 48 3.3.10 Departamento Municipal de Limpeza Urbana de Porto Alegre – DMLU...... 49 3.3.11 Comissão da Campanha Despejo Zero...... 49 4. Considerações Finais e Recomendações desta Subcomissão...... 50 5. Referências...... 55

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1. Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) e Subcomissão para Análise da Questão da Moradia no Rio Grande do Sul – SAQM

A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Assembleia Legislativa do RS foi criada em 25 de junho de 1980, através da Resolução nº 1.817. Concebida na esteira da abertura democrática, logo após a promulgação da Lei da Anistia, a Comissão tinha por horizonte a luta pelo resgate da cidadania e afirmação dos Direitos Civis e Políticos, violados pelo arbítrio da ditadura militar instaurada no Brasil

(1964). A ousadia de alguns parlamentares permitiu que a CCDH se tornasse a primeira Comissão de Direitos Humanos do País, em âmbito legislativo, e, seguramente, uma das mais antigas entidades públicas a atuar nesta área. Passados mais de 35 anos desde sua criação, alterado o contexto histórico, a CCDH continua no seu trabalho de defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania. Como Comissão Parlamentar Permanente e pluripartidária, é composta por 12 deputados titulares e 08 suplentes, que se reúnem semanalmente, conforme o Regimento Interno da Assembleia Legislativa do RS, para realizar encontros e audiências públicas. Esta é uma definição formal, que explica seu funcionamento em geral, como comissão de mérito que aprecia projetos de lei, emite pareceres e realiza tantas outras funções institucionais sobre temas de sua competência. A CCDH, no entanto, extrapola as suas definições formais. Realiza atividades de atendimento ao público para receber e encaminhar denúncias, palestras, oficinas, produção de seminários, publicações, visitas a instituições públicas e organizações não-governamentais (ONGs), formulação legislativa, proposição de políticas públicas e articulação da sociedade. Seu objeto de intervenção é, fundamentalmente, a denúncia de violação de direitos. Neste contexto, considerando a crescente procura de comunidades para tratar de temas como regularização e violações de direitos relacionados à moradia, a deputada Manuela D'Ávila requereu a instalação de uma Subcomissão para análise desta questão no Rio Grande do Sul. A reunião ordinária da CCDH, realizada em 22 de março de 2017, aprovou o requerimento, criando a Subcomissão, composta pela requerente e pelos deputados Pedro Ruas e Miriam Marroni, tendo a deputada Manuela D’Ávila como relatora. O tema da moradia já foi tratado por Comissões Especiais e Subcomissões da Assembleia Legislativa com ênfase, sobretudo, à regularização fundiária. Esta Subcomissão tem como objetivo abordar o tema da moradia digna como condição

6 precípua para que toda a pessoa tenha garantido o direito de assegurar a si e a sua família um padrão de vida capaz de garantir o bem-estar de todos. 2. O direito à moradia

Desde tempos remotos, o ser humano buscou abrigo. As estruturas sociais estão registradas em paredes pintadas no mundo todo. Além da estrutura social, as representações mostram a rotina em que viviam nossos antepassados, como, por exemplo, nas pinturas rupestres da Figura 01, criadas há cerca de 50 mil anos nas cavernas de arenito do Parque Nacional da Serra da Capivara (Piauí), consideradas as primeiras habitações reconhecidas no Brasil. As primeiras cidades do mundo surgiram há aproximadamente 4,5 mil anos, quando os seres humanos deixaram de ser nômades, com o avanço da agricultura e da pecuária, começados 5 mil anos antes.

(Figura 01: Pinturas rupestres das cavernas do Piauí, representando cenas do cotidiano dos nossos antepassados, deixando registro nas primeiras moradas da América do Sul).

O morar, hábito humano imemorial, encontra sua definição nos dicionários como o ato de permanecer ou de tardar em um lugar, sendo talvez a manifestação arquitetônica mais antiga e extensiva de que se tem notícia, que possivelmente nos permitiu sobreviver frente aos desafios do meio, quando outros animais maiores em tamanho e capacidade física sucumbiram. Dessa forma, a moradia é considerada uma necessidade básica do ser humano, ou seja, comum a todos, mesmo que ela possa tomar diferentes formas materiais. Desta forma entende-se o direito à moradia como um direito à sobrevivência! No que tange aos aspectos legais, a moradia foi reconhecida nacional e internacionalmente como um direito no século XX. No dia 10 de dezembro de 1948, a

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Assembleia Geral das Nações Unidas adotou e proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Dentre outros direitos, destacamos o que está estabelecido em seu artigo XVII: “todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros”. Algumas das características mais importantes dos direitos humanos é que são:  fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor de cada pessoa;  universais, o que quer dizer que são aplicados de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas;  inalienáveis, ninguém pode ser privado de seus direitos; eles podem ser limitados em situações específicas. Por exemplo, o direito à liberdade pode ser restringido se uma pessoa é considerada culpada de um crime diante de um tribunal e com o devido processo legal;  indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, já que é insuficiente respeitar alguns direitos humanos e outros não. Na prática, a violação de um direito vai afetar o respeito por muitos outros. Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a moradia foi reconhecida como direito em nível internacional no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, na Convenção Americana Direitos Humanos, dentre outros. Segundo essa série de acordos e tratados internacionais de direitos humanos, o Brasil tem a obrigação de respeitar, proteger e promover o direito à moradia adequada e a não realizar remoções forçadas. Com base em todos estes preceitos, Freitas (2014) salienta: “Contudo, é necessário a moradia ser digna”. A legislação nacional brasileira também passou a contemplar a moradia como direito a partir do Século XX. Historicamente, a Constituição Federal de 1934, inicia-se um novo conceito de propriedade em seu artigo 113, onde aponta que o direito a propriedade não poderia ser exercido contra o interesse coletivo, já que passou a ser compreendido, também, sob um aspecto social. Esta compreensão sobre o princípio da função social foi mantida nas Constituições Federais de 1937 e 1946, ao lado do direito à propriedade enquanto um direito individual. A Constituição Federal de 1967, através de Emenda Constitucional (1969) realçou o tema da “função social da propriedade”, considerando que esse direito existe sob dois aspectos: o individual e o social. Assim, no que tange à propriedade urbana, esta também deve cumprir sua função social. A Constituição Federal de 1988, consagra, em seu artigo 6º, caput. Neste artigo, lê-se:

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Art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).

Também na Constituição Federal de 1988, está regulamentada a função social da propriedade no artigo 182, que determina que o Município, através do Plano Diretor, é quem estabelece critérios para aplicação da função social da propriedade urbana, ordenando a cidade de forma a garantir o bem-estar dos seus habitantes e seu desenvolvimento. Nesse sentido, visando regular o Capítulo da Constituição Federal que trata da Política Urbana, em 2001 é normatizado o Estatuto da Cidade que apresenta os instrumentos para garantir o direito à moradia e a função social da propriedade. A Constituição Federal ainda implica as três esferas de governo na promoção das soluções habitacionais para a população:

Art. 18, Inciso X: promoção e implementação de programas para construções de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico” (inciso IX), bem como determina o “combate às causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).

Como se vê, ao lado da alimentação, trabalho, saúde e outros direitos, a habitação figura no rol das necessidades mais básicas do ser humano reconhecida como um direito social. Para cada indivíduo desenvolver suas capacidades e até se integrar socialmente, é fundamental possuir morada, já que trata-se de questão relacionada a própria sobrevivência, pois dificilmente alguém conseguiria viver por muito tempo exposto, a todo momento, aos fenômenos naturais, sem qualquer abrigo. Ou seja, a habitação satisfatória consiste em pressuposto para a dignidade das pessoas. Desta maneira, a propriedade deve cumprir sua função social, para que seu uso favoreça a comunidade na qual se insere e deve ser exercido de forma consciente. O direito à moradia se estabelece como um direito formalmente garantido no Brasil em decorrência da realidade social histórica de desigualdade socioespacial e econômica que determina a forma com que o país se desenvolveu. Existem profundas desigualdades que marcam o morar no Brasil. Enquanto a grande massa trabalhadora historicamente é obrigada a ocupar os espaços urbanos periféricos de forma inadequada, alguns privilegiados fazem uso das áreas centrais e consideradas nobres nos grandes centros do País. As transformações da sociedade, juntamente com uma acelerada urbanização, determinaram os modos de utilização do espaço urbano social e economicamente. A divisão social da cidade trouxe a separação de bairros de acordo com a renda de seus moradores. Portanto, o cerne da questão urbana está relacionado

9 ao consumo de bens e serviços coletivos, que são necessários tanto ao processo produtivo como para a reprodução da força de trabalho e da sociedade de classes. A entrega de serviços como energia elétrica, água e coleta de esgoto, por exemplo, refletem esta desigualdade, afinal, quanto mais afastado do centro comercial da cidade, menor o fornecimento destes. Outra característica do processo de urbanização no Brasil é a concentração populacional: 60% do total da população vive em áreas urbanas, localizadas em 224 municípios, que em sua grande maioria estão concentrados em 11 das maiores regiões metropolitanas do país. Um dado crítico dessa concentração está atrelado ao fato de grande parte dessa população residir em áreas irregulares e degradadas.

O quadro de contraposição entre uma maioria qualificada e uma maioria com condições urbanísticas precárias relaciona-se a todas as formas de desigualdade. Áreas irregulares são aquelas que apresentam irregularidade tanto urbanística, quanto jurídica (favelas, vilas, subabitações, localizadas em áreas sem infraestrutura básica), correspondendo a uma situação de exclusão territorial. Essa situação de exclusão é muito mais do que a exclusão da desigualdade de renda e das desigualdades sociais: agente de reprodução dessa desigualdade. Em uma cidade dividida entre a porção legal, rica e com infraestrutura e a ilegal pobre e precária, a população que está em situação desfavorável acaba tendo muito pouco acesso a oportunidade de trabalho cultura ou lazer. Simetricamente, as oportunidades de crescimento circulam nos meios daqueles que já vivem melhor, pois a sobreposição das diversas dimensões da exclusão incluindo sobre a mesma população fazem com que a permeabilidade entre as duas partes seja muito pequena (ROLNIK, 2002, p. 54).

Dados do Programa Habitar Brasil – BID, de 2004, mostravam que 10,2 milhões de moradias, correspondendo a 32,1% do total de domicílios urbanos, apresentam ausência de pelo menos um aspecto da infraestrutura urbana, seja o fornecimento de água tratada, energia elétrica, saneamento básico, ou coleta regular do lixo. Significa dizer que 83 milhões de pessoas não são atendidos por sistemas de esgotos; 45 milhões de cidadãos carecem de serviços de água potável; 16 milhões de brasileiros não são atendidos com o serviço de coleta de lixo. Doenças associadas à falta ou inadequação dos serviços de saneamento ambiental representaram 19,86% dos gastos totais do Sistema Único de Saúde – SUS, no ano de 1999, ou seja, nota-se uma clara relação entre o “morar mal” e a saúde. Neste ínterim, é preciso retomar ainda alguns números: no Brasil, de acordo com dados da Fundação João Pinheiro no ano de 2013, o déficit habitacional estimado correspondeu a 5.846 milhões de domicílios. Em 2014, observou-se aumento desse número, passando para um total de 6.068 milhões de unidades. Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, no Rio Grande do Sul o déficit habitacional

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por situação do domicílio e déficit habitacional relativo aos domicílios particulares permanentes e improvisados somou um total de 231.881, neste ano. Porém, ainda que existam dados referentes ao déficit habitacional, as informações sobre habitação relativas ao estado são poucas, de modo que se faz necessário um estudo avançado sobre a situação de moradia em nosso Estado. Vivemos, atualmente, em época de crise econômica. Em 2017, o desemprego subiu para 13,7% no trimestre de janeiro a março, conforme pesquisa Pnad Contínua (IBGE). Essa foi a maior taxa de desocupação da série histórica, iniciada em 2012. No 1º trimestre deste ano, o Brasil tinha 14,2 milhões de desempregados, também batendo recorde da série histórica. Desta forma, é coerente pensar que cada vez mais famílias estão nas ruas, sem condições de pagar por moradia digna, gerando um déficit habitacional, que nada mais é que um cálculo de relação entre domicílios ocupados e desocupados, em condições ou não. Os componentes de avaliação do déficit habitacional são calculados de forma sequencial, em que a verificação de um critério está condicionada à não ocorrência dos critérios anteriores. A forma de cálculo garante que não exista dupla contagem de domicílios, exceto pela coexistência de algum dos critérios e uma ou mais famílias conviventes secundárias que desejem constituir novo domicílio. O déficit habitacional no Brasil está mais concentrado na faixa de renda de até três salários mínimos. Em 2013, o déficit nessa faixa de renda correspondia a 83,4% do déficit habitacional urbano do país. Entre 2013 e 2014, houve um pequeno aumento de 0,5 ponto percentual, e o déficit da faixa até três salários mínimos passou a representar 83,9% do total do déficit habitacional urbano. Nessa faixa de renda, o percentual diminui nas regiões Norte e Nordeste - de 79,6% e 89,9%, em 2013, para 79,5% e 88,2%, respectivamente, em 2014. Nas demais regiões – Sudeste, Sul e Centro-Oeste – há uma elevação do déficit habitacional na faixa de renda de até três salários-mínimos. Em 2013 era de 82,3%, 76,8% e 83,5%, respectivamente, e passou para 83,7%, 78,2% e 83,9% em 2014. A faixa de mais de três até cinco salários mínimos concentrava 9,9% do déficit habitacional urbano no Brasil em 2013. O percentual era superior à média brasileira nas regiões Norte, Sudeste e Sul. Em 2014, o déficit habitacional nessa faixa de renda para o Brasil foi de 9,7%. Com exceção da faixa de renda mais baixa (até três salários mínimos), as demais apresentavam ligeira redução no percentual de 2013 para 2014, como se pode observar no Quadro 1.

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Em se tratando do conceito de déficit habitacional, deve-se considerar a concepção mais ampla de necessidades habitacionais, sendo esta definida como a soma do déficit habitacional (habitação precária, coabitação familiar e domicílios rústicos) com a inadequação de moradias ou domicílios inadequados (falta de regularização fundiária, adensamento excessivo, carência de infraestrutura, domicílios sem banheiro). O primeiro componente, habitações precárias, considera no seu cálculo dois subcomponentes: os domicílios rústicos e os domicílios improvisados. Os domicílios rústicos são aqueles sem paredes de alvenaria ou madeira aparelhada. Em decorrência das suas condições de insalubridade, esse tipo de edificação proporciona desconforto e traz risco de contaminação por doenças. Já os domicílios improvisados englobam todos os locais e imóveis sem fins residenciais e lugares que servem como moradia alternativa (imóveis comerciais, embaixo de pontes e viadutos, carcaças de carros abandonados, barcos e cavernas, entre outros), o que indica claramente a carência de novas unidades domiciliares. O segundo componente, coabitação familiar, também é composto por dois subcomponentes: os cômodos, e as famílias conviventes secundárias que desejam constituir novo domicílio. Os cômodos foram incluídos no déficit habitacional porque esse tipo de moradia mascara a situação real de coabitação, uma vez que os domicílios são formalmente distintos. Segundo a definição do IBGE, os cômodos são domicílios particulares compostos por um ou mais aposentos localizados em casa de cômodo,

12 cortiço, cabeça de porco e outros. O segundo subcomponente diz respeito às famílias secundárias que dividem a moradia com a família principal e desejam constituir novo domicílio. O terceiro componente do déficit habitacional é o ônus excessivo com aluguel urbano. Ele corresponde ao número de famílias urbanas, com renda familiar de até três salários mínimos, que moram em casa ou apartamento (domicílios urbanos duráveis) e que despendem 30% ou mais de sua renda com aluguel. Por fim, o quarto e último componente é o adensamento excessivo em domicílios alugados que corresponde aos domicílios alugados com um número médio superior a três moradores por dormitório. É interessante notar que, em 2008, em pleno governo Lula, as projeções a respeito do déficit habitacional eram de sua extinção até 2030, como se lê neste recorte de notícia:

O déficit por inadequação de moradia seria extinto e restariam algumas coabitações, mas por opção — diz Ana Maria Castelo, consultora da FGV [Fundação Getúlio Vargas]. Segundo ela, as projeções do estudo levam em conta o crescimento anual de mais de 4% do Produto Interno Bruto (PIB), a queda dos juros para financiamentos e o crescimento populacional, entre outras variáveis (ZERO HORA, 2008).

Era o auge dos projetos habitacionais, como o Programa Minha Casa, Minha Vida. O projeto estimava atender as famílias com renda entre R$ 2.000,00 e R$ 4.000,00, onde o mercado imobiliário encontrava viabilidade econômica, com o argumento que a renda dos trabalhadores deveria aumentar nos próximos anos. Entretanto, embora as projeções fossem otimistas, àquela época as pesquisas demonstravam que o maior crescimento populacional se concentrava na faixa de renda até 3 salários mínimos. Anos depois, em plena crise, os projetos habitacionais foram abandonados e a renda familiar caiu absurdamente, com as taxas de desemprego atuais estando em torno de 13%, enquanto que, em 2008, eram de 7,1% (IBGE). Em relação ao perfil das ocupações, recente censo do IBGE demonstra a relação entre domicílios ocupados e desocupados, conforme apresentado na Figura 02. É notório observar que há mais domicílios do que pessoas morando neles. Tal dado traz a discussão a contradição existente no campo habitacional, a considerar que não é ausência de moradia que impossibilita que ela seja acessada pela população de baixa renda, mas o fato de que o seu acesso está condicionado as regras do mercado.

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Figura 02: Representação da quantidade de domicílios ocupados (particulares permanentes, particulares improvisados e coletivos), por km2.

A Aliança Internacional dos Habitantes lançou, no IV Fórum Social Mundial que aconteceu em Mumbai em janeiro de 2004, a Campanha Despejo Zero. O objetivo desta campanha é garantir o direito à habitação para todos. Nas situações em que for necessária a remoção, é preciso encontrar alternativas dignas e seguras de acomodação com antecedência e com o acordo dos diretamente envolvidos, conforme as normas internacionais de direitos humanos. Neste sentido, a Anistia Internacional lançou a Campanha Basta de Remoções Forçadas, cujo objetivo é defender que as pessoas e comunidades não sejam removidas sem sua vontade de suas casas e terras, sem a provisão ou a garantia do acesso ao devido processo e as salvaguardas legais. De acordo com a legislação internacional, as remoções só podem acontecer como um último recurso, quando todas as outras alternativas já foram esgotadas e apenas se as devidas salvaguardas legais estiverem implementadas. Estas incluem consulta às pessoas impactadas, notificação com antecedência suficiente, provisão de moradia alternativa adequada, compensação por todas as perdas, acesso a assessoria jurídica e recursos legais quando necessário. As autoridades devem garantir que ninguém fique desabrigado ou vulnerável à outras violações de direitos humanos como consequência da remoção. Para alcançar esse objetivo, a Aliança Internacional dos Habitantes propôs a organização de um espaço comum global para todos os movimentos sociais urbanos, de modo a unificar iniciativas locais, nacionais e internacionais, operando em vários níveis, dependendo da adesão e mobilização das organizações locais interessadas e da

14 gravidade das situações. De umas de forma geral, as recomendações da Aliança sugerem: . Um sistema de alerta internacional com “antena” local para violações de direitos habitacionais; . Apelo por solidariedade internacional; . Proposição de missões exploratórias e conciliatórias pela ONU; . Incentivo à troca de informações sobre boas práticas, por organizações habitacionais, corporações locais e outros, para evitar desalojamentos; . Incentivo ao planejamento e monitoramento de planos de ação locais, nacionais e internacionais para a seguridade dos direitos de habitação.

É preciso considerar que as pessoas que ocupam o fazem por necessidade. Tratam-se de famílias desesperadas, em total abandono financeiro e social. Com as altas taxas de desemprego, comprometer a metade da renda com aluguel deixou de ser uma opção, e ocupar significa poder manter a sobrevivência familiar. A perda da dignidade não para por aí: por não terem direito à moradia, não tem endereço e, com isso, não conseguem se credenciar nos postos de saúde, tendo esse direito universal negado. De alguma maneira é preciso morar e o lote para moradia necessita dispor de infraestrutura básica que garanta a dignidade do indivíduo. Além das questões relacionadas à dignidade da moradia no que se refere a serviços essenciais – energia elétrica, água tratada, esgoto e assistência à saúde - há outra questão importante que se relaciona diretamente a pauta da ocupação: a educação das crianças nestes locais. Também os direitos das crianças são garantidos em tratados internacionais. Historicamente, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 20 de novembro de 1959, representantes de centenas de países aprovaram a Declaração dos Direitos da Criança, que por sua vez foi adaptada à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essa Declaração possui 10 princípios que devem ser respeitados por todos para que as crianças possam viver dignamente. Dentre eles estão:

 Direito a especial proteção para o seu desenvolvimento físico, mental e social. A criança gozará de proteção especial e disporá de oportunidade e serviços a serem estabelecidos em lei e por outros meios, de modo que possa desenvolver-se física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade.  Direito a alimentação, moradia e assistência médica adequadas para a criança e para a mãe. A criança deve gozar dos benefícios da previdência social. Terá direito a crescer e desenvolver-se em boa saúde; para essa finalidade

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deverão ser proporcionados, tanto a ela, quanto à sua mãe, cuidados especiais, incluindo-se a alimentação pré e pós-natal. A criança terá direito a desfrutar de alimentação, moradia, lazer e serviços médicos adequados.  Direito a educação e a cuidados especiais para a criança física ou mentalmente deficiente. A criança física ou mentalmente deficiente ou aquela que sofre de algum impedimento social deve receber o tratamento, a educação e os cuidados especiais que requeira o seu caso particular.  Direito a educação gratuita e ao lazer infantil. O interesse superior da criança deverá ser o interesse diretor daqueles que têm a responsabilidade por sua educação e orientação; tal responsabilidade incumbe, em primeira instância, a seus pais. A criança deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras os quais deverão estar dirigidos para educação; a sociedade e as autoridades públicas se esforçarão para promover o exercício deste direito. A criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Dar-se-á à criança uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita - em condições de igualdade de oportunidades - desenvolver suas aptidões e sua individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral. Chegando a ser um membro útil à sociedade.

No Brasil, o direito à educação é parte desse conjunto de direitos e está enunciado Carta Magna como direito de todos e dever do Estado e da família, representando tanto um mecanismo de desenvolvimento pessoal do indivíduo, como da sociedade em que ele se insere. Antes disso o Estado não tinha a obrigação formal de garantir a educação de qualidade a todos os brasileiros, o ensino público era tratado como uma assistência, um amparo dado àqueles que não podiam pagar. Na Constituinte de 1988 as responsabilidades do Estado foram repensadas e promover a educação fundamental passou a ser seu dever. Além do regramento minucioso, a grande inovação do modelo constitucional de 1988 em relação ao direito à educação decorre de seu caráter democrático, especialmente pela preocupação em prever instrumentos voltados para sua efetividade (Ranieri, 2000, p.78). Apesar de prever que o direito à educação é dever do Estado em conjunto com a família, está determinado no Artigo 205, a obrigatoriedade de atuação do mesmo no fornecimento da educação gratuitamente nos estabelecimentos oficiais e no estabelecimento de políticas públicas visando a ampliação desse sistema. Além da Constituição Federal, existem ainda duas leis que regulamentam e complementam o direito à Educação: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996. Juntos, estes mecanismos abrem as portas da escola pública fundamental a todos os brasileiros, já que nenhuma criança, jovem ou adulto pode deixar de estudar por falta de vaga. A partir disso, são elencados os direitos e deveres das crianças e adolescentes, abaixo:

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• ter acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência; • ser respeitado por seus educadores; • ter igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; • direito de contestar os critérios de avaliação, podendo recorrer às instâncias escolares superiores.

É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente o direito ao ensino fundamental (da 1ª à 8 série), obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; ampliar gradativamente a oferta do ensino médio (colegial); atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência (de preferência na rede regular de ensino); atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística; oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador; atendimento no ensino fundamental, através de programas que garantam material didático-escolar e direito ao transporte, alimentação e assistência à saúde. Caso a garantia do ensino público obrigatório e oferecido de maneira regular seja descumprida, o Poder Público pode ser responsabilizado (artigo 209, §2º da Constituição Federal). Por todo o exposto, fica demonstrado que o direito à educação é garantido e protegido de forma extensa no ordenamento jurídico brasileiro. Todavia, surge uma problemática enfrentada com frequência na questão das ações de reintegração de posse: o despejo de famílias durante o ano letivo, que quando reassentadas, não são, de forma geral, em local próximo da ocupação. Tal fato causa prejuízo irreparável na educação das crianças e adolescentes – que são numerosos, na grande maioria dos casos. Como consequência maior, fere o caráter democrático que deve guiar a gestão pública e impacta, por fim, a sociedade como um todo. Depois de apontados os aspectos legais que estruturam o contexto do direito à moradia e seus reflexos na sociedade brasileira marcada pela contradição entre as garantias legais e as ações no cotidiano de vida da população (déficit habitacional, inadequação de moradias e remoções forçadas, entre outros), em relação aos trabalhos dessa Subcomissão, torna-se mister analisar a trajetória das ocupações em Porto Alegre. Existe uma grande lacuna no estudo teórico e sistematizado sobre o déficit habitacional no interior do Rio Grande do Sul. Desta forma, como referencial teórico, usamos como prerrogativa os estudos realizados em Porto Alegre, entendendo que a problemática da moradia não diz respeito tão somente aos grandes centros, mas sim as condições econômicas e sociais do país como um todo, em especial em época de desmonte do Estado.

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Em Porto Alegre, no início do século passado, as ocupações começaram em terrenos na região que compreende aos limites dos bairros Cidade Baixa e , entre a Praça Garibaldi e a Avenida Ipiranga. Em 1949, o então Prefeito de Porto Alegre, Egídio Costa, criou o Serviço de Habitação Popular, que tinha os objetivos de “organizar a venda de terrenos acessíveis e de remover malocas” da zona urbanizada. Um exemplo deste período está registrado no editorial do jornal Diário de Notícias, de setembro daquele ano:

É notificado à população, sendo aprovada pelos vereadores, o crédito especial para desapropriação de uma área de terras situada no arrabalde do Partenon e declarada de utilidade pública, para o fim de nela serem construídas habitações para maloqueiros (DIARIO DE NOTICIAS, 1949).

As remoções de vilas e núcleos irregulares, entre o período de 1965 até meados de 1970, continuaram com força, através do lema Remover para Promover, num caráter absurdamente sanitarista. Em 1967, os registros históricos mostram a atuação do DEMHAB, em parceria com o exército, na remoção das casas desta região e na “transferência” dos moradores para a Restinga, num claro projeto de “limpeza dos pobres e branqueamento do centro da cidade”. Neste período, a Restinga era um amontoado de casas irregulares, sem água, energia elétrica e esgoto. A situação era tão precária que muitos moradores migraram dali, na criação de novas Vilas, dentre elas a Dique e a Nazaré. Somente com a compra dos terrenos das ocupações pelo poder público e cessão aos moradores, é que houve uma melhora nas condições de vida, mostrando uma clara relação entre a posse do terreno e o acesso às condições básicas de saúde e qualidade de vida urbana. A irregularidade de ocupação é histórica em Porto Alegre. As primeiras famílias de açorianos que aqui chegaram foram assentadas numa sesmaria, sem direito nenhum à posse no terreno, ou seja, nossa cidade nasceu sob as bases de uma ocupação! Nestes quase 200 anos da chegada dos açorianos até a década de 70 do século passado, a questão da moradia seguiu passando pelo tema “ocupação”. Entre 1972 e 1973, o número de núcleos e vilas girava em torno de 124, totalizando 20.152 domicílios, somando aproximadamente 22.336 famílias. Esta forma irregular de morar desencadeou insegurança na posse da terra e a baixa qualidade de vida destas famílias. Este universo de clandestinidade e a consequente falta de segurança da posse da terra urbana, vulnerabilidade política e baixa qualidade de vida para seus ocupantes, resulta do padrão excludente dos processos de desenvolvimento, planejamento, legislação e gestão das áreas urbanas. Um tenebroso mercado de

18 terrenos especulativo e um sistema jurídico elitista, não beneficiam a população pobre e periférica, provocando assim a ocupação irregular e inadequada e a sua manutenção. O Mapa da Irregularidade Fundiária de Porto Alegre considera que existem 75.656 domicílios em núcleos e vilas irregulares - 17,7% do total de domicílios. Se a média divulgada pelo IBGE, no ano 2000, de habitantes por domicílios é 3,82 para os aglomerados subnormais, estima-se que 289.005 habitantes vivem em núcleos e vilas irregulares, o que é um número consideravelmente superior ao estimado pelo IBGE, ou seja 21,46% da população residente na cidade (MORAES et al., 2009). Historicamente o que se observa na gestão da política urbana de Porto Alegre, assim como em outras cidades brasileiras, é que houve privilégio às ações de remoções de famílias pobres para áreas periféricas. Contudo, é necessário destacar que esses processos são permeados de conflitos, visto que a população constrói resistências aos mesmos Em decorrência dessa resistência é que foram construídos importantes espaços de participação popular e ainda projetos emblemáticos de regularização fundiária que permitiram a manutenção de famílias em áreas centrais com segurança de posse. O contexto político atual, somado a ênfase no capitalismo financeiro, enfatiza, na política urbana, ações de embelezamento e revitalizações de áreas centrais que, além de reproduzirem a lógica da gentrificação de áreas centrais, enfatiza as mudanças de uso dos espaços públicos na cidade. O grande problema da falta de moradia para tantos cidadãos, além de proceder de um passado histórico, é fruto não só de ausência de políticas públicas, mas, também de uma política que sempre esteve voltada para os interesses individuais e do mercado, deixando de lado os menos favorecidos, burlando, assim, todos os tratados internacionais e os direitos sociais garantidos pela Carta Magna. Assim, é de fundamental importância a discussão da questão da moradia no âmbito do legislativo, já que não há dúvidas de que a inclusão do direito à moradia no rol dos direitos sociais traz repercussões que não podem ser esquecidas pelos juristas. Dessa forma, concluímos que pensar sobre as cidades na atualidade é pensar sobre o sistema econômico: a expansão materialista caminha lado a lado com a miséria, leva a um tipo de reivindicação totalmente diferente das questões de moradia em países desenvolvidos. Embora o mercado de construção civil tenha aumentado investimentos em moradia, as empresas priorizam as construções com mais poderio econômico e quem não se encaixa no perfil de consumidor de alta classe depende dos programas sociais. Neste meio tempo, grande parte da população encontra apenas três opções: pagar aluguel (quando possuírem condições), morar com parentes e amigos ou ocupar áreas públicas com pouca ou nenhuma utilização.

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Portanto, nesse paralelo de linha de tempo, desde os primórdios da civilização, até a estruturação das ocupações de Porto Alegre e, por proxy, do Estado, relacionando ao direito à moradia digna e as campanhas de Despejo Zero, chegamos ao cerne desta Subcomissão: fazer um levantamento de dados sobre a questão da moradia no RS, a fim de que seus desdobramentos possam garantir condições mínimas a estes cidadãos, para que atinjam a qualidade de vida urbana citada anteriormente. Ademais, conforme já exposto no presente relatório, é dever do Estado garantir o direito à moradia e o critério da função social da propriedade deve respeitar os direitos sociais. Nesse quesito, é preciso garantir que o poder público avalie os planos de reassentamentos, evitando reintegrações de posse. O foco principal do poder público é manter as famílias afetadas em condições sociais e econômicas em situação, no mínimo, similar à atual, possibilitando a qualidade de vida das famílias reassentadas por meio da implantação de infraestrutura de saneamento básico, de serviços de educação, saúde e comunitários.

3. Atividades da Subcomissão para Análise da Questão da Moradia no Rio Grande do Sul – SAQM

A reunião ordinária da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, realizada em 22 de março do corrente ano, aprovou o requerimento da deputada Manuela D’Ávila de instalação de uma Subcomissão para análise da questão da moradia no Rio Grande do Sul, composta pela requerente e pelo deputado Pedro Ruas e pela deputada Miriam Marroni, sendo a deputada Manuela D’Ávila a relatora da Subcomissão, tendo o prazo de 120 dias para a conclusão dos trabalhos. Durante o período de vigência da Subcomissão, foram realizadas reuniões com instituições e autarquias públicas, ONGs, associações de moradores e comunidade, visitadas áreas de conflito fundiário, com o objetivo de colher informações e presenciar realidades para compreender a dimensão do problema. Dentre o rol de atividades, destacamos:

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3.1 Reuniões na Assembleia Legislativa

Foram realizadas 4 reuniões nas dependências da Assembleia Legislativa. A primeira reunião, ocorrida dia 19 de abril de 2017 no Espaço de Convergência Adão Pretto (Fig. 03), foi de apresentação dos objetivos da Subcomissão para a comunidade e os órgãos presentes. A deputada Manuela d’Ávila presidiu a reunião. Para a deputada, “A Subcomissão será um espaço de acolhimento da luta pela moradia no Rio Grande do Sul. Embora ela não tenha o poder de resolver os problemas relacionados à regularização fundiária, tem a capacidade de amplificar a voz das comunidades, fazendo com que ela chegue aos ouvidos de quem tem a caneta na mão”. A Subcomissão terá como premissas mediar conflitos e construir soluções para o enfrentamento do déficit habitacional no Rio Grande do Sul. Participaram da reunião o deputado Pedro Ruas, membro da Subcomissão, Darlan Castilho, assessor do deputado Bombeiro Bianchini, Emerson Correia, Chefe de Gabinete do Departamento de Habitação de Porto Alegre, Lisiane Gomes representando a Secretaria Estadual de Obras, Habitação e Saneamento, Dra. Débora Menegat, do Ministério Público do RS, Dra. Luciana Artus, da Defensoria Pública do RS, Superintendente Antônio Carlos Jung da Superintendência de Patrimônio da União, Dr. Jorge Luiz Terra da Procuradoria Geral do Estado do RS, Paulo Guarnieri, assessor do vereador Marcelo Sgarbossa, além de representantes da União das Associações de Moradores de Porto Alegre - UAMPA, da Associação de Moradores do Loteamento Romeu Samarani Ferreira, Associação de Moradores do Beco X, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto - MTST, Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas - MLB, Federação Gaúcha das Associações de Moradores - FEGAM, Associação Chácara do Banco, Associação dos Moradores da Vila Gaúcha, Movimento Nacional de Luta pela Moradia - MNLM, Associação dos Moradores Nossa Senhora do Brasil, Movimento dos Trabalhadores por Direitos - MTD, Ocupação Senhor do Bonfim, Associação de Moradores da Vila Maria, Associação de Moradores Tio Zeca e Areia e Moradores do Condomínio Betti.

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Figura 03: Primeira reunião da Subcomissão da Moradia, nas dependências da ALRS.

A segunda reunião de trabalho (Fig. 04) ocorreu em 03 de maio de 2017, no Espaço de Convergência Adão Pretto e contou com a presença dos órgãos do Estado, tendo como objetivo sensibilizá-los para a construção de um diagnóstico da questão da moradia no RS. A Subcomissão se colocou como ferramenta para auxiliar na articulação dos atores na busca da prevenção e mediação de conflitos fundiários. Os participantes foram convidados para conhecer a realidade das ocupações in loco, em roteiro de visitas às comunidades. Participaram da reunião o Departamento Municipal de Habitação - DEMHAB, Secretaria Estadual de Obras, Habitação e Saneamento, Ministério Público do RS, Defensoria Pública do RS, Comissão de Urbanização, Direitos Humanos e Segurança Urbana da Câmara de Vereadores - CDCOM, Superintendência de Patrimônio da União - SPU e Procuradoria Geral do Estado do RS - PGE.

Figura 04: Segunda reunião da Subcomissão.

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Em 31 de maio de 2017 ocorreu, no Espaço de Convergência Adão Pretto, a terceira reunião de trabalho (Fig. 05). A Subcomissão recebeu relatos das Ocupações dos municípios de Gramado, Gravataí, Porto Alegre e Campo Bom. Em Gramado, o problema é com a Ocupação Celita. Segundo o representante dos moradores a área, que pertence ao município, está prestes a ser reintegrada, não havendo mais recursos na justiça. Na ocupação de Gravataí, os moradores estão no local há 17 anos, numa área que pertence ao Estado. As negociações não andam porque, segundo os moradores, o Estado está com dificuldades para fazer a medição da área. Hoje, são mais de 500 famílias que moram no local e que não têm perspectiva de garantia de habitação. Em Porto Alegre, a Ocupação Altos da Colina está enfrentando problemas com a CEEE. Os moradores estão numa área onde passam as linhas de transmissão da companhia. A comunidade alega que a CEEE, para facilitar a reintegração da posse, está entrando com processos separados contra as famílias, ao invés de requerer a posse das terras como um todo. A Defensoria Pública do RS irá auxiliar no caso. Os problemas relacionados à moradia no município de Campo Bom foram trazidos pelo vereador Tiago Souza da Silva. Ele destacou o problema de uma comunidade que está prestes a perder as terras onde moram numa área lindeira à ERS 239, por causa da construção de uma ponte. O DAER está com um pedido na justiça de reintegração de posse do local.

Figura 05: Terceira reunião da Subcomissão, para escuta dos relatos das Ocupações dos municípios de Gramado, Gravataí, Porto Alegre e Campo Bom.

A quarta e última reunião da Subcomissão ocorreu dia 02 de agosto de 2017, na sala João Neves da Fontoura (Plenarinho). A deputada Manuela d’Ávila coordenou a reunião, que recebeu novas demandas de moradores de áreas de conflito fundiário. Representantes de moradores do entorno da obra da nova ponte do Guaíba

23 apresentaram preocupação quanto ao novo local que a prefeitura e o DNIT irão abrigá- los e estão pedindo maior transparência por parte dos órgãos responsáveis pela obra e também por parte da prefeitura (Fig. 06). No encontro, também foram ouvidos moradores da Ocupação Saraí, Senhor do , Jardim Marabá, Recanto da Alegria, Mulheres Mirabal, Vila Boa Esperança, Lanceiros Negros, e Capela de Santana.

Figura 06: Quarta reunião nas dependências da ALRS, que tratou das obras da Ponte do Guaíba.

3.2 Visita às Ocupações

A Subcomissão realizou uma série de visitas às áreas de conflitos fundiários. Algumas das comunidades que participaram da primeira reunião e manifestaram interesse em receber a equipe da Subcomissão em seus locais de moradia, fizeram parte do roteiro de visitas realizado no dia 08 de maio. A proposta deste roteiro foi apresentada na reunião da Subcomissão com os órgãos do Estado no dia 03 de maio, que foram convidados a acompanhar a equipe. O roteiro visitou as comunidades Vila Gaúcha no morro Santa Teresa, Chácara do Banco e Novo Horizonte no bairro Restinga, Loteamento Romeu Samarani Ferreira no bairro Vila Nova e São Pedro e Altos da São Guilherme no bairro Partenon. Acompanharam o roteiro a deputada Manuela d’Ávila, o deputado Pedro Ruas, o membro da ONG Acesso - Cidadania e Direitos Humanos, Julio Alt, além da equipe de apoio da Subcomissão.

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3.2.1 Vila Gaúcha, no Morro Santa Tereza

O roteiro iniciou pela Vila Gaúcha, onde pudemos contatar que o lixo é jogado ao lado de um campo de futebol, onde crianças brincam e jogam bola (Fig. 07). Para chegar ao campo, a passagem é feita por vielas onde o esgoto corre a céu aberto em alguns pontos. O local apresenta péssimas condições de habitabilidade, com casas frágeis construídas sob um terreno íngreme (área de risco). A comunidade, representada pelo líder comunitário Darci Campos dos Santos, reivindica a imediata rearticulação do Grupo de Trabalho da área da FASE; entre as outras demandas fundamentais da comunidade está a questão da água e esgoto. Fazem dois anos que a comunidade protocolou documentos junto ao DMAE e até aguardam retorno; a CEEE não tem entrado na comunidade para fazer a leitura e isto faz com que as contas fiquem muito maiores do que deveriam ser; a situação da comunidade fica ainda mais precária em dias de chuva, pois o acesso 5, que já é difícil fica ainda pior, com este quadro agravando até o campinho, o que obriga a comunidade dar uma grande volta para sair ou voltar das suas moradias.

Figura 07: Visita à Vila Gaúcha, onde se observa a enorme quantidade de lixo a céu aberto.

3.2.2 Chácara do Banco, no bairro Restinga

Na Chácara do Banco, a Subcomissão foi recebida pela líder comunitária Almerinda Lima, na sede da Associação de Moradores. Relatou que estão enfrentando problema sobre a regularização fundiária. Os moradores, alguns há 30 anos no local, alegam que já compraram as terras por duas vezes e, agora, a antiga proprietária está reivindicando a posse das terras. A ação judicial já está correndo, mas é preciso estar atento para que os direitos dos moradores atuais não sejam violados (Fig. 08).

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A comunidade já tinha entrado com processo de regularização fundiária quando surgiu um 'dono' do imóvel em que toda comunidade se encontra. Mas, além do direito adquirido, grande parte da comunidade tem até hoje o recibo de compra e venda de seus lotes. Neste sentido a comunidade gostaria de ter apoio da Subcomissão da questão de moradia para encontrar uma solução e para este conflito, de forma a se garantir o direito dos moradores e avançar na qualidade dos serviços e equipamentos públicos na comunidade.

Figura 08: Reunião com a Associação de Moradores da Chácara do Banco.

3.2.3 Novo Horizonte, no bairro Restinga

Problemas sobre a regularização fundiária também acontecem na Ocupação Novo Horizonte, onde vivem cerca de 500 famílias. A comunidade, representada pelos moradores Tiago Rosa de Sousa e Kelly Mary, relatou que os moradores sofrem com a falta de infraestrutura básica, buscando o acompanhamento da Subcomissão para evitar o despejo e garantir os serviços e equipamentos públicos essenciais (Fig. 09). A ocupação se encontra em áreas do DEMHAB próxima à 5ª Unidade. O caso tem acompanhamento do CEJUSC.

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Figura 09: Visita à Ocupação Novo Horizonte, no Bairro Restinga, em Porto Alegre.

3.2.4 Loteamento Romeu Samarani, no Campo Novo

Associação de Moradores do Loteamento Romeu Samarani Ferreira – AMLRS (Fig. 10), procurou a Subcomissão dando notícia de que cerca de 56 famílias, residentes a mais de década em área urbana localizada na Estrada Cristiano Kraemer Esq. Romeu Samarani Ferreira, estão na iminência de serem desapossadas de suas moradias, por força de um mandado liminar, que tramita no Foro Regional da Tristeza, nesta capital, decorrente de uma ação movida pela massa falida do Montepio dos Funcionários do Município de Porto Alegre. A comunidade pretende indenizar/pagar pela área onde se encontram, inclusive já fizeram depósito judicial sinalizando tal intenção. Contudo, a referida área foi a leilão, sendo ignorada manifestação dos moradores e homologada a arrematação pelo Sindicato dos Guardadores de Automóveis. Vivem na área cerca de 338 pessoas, 33 crianças matriculadas na escolas, 18 nas creches municipais, além de três crianças e seis idosos com necessidades especiais.

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Figura 10: Representantes da Associação de Moradores do Loteamento Romeu Samarani Ferreira

3.2.5 São Pedro, no bairro Partenon

A comunidade São Pedro ocupa uma área que pertence ao Estado, apesar de estar na beira da Avenida Ipiranga, na frente de um Shopping, sofre com a falta de estrutura e investimentos públicos, em especial de limpeza e saneamento (Fig. 11). O esgoto corre a céu aberto. Uma obra realizada só piorou a situação, pois tem esgoto entupido. O DMAE se nega a ir para ajustar, por ser área estadual. A comunidade quer regularizar o fornecimento de energia elétrica, mas encontra na CEEE um obstáculo. Os moradores reivindicam a construção de um galpão para reciclagem, visto ser essa a principal fonte de renda da comunidade e o acúmulo de material nas ruas é um convite para a proliferação de ratos e animais peçonhentos.

Figura 11: Lixo aglomerando nas ruas da comunidade São Pedro.

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3.2.6 Altos da São Guilherme, no bairro Partenon

Mais de 600 famílias residem em uma área que pertence ao Departamento Municipal de Habitação - DEMHAB e que recentemente entrou com processo judicial de reintegração de posse. A comunidade, em parceria com a União das Associações de Moradores de Porto Alegre – UAMPA, fez o cadastro social dos moradores e ficou constatado que grande parte destas famílias eram inscritas no programa Minha Casa Minha Vida e não tiveram mais como pagar aluguel ou morar de favor. Por ser uma ocupação recente não possui esgoto (Fig. 12), embora tenha se organizado para ter uma instalação provisória de água e luz. Além disto, é uma região de morro e em dias de chuva, o acesso fica bastante prejudicado.

Figura 12: Visita à Ocupação Altos de São Guilherme.

Outras Ocupações em Porto Alegre

O primeiro roteiro de visitas às áreas de conflito fundiário mostrou a complexidade do tema. Foram seis comunidades visitadas, sendo que os principais problemas encontrados são relacionados a regularização fundiária, a precariedade no tratamento de esgoto, a falta de fornecimento de água potável e energia elétrica e a falta de coleta de lixo. Para a deputada Manuela d’Ávila, a Subcomissão tem a missão de dar visibilidade a esses problemas, dando voz às comunidades, para que suas demandas sejam atendidas e acompanhadas pela população como um todo. Assim, a equipe de apoio da Subcomissão seguiu acompanhando outras ocupações.

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3.2.7 Ilha dos Marinheiros

Uma das pautas que chegaram na Subcomissão foi a questão do reassentamento de aproximadamente mil famílias para a construção da nova ponte sobre o Rio Guaíba. A Ilha dos Marinheiros recebeu a Subcomissão na Escola Alvarenga Peixoto (Fig. 13) no dia 20 de maio, ocasião que a Defensoria Pública da União realizava o recadastramento dos moradores atingidos pelas obras da nova ponte do Guaíba. Lideranças da comunidade e da região relataram sobre o descompasso entre o avanço das obras e o processo de reassentamento das famílias e solicitou acompanhamento do caso e a falta de informações sobre o andamento do processo de reassentamento. Cabe salientar o forte trabalho de orientação da DPU, se colocando à disposição das demandas da comunidade, em especial na garantia do direito à moradia.

Figura 13: Visita à Ilha dos Marinheiros, para discussão sobre as obras da nova Ponte do Guaíba.

3.2.8 Ilha das Flores

As obras da Ponte do Guaíba, de responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - DNIT atinge diretamente as comunidades nas ilhas e no continente. O líder comunitário Sr. Amélio de Araújo, vice-Presidente da Associação de Moradores do Beco X e Diretor da UAMPA, local que está sendo atingido pelas obras da ponte no lado do continente, acompanhou a Subcomissão em visita à Ilha das Flores. A reunião realizada na Escola de Educação Infantil Anjo das Flores teve a participação da Sra. Laci Hirsch e lideranças da Ilha das Flores (Fig. 14). Recebemos relatos sobre o processo de reassentamento, com cronograma atrasado, pela construção da segunda ponte do Rio Guaíba. Os moradores reivindicam informações sobre o local do

30 reassentamento, principalmente pelo avançado estágio da obra da ponte, enquanto a comunidade não tem informações sobre para onde e como serão reassentados, inclusive com a dificuldade de obter informações junto ao DEMHAB.

Figura 14: Reunião com as lideranças da Ilha das Flores

3.2.9 Vila Boa Esperança

Um grupo de moradores da Vila Boa Esperança, localizada no bairro Partenon, visitou a Subcomissão na Assembleia Legislativa. O vice presidente da Associação dos Moradores, Cléuton da Silva Lima, relatou que 98 famílias residem numa área que pertence à Universidade Federal do RS – UFRGS (Fig. 15). Segundo relato, a ocupação na área da UFRGS existe desde a década de 1960, onde os primeiros trabalhadores da antiga pedreira retiravam saibro para a pavimentação da Av. Bento Gonçalves. Reclamam que a Reitoria da Universidade não recebe a comunidade para dialogar. Há uma reintegração de posse, da qual os moradores não foram notificados.

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Figura 15: Reunião com as lideranças da Vila Boa Esperança.

A Subcomissão retribuiu a visita nos dias 01 e 19 de julho, onde conversou com moradores e constatou os graves problemas de infraestrutura do local (Fig. 16). Comunidade Boa Esperança buscou apoio junto à Subcomissão de Moradia da Assembleia, já que residem em uma área da UFRGS e sofrem um processo de reintegração de posse, sendo que existem moradores mais antigos que a Universidade no local. Neste dia, a comunidade estava em mutirão substituindo três postes antigos que estavam ameaçando a segurança dos moradores.

Figura 16: visita da Subcomissão à Vila Boa Esperança, para ver in loco as condições do local.

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3.2.10 Altos da São Guilherme II

A presidenta da Associação de Moradores Maria Luiza recebeu a Subcomissão no dia 19 de Julho (Fig. 17), quando relatou que a ocupação tem recebido diariamente novos moradores. Visitamos o local conhecido como Baliza, localizado na Alameda Alta Tensão, onde mais de 80 famílias se instalaram na mesma área da ocupação. As casas estão sendo construídas num terreno íngreme, que representa risco à segurança dos moradores.

Figura 17: Membros da Subcomissão em reunião com a presidenta da Associação de Moradores da Altos da São Guilherme II

3.2.11 Lanceiros Negros

No final de 2015, cerca de 70 famílias que viviam em situação de falta de moradia, oriundas da região das Ilhas das Flores, da Pintada e dos Marinheiros e da periferia dos bairros e Morro da Cruz, ocuparam um prédio do Estado que estava vazio há mais de 10 anos. Essa ocupação chamou a atenção, especialmente da mídia, pois o prédio localiza-se no Centro Histórico, ne esquina das ruas General Câmara e Andrade Neves, A reação do Estado também chamou a atenção. A população acompanhou estarrecida o ato de violência que foi o despejo da ocupação, na noite do dia 14 de junho de 2017. Os policiais chegaram em frente ao local, já munidos dos escudos e lançando bombas de gás lacrimogênio. Um oficial de justiça deu voz de prisão, em meio ao confronto, para todos os que estavam bloqueando a desocupação, inclusive ao deputado Jeferson Fernandes, detido na operação (Fig. 18). Os desdobramentos desta ação foram tratados com profundidade pela CCDH. Este caso nos levanta duas questões: quem tem direito de morar no centro da cidade: com todos equipamentos e serviços públicos, em imóveis que estejam vazios. Ao

33 mesmo tempo qual função social deve cumprir a cidade e, principalmente, a propriedade? A violência contra os ocupantes da Lanceiros Negros, continuou após o despejo, onde foram levados para o Centro Vida na Zona Norte e seus objetos foram deixados lá. Os moradores acabaram, em parte, indo para a ocupação Mirabal e os demais indo para a casa de familiares e amigos.

Figura 18: Dep. Jeferson sendo agredido pela polícia na desocupação da Lanceiros Negros.

3.2.12 Lanceiros Negros Vivem

Na madrugada do dia 4 de julho, os ex-moradores da Lanceiros Negros ocuparam o prédio do antigo hotel Açores (Fig. 19), localizado na Rua dos Andradas, que estava desocupado há cerca de 2 anos. As 70 famílias desalojadas pelo Estado transformaram-se em 150. Segundo o Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas - MLB, que organizou a ocupação, estas 150 famílias são majoritariamente compostas de pessoas que viviam em áreas de risco ou dominadas pelo tráfico e que estavam cadastradas pelo Movimento.

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(Figura 19. Moradores da Ocupação Lanceiros Negros Vivem em luta. Foto retirada da Página do Facebook Lanceiros Negros Vivem).

Tão logo os moradores se instalaram no prédio, os proprietários entraram com pedido de reintegração de posse, prontamente atendido pelo judiciário. Após adiamento da reintegração, ficou definido, em reunião com representantes da Ocupação Lanceiros Negros Vivem - OLNV Comando da Brigada Militar, representantes da Defensoria Pública, Ministério Público, Promotoria de Direitos Humanos, Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, Juíza titular da ação e advogada dos proprietários do Hotel Açores, a data do despejo: 24 de agosto, às 6h00. A Brigada Militar isolou trecho da Rua dos Andradas na noite do dia 23, para cumprir a reintegração de posse (Fig. 20). Na manhã seguinte, alguns deputados da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos acompanharam, junto com vários integrantes de movimentos sociais, o andamento das negociações entre a Brigada Militar e os representantes dos moradores. Numa importante vitória do diálogo sobre a truculência, foi criado um Comitê Gestor para a Desocupação Pacífica da Ocupação Lanceiros Negros Vivem, com o objetivo de firmar um acordo para desocupação pacífica e voluntária, garantindo o transporte de pessoas e pertences ao Centro Vida e aluguel social para 24 famílias por 6 meses. A Comitê prevê, ainda, negociação junto ao DEMHAB e Caixa Econômica Federal para ampliar o número de famílias beneficiadas, além da destinação definitiva das famílias para o Condomínio Belize, no Bairro Restinga, através do Programa Minha Casa Minha Vida.

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Figura 20: Batalhão de choque isolando a Rua Andradas, na quadra da Ocupação Lanceiros Negros Vivem, mostrando o forte aparato policial usado nas reintegrações de posse.

3.2.13 Altos da Colina

Localizada no bairro , zona leste de Porto Alegre, a comunidade do Altos da Colina foi surpreendida com uma violenta ação de despejo e demolição de duas casas, movida pela CEEE. Ambas estavam em uma Área de Preservação Permanente (APP) e próximas da rede de alta tensão da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). Os moradores da região protestam contra a decisão montando barricadas para impedir o acesso dos policiais. O que gerou forte repressão e violência contra a comunidade. Em diálogo com Defensoria Pública (Fig. 21), foi descoberto mais 3 processos judiciais de reintegração de posse de outras moradias. A Subcomissão procurou dialogar com a CEEE sobre este caso, já que as famílias, em muitos casos, ali residem antes das redes de alta tensão e não se sabe quais planos de expansão da rede de alta tensão na região.

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Figura 21: Reunião dos moradores do Altos da Colina com a Defensoria Pública, acompanhados pela Subcomissão de Moradia.

3.2.14 Jardim Marabá

A Subcomissão acompanhou reunião da Comunidade Jardim Marabá, ameaçada de despejo, na Região Glória em Porto Alegre. A comunidade resiste desde o início dos anos 2000, buscando adquirir a área que era de uma massa falida e foi comprada por um banco que busca especular com a área (Fig. 22). Moradores relatam que diversas reuniões já foram realizadas com representantes do município e do Estado, buscando a regularização da área que já está consolidada, tendo mais de 500 famílias, escola municipal, recolhimento de lixo e fornecimento de água. O fornecimento de energia elétrica também é reivindicação da comunidade.

Figura 22: Reunião da Subcomissão de Moradia da ALRS com os representantes da Comunidade jardim Marabá.

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Região Metropolitana e Interior do RS

A Subcomissão desenvolveu seus trabalhos durante o período regimental de 120 dias. Este curto período não impediu a atuação também na região metropolitana e interior do estado. Foram visitadas as ocupações Assentamento Pontal dos Pinheiros em Gravataí, Ocupação Celita em Gramado, Ocupações Resistência e Luta, Bicho de Pé e Kolartica em Campo Bom e Ocupação Capela de Santana, que foi removida deste município para as margens da RS 401 em Charqueadas.

3.2.15 Assentamento Portal dos Pinheiros, em Gravataí

O Assentamento Portal dos Pinheiros, localizado na Estrada Boqueirão, no município de Gravataí, recebeu a visita da Subcomissão da Moradia no dia 23 de maio. Mais de 500 famílias vivem numa parte da área do Estado que compõe o todo maior que foi destinado à construção da Unidade da GM no município. A área não é utilizada pela montadora e os moradores reivindicam melhorias na infraestrutura do local, pois a área alaga com frequência, não possui fornecimento de energia elétrica e água, além de falta de recolhimento de lixo na maioria dos locais da ocupação (Fig. 23).

Figura 23: Assentamento Portal dos Pinheiros, em Gravataí, mostrando a falta de condições de saneamento básico locais.

A segunda visita ocorreu dia 12 de julho, na sede do Movimento dos Trabalhadores por Direitos – MTD (Fig. 24). Neste encontro, foram apresentados documentos que registram toda a história da ocupação. A comunidade reivindica a municipalização da área, para que o município possa realizar obras de infraestrutura como melhoramento das ruas, instalação de água, esgoto e energia elétrica e

38 iluminação pública. Ainda, estão buscando a reorganização dos moradores através da constituição de uma Associação de Moradores, que possa auxiliar no objetivo de regularizar o assentamento, garantindo segurança da posse da terra.

Figura 24: Visita da Subcomissão à na sede do MTD, em Gravataí.

3.2.16 Ocupação Celita, em Gramado

O Loteamento Celita localizado no Bairro Várzea Grande refere-se a uma área municipal ocupada por 37 famílias. Uma decisão judicial de reintegração de posse favorável ao município traz insegurança para as famílias, que já manifestaram interesse em comprar a área através da constituição de uma cooperativa habitacional. A Subcomissão visitou a ocupação (Fig. 25) no mês de maio para conhecer a realidade das famílias e, em 23 de junho reuniu-se com o prefeito Pedro Bertolucci para tratar do tema. Na reunião, foi solicitado aumento do prazo para desocupação, bem como das parcelas do aluguel social. Ainda, foi debatido com o prefeito a possibilidade de constituição de uma cooperativa habitacional que pudesse contemplar toda população que vive em áreas de conflito fundiário no município.

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Figura 25: Visita à ocupação Celita, em Gramado.

3.2.17 Ocupação Resistência e Luta, em Campo Bom

A Ocupação Resistência e Luta, localizada às margens da Avenida São Leopoldo, no bairro Dona Augusta, sediou uma reunião da Subcomissão no dia 23 de junho (Fig. 26). Participaram desta reunião, além da anfitriã, representantes das Ocupações Bicho de Pé, Cascatinha, Kolártica e Ocupação Nova, além do vereador Tiago Souza da Silva. Vivem no local 79 famílias que convivem há mais de 10 anos com moradias precárias, falta de água e saneamento, além dos riscos das instalações elétricas e da proximidade com a avenida, que possui alto fluxo de veículos. A comunidade aguarda a remoção das famílias para projeto habitacional da prefeitura, no Loteamento Morada do sonho. A deputada Manuela d’Ávila apresentou o trabalho da Subcomissão e marcou nova visita para conhecer as demais ocupações para colher informações e auxiliar na mediação dos conflitos fundiários.

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Figura 26: Reunião na Ocupação Resistência e Luta, onde participaram representantes das Ocupações Bicho de Pé, Cascatinha, Kolártica e Ocupação Nova.

3.2.18 Ocupação Capela de Santana

A área de propriedade do Estado abriga uma escola de ensino profissional que está abandonada há mais de dois anos. Cerca de 70 famílias viviam na área, onde cultivavam milho, feijão, batata doce e várias hortas com grande variedade de hortaliças, além da criação de aves, porco e gado. Segundo relato do Sr. Benjamin da Silva, liderança dos moradores, cerca de oito viaturas fecharam os acessos ao assentamento na noite do dia 03 de julho, impedindo qualquer entrada ou saída dos moradores. Na manhã seguinte, um grande aparato policial exigiu a imediata saída das famílias. Ressaltou que não houve nenhum tipo de aviso prévio da reintegração de posse, apenas no momento do despejo souberam que o município reivindica a área (que é do Estado) para a instalação de um frigorífico. A área tem cerca de 150 ha e o frigorífico necessita de cerca de 100 ha, conforme relatou. Dentre os assentados haviam aproximadamente 12 crianças (10 matriculadas nas escolas), pelo menos duas gestantes (uma com 37 semanas e com pré-natal agendado), além de idosos. Os moradores foram transferidos para uma uma área do DNIT, localizada entre os municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas, na beira da RS 401, numa estreita faixa entre a rodovia e uma propriedade privada, medindo aproximadamente 30 metros de largura. No local não é possível a criação dos animais (alguns foram transportados) nem o replantio das hortaliças (que também foram transportadas e estão murchando), não há água potável e nenhuma infraestrutura. Os pertences dos assentados foram deixados à margem da rodovia, cobertos por lonas. Reclamam da falta de assistência, de comida e que muitos animais foram perdidos. As

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condições são as mais precárias possíveis. As fotos abaixo registram a saída dos moradores de Capela de Santana e sua instalação em Charqueadas (Fig. 27).

Figura 27: Fotomontagem da Ocupação Capela de Santana: na primeira foto, o momento da mudança; na segunda foto o novo local do assentamento, que fica às margens da rodovia.

3.2.19 Ocupação Bicho de Pé, em Campo Bom

A Subcomissão visitou a Ocupação Bicho de Pé em 28 de julho. A liderança comunitária Carla Muller relatou que a ocupação possui 95 famílias cadastradas, mas moradores estimam que mais de 180 famílias vivem no local. As casas encontram-se em condições muito precárias, construídas sob o esgoto, com muito lixo e ratos no local (Fig. 28). Foi a situação mais precária visitada pela Subcomissão. Ainda, encontram-se sob a rede de transmissão da CEEE.

Figura 28: Vista da Ocupação Bicho de Pé, que apresentava as piores condições sanitárias dentre as ocupações visitadas.

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3.2.20 Ocupação Kolártica, em Campo Bom

A ocupação localiza-se numa faixa de 15 metros entre o muro da empresa e a Av. dos Municípios, acesso a BR 239 (Fig. 29). A representante dos moradores, Priscila Figueira relatou que grande fluxo de veículos já fez vítima fatal. Foram notificados para reintegração de posse, sendo que ocupam a área a mais de 50 anos.

Figura 29: Vista da ocupação, que foi construída entre o muro de uma fábrica e a faixa da BR 239.

3.3 Reuniões com órgãos públicos e outras instituições

Com a proposta de mediar conflitos e construir soluções para o enfrentamento dos conflitos fundiários do RS, a Subcomissão procurou dialogar com todos os atores que, de alguma forma, possuem relação com a questão habitacional no estado. Neste interim, ocorreram 14 reuniões reunimos com as seguintes instituições públicas e de movimentos sociais: Sindicato dos Municipários de Porto Alegre - SIMPA, Departamento Municipal de Habitação de Porto Alegre - DEMHAB, Prefeitura Municipal de Gramado, Vereador em Pelotas, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte - DNIT, Prefeitura de Campo Bom, Vereador de Campo Bom, Defensoria Pública do Estado, Secretaria Estadual de Obras, Habitação e Saneamento, Sindicato dos Arquitetos do Rio Grande do Sul - SAERGS, Departamento Municipal de Limpeza Urbana de Porto Alegre - DMLU, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, União das Associações de Moradores de Porto Alegre - UAMPA, Comissão da Campanha Despejo Zero.

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3.3.1 Sindicato dos Municipários de Porto Alegre - SIMPA

A Subcomissão da Moradia, em conjunto com a União das Associações de Moradores de Porto Alegre e a Associação dos Moradores do Loteamento Romeu Samarani reuniram-se com o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre buscando apoio deste sindicato pela manutenção das famílias que moram no terreno reivindicado pela massa falida do Montepio dos Funcionários do Município de Porto Alegre (Fig. 30). A diretora geral do SIMPA, Luciane Pereira da Silva, colocou o sindicato à disposição dos moradores e afirmou que acionará o departamento jurídico para auxiliar da melhor maneira possível.

Figura 30: Reunião da Subcomissão com a UAMPA e com a Associação dos Moradores do Loteamento Romeu Samarani, no SIMPA.

3.3.2 Departamento Municipal de Habitação de Porto Alegre - DEMHAB

O DEMHAB das primeiras reuniões da Subcomissão, realizadas na Assembleia Legislativa. No dia 24 de maio, recebeu a Subcomissão da Moradia para tratar sobre as ocupações em áreas municipais. O Chefe de Gabinete Emerson Correa e o Coordenador da Equipe de Cooperativismo Ademir Maria relataram sobre o trabalho que está sendo realizado nessa pauta, tendo como centralidade a constituição de cooperativas habitacionais. Deste encontro, ficou agendada nova reunião, com a participação de representante da prefeitura de Gramado, para conhecer o modelo de cooperativismo, além de visita a uma cooperativa habitacional constituída. No dia 31 de maio, a Subcomissão da Moradia reuniu-se, na sede do DEMHAB de Porto Alegre, com o Coordenador da Equipe de Cooperativismo Ademir Maria e o

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Secretário Adjunto de Assistência Social de Gramado, Ricardo Cazanova (Fig. 31). O município de Gramado se mostrou disposto a conhecer o cooperativismo como alternativa para política habitacional local. Na cidade, há negociação para desocupação de uma área onde há 35 famílias. O caso da Ocupação Celita foi acompanhado por esta Subcomissão.

Figura 31: Reunião com a direção do DEMHAB.

Após a reunião, as Cooperativas COOHACID e COOJARDIM receberam os representantes da Subcomissão, do DEMHAB e da Secretaria de Assistência Social de Gramado para apresentar seu trabalho. São cooperativas autogestionárias, sendo a COOHACID fundada em 1994 possuindo 349 associados e a COOJARDIM fundada em 1995, tendo 60 associados.

3.3.3 Prefeitura Municipal de Gramado

O prefeito Pedro Bertolucci recebeu, na manhã do dia 23 de junho, a deputada Manuela d’Ávila e membros da equipe da Subcomissão para tratar sobre conflitos fundiários e, especialmente, sobre o caso da Ocupação Celita (Fig. 32). A deputada elogiou a iniciativa da prefeitura que, através do Secretário Adjunto de Assistência Social de município, Ricardo Cazanova, buscou junto à Subcomissão, conhecer alternativas para enfrentar o conflito fundiário estabelecido no município. Ainda solicitou, em nome dos moradores da Celita, a ampliação do prazo de desocupação da área bem como das parcelas referentes ao aluguel social. A proposta inicial da prefeitura era de desocupação da área em 60 dias a contar de 1º de maio e três meses de aluguel social.

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Após a mediação da Subcomissão, estabeleceu-se a operação de saída até o dia 30 de setembro, com pagamento de quatro meses de aluguel social.

Figura 32: Reunião da Deputada e membros da Subcomissão com o Prefeito de Gramado, Pedro Bertolucci, para tratar da Ocupação Celita.

3.3.4 Agenda com Vereador Toninho, em Pelotas

O vereador Antônio Peres, conhecido por Toninho, recebeu em seu gabinete a equipe da Subcomissão para tratar sobre a questão fundiária do município. Relatou que o município de Pelotas possui mais de 150 loteamentos irregulares, tanto de áreas públicas quanto particulares, passíveis de regularização. Estima que aproximadamente 40 mil imóveis são irregulares, atingindo uma população estimada de 100 mil habitantes. O vereador produziu uma cartilha sobre regularização fundiária, para auxiliar a população a legalizar sua moradia.

3.3.5 Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte - DNIT

O DNIT recebeu a Subcomissão no dia 26 de julho para reunião com o Superintendente Substituto, Delmar Pellegrini Filho (Fig. 33). No decorrer do trabalho da Subcomissão, alguns casos que foram tratados envolvem o Departamento, dos quais destacamos a construção da Nova Ponte do Guaíba. As comunidades das Ilhas dos Marinheiros e das Flores e dos bairros Farrapos e Navegantes estão sendo atingidas pelas obras da Nova Ponte do Guaíba. Reclamam que o andamento das obras está muito à frente das soluções para sua moradia, tanto no continente quanto nas ilhas. Cobram a apresentação de um cronograma de execução das obras para o acompanhamento.

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Figura 33: DNIT e Subcomissão de Moradia da ALRS em reunião sobre as ocupações que estão próximas às obras da Ponte do Guaíba.

3.3.6 Prefeitura de Campo Bom

No dia 28 de julho a Subcomissão visitou o Departamento de Habitação do município de Campo Bom. A assessora e arquiteta Rosane Reichert apresentou um mapa com as 17 ocupações existentes no município. Conforme dados apresentados, há aproximadamente 500 famílias vivendo em áreas irregulares. Relatou que há um projeto de loteamento no bairro Morada do Sol, aprovado na Caixa Federal e aguardando aprovação do executivo federal, que prevê a liberação de 300 lotes para construção de habitação popular. Acompanhou a reunião o vereador Tiago Souza da Silva.

3.3.7 Agenda com Vereador Tiago Souza da Silva, de Campo Bom

O vereador Tiago Souza da Silva participou das primeiras reuniões da Subcomissão na Assembleia Legislativa, ocasião que apresentou alguns conflitos fundiários existentes no município de Campo Bom (Fig. 34). O vereador convidou a Subcomissão para visitar o município e conhecer de perto a realidade das famílias que vivem nas ocupações da cidade. Junto do vereador, a Subcomissão visitou as ocupações Resistência e Luta, Bicho de Pé e Kolártica, além de visitar o Departamento de Habitação do município buscando conhecer as políticas locais de habitação.

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Figura 34: Reunião com o vereador Tiago Souza da Silva, de Campo Bom.

3.3.8 Defensoria Pública do Estado

Foi realizada reunião da assessoria da Subcomissão com a Defensora Pública Dra. Luciana Artus Schneider, dirigente do Núcleo de Defesa Agrária e Moradia (Nudeam). A reunião serviu para abordar diversas demandas e gargalos das políticas habitacionais, em especial a série de comunidades ameaçadas de despejo em Porto Alegre e Região Metropolitana.

3.3.9 Secretaria Estadual de Obras, Habitação e Saneamento

A diretora do Departamento de Regularização Fundiária e Reassentamento da Secretaria Estadual de Obras, Habitação e Saneamento, Lisiane Manassi Gomes, recebeu a assessoria da Subcomissão, onde destacou as dificuldades na implementação das políticas de regularização fundiária no Estado, apontando este como um problema histórico, sendo que o principal entrave são as questões técnicas e burocráticas. Apesar das dificuldades, algumas comunidades estão com processo avançado de regularização fundiária. Contudo, ressaltou a importância da Assembleia Legislativa realizar este debate sobre a questão da moradia no Estado, se colocando à disposição para auxiliar o trabalho da Subcomissão com dados, se necessário.

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3.3.10 Departamento Municipal de Limpeza Urbana de Porto Alegre - DMLU

A Subcomissão reuniu com Diretor Adjunto do DMLU, Roberto Pereira, na oportunidade em que lhe entregou um documento com as necessidades das comunidades atendidas pela Subcomissão. O DMLU acolheu as demandas e se colocou à disposição para auxiliar os trabalhos da Subcomissão no que fosse necessário (Fig. 35).

Figura 35: Entrega de documento com as demandas das comunidades visitadas no ano de 2017 para o diretor adjunto do DMLU

3.3.11 Comissão da Campanha Despejo Zero.

A Subcomissão foi procurada pela Comissão da Campanha Despejo Zero, articulada pela Aliança Internacional de Habitantes (Fig. 36). Em Porto Alegre e Região Metropolitana entidades do Fórum Estadual da Reforma Urbana, Movimentos Populares, Ocupações e Associações organizaram uma Comissão da Campanha Despejo Zero, para denunciar ameaças de despejo e remoções forçadas. Estas demandas foram levadas para a reunião da Subcomissão em 2 de agosto, para que pudessem ter o acompanhamento da Assembleia Legislativa. Ao mesmo tempo, esta comissão demonstrou preocupação com a falta de políticas pública efetivas contra os despejos e a necessidade da Assembleia Legislativa ser um ator um importante na mediação e prevenção de conflitos e despejos, principalmente com a falta de

49 funcionamento do Conselho Estadual das Cidades e do GT de Conflitos do Estado, que funcionou, principalmente, na gestão anterior do Governo do Estado.

Figura 36: Reunião da Subcomissão de Moradia com a Comissão da Campanha Despejo Zero.

4. Considerações Finais e Recomendações desta Subcomissão

A partir do trabalho realizado pela Subcomissão, constatamos que os problemas relacionados à moradia demonstram a grande crise que vivemos. Apesar das medidas de ampliação ao acesso à moradia, tais como o “Minha Casa Minha Vida”, não se avançou muito no que tange à regularização das ocupações. A falência do Estado em ter uma política de desenvolvimento urbano não vem de agora e é reflexo de uma situação histórica: a população urbana no Brasil saltou de 31% em 1940, para 84% em 2010. O êxodo rural e o aumento da população fizeram com que o Brasil crescesse de 40 milhões, neste mesmo período, para mais de 200 milhões de habitantes. Isto fez com que as cidades tivessem um crescimento absurdo, sem condições de garantir moradia, saneamento, pavimentação e serviços essenciais necessários para as comunidades, demonstrando que inexiste uma política de desenvolvimento urbano. Os despejos e remoções forçadas são um ato de violência, pois em grande parte dos despejos as comunidade não tem local para ser realocado, mesmo que provisoriamente. Neste cenário é fundamental que o Poder Judiciário possa avançar nas experiências de mediação, através do fortalecimento de instrumentos como o CEJUSC e a construção de Varas especializadas e que poderão dar uma abordagem qualificada ao tema. Da mesma forma, a recentemente aprovada Lei Federal 13.465/17

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(conversão da MP 759/16) aponta em seus dispositivos a mediação para a regularização fundiária urbana, por iniciativa própria dos municípios, ou provocada. É fundamental que comunidades, legislativos, prefeituras e mesmo o Estado se apropriem deste instrumento como forma de garantir a agilização nos processos de regularização, mas com a garantia dos equipamentos e serviços públicos essenciais. Outra medida que deve ser encaminhada é a retomada e fortalecimento dos Fóruns de Prevenção e Mediação dos Conflitos Fundiários. Historicamente as experiências nos demonstram que quando conseguimos reunir os diferentes atores, poderes e instituições para mediação dos conflitos, majoritariamente conseguimos soluções satisfatórias. Como exemplo, podemos citar a importância da atuação da Assembleia Legislativa nas negociações entre representantes da Lanceiros Negros, Brigada Militar, Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa - presidida pelo Deputado Jeferson Fernandes -, Ministério Público, Prefeitura de Porto Alegre, Câmara de Vereadores de Porto Alegre, Associação dos Oficiais de Justiça, os deputados Zé Nunes, Pedro Ruas e a deputada Manuela D´Ávila, entre outros órgãos que formam o Comitê Gestor, constituído no dia da reintegração para conduzir a negociação e acompanhar os encaminhamentos acordados. Após quase 12 horas de trabalho, um acordo por escrito foi firmado e assinado entre todas as partes. As famílias garantiram alojamento provisório no Centro Vida (Zona Norte da Capital), uma área da Brigada Militar que está sendo preparada para receber cerca de 70 pessoas, entre mulheres, crianças, indígenas, quilombolas, todos integrantes da Ocupação Lanceiros Negros, onde permanecerão por até 6 meses, e, após o período, receberão auxílio- moradia. As crianças que estudavam na região central tiveram passes de ônibus garantidos, não violando seu direito inalienável de acesso à educação. Este Comitê Gestor permanece acompanhando o caso o que o torna um exemplo de formato de negociação para os futuros pedidos de reintegração. Caso a mediação não seja suficiente para solucionar o conflito fundiário, há necessidade de construção coletiva de um Protocolo Estadual para as Desapropriações e Reintegrações de Posse. O que há em vigor, hoje, é a Nota de Instrução Operacional nº 006.1, de outubro de 2007, aplicável às ações dos movimentos sociais em geral em ocupações pontuais de caráter reivindicatório ou de protestos. Esta instrução, elaborada por comissão nomeada em agosto de 2007 e debatida apenas entre os comandantes de Comandos Especiais, Comandantes Regionais de Polícia Ostensiva (CRPO) e Comandantes Regionais de Bombeiros (CRB) do nosso Estado prevê, mesmo em casos de “desocupação voluntária” a instrução determina que que o CRPO deve “revistar e identificar os invasores” e, se necessário, conduzir a delegacia de polícia para a formalização do Auto de Prisão em Flagrante Delito. Ainda,

51 estabelece que em caso de “desocupação compulsória” deve reforçar os níveis de isolamento e adotar medidas mais rígidas e restritivas. Ou seja, esta instrução determina um “fichamento” dos envolvidos em ocupações, o que consideramos fato grave no que tange os direitos básicos do ser humano. O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, em setembro de 2008, encaminhou ao Procurador Geral de Justiça a representação para propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) do referido protocolo da Brigada Militar, conforme consta em Relatório Sobre o Deslocamento ao Estado do Rio Grande do Sul da Comissão Especial Constituída pela Resolução nº 08/08, a fim de “apurar tentativas de criminalização de movimentos sociais, a partir de iniciativas do Ministério Público Estadual, decisões do Poder Judiciário Gaúcho, e ações da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, apontando soluções no sentido de garantir o respeito aos direitos civis e às liberdades públicas”. Assim, recomendamos a revogação pelo Comando-Geral da Brigada Militar da Nota de Instrução Operacional nº 006.1/EMBM/2007 e a elaboração de um documento de diretrizes a futuras ações, que respeitem os direitos inerentes à pessoa humana, construído em conjunto com entidades da sociedade civil, poder público e movimentos sociais. A experiência desta Subcomissão nos fez refletir sobre a situação das crianças e adolescentes que vivem nestas comunidades. A garantia do direitos à escola e acesso às redes de proteção social de nossos jovens são direitos fundamentais, que antecedem ao próprio direito à moradia. Desta forma, é sugestão deste relatório que o direito à moradia deva respeitar os direitos da criança e que não deverá ocorrer a reintegração em meio ao ano letivo. Caso não seja possível, as famílias deverão ser realocadas preferencialmente em local próximo da escola onde a criança estiver matriculada para não prejudicar o ano letivo. Nos casos de reintegração para local distante da antiga moradia, que seja assegurada vaga em escolas próximas ou garantido o transporte escolar. No âmbito da Assembleia Legislativa, a Comissão de Assuntos Municipais trata da questão da habitação e regularização fundiária urbana e mobilidade urbana, todavia, historicamente as demandas relacionadas aos despejos forçados tem sido remetidos à Comissão de Cidadania e Direitos Humanos. Foi cogitada a criação de uma Comissão Mista Permanente para tratar especificamente do tema, porém, regimentalmente, em razão da proporcionalidade de vagas de acordo com o número de Deputados(as), e o número de comissões existentes, não foi possível. Assim, sugerimos que “a defesa da moradia digna” passe a fazer parte das atribuições da CCDH, a fim de abordar o tema com viés de direito humano universal e fundamental e direito social constitucional, conforme o artigo 6º da Carta Maior;

52 garantindo moradia digna a todos e buscando soluções para efetivamente prevenir a ocorrência dos despejos forçados, eis que estes constituem uma violação do direito à moradia. O direito à moradia digna deve ter protagonismo nos debates desta Casa Legislativa, visto o grande déficit habitacional e as demandas historicamente reprimidas e que, neste contexto de redução das políticas sociais pelo Estado, tem ganhado as ruas e crescido assustadoramente. Além disto, como recomendação, sugere-se a constituição de uma Frente Parlamentar em Defesa da Moradia Digna e Contra os Despejos, que seria uma solução para aglutinar os parlamentares sensibilizados pelo tema e a articulação de diversos atores, sejam eles comunidades, instituições e entidades da sociedade civil, mobilizados por esta pauta tão importante e que deve ser debatida pela sociedade gaúcha e por este parlamento. Ante as considerações expostas acima, este relatório recomenda:

Mediação de Conflitos Fundiários

1. Todos os processos que envolvam conflitos fundiários sejam mediados pelo Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania – CEJUSC; 2. Retomar e fortalecer os Fóruns de Prevenção e Mediação dos Conflitos Fundiários; 3. Revogação, pelo Comando-Geral da Brigada Militar, da Nota de Instrução Operacional nº 006.1/EMBM/2007; 4. Criação de um Protocolo Estadual para as Desapropriações e Reintegrações de Posse, que garanta o reassentamento digno das famílias;

Direitos das Crianças

5. A garantia dos direitos à escola e às redes de proteção social às crianças e adolescentes, não havendo reintegração em meio ao ano letivo; 6. Caso haja reintegração para local distante, que seja assegurada vaga em escolas próximas ou garantido o transporte escolar.

Política Urbana

7. A aplicação da Lei 13.465/2017 no que se refere aos conflitos urbanos e regularização fundiária;

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8. Que os municípios instituam as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) através dos planos diretores ou planos municipais de habitação; 9. Recenciamento que contemple as áreas públicas devolutas e áreas privadas que não cumpram com a função social da propriedade, para fins de moradia popular; 10. Levantamento de dados que quantifique e qualifique o déficit habitacional do Estado;

Ações da Assembleia Legislativa

11. Inclusão da defesa à moradia digna no rol das competências da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos; 12. Criação de uma Frente Parlamentar em Defesa da Moradia Digna e Contra os Despejos Forçados.

Deputada Manuela d’Ávila Relatora

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5. Referências

ANISTIA INTERNACIONAL. Basta de Remoções Forçadas. Disponível em https://anistia.org.br/campanhas/basta-de-remocoes-forcadas/. Acesso em 15/08/2017. FARIAS, H. 2014. Direitos sociais: direito à moradia. Disponível em https://helberfreitas.jusbrasil.com.br/artigos/145423551/direitos-sociais-direito-a-moradia. Acesso em 10/08/2017. FLECK, G. 2017. 'Extirparam o câncer': o olhar de quem não se vê no direito de pertencer à cidade. Disponível em http://especiais.sul21.com.br/gentrificacao/extirparam-o-cancer-o-olhar-de-quem- nao-tem-o-direito-de-pertencer-a-cidade/. Acesso em 18/08/2017. FREITAS, H. 2014. Direitos sociais: direito à moradia. Disponível em https://helberfreitas.jusbrasil.com.br/artigos/145423551/direitos-sociais-direito-a-moradia. Acesso em 17/08/2017. NALIN, M.N. 2007. Os significados da moradia: um recorte a partir dos processos de reassentamento em Porto Alegre. Dissertação de Mestrado. PUCRS. 172 pp. MORAES, A. et al. 2009. Plano Municipal de Habitação de Interesse Social. ETAPA II - DIAGNÓSTICO DO SETOR HABITACIONAL DE PORTO ALEGRE. MORATO, Rúbia Gomes. Análise da Qualidade de Vida Urbana no Município de Embu/SP. São Paulo, 2004. 108 p. Dissertação (Mestrado em Geografia Física) USP/FFLCH RIBEIRO, H. & VARGAS, H. C. Qualidade Ambiental Urbana: Ensaio de uma Definição. In: VARGAS, H. C.; RIBEIRO, H. (org.) Novos Instrumentos de Gestão Ambiental Urbana. São Paulo: Edusp, 2001, p.13-19. RANIERI, Nina. Educação Superior, Direito e Estado: Na Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/96). São Paulo: Edusp, 2000. ROLNIK, R. É possível uma política urbana contra a exclusão? Serviço Social & Sociedade, n. 72, ano XXIII. São Paulo: Cortez, nov. 2002, p. 54.

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